Formação de professores: entre a pandemia e a esperança | Simone Albuquerque da Rocha

Professores homens na Educacao Infantil Imagem TV PUC Rio
Professores homens na Educação Infantil| Imagem: TV PUC-Rio

Em tempos pandêmicos, quando o TIC-TAC do relógio badala em um outro ritmo totalmente diferente e a perplexidade parece tomar conta de todos os segundos, impedindo-os de seguir sua trajetória sucessiva de uma maneira habitual, visto que, diante da insegurança e incerteza o tempo parece infligir uma sensação de tortura, enquanto segue seu caminho infindo de minutos, horas, dias, meses, anos, décadas, demonstrando que o tempo pode ser dividido para facilitar a contagem de sua passagem, mas ele nunca é o mesmo para cada um de nós.

A condição sanitária fez emergir uma série de sensações, colocando a raça humana diante de sua mortalidade e finitude, ao mesmo tempo em que aflorou a necessidade de discernimento, reflexão e empatia. A consciência chama a atenção para a urgência de toda a sociedade ponderar e estabelecer análises críticas sobre as atitudes pessoais e coletivas, de modo que seja possível pensar novas formas de agir, conviver e sobreviver, diante da impossibilidade de manter o mundo tal qual o conhecíamos até então.

O livro Formação de Professores: entre a esperança e a pandemia, organizado por Simone Albuquerque da Rocha e Elni Elisa Willms, publicado em 2020, pela Editora Verona, em formato digital, apresenta uma produção coletiva do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Rondonópolis (PPGEdu/UFRMT), que conta com a participação e parceria estabelecida entre os orientadores e orientandos desse mesmo programa, além de pesquisas desenvolvidas por egressos e professores convidados, para compor uma obra que publiciza os resultados dos trabalhos sobre a reflexão da formação de professores, no contexto da pandemia de Covid-19 e diante das demandas e desafios impostos aos profissionais da educação.

Na primeira parte do volume, intitulada Formação de Professores: pandemia e esperança, são apresentados sete artigos, que abordam a emergência imposta pela condição sanitária, que determinou uma série de mudanças quanto à maneira de se relacionar com o mundo e com as pessoas. Consequentemente, repercutindo na educação, afinal, em um mundo confinado, dominado pela incerteza e pelo medo, em que o contato direto entre os seres humanos pode representar um risco à vida, houve a necessidade de pensar e estruturar novas maneiras de agir diante das circunstâncias, ao mesmo tempo em que essas medidas pudessem preservar a maior quantidade possível de vidas.

As reflexões sobre essas questões têm início pelo texto Imaginário pandêmico: entre o medo e a esperança, de Alberto Filipe Araújo e Rogério de Almeida, em que os autores inicialmente situam o que é o coronavírus, a origem da sua nomenclatura e os profundos impactos decorrentes tanto das consequências sanitárias, quanto econômicas, psicológicas e culturais provocadas pela pandemia.

Nesse contexto de adversidades, encontram-se alguns profissionais, que tiveram que seguir desempenhando as suas atividades, independentemente da progressão da doença. Em vista disso, as reflexões são direcionadas para o trabalho dos professores, que exigiu uma rápida e contínua adaptação para reestruturar e organizar as ações educacionais as mais variadas tecnologias da informação e comunicação, demandando uma quantidade ainda muito maior de atribuições, além de levantar uma série de questões econômicas, psicológicas, culturais que estão postas nas sociedades contemporâneas e que também são expressas nos ambientes virtuais, revelando tanto a diversidade, quanto a adversidade e os problemas sociais presentes no corpo social.

Porém, a discussão proposta busca ir além dos aspectos amplamente debatidos pela academia e pelos meios de comunicação, direcionando o olhar para o referencial simbólico, os sentidos, significados, interpretações, buscando compreender a pandemia e como ela é manifestada no imaginário contemporâneo, de que maneira a condição sanitária interfere na perspectiva de futuro, por meio das oscilações entre medo, dúvida, temor, resignação, esperança, visto que a instabilidade provocada pelas circunstâncias atuais afeta tanto o presente, quanto as possibilidades de futuro, levando os autores a afirmar que “[…] não há como mirar o futuro e não depender fortemente de dois sentimentos-chave, dos quais derivam todos os demais: esperança e medo.” (ARAÚJO; ALMEIDA, 2020, p. 14).

Para tanto, os pesquisadores estabelecem análises, por meio de um diálogo contínuo entre a psicologia e o imaginário mitológico presentes em obras literárias, como em Fausto e Drácula, Um diário do ano da peste, de Daniel Defoe, A peste, de Albert Camus, além da perspectiva cinematográfica, através da reflexão do filme Sétimo Selo (1957), de Ingmar Bergman, em que uma vastidão de sentimentos conflituosos são expressos diante da aproximação do fim inevitável e do vislumbrar da morte.

Nesse diálogo, os autores traçam um paralelo entre os personagens ficcionais, indicando aqueles que se assemelham a um vírus e que a mera presença provoca medo, terror, desesperança e os que são as suas vítimas, assoladas pela tragédia, perplexidade e impotência, diante das situações vivenciadas e da incapacidade de modificá-las. Em suas conclusões, para além das condições ora apresentadas, destacam a necessidade de repensar os rumos traçados pela raça humana, nas sociedades contemporâneas.

No segundo texto, de autoria de Bernardete Angelina Gatti, intitulado A formação de professores e o contexto socioeducacional, é abordada a importância da formação inicial para a docência na educação básica, de modo que os futuros docentes possam ter experiências significativas de aprendizagem, que possibilitem a aquisição de saberes específicos tanto da área de conhecimento, quanto pedagógicos, que favoreçam o desenvolvimento de uma postura ético-social e da compreensão quanto ao papel social da educação e dos professores, fazendo com que esse profissional seja capaz de analisar a conjuntura histórico-social que o cerca.

Por conseguinte, os cursos preparatórios para o exercício do magistério precisam orientar os futuros docentes, para que tenham o conhecimento e as condições necessárias que contribuam para o estabelecimento de análises crítico-reflexivas e, assim, consigam fomentar essa atitude analítica e questionadora também em seus discentes. Nesse sentido, a autora reforça a necessidade das licenciaturas serem pensadas e organizadas para proporcionar uma formação integrada e interdisciplinar, visando a compreender e atender as necessidades postas para a escola, em um mundo em constante mudança, com relações sociais cada vez mais complexas e que impõe novas e crescentes demandas para os ambientes formativos, o que envolve a gestão escolar, as políticas educacionais, a formação de professores e o trabalho docente.

Gatti destaca a questão das políticas públicas e a promulgação de instrumentos legais referentes à formação de professores, em que identifica a preocupação com a docência, porém, salienta que esses documentos normativos mudam constantemente, o que impossibilita a verificação quanto aos resultados efetivos de uma determinada legislação, exatamente, em virtude da contínua necessidade de adequação dos cursos às exigências legais das diretrizes vigentes, provocando retrabalhos permanentes, por parte das instituições que oferecem os cursos de licenciatura e dos profissionais da educação envolvidos na reestruturação dos projetos pedagógicos.

Outra questão abordada pela autora diz respeito à constituição histórica dos cursos de formação de professores, visto que as licenciaturas foram tradicionalmente “concebidas como apêndice de bacharelados”, o que contribuiu para que ocorresse a distinção e a fragmentação entre as áreas de conhecimento, fazendo com que houvesse a depreciação da formação pedagógica, repercutindo ainda na desvalorização dos professores, na desqualificação do próprio trabalho docente, de modo que esses fatores fazem parte de um contexto sociocultural que dificulta a compreensão quanto à profissão dos professores, uma vez que os docentes não são identificados como uma categoria profissional, que precisa ter uma formação específica e que esse preparo para o exercício de seu ofício engloba uma série de conhecimentos intrínsecos à profissão, além de aspectos atitudinais, éticos e de compromisso social para com as futuras gerações.

No final do artigo são apresentados dados estatísticos que evidenciam as carências e dificuldades existentes tanto na educação básica, quanto na formação de professores, reforçando a necessidade de haver políticas públicas educacionais integradas e melhor direcionadas, além de incentivos para o ingresso e a permanência na docência, envolvendo salários adequados, melhores condições de trabalho, respeito e valorização da formação de professores e da profissão docente.

O terceiro artigo, intitulado Formação de professores no contexto atual: desafios e limites da tecnologia no processo educativo, de autoria de Vera Lucia Martiniak, Elenice Parise Foltran, Rita de Cassia da Silva Oliveira, pondera acerca da formação inicial de professores e a utilização dos recursos tecnológicos nos processos educacionais, por meio do diálogo com outros autores que abordam esses temas, indicando ainda as limitações e os desafios que o uso das novas tecnologias estabelecem tanto para a formação, quanto para o exercício da docência.

Principalmente com base nos apontamentos de Dermeval Saviani, as autoras fazem uma breve introdução sobre a formação de professores e o crescente debate entorno dessa questão, considerando os aspectos político-sociais, os modelos formativos para a docência, algumas concepções acerca da educação e dos conhecimentos fundamentais para o exercício do magistério, ressaltando que os professores devem ter uma formação sólida e ponderando ainda que o uso de tecnologias educacionais por esses profissionais, nos ambientes escolares, não são suficientes para solucionar os aspectos referentes às adversidades e problemas da educação brasileira.

Destacam também que, os temas abordados estão perpassados por uma série de questões e envolvem ainda discussões quanto à qualidade da educação, a cultura escolar e a manutenção de fragmentações e controles, as influências exercidas nos processos formativos pelas demandas neoliberais, centradas em aspectos técnicos de eficiência e eficácia, com a finalidade de preparar trabalhadores flexíveis, conformados e ajustados para inserção no mercado de trabalho, visando a atender as necessidades econômicas, sendo que, todos esses aspectos prejudicam a reflexão e a compreensão da educação como um processo permanente e ininterrupto.

Dessa forma, enquanto um campo de batalha, na contemporaneidade, a educação vê esses conflitos ultrapassar as barreiras do mundo real e adentrar no digital, em que, grandes conglomerados e grupos privados passam a atuar, de forma cada vez mais intensa, na formação das futuras gerações, por meio da influência que exercem sobre o controle de conteúdo, sistemas digitais apostilados e agenda político-educacional.

Porém, a situação pandêmica, definitivamente, evidenciou velhos problemas sociais, revelando a necessidade de haver políticas públicas de inclusão e democratização também direcionadas para o acesso digital, além de infraestrutura e da inserção das novas tecnologias nas escolas e nos cursos de formação de professores, como mais uma ferramenta que pode auxiliar no desenvolvimento do trabalho escolar e do professor, finalizando com a reflexão acerca do papel das Instituições de Ensino Superior, enquanto centros de formação e produção de conhecimento, ressaltando a importância de pensar a instrução superior fundamentada no ensino-pesquisa-extensão.

O quarto artigo, intitulado Leitura e escrita em contextos adversos: possibilidades para alfabetizar letrando, de autoria de Sandra Regina Franciscatto Bertoldo e Lucilene Rosa dos Santos Dias, são estabelecidas reflexões sobre o desenvolvimento da linguagem e dos processos cognitivos, visando a compreender como acontece a construção do conhecimento e as aprendizagens que consolidam a efetivação da leitura e da escrita, com base no conceito sócio histórico do ser humano e dos usos e espaços sociais da linguagem, considerando ainda as possibilidades e as problemáticas impostas pelas condições sanitárias, na trajetória de alfabetização e letramento das crianças.

A perspectiva de alfabetização e letramento indicada pelas autoras acontece concomitantemente, assim, indicando que existe um processo formal, que ocorre na escola, compreendendo-a como o espaço de sistematização do conhecimento escolar, como também o informal, que acontece nos múltiplos espaços frequentados pelas crianças, englobando os ambientes familiares, a igreja, entre outros, que exercem uma influência quanto ao uso da linguagem e a aprendizagem que envolve o multiletramento dos infantes, sendo que, nesses outros espaços de convívio, a aquisição dos ensinamentos acontece pelas interações, trocas de vivências, experiências, que apresentam ainda modelos de linguagem verbal e não-verbal.

Nesse sentido, destacam a importância dos gêneros textuais para a aprendizagem, ressaltando que em tempos de pandemia, a utilização da linguagem cotidiana e das questões que se apresentam no dia a dia é essencial para a aprendizagem das crianças, pois houve a necessidade de trabalhar com a alfabetização, por meio dos recursos disponíveis no lar desses alunos, sendo que, nesse processo há também o letramento, no sentido de saber identificar os usos sociais da linguagem, assim, abrindo possibilidades para o questionamento e a descoberta, nos mais variados ambientes e formatos. Por fim, as autoras ainda apresentam algumas sugestões de atividades.

O quinto artigo, intitulado Educação em tempos de autoritarismo: considerações à luz da teoria crítica, de autoria de Nivaldo Alexandre de Freitas, Maria Cristina Dancham Simões e Carlos Eduardo Ramos, propõe o debate das relações existentes entre a Psicologia Social, a Teoria Crítica da Sociedade e a Educação, principalmente pela interlocução com Theodor W. Adorno, para abordar e refletir acerca das políticas educacionais, visto que a ausência de propostas que valorizem a educação e os profissionais que nela atuam, também significa um posicionamento das instâncias públicas diante do tema, para tanto, os pesquisadores indicam que basta averiguar os sucessivos ataques promovidos e direcionados, principalmente no âmbito federal, contra os ambientes educacionais, a formação de professores, a figura do professor e o trabalho docente, as políticas de acesso, inclusão e democratização de acesso e permanência. Paralelamente, há a defesa da meritocracia, ignorando todas as condições sociais adversas e as mais variadas intervenientes presentes na sociedade brasileira.

Ao abordar as análises de Adorno sobre os mecanismos que trabalham com a perspectiva de genocídio de uma determinada parcela da sociedade, como sendo uma trajetória viável para o desenvolvimento social, simultaneamente, são também discutidas questões referentes ao desaparecimento da memória, demonstrando que tais práticas contribuem para o esquecimento de ações e atitudes que são a expressão da barbárie, dessa forma, contribuindo para a sua preservação e continuidade, servindo ainda como justificativa para a realização de tais selvagerias e incivilidades.

Partindo do referencial teórico, as análises procedidas pelos pesquisadores evidenciam que as condições sociais que levam ao autoritarismo estão presentes nas sociedades contemporâneas, levando os autores a destacar a importância da educação infantil para a sociedade, visto que essa é uma instituição social que pretende moldar comportamentos, de modo a transformar a pessoa em um ser civilizado, consequentemente, é também a escola que apresenta determinadas repressões e elementos para que as crianças sejam conformadas à realidade da qual fazem parte, sendo que essa adequação e ajustamento fazem parte do processo de civilização e socialização, ao promover a submissão às leis e regras sociais compreendidas como sendo as mais apropriadas para aquela sociedade, em um local e tempo determinados, considerando que esse tipo de ensinamento será perpetuado por toda a vida desses indivíduos.

Nesse sentido, ressaltam que a Emenda Constitucional 95 constituiu um ataque amplo contra a educação, visto que impossibilita atingir as metas previstas no Plano Nacional da Educação aprovado pela Lei nº 13.005, de 24 de junho de 2014, como também é uma ofensiva na direção dos trabalhadores da educação, uma vez que, ao alterar o regime fiscal por vinte anos consecutivos, é estabelecido um limite para as despesas primárias, assim, impactando na abertura de concursos, na reposição salarial e estrutura de carreira, entre outros, criando uma sucessão de situações que comprometem as ações educacionais, pois se não há verbas disponíveis, as infraestruturas passam a ser paulatinamente sucateadas, repercutindo, inclusive não apenas nas condições físicas e estruturais, como também humana, pela falta de contratação de profissionais, pela supressão de abertura de concursos, impossibilitando a substituição dos servidores que se aposentam, gerando ainda uma sobrecarga de trabalho para os que ficam.

De acordo com as análises procedidas pelos autores, após a EC nº 95, sucederamse ainda uma série de ataques, tanto por meio de instrumentos legais, como de movimentos como o “Escola sem Partido”, de modo que o modus operandi desses grupos segue práticas anteriormente utilizadas por fascistas, nazistas e outros agrupamentos que apresentam discursos confusos e controversos, que acabam sendo materializados como perseguições políticas, que são concretizados na forma de projetos de lei e no desmonte contínuo da educação pública, por meio de cortes e até a suspensão de verbas, de bolsas, de recursos, ao que os autores afirmam que toda essa conjuntura não se trata de redução dos gastos públicos, com base na lógica liberal de um Estado mínimo, mas da estruturação e desenvolvimento de um Estado de modelo autoritário e neoliberal.

Os autores destacam ainda que é necessário refletir acerca das forças e interesses que ao mesmo tempo em que atacam a educação e o trabalho dos professores, também atuam para limitar a formação das futuras gerações à condição de uma semiformação, agravando ainda mais os problemas educacionais, gerando também impactos diversos em toda a sociedade, afinal, quando uma instituição social é organizada e sistematicamente direcionada pelas instâncias legais e deliberativas para oferecer uma falsa formação, mesmo estando em um Estado de bem-estar social, essa constatação expressa o poder exercido por certos grupos envolvidos com os setores político-econômicos.

Nesse sentido, uma vez que a educação está inserida em uma lógica capitalista em que as aprendizagens são direcionadas para atender às demandas do mercado de trabalho e que o conceito de autonomia passa por reinterpretações, até adquirir um significado diferente do que de fato expressa, visto que, segundo os autores, esse conceito está sendo vinculado com termos e atitudes de autodisciplina, flexibilização, inovação e predisposição para a informatização.

Em vista disso, a pandemia evidenciou a precariedade em que se encontra o trabalho docente, tanto no setor público, quanto no privado, que entre outras questões, vem sofrendo com a flexibilização dos contratos de trabalho, que trouxe facilidades para precarizar e realizar a demissão em massa, permitindo ainda o reagrupamento dos alunos em turmas maiores, em virtude da fusão do virtual e do híbrido, levando à ampliação da jornada de trabalho dos docentes, porém, sem o devido reconhecimento salarial e sendo a figura do professor super responsabilizada como o único responsável pelo fracasso escolar, mesmo que o docente não controle todos os aspectos estruturais e humanos envolvidos no processo.

Diante de tudo o que foi exposto, os pesquisadores afirmam que a solução seria a desbarbarização dos indivíduos, para que eles consigam ter ciência do seu entorno e possam ter condições para modificar as circunstâncias existentes na sociedade.

O sexto artigo, intitulado Quando o domus é invadido: como experienciar práticas lúdicas e sensíveis na condição da educação remota?, de autoria de Thamara Parteka e Elni Elisa Willms, inicialmente apresenta alguns aspectos do desafio de se trabalhar utilizando recursos digitais, para, em um segundo momento, relatar a experiência vivenciada por uma das autoras, Thamara, que desenvolveu remotamente um trabalho com crianças dos anos iniciais e em fase de alfabetização de uma escola pública do interior de Mato Grosso.

A urgência imposta pelo momento pandêmico suscitou nas autoras uma série de reflexões educacionais e sociais, que fomentaram ponderações acerca das possibilidades que as condições sanitárias e as circunstâncias atuais podem representar para pensar sobre maneiras de experienciar a vida, de criar novas propostas educativas, de ultrapassar tanto a situação vigente, quanto a compreensão do que é uma sala de aula e da falsa ideia de que só é possível ensinar e aprender estando em um ambiente tradicional de ensino, em que o professor possui o seu lugar e os discentes o deles.

Porém, as pesquisadoras salientam ainda que mudança trouxe um grande acúmulo de trabalho para os professores, que além de não terem nenhum tipo de apoio ou instrução quanto às melhores práticas para fazer a migração do presencial para o virtual, se viram obrigados a aprender como usar, literalmente, do dia para a noite, essas novas ferramentas, sendo que, em muitos casos foi preciso comprar equipamentos que atendessem às novas necessidades, ou seja, os docentes também tiveram que arcar com todos os custos referentes a essas mudanças, sendo necessário ainda fazer a modulação das suas aulas para os novos formatos e desenvolver métodos para ensinar aquilo que os discentes precisavam aprender, fazendo com que a jornada de trabalho virtual se estendesse por muito mais horas do que as habitualmente direcionadas para as ações pré-aula, com o estudo, seleção e preparo do material, e pós-aula, com a análise dos resultados obtidos e a reflexão das adequações necessárias, tornando o trabalho com as aulas remotas mais desgastante do que o presencial.

As pesquisadoras também coletaram alguns relatos apresentados no portal “Desafios da Educação” sobre o trabalho docente no contexto pandêmico, em que o ambiente escolar passa a estar na casa dos discentes, em que foi possível identificar os mais variados desafios que a educação remota apresenta, diante de múltiplas realidades e contextos sociais, afinal, o formato digital adotado era o mesmo, desconsiderando as diferenças regionais e locais, as condições sociais e de acesso. Na sequência, apresentam a experiência vivenciada por uma das autoras, revelando a preocupação com os discentes, com a preservação de uma rotina que facilitasse a alfabetização, envolvendo uma postura sensível e reflexiva acerca dos envolvidos nas aulas virtuais e os esforços que todos estavam fazendo para que a educação conseguisse seguir em frente, mesmo que momentaneamente modificada.

O sétimo artigo, intitulado Ouvir a poesia das folhas, sentir o cheiro do tempo, admirar a dança do vento: gestos poéticos da infância, fios para a formação docente, de autoria de Luciana Esmeralda Ostetto, Cristiana Callai e Marta Maia, aborda a formação docente, por meio da dimensão estética, com educação e arte, de modo a observar e entender a forma como os infantes aprendem e percebem o mundo ao seu redor, assim, compreendendo a criança como um ser, em um tempo e espaço, com suas particularidades e percepção para estabelecer relações e atribuir significados.

O artigo inicia em meio a relatos de vivências cotidianas experimentadas entre mãe e filha, em que as autoras revelam o mundo da investigação, da descoberta, da imaginação, da experiência, dos sentidos tão comuns às crianças e tão esquecidos ou despercebidos pelos adultos. A narrativa demonstra as diferenças entre o olhar infantil, em que cada experiência traz um aprendizado, apresentando uma perspectiva formativa, e o olhar já consumido pelo tempo, pela transformação que conduz à vida adulta, que zela pela praticidade, utilidade e objetividade.

O perceber docente sobre a criança e as experiências e sentidos por elas atribuídos no mundo ao seu redor é um ato reflexivo do professor, que se coloca na condição de observador e incentivador da descoberta, das possibilidades de aprendizagem, que explora a imaginação infantil, para explicar conceitos e as primeiras aproximações do saber nato com o científico, assim contribuindo para o desenvolvimento de experiências variadas, que contribuem para que formas, cores, contextos sejam percebidos e tenham um significado, exatamente, por meio dessas interações artístico-culturais, estético-expressivas de observação e ludicidade, de troca de conhecimento, de empatia, de compreensão, percepção e respeito entre docentes e discentes.

A segunda parte do livro, intitulada Formação de Professores em diferentes níveis e contextos, está centrada na discussão acerca da formação de professores, tema esse abordado ao longo de dez artigos, em que são destacadas algumas das dimensões que envolvem o exercício do magistério, ponderando sobre as descobertas, desafios, trocas, experiências, vivências, saberes e possibilidades de aprendizagem que permeiam o desenvolvimento profissional e a prática docente.

As reflexões sobre as questões destacadas na segunda parte do livro iniciam pelo artigo intitulado A formação inicial na e pela pesquisa: um olhar a partir do contexto, português, finlandês e brasileiro, de autoria de Rosenilde Nogueira Paniago e Teresa Sarmento, que busca debater a importância de pensar a formação inicial dos docentes centrada no desenvolvimento da postura investigativa, com a finalidade de fomentar a pesquisa, como uma forma de estratégia para mobilizar as práticas e os saberes dos professores, tendo como ponto de partida para as análises, especificamente, os cenários educacionais de Portugal, Finlândia e Brasil.

Para sustentar a discussão proposta, entre outros, as autoras dialogam com Kurt Lewin, Jonh Dewey, Donald Schön, Kenneth Zeichner, Henry Giroux, Stephen Kemmis, Wilfred Carr, Isabel Alarcão, Marli André, Selma Pimenta, Menga Ludke, que defendem o posicionamento de que os professores são pesquisa dores, que refletem sobre as suas práticas e produzem conhecimento, destacando também as ideias de Paulo Freire, ao compreender e sustentar que a pesquisa contribui para o desenvolvimento de melhores práticas, de processos de ensino-aprendizagem mais pertinentes, que colaboram para a promoção da percepção da sociedade e da necessidade de estar constantemente atento para as questões sociais, assim, favorecendo a autonomia e o amadurecimento crítico, político e profissional dos professores.

Por meio do diálogo estabelecido com os autores adotados, as pesquisadoras ponderam ainda que é inadmissível que os docentes sejam compreendidos como meros consumidores e reprodutores de materiais desenvolvidos por terceiros, visto que, os professores são os agentes de suas práxis e, a partir dela, produzem conhecimento, por conseguinte, é necessário que a formação inicial seja um espaço para promoção do exercício da pesquisa, que fomente o desenvolvimento de uma postura investigativa, crítico-reflexiva, questionadora e política da e na prática dos futuros docentes.

Nesse sentido, abordam como a formação inicial de professores ocorre em Portugal e na Finlândia, destacando que o fomento à pesquisa acontece em nível de mestrado no primeiro país e ao longo do curso de formação no segundo, sendo que, na Finlândia, para seguir a carreira docente, o mestrado é obrigatório. Salientam que, em ambos os países, acontece o processo de investigação e reflexão na e sobre a prática, o que contribui para que ocorra o desenvolvimento da teoria e da prática em conjunto, bem como, oferece condições para a promoção da autonomia e da postura crítico-investigativa.

Quando as análises são direcionadas para o caso brasileiro, as autoras apontam os trabalhos que destacam a importância da problematização da realidade, da formação na e para a pesquisa, da pesquisa-ação, do estágio como um espaço formativo, de programas de residência pedagógica (PRP), de modo que todos esses processos possibilitam aos futuros professores e aos formadores de professores a reflexão acerca da docência, bem como, das tensões e dificuldades enfrentadas pelos cursos de licenciatura e pedagogia.

As pesquisadoras ainda citam as diferenças entre os países analisados, indicando que na Finlândia, o ingresso na formação de professores é muito concorrido e que o desenvolvimento de pesquisa é incentivado continuamente. Em Portugal, após o processo de Bolonha, a formação docente passou a apresentar uma divisão entre o conhecimento específico da área e à docência, levando ainda à separação entre os cursos de licenciatura e pedagogia e a formação profissionalizante.

No Brasil, ressaltam que a pandemia evidenciou alguns problemas reincidentes na formação de professores, sendo que, os cursos de licenciatura apresentam pouca atratividade, em virtude da carreira e dos salários, consequentemente, as licenciaturas não são identificadas como a primeira opção dos candidatos, resultando em uma baixa concorrência aos cursos, atraindo os candidatos que não conseguiram entrar em outros cursos, além disso, os dados do Inep revelam que há a predominância de matrículas em instituições privadas e o crescimento contínuo do EaD, de modo que a preocupação das pesquisadoras é com relação à mercantilização do ensino e a qualidade com que os futuros docentes estão sendo formados, sendo assim, não se configurando como uma crítica às IES privadas ou ao EaD.

No artigo intitulado De aluna pesquisadora a professora: o início à docência de uma professora alfabetizadora, de autoria de Francine de Paulo Martins Lima, Marli Amélia Lucas de Oliveira e Marli André, refletem acerca dos programas e projetos brasileiros de iniciação à docência, com foco na escola e no desenvolvimento das atividades diárias do professor, no âmbito federal, estadual e municipal, com destaque para o Bolsa Alfabetização, do governo do estado de São Paulo, por meio da análise do processo de inserção à docência de uma egressa desse projeto, considerando a transição de aluna pesquisadora à de professora regente, sendo que as informações foram coletadas por meio de entrevista semiestruturada.

Nesse sentido, as autoras contextualizam o programa Bolsa Alfabetização e apresentam as perspectivas quanto à compreensão acerca do processo de formação inicial dos professores, considerando que esse preparo profissional ultrapassa os aspectos dos conhecimentos específicos de uma área e dos saberes pedagógicos, contemplando ainda questões atitudinais, a ponderação sobre as práticas desenvolvidas e a análise críticoreflexiva dos problemas reais do dia a dia, apresentados nos ambientes escolares.

Dessa forma, reiteram que o exercício da docência abrange uma instrução profissional e o desenvolvimento de conhecimentos específicos a este ofício, que ocorrem de forma gradativa ao longo dos processos formativos iniciais e no local de trabalho, no diálogo entre a universidade e a escola, na articulação entre teoria e prática, consequentemente, a escola é um ambiente de pesquisa e de produção de conhecimento.

A entrevista com a professora que participou do Bolsa Alfabetização durante o curso de formação docente revelou as dificuldades que permeiam os anos iniciais da profissão, visto que não há um acolhimento, uma integração gradual e nem um suporte quando esses professores chegam no ambiente de trabalho, afinal, dentro dos cursos de licenciatura e pedagogia as situações vivenciadas são controladas e pensadas para incentivar a reflexão sobre as questões apresentadas, porém, ao chegar em uma escola, para atuar como professor, há um choque de realidade quando os docentes se deparam com as condições e circunstâncias cotidianas, com as questões organizacionais, administrativas, burocráticas, que também estão presentes no dia a dia dos professores, além das demandas solicitadas durante a própria aula.

As autoras destacam a estreita relação entre profissionalidade docente e pessoalidade do professor, ressaltando que ambas estão sendo desenvolvidas continuamente, constituindo significados e sendo ressignificadas por meio das interações e experiências vivenciadas na docência e na trajetória profissional e pessoal, nos diferentes contextos dos quais esse indivíduo faz parte. Tudo isso contribui para compreender a docência, para repensar a própria prática e as estratégias pedagógicas utilizadas em sala de aula, por conseguinte, simultaneamente, favorece a aquisição e consolidação dos conhecimentos profissionais para o exercício docente e para o enfrentamento dos desafios escolares cotidianos.

No terceiro artigo, intitulado Novo quadro da parentalidade e do acolhimento profissional da criança em domicílio, de autoria de Gérard Neyrand, aborda o acolhimento e os cuidados dispensados com as crianças até 4 anos na França, executados por profissionais e pelos próprios pais, refletindo ainda sobre as mudanças que ocorreram na sociedade quanto ao trato dos infantes, que perpassa ainda questões relacionadas ao gênero e expressa as mudanças atitudinais e comportamentais ao longo de gerações.

O autor considera que as mudanças identificadas na sociedade francesa são expressas inclusive na forma de lei, assim, garantindo a igualdade de responsabilidades quanto à criação dos filhos, como também regulamentando a condição de trabalho e assegurando a profissionalização da atividade das assistantes maternelles.

As reflexões apresentadas buscam destacar a importância dos pais e da parentalidade, em uma sociedade em que ocorre a dupla inserção dos pais no mercado de trabalho, a precarização das famílias e o isolamento crescente dos indivíduos, ao mesmo tempo em que denunciam a falta de controle dos pais diante dos atos de incivilidade e delinquência de seus filhos, salientando que a criação e educação das crianças é um ato coletivo, configurado em mais de um espaço de socialização, consequentemente, exige o diálogo e o estabelecimento de um consenso acerca da criação das futuras gerações, sendo que a constituição de uma coeducação é um dos grandes desafios da atualidade.

No quarto artigo, intitulado Formação inicial de professores para o campo da Educação Infantil: tensões com o campo de trabalho, de autoria de Valdete Côco e Angela Scalabrin Coutinho, são propostas reflexões acerca da compreensão da formação de professores, como o momento de aquisição e aprofundamento dos conhecimentos necessários ao trabalho docente e sobre a docência, enquanto uma profissão complexa, que precisa ser respeitada e reconhecida como tal.

Ao apresentar uma retrospectiva histórica sobre a formação de professores e a consolidação da docência, as autoras ressaltam que a formação docente foi sendo constituída em torno das necessidades impostas à educação nacional, evidenciando que pensar em educação requer abarcar também as demandas referentes à educação infantil e aos saberes necessários para os profissionais que nela atuam, tal condição implicou no estabelecimento de diretrizes específicas, direcionamento de verbas, cursos orientados para a instrução profissional, a reflexão sobre esse espaço de atuação e as suas especificidades, além do diálogo entre os níveis de escolarização.

Porém, destacam que à medida em que a pedagogia foi integrando aspectos da gestão escolar em suas atribuições, tal processo foi ocorrendo dentro da reestruturação produtiva e das mudanças promovidas nos ambientes laborais pelo neoliberalismo, que ao mesmo tempo em que exige flexibilidade dos trabalhadores, para que atendam às demandas do mercado, também promove a precarização das condições de trabalho, perdas salariais e desprestígio da profissão docente, sendo que, quando os gestores optam por reunir professores e profissionais auxiliares, como se ambos exercessem a mesma função, isso contribui para que ocorra uma divergência entre o educar e o cuidar, o que “[…] impacta nos propósitos de formação de quadros funcionais, dado que, em muitas redes de ensino, o ingresso nas funções auxiliares não implica o pertencimento aos quadros do magistério.” (CÔCO; COUTINHO, 2020, p. 154).

Consequentemente, as autoras evidenciam a existência de um desacordo entre o considerando que isso ocorre em função do fator econômico, afinal, os salários de um cuidador são menores que os de um professor, sendo que isso demonstra ainda uma visão de educação quanto à primeira infância, destacando que tal constatação serve para confirmar que as influências e os impactos dos processos neoliberais repercutem nos mais variados ambientes laborais, visando a atender às necessidades do mercado, sem atentar para as questões relacionadas com as necessidades educacionais dos educandos.

No quinto artigo, da segunda parte, intitulado Práticas bem-sucedidas de professora alfabetizadora no contexto da sala de aula, de autoria de Rosana Maria Martins e Marly Souza Brito Farias, aborda a formação docente no trabalho, estabelecendo algumas reflexões, com base em uma análise sobre as narrativas autobiográficas das práticas docentes consideradas bem-sucedidas, no contexto da sala de aula, de uma professora alfabetizadora.

Partindo do diálogo com outros autores e pesquisadores da temática proposta, as autoras consideram que as práticas docentes bem-sucedidas se referem às ações pedagógicas realizadas pelo professor e que são decisivas para que os objetivos escolares sejam alcançados, logo, os professores bem-sucedidos são aqueles que conseguem mobilizar um conjunto de saberes, práticas e experiências, de modo a transformá-las em oportunidades de aprendizagem significativa.

As pesquisadoras salientam ainda que os professores considerados bem-sucedidos organizam e fomentam práticas que favorecem os processos de ensino e aprendizagem, a aquisição de conhecimento, a reflexão e autonomia, por conseguinte, as ações são centradas nos discentes, visto que eles são identificados como os principais sujeitos dessas ações pedagógicas, assim, a origem e os saberes individuais são respeitados e aproveitados para o desenvolvimento da alfabetização, por meio da intencionalidade de promover uma determinada aprendizagem.

Considerando ainda os estudos de Mizukami (2002, 2006), Reali e Mizukami (2012), Shulman (2005), Sarmento, Rocha e Martins (2016), Franco (2012), entre outros, apontam que o processo de constituição da identidade docente acontece ao longo das vivências e experiências ocorridas na trajetória do sujeito, assim, compreendendo crenças, valores, concepções, perspectivas, visão de mundo, posturas atitudinais, que ocorrem mesmo antes da escolha profissional e continuam ininterruptamente durante toda a formação e carreira do professor.

Consequentemente, a pesquisa evidencia que a prática pedagógica antecede às ações desenvolvidas em sala de aula, pois há uma série de decisões que precisam ser refletidas e tomadas antes mesmo de iniciar a explanação de um determinado tema para a classe, tais como: que materiais utilizar, quais os melhores exemplos, a metodologia da aula, as formas de avaliação, sendo que existe um processo contínuo de escolha, reflexão, análise, redirecionamento, em que a heterogeneidade dos alunos contribui para explorar as mais variadas formas de ensinar e aprender, confirmando que o exercício docente é feito de posicionamentos e escolhas, logo, não há lugar para a neutralidade, afinal, “[…] o ato avaliativo não é neutro, assim como nenhum outro na educação é, pois ser educador, avaliar e tomar decisões implica na não neutralidade do sujeito, no posicionamento deste.” (MARTINS; FARIAS, 2020, p. 174).

No sexto artigo, intitulado Por uma didática comunicativa, de autoria de Eglen Sílvia Pipi Rodrigues e Vanessa Gabassa, por meio de uma pesquisa bibliográfica exploratória, as pesquisadoras ponderam sobre as perspectivas e possibilidades de estabelecer uma didática comunicativa, embasada, principalmente, nos referenciais da ação comunicativa de Jürgen Habermas, dentro da filosofia e sociologia, bem como, da ação dialógica de Paulo Freire, no campo educacional, em que a didática possa ser compreendida além da questão técnicoinstrumental, visto que na condição de uma prática de ensino, é perpassada pelas questões, problemas e aspectos da sociedade em que está inserida, estabelecendo um formato e uma dinâmica entre o corpo social e a educação.

Nesse sentido, as autoras discorrem acerca das mudanças sofridas na sociedade, provenientes em decorrência do uso das novas tecnologias, que contribuíram para redimensionar a maneira como as relações humanas são estabelecidas, repercutindo nos mais variados aspectos sociais, reestruturando os mais variados setores, inclusive o econômico e informacional, que acabam reverberando também na educação, na escola e na compreensão das ações educacionais, em um cenário em que ter o domínio de determinados conhecimentos específicos se torna ainda mais decisivo, visto que ao ter acesso ao processo formal de escolarização, há uma maior inclusão e segurança social.

Por conseguinte, para enfrentar tantas mudanças é necessário haver o diálogo, ao que as pesquisadoras apontam que, segundo a perspectiva freireana é exatamente no diálogo que os sujeitos atribuem significados, que estabelecem conhecimento, que percebem o seu entorno e transformam o mundo a que pertencem, assim, é também por meio do diálogo que acontecem as trocas, que se desenvolvem os processos de ensino e que ocorrem as aprendizagens, sendo que a centralidade no diálogo nas perspectivas habermasiana e freireana visa a busca de entendimento, com base em valores éticos e políticos, com a intenção de promover a reflexão das relações e interações entre os sujeitos e desses com o mundo. Nesse sentido, a didática deve ser pensada para permitir o desenvolvimento de processos de ensino e aprendizagem, que busquem a interlocução, diálogo e coordenação das ações docentes e discentes.

No sétimo artigo, intitulado Formação de professores: análise dos limites e perspectivas das novas diretrizes curriculares, de autoria de Evandro Ghedin e Elisângela Silva de Oliveira, é estabelecida uma análise crítico-reflexiva sobre o Parecer n.º 22/2019, de 7 de novembro de 2019, e a subsequente Resolução CNE/CP n.º 2, de 20 de dezembro de 2019, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação (BNC-Formação), de modo que há a compreensão de que as ações e os atores envolvidos no processo de articulação, produção e consolidação do texto legal apresentam uma intencionalidade política, ideológica e econômica, alinhada a grupos nacionais economicamente dominantes, sendo que, esses documentos expressam a visão desses segmentos empresariais.

Para tanto, optou-se por realizar um exercício crítico-analítico em três momentos reflexivos, nos quais, o primeiro aborda o Parecer, onde é possível constatar que o documento submete a formação de professores à BNCC, ignorando toda a trajetória e o desenvolvimento de pesquisa acerca da formação docente no Brasil, sendo que, a BNCFormação ainda faz referência a competências gerais, que estão vinculadas a BNCC e que são estabelecidas como norteadoras às diretrizes nacionais de formação de professores.

Os autores ainda salientam que o Parecer foi desenvolvido sem a contribuição dos professores, universidades, centros formadores de professores e suas entidades de classe, considerando ainda que esse documento subverte o sentido lógico do processo educacional, ao subordinar a LDB n.º 9.394/1996 a BNCC, inclusive ferindo o princípio constitucional da autonomia universitária quanto à estrutura e forma de organização de seus projetos formativos, simultaneamente, responsabiliza os professores pelos resultados obtidos pelos alunos, desconsiderando as questões de infraestrutura e desprezando as diferenças regionais e locais, assim, “[…] Submete-se um problema historicamente produzido, como resultado da falta de políticas em continuidade histórica, reduzido a uma decisão técnica.” (GHEDIN; OLIVEIRA, 2020, p. 195).

Também chama a atenção dos autores o fato da BNCC ser apresentada como uma experiência digna de comentários, porém, quando o Parecer foi promulgado, ainda não havia nenhuma pesquisa sobre o desenvolvimento da Base Nacional Comum Curricular nos sistemas de ensino, uma vez que a mesma ainda não havia sido implementada, o que levou ao questionamento sobre tal fato, afinal, como a BNCC poderia ser apresentada como uma experiência, se ela nunca tinha sido implantada antes. Nesse aspecto: […] A forma como o texto se organiza deixa transparecer contradições que não são do processo de produção do conhecimento ou das perspectivas epistemológicas do modo de configuração de uma ciência em particular, mas de equívocos conceituais que fragilizam a sustentação da proposta em sua essência.

O texto (PARECER 02/2019, p. 12) alega a necessidade de uma mudança de paradigma, no entanto, o paradigma modelo para o qual se propõe como alternativa é unicamente o texto da BNCC, que não passou pela avaliação dos cientistas do campo da Educação enquanto ciência. A justificativa para que a BNCC seja o modelo paradigmático para as mudanças no campo da formação de professores é demasiadamente frágil, em especial quando no Brasil, desde os anos de 1980 até 2019, temos quase vinte mil pesquisas sobre formação de professores. Esse volume de conhecimento produzido que dão direcionamentos ao processo de formação em diferentes perspectivas teóricas, epistemológicas no campo da educação é completamente ignorado quando o paradigma de referência passa a ser o texto aprovado, eivado de vícios, da BNCC. (GHEDIN; OLIVEIRA, 2020, p. 199-200).

O segundo movimento reflexivo analisa o conceito de competência, indicando o conflito existente entre a noção de conhecimento e de competência adotadas, sendo que, a lógica existente por trás do discurso utilizado e que serve para justificá-lo é proveniente dos ambientes empresariais, em que a relação estabelecida é mercantil e visa a atender uma demanda, envolvendo um produto e um cliente, considerando ainda que, em uma perspectiva mercadológica dos processos educacionais, há a ênfase no indivíduo e a competição é incentivada, desconsiderando a condição da escola de instituição social e democrática, de ambiente coletivo de socialização, de troca de aprendizagens e de colaboração, desrespeitando ainda a autonomia e o desenvolvimento da prática docente, ao trabalhar com a formação de professores em um sentido reducionista, ao condicionar as ações desse profissional a um conjunto de tarefas, ignorando o seu papel social, cerceando as possibilidades de estabelecer uma postura crítico-reflexiva e investigativa pertinente ao ofício do professor e limitando-o à condição de um técnico, um executor de atividades pensadas por outros.

Os autores ainda afirmam que tanto o Parecer, quanto as Diretrizes, trabalham com um sentido de competência já ultrapassado, visto que a literatura atual sobre a questão, aborda esse conceito como sendo um conjunto de conhecimento, saberes e experiências, por conseguinte, transcendendo a visão tecnicista. Destacam ainda que esses documentos, Parecer e Diretrizes, optam por uma perspectiva positivista dos processos de aprendizagem, bem como, da própria organização do conhecimento, consequentemente, expressando “[…] uma perspectiva tecnicista e que desconsidera, intencionalmente, o conhecimento acumulado no campo, inclusive aquele que se dá no campo da formação de profissionais técnicos para o mercado.” (GHEDIN; OLIVEIRA, 2020, p. 202-203).

O terceiro movimento reflexivo destaca as pesquisas e as análises críticas que expressam um posicionamento diante do Parecer e das Diretrizes, manifestando o descontentamento frente ao retrocesso que esses documentos representam para a educação e a formação de professores, visto que além de apresentar perspectivas já ultrapassadas em seus campos de conhecimento, demonstram estar na contramão das pesquisas, das políticas nacionais e internacionais e das teorias curriculares propostas para área educacional e de formação docente desde a década de 1990.

No oitavo artigo, da segunda parte, intitulado O fim da escuridão, por entre espelhos: um caso de ensino na pós-graduação, de autoria de Simone Albuquerque da Rocha, Maria da Graça Nicoletti Mizukami, Isa Mara Colombo Scarlati Domingues e Ádria Maria Ribeiro Rodrigues, aborda o desenvolvimento profissional dos professores, por meio da uma releitura, exploração e análise do texto de Rocha (2012), publicado no periódico Ensino em Re-Vista (UFU), v.19, que apresenta uma experiência ocorrida em 2007, desenvolvida no Programa de Mestrado em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, junto aos professores formadores de professores, utilizando casos de ensino, como estratégias de estudo, pesquisa e formação.

Nesse aspecto, as pesquisadoras conceituam e compreendem que a formação docente é contínua e acontece mesmo antes do ingresso nos cursos de licenciatura, uma vez que, as ações desenvolvidas pelos docentes ao longo dos anos, modalidades e níveis escolares anteriores, são fonte de observações, aprendizagens e experiências que servirão de modelos procedimentais, salientando ainda que os cursos de formação inicial de professores propiciam aos futuros docentes “[…] um repertório conceitual, procedimental e de experiências diversas que objetivam começar a construir uma base inicial para o ensino, o que possibilitará ao professor iniciante atuar e se desenvolver profissionalmente […]”, por conseguinte, compreende-se que o aprender a ensinar e o aperfeiçoamento profissional do professor são processos ininterruptos, não possuindo um término pré-estabelecido.

(ROCHA; MIZUKAMI; DOMINGUES; RODRIGUES, 2020, p. 213).

Com base nos apontamentos de Shulman (1986, 1987), as autoras primeiramente definem o termo base de conhecimento como sendo o conjunto de percepções, conhecimentos, habilidades, métodos e atitudes que um professor precisa para propiciar condições de aprendizagem e contribuir efetivamente em uma situação de ensino específica, assim, constituindo uma intersecção entre os conhecimentos do professor e a capacidade individual desse profissional de transformar esses conteúdos, em ações pedagógicas, sendo que, entre os saberes que constituem essa base é possível estabelecer três subdivisões, referentes aos conhecimentos específicos da matéria, conhecimentos pedagógicos e conhecimentos pedagógicos do conteúdo, de modo que, para a análise de casos de ensino o foco recai sobre o conhecimento pedagógico do conteúdo.

Nesse sentido, consideram ainda os estudos de Mizukami (2000), que identifica na exploração e análise de casos de ensino, a possibilidade de examinar ainda como ocorrem os processos de raciocínio pedagógico dos professores, de entender suas teorias pessoais, os métodos de organização e estruturação dos conhecimentos profissionais, o desenvolvimento do raciocínio pedagógico dos conteúdos e a consolidação da base de conhecimento sobre o ensino, assim, estabelecendo as características basilares e as particularidades da aprendizagem profissional docente.

A experiência proposta aos professores formadores e as análises conduzidas pelas pesquisadoras revelam que a utilização de casos de ensino, propiciou aos mestrandos reflexões tanto sobre os teóricos estudados durante o curso, quanto à ponderação acerca das próprias práticas, por meio do exercício de percepção, investigação, exame, comparação e debate dos casos de ensino trabalhados e das narrativas que expressam como os professores aprendem, estruturam o seu pensamento, avaliam as próprias ações, planejam e ensinam.

No nono artigo, da segunda parte, intitulado Concepções de professoras e professores sobre gênero, sexualidade e educação na prática docente e no ambiente escolar, de autoria de Luciel Furtado de Amorim e Aguinaldo Rodrigues Gomes, estabelece inicialmente a conceituação dos temas abordados e, em uma segunda etapa, propõe uma reflexão sobre a forma como as legislações, em especial as educacionais, abordam e regulamentam as questões de gênero e sexualidade, por meio da análise das concepções e percepções expressas pelos professores entrevistados, do município de Sonora, Mato Grosso do Sul, no ano de 2019.

Considerando que a escola é o espaço em que acontece e, de fato, deve acontecer, a reflexão acerca da sociedade e das relações estabelecidas dentro dela, o que implica debater e analisar criticamente as questões sociais e as múltiplas realidades que estão presentes no corpo social, tal condição acaba fazendo com que o ambiente escolar seja identificado como uma ameaça por certas instâncias políticas e grupos reacionários, que visam a coibir e suprimir as discussões e os questionamentos crítico-reflexivos acerca de aspectos e problemas sociais, bem como, restringir o próprio trabalho docente.

Entre esses grupos, os autores citam a militância do Escola Sem Partido, que atrás de uma bandeira ilegítima de isenção e sob a falsa justificativa de preservação do direito da família quanto à formação educacional dos filhos, prega uma visão ideológica, conservadora, autoritária e política, que pretende cercear o acesso à possibilidade de uma postura questionadora e do desenvolvimento de um pensamento crítico-reflexivo, por meio de projetos de lei e de propostas que pretendem alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB n. 9394/96) e, assim, impedir a inclusão de temas, que abordem questões relacionadas a gênero, opressão, preconceito, entre outros, que são identificados como um tipo de ameaça e passam a ser apontados como inadequados aos valores morais das famílias brasileiras.

Nesse sentido, os grupos reacionários atuam por meio do estabelecimento de um discurso que cria um inimigo comum e imaginário, gerado a partir da incapacidade desses grupos de compreender as discussões referentes àquelas questões identificadas como ameaçadoras, de modo que investem seus esforços para limitar e controlar os conteúdos curriculares trabalhados nas escolas, uma vez que a “[…] educação e o currículo estão estritamente ligados e possuem caráter ativo na produção de conhecimento, cultura e valores de uma sociedade […]”, o que “[…] implica na produção de identidades de homens e mulheres, e as suas relações de poder podem gerar linhas divisórias que separam diferentes grupos sociais em termo de classe, etnia, gênero etc.” (AMORIM; GOMES, 2020, p. 235).

Consequentemente, tais interferências servem para perpetuar diferenças históricas, cercear o diálogo, ignorar a diversidade e seguir difundindo e conservando o status quo dominante do homem branco e hétero, que por meio da força e intolerância, protege e incentiva a lógica da violência e barbárie.

No décimo artigo, da segunda parte, intitulado Narrativas biográfico-educativas de formadores de professores: inserção no Ensino Superior e experiências de aprendizagem profissional docente, de autoria de Bárbara C. M. Sicardi Nakayama e Laurizete Ferragut Passos, reflete acerca das experiências e aprendizagens que constituem os saberes dos docentes formadores de professores, considerando o desenvolvimento contínuo e individual desses conhecimentos ao longo das trajetórias pessoais e profissionais de cada um.

Esse exercício ocorre por meio da análise e reflexão das informações provenientes de narrativas biográfico-educativas de docentes formadores de professores, em início de carreira, sobre o seu próprio processo de desenvolvimento profissional, sendo que esse material é compreendido como uma forma de leitura e de produção do conhecimento da e sobre a prática da docência, em que ao narrar suas trajetórias profissionais, isso proporciona um resgate, que contribui para a ponderação acerca da atuação que esses docentes desenvolvem durante o próprio exercício profissional, assim, favorecendo a atribuição de novos sentido e significados para as suas ações, bem como, estabelecendo uma compreensão e desenvolvendo uma autoanálise de suas práticas.

Nesse sentido, as pesquisadoras destacam que a jornada formativa é marcada pelo tempo e pelo espaço em que as práticas e aprendizagens foram vivenciadas, de modo que os professores formadores resgatam e articulam os seus conhecimentos, referências, memórias, percepções, preceitos, valores, convicções, crenças, com o intuito de atribuir novos sentidos, refletir sobre a prática e mostrar aos futuros professores que o docente é um agente de mudança, de transformação, sendo tanto atores sociais, como autores de suas ações educacionais.

Ao final da leitura do livro, é possível perceber que as pesquisas que o compõe apresentam um vasto panorama sobre educação e formação de professores, perpassando aspectos que vão desde a primeira infância até o mestrado, ao abordar questões historicamente constituídas e estabelecidas, especialmente, ao longo do cenário da organização do sistema educacional brasileiro, sendo que as constatações identificadas e trabalhadas pelos pesquisadores expressam o quão ricas são as discussões propostas e como o campo educacional continua sendo um ambiente de disputas.

Nesse aspecto, Formação de Professores: entre a esperança e a pandemia é uma daquelas obras que oferece uma leitura prazerosa, mesmo quando os assuntos abordados trazem temas espinhosos, intrincados, que exigem uma reflexão profunda, que perdura, ainda que o livro tenha acabado, afinal, as provocações suscitadas permanecem e que não nos falte perseverança, para seguir acreditando na educação e no potencial humano, que o conhecimento seja a vacina de esperança, capaz de livrar o mundo da pandemia do obscurantismo, da ignorância, da violência e da barbárie!

Notas

1 Oyěwùmí menciona que culturas africanas foram desprezadas de diversas maneiras e uma delas, é o que a autora denomina por teoria amalgamada da África – responsável por homogeneizar de maneira desenfreada diferentes sociedades do continente.

2 A autora pontua que não há vocábulo para homem e mulher na língua iorubá, mas há os termos “obìnrin” e “ọkùnrin” que não são binariamente contrários, somente expressam uma variação anatômica. Por uma questão de adequação e tradução, Oyěwùmí optou pela utilização dos termos “anafêmeas” e “anamachos”.

3 A autora compreende a senioridade a partir da maioridade como eixo articulador da hierarquia social.


Resenhista

Vanessa Zinderski GuiradoInstituto Federal de São Paulo – IFSP. Doutora e Mestra em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Servidora do Instituto federal de Educação, Ciência eTecnologia de São Paulo (IFSP-SPO). E-mail: [email protected]


Referências desta resenha

ROCHA, Simone Albuquerque da; WILLMS, Elni Elisa. (Org.). Formação de professores: entre a pandemia e a esperança. 1ed. São Paulo: Verona, 2020 (e-book). Resenha de GUIRADO, Vanessa Zinderski. A formação de professores através de narrativas para o esperançar. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. Uberlândia, v.19, n.1, jan./jun. 2022. Acessar publicação original.

Deixe um Comentário

Você precisa fazer login para publicar um comentário.