Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas – HARVEY (C)

HARVEY, David et al. Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas. Trad. de João Alexandre Peschanski. São Paulo: Boitempo; Carta Maior, 2012. Resenha de: SILVESTRIN, Darlan. Conjectura, Caxias do Sul, v. 18, n. 3, p. 185-191, set/dez, 2013.

Esta obra é uma coletânea composta por singulares artigos de escritores, críticos, historiadores e jornalistas, acerca dos manifestos ocorridos em escala mundial, no ano de 2011. Para a realização dessa, foram utilizados recursos gráficos de baixo custo e, fundamentalmente a colaboração dos autores que cederam seus trabalhos sem custo algum, da mesma forma os tradutores, essenciais para esse desenvolvimento. A comercialização desta obra não visa a aspectos lucrativos, mas tão-somente sociais.

Precedente analítico do atual cenário de manifestações populares ocorrentes no Brasil e no mundo, essa publicação, embora remetida aos manifestos de 2011 e 2012, aborda com a devida criticidade questões relevantes que ocasionaram motivações populares de protestos por todo o Globo. O capitalismo notavelmente pode ser considerado o grande opressor da sociedade. Assim como propulsiona o desenvolvimento econômico, precariza, num ritmo acelerado, as disparidades sociais, e tudo isso é dirigido por agentes políticos que parecem ignorar completamente os anseios da população. As atuais reivindicações denotam novas configurações, a começar pelo uso das redes sociais na divulgação das pautas, organização e convocação do povo para as ruas. Constata-se que os procedimentos para lutar podem ser outros, mais modernos e caracterizados pelo acesso instantâneo à informação, entretanto, o espírito e o desejo eminente por mudanças continuam sendo os mesmos.

Hodiernamente, as manifestações populares protestam contra a ineficiência estatal, corrupção, políticas públicas defasadas que apenas assistem as camadas elitizadas. Para muitos autores essa forma de protestar é equivocada, pois o correto seria haver uma pauta única que gritasse por determinada melhoria ou mudança, e não diversas propostas sem um enfoque determinado. Segundo os críticos, embora as manifestações sejam intituladas como a representação genuína da democracia, na verdade, não passam de um amplo exercício do direito de expressão, pois o processo democrático assinala todo um procedimento complexo de sistemas eleitorais, de deveres e direitos regidos por um aparato de normas, que tornam o Estado responsável por ditar os rumos da sociedade como um todo. Como escreve Zizek, os manifestantes deveriam se apaixonar pelo trabalho duro e paciente – eles são o começo, não o fim, então sua mensagem básica é: o tabu foi rompido, não vivemos no melhor mundo possível, temos a permissão, a obrigação até, de pensar alternativas. (2012, p. 16).

Nesse âmago de manifestos, uma das bandeiras de provavelmente maior significância é a crítica acerca das desigualdades econômicas. Esse é o tema debatido pelo Movimento dos Ocupas, então mundialmente conhecido.

Torna-se indubitável a conclusão de que o elemento corrosivo do sistema democrático é a desigualdade econômica. Essa endemia afasta os pobres das relações de poder na mesma velocidade que em sentido oposto aproxima os ricos. Para que a economia se desenvolva, são necessários especialmente dois tipos de fomento: aquele que amplia o mercado de trabalho no que condiz a vagas e condições condignas de labor, e aquele que estimula os investimentos da iniciativa privada, por meio de questões tributárias favoráveis à sua instalação e manutenção; do contrário, os investidores se recusariam a investir em seu próprio país. Enquanto isso, a parcela pobre da população acaba sendo ludibriada por políticas assistencialistas que visam à alienação política daqueles que detêm em suas mãos a maior cobiça do Estado Democrático de Direito, o voto.

A crise financeira que eclodiu em 2008 levou um grupo de cidadãos americanos, então inspirados em movimentos anteriores, a ocupar as imediações da Wall Street, gritando contra o capitalismo exacerbado, em plena crise, que deixava milhares de pessoas desempregadas, aumentando demasiadamente os índices de pobreza do país. Embora todas as pautas dessa movimentação tenham como escopo o anticapitalismo, há um imenso questionamento quanto à resistência desses movimentos, pois, se o embasamento não for devidamente estruturado, serão facilmente extintos pelo cansaço, por propostas manipuladoras que visam apenas a diluir as manifestações, pelo esforço da mídia tendenciosa em abafá-los, ou pelo próprio trabalho da polícia repressora que usando a justificativa da preservação da ordem pode pôr fim a todo e qualquer protesto. Os manifestantes precisam estar efetivamente unidos e tendo a capacidade de externar propostas cabíveis de mudança dentro do próprio sistema, porque brigar por uma mudança repentina e completa pode até ser considerado utópico.

O espírito de luta, moldado por consciência social, por princípios de solidariedade, cooperação e igualdade, obviamente, é válido e necessário, a partir desses sentimentos é que brota na alma de um verdadeiro cidadão a necessidade de lutar por mudanças. Quando o pensamento coletivo toma conta das massas, torna-se inevitável querer o bem comum. Tudo isso é de uma nobreza indiscutível, entretanto, a mentalidade crítica, capaz de corroborar aspectos práticos e conceitos políticos dos sistemas de cada nação, torna-se substancial para o sucesso e a afirmação de todo e qualquer protesto. De nada adianta boa vontade se os manifestos não forem fundamentados por pautas seguras, por ideias consolidadas e principalmente persistentes, que não se deixem abater nas primeiras opressões.

Evidentemente, protestos incomodam a elite detentora do poder, afinal, fazer a máscara que esconde todas as injustiças despencar não é certamente uma agradável situação, aos setores bem-providos de todos os recursos que a maioria da população não consegue acessar. Nesse sentido, a concepção mais robusta e inquestionável a respeito dos movimentos de protesto é que “se o debate não for sobre o poder econômico ele é irrelevante”. HARVEY, p.43). Esse entendimento deve ser o precursor de todos os demais, afinal é imprescindível a clareza de que o sistema social gira em torno da economia e de suas conjecturas.

Todas as ações humanas iniciam a partir de suas ideias. Os movimentos pelo mundo são comumente questionados sobre o que efetivamente propõem ou sobre o que esperam conseguir por meio de seus apelos. Faz-se necessário admitir que nem sempre existem ações propriamente específicas quanto ao objeto das manifestações, mas o idealismo da mudança está presente, e, embora haja tantas críticas, o povo sabe exatamente o que quer, ou a contrario sensu, sabe exatamente o que não quer, o que já não pode tolerar  ou aceitar. Os políticos acreditam que pelos seus extasiados discursos têm o ilimitado poder de iludir a população com falsas promessas, ludibriá-las quanto à realidade dos setores governados. Esquecem que, historicamente, o povo lutou por mudanças, e, quando nada mais foi possível, buscaram-se nas ruas os direitos condizentes à dignidade humana. A necessidade eminente por democracias efetivas tornou-se latente. Não há mais como conceber um cenário no qual sempre se justifica tudo dizendo que faz parte da construção democrática, do Estado Democrático que ainda está sendo lapidado… Não! O povo quer que tal estrutura seja real, atenda de fato e de direito às suas necessidades. As redes sociais atualmente são os grandes instrumentos de organização e divulgação dessas ideias, conforme ora citado, mas quanto a esses, também é necessário certo discernimento, para que não apenas se permaneça em protestos sem reação, em frases de efeito que não saem da mera gramática. As ideias devem se proliferar na medida em que possíveis tomadas de ação as retirem do mundo ideal para a realidade cotidiana, que requer batalha e força de vontade em face das intempéries que impedem mudanças.

O grupo de manifestantes que se posicionou na Wall Street protestando contra o Partido de Wall Street, foi paradigma para todo o mundo; afinal, gritava contra um partidarismo corrupto, que controlava o País comprando as instituições ditas democráticas. No dizer dessa onda pensante que alvoroçada gritava por mudança, soava o seguinte: “Somos os 99%. Somos a maioria, e essa maioria pode, deve e vai prevalecer.” (HARVEY, p. 61).

Situações que resultam em um jogo de interesses que obriga o trabalhador a aceitar determinados rumos, em troca de um salário que muitas vezes mal possibilita sua sobrevivência. As falsas democracias, que comandam diferentes nações por todo o Planeta, caminham a passos largos em busca de suas próprias conveniências, negligenciando os anseios da população, justificando seus governos em obras homéricas ou investimentos permeados por trocas de favores e novamente interesses. Dessa maneira, obviamente, acabam, mais uma vez, por beneficiarem somente os chamados ricos, porque podem barganhar apoio político em troca de benefícios fiscais, e outras vantagens auferidas com os governos.

O pobre, por sua vez, somente possui o voto, que, na realidade, embora seja o instrumento democrático de maior poder, acaba dentro do capitalismo burguês sendo moeda de troca. O trabalhador muitas vezes temeroso de perder seu emprego acaba deixando-se levar pela maré de corrupção que faz a máquina estatal girar. Por tudo isso, nota-se a tamanha relevância do Occupy Wall Street, pois que a ideia de ocupar espaços simbólicos do poder financeiro e governamental assustou os comandantes políticos. A partir dessa iniciativa, foi difundida pelo mundo a convicção de que o remédio de maior eficácia contra a estática da política é ir para as ruas, é bradar pelas mudanças, porque ficar discutindo tais problemáticas entre grupos de amigos, embora algo tido como salutar, possui uma eficácia quase nula.

Nesse diapasão, corrobora perfeitamente a seguinte frase: “A Praça Tahrir mostrou ao mundo uma verdade óbvia: são os corpos nas ruas e praças, não o balbucio de sentimentos no Twitter e/ou Facebook, que realmente importam.” (HARVEY, p. 61). Quando as massas pensantes se derem conta do poder que detêm em suas mãos, ao caminhar juntas pelas ruas de suas cidades, ao ocupar praças e espaços cívicos, compreenderá que toda mudança para alcançar uma sociedade minimamente mais justa e solidária depende significativamente de seu esforço e da cobrança feita aos governantes que escolhem.

Desde a derrocada do socialismo com a queda da União Soviética, governos de diferentes nações têm se preocupado em massificar a convenção de que o sistema capitalista é a única forma viável e possível de existência.

Para tanto, a mídia tem sido fundamental, pela sobrecarga de comerciais e outras práticas, repetem incansavelmente os ditames do consumo como uma forma de inclusão, o que leva as pessoas a se endividarem descontroladamente em busca unicamente do TER. Os discursos políticos são unânimes em ratificar que tudo decorre na mais perfeita harmonia, fechando totalmente os olhos para os problemas sociais que afligem a maior parcela da população. Enquanto o trabalhador é sugado ao limite de suas forças para manter-se de pé neste mundo voraz, os ricos continuamente expandem seu patrimônio. A crise imobiliária americana desta década é o melhor exemplo. Os americanos foram induzidos a fazer uma nova hipoteca de seus imóveis, para que assim pudessem consumir ainda mais, movimentando a economia, mas, evidentemente, isso geraria uma crise lastimável. Como se nota, o poder econômico manipula a sociedade a seu bel-prazer, apenas para continuar gerando lucros e aumentando ilimitadamente seus ganhos. Diante de tamanhos abusos, começaram a surgir protestos, que rapidamente se espalharam pelo mundo. O grito de ordem comum a todos, sem dúvida, é contra esse capitalismo feroz, que não considera ou avalia quaisquer princípios humanos, caracterizando-se somente por jogos de interesses políticos e financeiros, dos quais o trabalhador é apenas peça, mas nunca jogador.

Todos os críticos do tema sobre movimentos de protesto concordam no sentido de que 2011 foi certamente um bom ano para esse tipo de ativismo, em virtude de ter sido um período de altas taxas de desemprego, economias sucumbindo, problemas políticos e sociais de toda ordem e gênero. A partir de 2011 muitos movimentos se consolidaram buscando soluções para a crise existente. Embora todos de maneira unânime queiram mudança e almejem melhores condições, existe uma desconformidade em suas pautas de modo expressivo. Um dos pontos de maior discordância são as questões referentes às eleições, e uma parcela dos protestantes acredita serem essas desnecessárias, enquanto outros as consideram fundamentais, havendo ainda aqueles que pretendem modificá-las. É evidente que, para tornar esses ideais únicos, seria necessário haver uma nação única, porque cada país apresenta parâmetros próprios, de modo que existe uma solução diferente para cada contexto, impossibilitando a uniformização. Outro fator são as questões históricas, porque não será de um momento para outro que os movimentos alcançarão o que almejam; será necessário tempo e perseverança para o êxito de sua luta.

O Brasil possui uma Constituição Cidadã, que, em seu artigo 5º, assegura direitos fundamentais, tais como: moradia, segurança, educação, saúde… Entretanto, é indubitável que tais direitos são mitigados em função novamente de intenções políticas. Desocupações são realizadas deliberadamente, apoiadas pela legislação vigente e pelo Poder Judiciário, que agindo unicamente pela legalidade sem avaliar questões humanas, autorizam que centenas de famílias possam ser despejadas sem sequer antes dar-lhes o direito de serem ouvidas, de minimamente terem sua opinião considerada para uma possível solução, e tudo isso para que a valorização imobiliária fundamental ao capitalismo possa ocorrer. Para tanto, o Estado se utiliza da força policial, frequentemente truculenta, que apenas cumpre ordens, negligenciando sua função precípua, que é a segurança e o bem-estar da população. Existe uma parcela da população que, aparentemente, está totalmente excluída, como se não tivesse o direito a ter qualquer direito.

Sem dúvida o grito desses cidadãos precisa também ser externado e representado com fervor, ganhando forma nos movimentos existentes. A verdade sobre a realidade hodierna é indiscutível; é fato explícito que os sistemas políticos e financeiros estão abalados, crises em países até então estruturados e ricos, como os componentes da União Europeia, por exemplo, são a prova de que mudanças precisam ser realizadas de maneira urgente e cuidadosa. E é em busca dessas mudanças que movimentos de protesto ocupam as ruas dos quatro cantos do mundo, em diferentes idiomas, motivações e sentimentos, mas todos se unificando em busca de Estados que olhem para o povo de modo mais justo, digno, e que tratem os diferentes na medida de suas desigualdades. “O certo é que o mundo sairá distinto desta segunda década do século XXI – melhor ou pior –, mas distinto, porque os sintomas de esgotamento dos seus esquemas econômicos e políticos dominantes são evidentes.” (SADER, 2012, p. 86).

Darlan Silvestrin – Mestrando pelo PPGFil da UCS, Caxias do Sul, RS. E-mail: [email protected]

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