Versos Quentes e Baiões de Viola: Cantorias e Cantadores do/no Nordeste Brasileiro no Século XX | Francisco J. G. Damasceno

“Versos Quentes e Baiões de Viola: Cantorias e Cantadores do/no Nordeste Brasileiro no Século XX” (EDUFCG, 279 páginas) do historiador e Pós-doutor em etnomusicologia Francisco José Gomes Damasceno, traz uma reflexão panorâmica e aprofundada sobre o aspecto da cantoria de viola no nordeste brasileiro durante o século vinte, dialogando com importantes nomes da cultura popular nordestina como, Câmara Cascudo, Leonardo Mota, Elba Braga Ramalho, entre outros. O autor busca dar importância à produção e ao saber cultural dedicando seu olhar a esse objeto muitas vezes esquecido e desvalorizado pelas “camadas intelectuais” da sociedade. O livro está dividido em três capítulos: o primeiro, que é composto de notas biográficas realizadas a partir de entrevistas colhidas com os mais importantes cantadores nordestinos; o segundo, se volta para a origem e trajetória da cantoria, desde terras “d’além mar” e de um passado distante no tempo; e o terceiro e último, que no qual se abre um discurso mais amplo sobre as características, fases e gerações, e a transição desta manifestação do universo rural para o urbano.

Foram dois os principais motivos que levaram o pesquisador a mergulhar neste universo novo: o primeiro foi a tentativa de reencontrar as suas raízes rurais diluídas em meio ao universo do cotidiano urbano; e, o segundo foi a necessidade de historicizar a cultura popular nordestina, no intuito de suprir as carências de estudos sobre essa área de enorme importância na compreensão dos saberes transmitidas por meio das tradições populares.

Assim, o autor mergulha no mundo da cantoria não só por necessidade de pesquisa – fica evidente uma admiração e até mesmo o prazer que este sente pelo seu objeto de estudo –, mas de certa forma ele se sente familiarizado com a complexidade da vida cantador sujeito histórico, o que facilitou o trabalho e o contato com o campo e o objeto do estudo.

Ao som da viola: Cantadores – sujeitos da arte de viver foi o nome destinado para o primeiro capítulo da obra, a ideia veio de um programa que era apresentado por Geraldo Amâncio na TV Diário. Fundada em 1998, a emissora semanalmente traz notícias voltadas a região Nordeste com uma valorização da cultura popular regional, sua sede fica em Fortaleza e sua difusão se espalha para todo os estado do Ceará e em algumas outras regiões do país, com isso, apresentam sua arte a um novo público em uma nova mídia, em novos campos. Propositalmente, talvez tenha sido essa a ideia do autor, já que destinou as primeiras linhas de seu livro a conhecermos um pouco mais de cada grande nome desta manifestação popular revelando a trajetória de cada um dos “velhos cantadores” com quem teve contato, suas origens e meio social, suas influências e inspirações, para que se pudesse entender a profundidade e as raízes de sua arte. Ao iniciar a trajetória dos cantadores afirma que é importante destacar em qualquer que seja a manifestação, de onde se manifesta, ou de onde se fala, escreve ou se concebe, a partir de que materiais se constituem essas concepções, falas, escritas ou ideias, a que estão envolvidos neste processo de fazer história e fazer-se historiográfico (Revela-se assim seu “lugar social” e o de sua reflexão).

Oriundos do interior e longe das capitais, a maioria dos cantadores teve um passado ligado a agricultura familiar, histórias de fato bem parecidas. Para alguns, a fome e a miséria fizeram parte de suas vidas, à arte surge não só como possibilidade de expressão, mas também como uma ferramenta de subsistência em meio as dificuldades. Assim improvisam na vida e na arte, equilibrando-se entre trabalho, música e poesia, já que não era possível sobreviver somente da cantoria. Era necessário um trabalho para complemento de suas rendas. Eis um dos motivos da incorporação do “dom” do improviso em meio ás dificuldades, já que estas os acompanham desde cedo quando – em muitos casos – decidem confeccionar seus instrumentos, como lhe relatou Cesanildo Lima, cantador octogenário, em seu início: “Eu ‘levava’ um pandeiro feito de uma lata de doce”. Assim, entende-se como fora seus primeiros contatos com a poesia em troca de rapadura aos oito anos de idade.

O primeiro contato dos poetas – como se identificam e aos amantes da cantoria – com a arte do improviso vem da infância, aconteciam através de festejos nas localidades rurais regados a cantorias, homens que contavam exatamente à vida do povo em versos, atraindo atenção do povoado sem divisão etária. Artistas que viviam a viajar e cantar em desafios por onde passavam, como nômades e forasteiros chamando atenção por toda parte. “Admirados”, assim se descreviam os entrevistados, como se naquele momento uma espécie de “vírus da poesia” contaminasse suas vidas, suas almas provocando um despertar artístico.

Mas nem todos tiveram seu primeiro contato desta maneira, como revela o autor. Chico Motta cantador falecido após o término do trabalho, por exemplo, teve seu despertar influenciado por seu irmão que o direcionou a percorrer os primeiros passos desta arte e desta forma de vida. Em outro caso, o “velho cantador”, Raimundo Alves Barbosa teve em seu pai o principal incentivador, pois como promovente de cantorias sempre ficou bem próximo das que ocorriam com a participação paterna. E, em muitos casos a poesia era vivida dentro de casa ou em seu trabalho na agricultura, como no caso do cantador Chico Pedra cujo “dom” aflorou – assim como Raimundo Alves, teve o seu pai como motivador – ao trabalhar na roça, onde tinha como diversão as rimas e versos, uma forma, talvez, de tornar o dia mais agradável mascarando o penar do árduo trabalho.

Um aspecto coincidente na vida de cada cantador além da agricultura, era a pouca escolaridade em suas formações pessoais. Muitos tinham que escolher estudar ou comer, e a escolha logicamente seria a sobrevivência, mas alguns com o passar do tempo tiveram acesso ao ensino fundamental e médio e até mesmo superior, como é o caso de Raimundo Adriano – cantador de Maranguape, radicado em Fortaleza – que é formado em Pedagogia, exerceu a cantoria em paralelo ao ensino, ou ainda, como Pedro Bandeira – cantador radicado em Juazeiro do Norte, Ceará – que, além de cantar, foi político, radialista, estudou Direito e se tornou bacharel em teologia.

A obra também apresenta as “cantadeiras”, aliás, pouco sabíamos, sobre essa existência feminina em meio ao mundo da cantoria. “Suavemente” o autor revela a forte presença das poetisas, que abre uma reflexão sobre a atuação das mulheres em um meio completamente “dominado” por homens. Disso emana a cantadora Mocinha de Passira, que em suas palavras, mostra a semelhança das experiências em um passado rural como o dos outros cantadores, das dificuldades até da descoberta artística, também muito cedo, ainda criança, quando já realizava cantorias com nomes consagrados como Pinto do Monteiro, um cantador de enorme popularidade, elevando assim a fama e o prestígio da jovem e promissora artista. Depois emana a figura doce de Angelita cantadeira segunda entrevistada apresentada, que diferente de Mocinha, não viveu/vive apenas da cantoria, e teve que exercer outras profissões, já que não enxergava a viola como um trabalho e sim como uma diversão. Angelita também começou muito jovem por conta própria, aprendendo os versos praticamente sozinha, mas ao fim da década de oitenta recebe de presente do marido, uma viola, aí começa, de fato, a sua jornada. A partir dos anos noventa tocou com nomes consagrados em todo o estado do Ceará. Tantas trajetórias, tantos caminhos dentro de uma mesma manifestação revelam as faces destes atores sócio-históricos.

Sem dúvida a inserção feminina abre uma série de reflexões delicadas, como a herança do patriarcalismo ainda muito forte nas famílias rurais em um passado não tão distante, onde a mulher teria como objetivo cuidar da família e isso impossibilitava as viagens constantes que são exigidas no mundo do repente, ou mesmo da permissão do marido para realizar viagens acompanhada de outros homens por semanas ou meses. Estes aspectos são colocados pelo autor baseado nas entrevistas.

Após explorar a trajetória de vida desses sujeitos, faz-se uma reflexão sobre a cantoria “em si”, tentando explorar como o cenário para tal cultura emergiu, no tempo e espaço de onde se fincaram e se projetaram, no caso específico do Brasil, no/do Nordeste Brasileiro. A partir daí vê-se então que existem diversas influências e referências de tempos diferentes que acabaram contribuindo para a formatação dessa arte, que são revelados dialogando com bibliografia clássica sobre o tema. Assim surgem referências antigas como o canto amebeu da Grécia antiga, e outras diversas poéticas ancestrais: Aedos, Rapsodos, Moganis, Bardos e outras pegadas desta caminhada do canto, que se constituíram no ocidente e que, depois de longo processo, “chegaram” aqui oriundas da península ibérica através da colonização, sendo assim “traduzidas” ao chegarem na América.

A obra perfila outras culturas semelhantes à cantoria que aparecem no continente americano, como por exemplo o “contrapunteo” e o “Payador”, que inclusive realiza algo muito semelhante à peleja da nossa cantoria. O autor sugere que da longa tradição dessa poética, que foi absorvida no domínio da América Latina como um todo “inventou-se” essa manifestação de cultura popular.

Para uma maior riqueza em detalhes na obra, o Pesquisador busca em seu livro situar o leitor no tempo e no espaço os cantadores e as influências absorvidas pela cantoria no Brasil, quando descreve geograficamente a região nordestina em aspectos gerais mostrando as influências culturais que esse povo (nordestino) sofreu ao longo desse constante trânsito, sem desprezar aspectos: climáticos, políticos, sociais, culturais e religiosos marcantes da identidade e da arte desta região.

Outro aspecto que chama atenção nesta obra é sua envergadura teórica. Nas referências teóricas utilizadas por Damasceno, vemos que existe uma apropriação de diversos conceitos e estudos para tentar dar conta das várias formas de manifestação da cantoria. Já que se entende que esta é uma arte, ele intenta uma visão multifocal tentando igualmente uma “pluralidade ótica”, como por exemplo, ao analisar as implicações estéticas que a cultura possui. Assim, apresenta certas “regras” da cantoria e um domínio no cantar, encarando-as entre o ético e o estético, usando para tanto leituras como Rancière, por exemplo, que pensa uma partilha do sensível. Esta leitura não é usada isoladamente, e é aliada a ao conceito de experiência musical, que foi trabalhada pelo autor em outra obra (DAMASCENO, 2008) na qual ele pensa numa ética-estética que consubstancia a sua análise do belo com o bem. Em outro autor como é o caso de Shusterman, este que fundamenta sua proposta de Vida e Arte numa fronteira muito tênue, uma Arte-Vida. Paul Zumthor é outra influência visível, de quem se apropria para falar do âmbito da performance da Voz – a vocalidade –, uma oralidade que faz resistência a uma cultura escrita, como apresentam os “seus sujeitos”.

Outra reflexão interessante usada é a do cenário de onde surgiu a cantoria, sendo o campo o lócus propício deste emergir. Neste caso utiliza-se de Homi Bhabha e Stuart Hall para “compor” tal pensamento, demostrando que estes sujeitos e sua cultura se apresentam em “contratempos” e “entre-lugares”, ou seja, absorvendo, traduzindo elementos diversos, sejam nações, povos e cultura entre o rural e o urbano, em um trânsito que ele definiu como “rural-urbano”. Este último (Cultura Urbana), é algo que fora pouco trabalhado em outros autores, já que estes focavam o estudo da cantoria como uma tradição regional, rural, ou seja seus “pilares” e pouco se falava da mobilidade que os valores dessa tradição, mesmo que acontecendo gradualmente, acontecia.

Trazendo estas reflexões, Damasceno faz uma paráfrase de um trabalho do historiador Erick Hobsbawn sobre o “breve século XX”, revertendo o conceito – em função da trajetória estudada – ao “longo século XX”, o que nos possibilita pensar que para esses sujeitos que vivem e viveram a cantoria numa lenta e manhosa transformação tanto de sua estética quanto do seu ethos em outra perspectiva. Tais mudanças podem ser vistas nas suas “infiltrações” nos meios urbanos, no uso de veículos de comunicação, como o rádio e internet e ainda na sua performance que passa por outra noção ou “ethos”, cujo o companheiro deixa de ser um opositor e passa a ser um companheiro.

Estas “infiltrações” para ele são o resultado de espécies de táticas, que o autor fundamenta no conceito de Certeau, sendo vistas de uma forma um pouco diferenciada, no que ele chamou de “artimanha”, a exemplo de como os cantadores se apropriavam dos espaços das cidades, feito pelas periferias, ou de espaços e locais periféricos, denominados de “franjas” das cidades. Lembrando que tais mudanças foram feitas gradualmente de geração em geração desses cantadores por todo século XX, daí o “longo século XX”.

Um dos aspectos mais importantes desse trabalho ficou reservado ao terceiro capítulo, intitulado de “Mas o que me falta fazer mais?” ou sobre cantadores ” e o longo do século XX”, o próprio título indica a proposta que o autor trará, em especial neste trecho. Ele propõe um novo olhar para a cantoria, um olhar moderno, diferente do abordado pelos tão importantes pioneiros: Mário de Andrade, Leonardo Mota, Câmara Cascudo, entre outros. Assim, uma alteração de valores na cantoria se deu em sua paulatina incorporação pelo universo urbano, pode ser percebida com certa atenção, já que a profissionalização da cantoria se deu a partir desse lento processo transitório rural x urbano, e, sob sua ótica, colocou a manifestação como sendo ela própria um trânsito.

Nessa perspectiva percebe-se a análise proposta pelo pesquisador quando aborda a alteração do ethos dos cantadores, problematizando da sua chegada ao novo meio social com estranhamento e aversão, até uma série de incorporações de traços urbanos, ou seja, um novo tempo e um novo lugar social para a cantoria.

Damasceno fez uma análise diferencial em sua obra dividindo os cantadores em três gerações entranhadas em seus momentos históricos – que ele denominou de “fasegeração”, abrindo uma nova perspectiva cronológica e social do olhar sobre os poetas populares no século XX. Claramente as contribuições de cada geração em seu tempo ficaram como um legado, o autor define esse lento processo como “Manhoso”, já que, adaptando-se aos novos meios e mecanismos conservou a essência na preservação dos costumes, regras e estética de sua arte.

A primeira fase-geração do século passado surgiu por volta dos anos trinta em meio a muito preconceito e pouco conhecimento das classes urbanas brasileira, ditas intelectualizadas. Porém, de maneira sutil e com ajuda de equipamentos modernos de comunicação em massa, paulatinamente os poetas foram deixando seus nomes marcados e quebrando a imagem negativa de sua arte. José Alves Sobrinho foi um dos principais nomes da primeira fase-geração, sua contribuição foi importante, com o primeiro programa de rádio já por volta dos anos cinquenta como assim relatou Geraldo Amâncio – cantador da segunda fase-geração –, nesse caso percebe-se a influência do rádio na formação de cantadores desta segunda geração a partir do conhecimento e divulgação da arte pelos mais antigos.

Por muito tempo, o autor apontou baseado nos depoimentos dos cantadores, o sentimento de preconceito e rejeição da sociedade urbana aos cantadores. Relatos dos cantadores dão conta da vergonha dos artistas em se identificarem como repentistas nas pequenas cidades, mesmo já pertencendo a uma geração posterior a inicial e não sendo mais um total estranho em um mundo novo, era forte a rejeição ao homem com viola sob o braço, dificultando a aproximação do artista e deste novo público.

A população nos anos quarenta até início dos anos cinquenta era de maior parte rural. Nas décadas seguintes o fluxo da população rural foi se equiparando proporcionalmente a população urbana por diversos motivos, o crescimento das grandes cidades com inúmeras propostas de melhoria, e se tratando de nordeste a fuga contra as adversidades climáticas que devoram a região. Com isso, percebe-se na leitura da primeira fase de cantadores essa sagacidade dos artistas na percepção da mudança do fluxo populacional fazendo com que sintam a necessidade de seguirem a corrente do rio, rumo às cidades na busca da conquista de um novo público, lançando-se ao inesperado e novo, assim como à magia de sua arte.

Já a segunda geração do século XX, vem trazendo a continuidade da cantoria com mais intimidade e adaptação ao novo público e espaço, por conta da sociedade urbana estar dividida igualmente entre homens da cidade e imigrantes do campo; facilitou a “infiltração” nas camadas urbanas, consolidando a ocupação dos artistas nos principais meios de difusão.

Para ele, sem dúvida as ondas de rádio tiveram forte contribuição nas primeiras gerações da cantoria, programas apresentados diariamente por profissionais da arte de cantar eram levados aos lugarejos mais distantes, normalmente em horários matinais, logicamente, pois cedo se começa o dia no universo rural devido à rotina de trabalho, mas também cidades. Cantadores como Antônio Nunes de França, Zé Cardoso, Juvenal Evangelista e outros, apropriaram-se dessa ferramenta para a difusão de seus trabalhos, e de certa forma garantiram um pouco mais de estabilidade. Consequentemente foram ganhando espaço no mercado fonográfico, assim trazendo ainda mais o universo rural em versos para a vida urbana; então o fluxo de cantadores pelas cidades aumentou significativamente. Além das apresentações convencionais, eles participavam de programas cantando e divulgando seu trabalho em maior proporção atingindo cidades e sertões pelas ondas do rádio.

Como consequência desse avançar, o mercado fonográfico percebeu a necessidade de atender uma nova demanda de público consumidor, são aqueles que vivem no meio urbano, mas que tem suas raízes e memórias no mundo rural, de onde se originam as muitas canções que remetem seu passado no campo.

Então assim de maneira “inocente” começa-se o contato dos artistas com as grandes gravadoras, penetrando aos poucos em uma indústria de cartas marcadas e favorecimentos aos artistas mais consagrados da sociedade intelectualizada urbana. Mas, mesmo com todas as adversidades os poetas conseguem se estabelecer com o apoio fundamental do seu público, consolidado sua arte e um continuo movimento, adaptando constantemente as modificações tecnológicas e sociais utilizando-as a seu favor.

Ao pensar a terceira geração do século XX, também denominada no trabalho como “novíssima geração”, percebe-se que é formada por jovens repentistas nascidos a partir dos anos oitenta, que iniciaram suas trajetórias nos neste período, já com os frutos maduros plantados pelas duas gerações anteriores. Como herdeiros, os jovens tem o seu passado ligado ao mundo rural de alguma forma, porém são em grande parte nascidos em cidades, com todo um aparato tecnológico e cultural diferenciado facilitando o domínio dessas ferramentas.

Na obra percebe-se a diferença na trajetória de cada uma das três fases. Os jovens por sua vez ao começar o repente já como profissionais, e não como “malandros violeiros” como eram vistos anteriormente, têm um campo mais vasto e profissional á sua frente. A inversão de opinião a respeito da arte é tanta que apresentações são realizadas em teatros como produto de consumo cultural, mostrando de perto os frutos plantados anteriormente. Um outro aspecto a mencionar é a arte mais uma vez se adaptando as novas mídias, os jovens utilizam-se de ferramentas digitais para promover os eventos, abrindo mais uma vez o leque de possibilidades e de adaptação e readaptação que a poesia vai sofrendo e se moldando á sua necessidade, consagrando de vez a cantoria urbana.

Aspecto que enriquece o trabalho e sua leitura, são as fontes utilizadas por Damasceno, uma delas foram os jornais assinados por Siqueira de Amorim entre 1947 a 1966, aproveitando a experiência e conhecimento do tema, obtido quando o autor publicou um livro chamado “Nos caminhos da vida de Siqueira de Amorim” (2012) ajudando na concepção e entendimento da primeira fase da cantoria no estado Ceará. Outros jornais também tiveram forte contribuição em seu trabalho como: Unitário, O Nordeste, Gazeta de Notícias, Tribuna do Ceará, O Povo, Diário de Pernambuco, e Jornal do Comércio. Todos esses tiveram significativa importância na observação das movimentações e divulgação do objeto de pesquisa. Além de discos, revistas, fotos, trabalho de campo, que revelam ao leitor o rigor da pesquisa e de seu cotejamento documental.

As entrevistas realizadas e usadas na obra remetem às lembranças juvenis e ao passado, mas se focam o presente. Dessa maneira o pesquisador consegue extrair de seu “objeto” uma maior quantidade de informações e tranquilidade ao penetrar no íntimo de suas memórias, afinal lembrança é intimidade e nem sempre é fácil se equilibrar entre busca por respostas e ética profissional, como se percebe neste trabalho. Um exemplo da busca profunda de suas memórias mais íntimas fica evidente nas palavras dos próprios cantadores, quando o seu silêncio em pequenas pausas no meio de suas palavras, no esforço do lembrar com clareza determinados fatos remotos em suas vidas, entre outros aspectos.

Outro procedimento pouco comum ao historiador, foi o que ele denomina de observatório de mídia, usado para documentação e análise contemporânea cotidiana da cantoria, por meio da observação de suas inserções em meios de comunicação como rádio e televisão. Observa-se a homogeneidade que a arte do improviso vem se adaptando aos novos mecanismos de transformação ou reinvenção, a tecnologia surge no centro desse campo como uma ferramenta de inovação da arte, como um agente transformador nas relações do poeta com o público levando a um novo panorama de interação entre os dois polos. Via rádio ou TV o cantador se aproxima de seu público por outras mediações, podendo ele mesmo exercer o papel de produtor em meio as apresentações de seus convidados, alimentando e fixando a atenção do público com olhos e ouvidos atentos, com isso o público não deixa de participar da dinâmica do programa e da própria cantoria, podendo ligar e deixar sua sugestão ou pedidos de motes. Desta forma, Damasceno revela a atualidade da cantoria e sua posição na atualidade.

A clareza proporcionada pelas entrevistas faltou no tratamento das imagens – problema que poderia enriquecer ainda mais esta obra, percebe-se em algumas fotos dos entrevistados certa imprecisão visual devido serem em preto e branco ou antigas de arquivos pessoais. Algumas dessas imagens não ficaram muito claras, a ponto de não se poder diferenciar os cantadores, dificultando a visualização do perfil de cada artista. Erros gráficos também foram encontrados na obra.

Sem duvida a obra aqui trabalhada traz importante contribuição no universo da cultura popular nordestina, construindo uma nova reflexão sobre o mundo da poesia cantada em repente por esses sujeitos da arte de viver em improviso. Além disso, revela as potencialidades e possibilidades do trabalho do historiador.

Ao final percebe-se ainda essa nova juventude da cantoria surgindo como diferencial no trabalho de Damasceno, pois ao concluir sua proposta nesse livro fica em aberto uma nova possibilidade de pesquisa com essa novíssima geração. Não será uma surpresa ver futuros textos desse autor a respeito dos jovens cantadores, já que juventude é uma de suas especialidades.

José Edmilson Teixeira Neto – Graduando em História na Universidade Estadual do Ceará – UECE; membro do Laboratório de Estudos e Pesquisas em História e Culturas – DÍCTIS; Bolsistas de iniciação científica PIBIC/CNPq e FUNCAP e pesquisador das culturas populares. E-mail: [email protected]

Francisco Adyel Queiroz – Graduando em História na Universidade Estadual do Ceará – UECE; membro do Laboratório de Estudos e Pesquisas em História e Culturas – DÍCTIS; Bolsistas de iniciação científica PIBIC/CNPq e FUNCAP e pesquisador das culturas populares.


DAMASCENO, Francisco José Gomes. Versos Quentes e Baiões de Viola: Cantorias e Cantadores do/no Nordeste Brasileiro no Século XX. Campina Grande – PB: EDUFCG, 2013. Resenha de: TEIXEIRA NETO, José Edmilson; QUEIROZ, Francisco Adyel. Vida e arte no improviso. Revista de História Bilros: História(s), Sociedade(s) e Cultura(s). Fortaleza, v.3, n.4, p. 293-303, jan./jul., 2015. Acessar publicação original [DR]

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