A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas – AGUIAR; DOURADO (EP)

AGUIAR, Márcia Angela da S.; DOURADO, Luiz Fernandes (Org.). A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas. Recife: Anpae, 2018. Resenha de: FELIZARDO, Clayton Tôrres. Educação Pública, v. 20, n. 21, 9 de junho de 2020.

O livro A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas tem como organizadores Márcia Angela da Silva Aguiar e Luiz Fernandes Dourado; é dividido em oito capítulos.

No primeiro, intitulado “Relato da resistência à instituição da BNCC pelo Conselho Nacional de Educação mediante pedido de vista e declarações de votos”, a mesma Márcia Angela da Silva Aguiar contempla-nos com a perspectiva de como a Base Nacional Comum Curricular – BNCC foi proposta pelo Ministério da Educação, e votada em sessão pública do Conselho Nacional de Educação em 2017. Foi configurada como uma contrarreforma da Educação Básica, uma ação de desmonte das conquistas democráticas e populares até aí alcançadas. Uma frente minoritária se opôs e efetivou o pedido de vistas ao Parecer e à Resolução da BNCC para o registro histórico. A terceira versão da Base não teve discussão com a sociedade, o que já aponta uma ideia de como o processo democrático foi ferido nesse processo. Voltando em 2015, a primeira versão da BNCC foi elaborada por professores convidados da Educação Básica e do Ensino Superior. Também foi feita uma consulta pública e elaborada a partir dali a segunda versão, que foi colocada à disposição para consulta de educadores em seminários pelo país. A terceira versão foi elaborada por um comitê do MEC e abrangia a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, excluindo o Ensino Médio, o que também vai na contramão de outros documentos norteadores da Educação Básica.

O segundo capítulo do livro, “Apostando na produção contextual do currículo”, de Alice Casimiro Lopes, evidencia que a BNCC desde o seu início privilegia um conjunto de conteúdos e objetivos sem o fundamental suporte de referência, não deixando claro o projeto de educação desejado. Sua metodologia de construção é linear, vertical e centralizadora; não deixa espaço para diálogo com os diferentes atores que deveriam estar imersos nesse processo e não cumprindo uma das exigências legais, ao excluir o Ensino Médio.

A Base Nacional Comum estava prevista na Constituição Federal desde 1988 para o Ensino Fundamental e ampliada para o Ensino Médio com a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) em 2014.

É necessário que pensemos a educação na sua totalidade. Os conteúdos não fazem sentido se desconectados desse contexto. As diversidades regionais, estaduais e locais devem ser contempladas dentro dessas perspectivas. Considerando a educação como direito de todos, para o pleno desenvolvimento da pessoa e sua cidadania e qualificação para o trabalho, visando a garantia de qualidade social da educação. A BNCC deveria se efetivar com proposta pedagógica que tenha por eixo as Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN, contribuindo para superar assimetrias regionais e sociais.

Algumas críticas à normativa são feitas pela autora, como vínculo entre educação e desenvolvimento econômico, redução da educação somente a aprendizagem, todos os alunos terão aprendizados uniformes etc., são pertinentes. As disciplinas e suas comunidades são elementos sociais que orientam o currículo, além da própria formação inicial e continuada dos professores.

No terceiro capítulo, “A Base é a Base. E o currículo o que é?”, Elizabeth Macedo nota que há a presença de instituições internacionais e nacionais privadas nas políticas educacionais e seu modo de gestão, excluindo uma experiência de formação de professores e de pesquisa das universidades brasileiras. A BNCC aparece como um currículo prescrito e balizador da avaliação, em uma estrutura em torno de competências.

O Capítulo 4, “PNE e Base Nacional Comum Curricular (BNCC): impactos na gestão da Educação e da escola”, traz Erasto Fortes Mendonça pontuando que o debate acerca da implementação da Base não teve o mesmo nível de participação que outros documentos norteadores, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). A Base não foi construída em princípio de uma gestão democrática das escolas públicas. Além de não contemplar o Ensino Médio, não trata da Educação de Jovens e Adultos (EJA), nem da Educação do Campo.

No capítulo 5, “Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os impactos nas políticas de regulação e avaliação da Educação Superior”, os dois autores, Luiz Fernandes Dourado (também organizador do livro) e João Ferreira de Oliveira afirmam que, fruto de quatro anos de debates no congresso, o PNE foi promulgado sem vetos em 2014 e apresenta avanços, como a adoção de 10% do PIB para a Educação até 2024. Após o golpe que rompeu a legalidade democrática no Brasil, passamos a ter retrocessos nas políticas públicas, obedecendo a uma lógica de mercado da creche à pós-graduação. A visão político-pedagógica que estrutura a BNCC não assegura a identidade nacional e seus pluralismos: ela contribui para a padronização e o reducionismo curricular.

No capítulo 6, “PNE, Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os cotidianos das escolas: relações possíveis?”, a autora Nilda Alves chama a atenção para o fato de que a Educação Básica é responsabilidade dos estados e municípios. Há muitas normatizações curriculares, dentre as quais podemos citar: diretrizes, parâmetros, orientações de documentos municipais e estaduais. O currículo tem de ter sentido, construído contextualmente para uma demanda que não é homogênea, afinal os sujeitos que fazem parte desse processo de ensino-aprendizagem têm histórias e realidades distintas. A qualidade da Educação tende a ser reduzida à assimilação de conteúdos, o que nos remete a um caráter reducionista do que seja a Educação.  A Educação é cultura. Docentes têm de ser envolvidos na produção do currículo para uma Educação de qualidade.

No penúltimo capítulo, “A formação das novas gerações como campo para os negócios?”, Theresa Adrião e Vera Peroni apontam que instituições privadas vêm influenciando a educação pública brasileira, o que corrobora a visão de capítulos anteriores. As autoras trazem à luz críticas de como essas influências podem ter consequências negativas para uma gestão democrática, participativa, por vezes confundindo o limite entre o público e o privado. Abarca também todo o universo escolar, que deve ser plural e contemplar a Educação Indígena, a questão de gêneros e sexualidade, a luta contra o racismo e outros temas e políticas públicas que perpassam esse universo.

No 8º capítulo, “Políticas curriculares no contexto do golpe de 2016: debates atuais, embates e resistências”, Inês Barbosa de Oliveira convida a uma reflexão de que se faz necessário, de modo coletivo e propositivo, continuar lutando por uma agenda democrática e inclusiva na Educação. Pesquisas de anos mostram que processos curriculares não se repetem de uma escola para outra, ou seja, fórmulas prontas não dão conta da complexidade como é entendido esse organismo chamado de escola. Há sempre a criação do novo em ações que aparentam repetição. Inês Barbosa nos presenteia com uma frase que é um convite a uma reflexão: “Tratar igualmente os desiguais é aprofundar a desigualdade”.

Referências

AGUIAR, Márcia Angela da S.; DOURADO, Luiz Fernandes (Org.). A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas. [Livro eletrônico]. Recife: Anpae, 2018.

Clayton Tôrres Felizardo

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A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas – AQUIAR; DOURADO (RF)

AGUIAR, Márcia Angela da S.; DOURADO, Luiz Fernandes (Org.). A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas. [Livro eletrônico]. Recife: Anpae, 2018. Resenha de: RODRIGUES Luiz Alberto Ribeiro. REVASF, Petrolina, vol. 8, n.15, p. 164-168, jan./abr., 2018.

Esta obra, publicada pela Associação Nacional de Políticas e Administração da Educação (Anpae), reúne uma série de oito artigos produzidos por pesquisadores das áreas de política educacional e currículo, em que discutem o significado do processo que tem gerado a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e seus desdobramentos frente ao PNE 2014-2024.

São apresentados elementos que têm caracterizado a BNCC, construída em três distintas versões, sendo a primeira elaborada por especialistas no MEC e submetida a apreciação pública, recendo contribuições, em grande parte individualizada; a segunda versão, apresentada por componentes curriculares, foi discutida em seminários em todo o país, coordenados pela Undime e Consed. A terceira versão incorporou contribuições definidas por um grupo gestor instituído pelo MEC e excluiu a etapa do ensino médio.

Toda essa trajetória e as características que assumem cada versão deve ser compreendida a partir do contexto no qual a BNCC vem sendo instituída, ou seja, um tumultuado contexto político em torno da composição do governo central, na figura do presidente Michel Temer, após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, e que, a partir 2016 vem provocando um desmonte das conquistas democráticas e populares, sobretudo no que diz respeito aos avanços efetivados nas últimas décadas quanto ao direito à educação e às políticas educacionais. No âmbito educacional, posto em ação uma contrarreforma da Educação Básica, que impôs por meio de Medida Provisória, a reforma do ensino médio.

O contexto da contrarreforma da educação em curso apresenta-se bastante conservador e privatista, sobretudo porque veio acompanhada por um amplo processo de (des)regulação da educação, que favorece a expansão privada mercantil. Assim, questiona-se a ausência de um marco de referência, capaz de indicar princípios educacionais, concepções, utopias, sonhos, os desejados definidos coletivamente, no sentido de subsidiar as decisões em torno da BNCC. Lembrou-se ainda que no Brasil documentos semelhantes já foram lançados, a exemplo dos “Guias Curriculares” nos anos 1980, os “Parâmetros Curriculares” nos anos 90 e as “Diretrizes Curriculares Nacionais” em 2001.

Contesta-se nesta obra a anseio da BNCC em fixar mínimos curriculares nacionais ou engessar a ação pedagógica com objetivos de aprendizagem dissociados do desenvolvimento integral do estudante. Argumenta-se que esta pretensão limita o direito a educação e a aprendizagem. Defende-se ao contrário, a garantia dos princípios constitucionais de liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, bem como o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.

Em defesa do currículo, põe-se em questão pressupostos que simplificam o debate pedagógico sobre o tema, tais como o vínculo imediato entre educação e desenvolvimento econômico, a redução da educação a níveis de aprendizagem, a restrição da crítica teórica à BNCC ao registro ideológico, a suposição de que os docentes não sabem o que fazer nas escolas sem uma orientação curricular comum.

Além disso, sustenta esta obra, a BNCC fere o princípio de valorização das experiências extraescolares; afronta o princípio da gestão democrática das escolas públicas; atenta contra a organicidade da Educação Básica necessária à existência de um Sistema Nacional de Educação (SNE).

Rebatem os autores a pretensão de que, para garantir metas de aprendizagem, todas escolas precisam da mesma proposta curricular e da mesma orientação pedagógica. Em assim sendo, esconde-se a problemática da desigualdade social associada à educação, o fator investimento diferenciado na carreira do professor e nas condições de trabalho nas escolas, além do peso das condições de vida das famílias e das condições de estudo dos estudantes. Nesse sentido, defende-se que não é necessário que o currículo seja igual em todo país, até porque, na prática isso não seria possível.

Ainda na linha do currículo, contesta os autores a auto determinação da Base como currículo prescrito e como norteador da avaliação. Afirma-se no debate, a ideia de que a BNCC resulta em uma listagem de competências, não podendo ser considerado currículo. Aponta-se, à luz de experiências nacionais e internacionais, a ausência de fatores fundamentais para o êxito de políticas desta natureza, tais como o formato de intervenção descentralizada via currículos, a valorização dos professores, o financiamento inadequado para a educação.

Foi identificada ainda que no bojo de seu conteúdo, falta à BNCC a articulação referente à concepção e diretrizes da Educação Básica, tendo em vista a construção de uma educação formadora do ser humano, cidadão, capaz de influir nos rumos políticos e econômicos do país, capaz de criar novos conhecimentos, de criar novas direções para o nosso futuro comum.

Em meio a esse momento de crise da política brasileira, ganham força na definição de políticas curriculares que estabeleceu o último formato da BNCC, algumas organizações privadas, assumindo um papel condutor e indutor de sua aprovação e disseminação. Realce para a Fundação Lemann associada ao Cenpec, Instituto Natura, Instituto Ayrton Senna, Instituto Unibanco, Fundação SM, Insper e Instituto Fernando Henrique Cardoso.

Os autores analisam esse contexto e apontam para a existência de uma nova configuração de poder que se vai se afirmando no âmbito do MEC e a consequente alteração na correlação de forças do CNE, na perspectiva de fortalecer políticas que, no limite, apresentam um forte viés privatista favorecendo interesses do mercado.

Ressalta esta obra que as políticas materializam-se em estratégias de privatização e incidem em três dimensões estratégicas, didaticamente consideradas em separado: oferta educativa; gestão educacional e sobre o currículo.

Alerta-se ainda para outros passos que poderão ocorrer em decorrência da BNCC, entre as quais a avaliação em larga escala, que terminam por legitimar determinados saberes e ampliar ainda mais a seletividade da educação, prejudicando grupos sociais menos favorecidos e elevando a desigualdade educacional.

Mas afinal, o que tem justificado então a BNCC? No contexto desta obra há indicações de que os interesses imediatos do mercado pautam a possível criação de um mercado para livros didáticos, ambientes instrucionais informatizados, cursos para capacitação de professores, consultorias na formulação dos “currículos em ação” nos municípios; seminários envolvendo instituições estrangeiras com vistas à formação de professores; movimentos das diversas fundações no sentido de produção de material e capacitação.

Interessante crítica nesta obra sobre o significado que ganha a BNCC, como um artifício que pode ser chamado de “apostilagem dos processos pedagógicos”, ou seja, os problemas da educação são apropriados por fundações privadas, inúmeras delas ligadas a bancos, e são dadas soluções que entendem ser as ‘indispensáveis’, porque “mais rápidas e mais fáceis”. Recorda o texto que essas fundações têm sido buscadas por gestores públicos, em nível estadual e municipal, com objetivos de indicar aos professores como devem atuar, a partir de períodos curtos de formação, com a criação de material didático que devem seguir à risca – o que dar em que dia, em que hora, ou seja, verdadeiras “apostilas” – e com um controle do que fazem em sala de aula.

Lembra os autores tratar-se de uma falsa aí inclusa, pensar que tudo estará resolvido, se os docentes forem obedientes, aplicando em seus estudantes estas fórmulas mágicas. Como ocorrem em outros países, esse tipo de intervenção não tem dado certo, não considera a realidade complexa onde a escola se encontra. Tendem ser portanto, soluções insuficientes e a culpa voltará aos docentes, por “não executarem” o processo indicado e ainda reforça um discurso culpabilizando-se as universidades pela má formação dada aos docentes.

Também se reconhece que, apesar dos equívocos quanto a tentativa de imposição da BNCC como um currículo, de sua vinculação à processos de avaliação em larga escala, ao mercado de livros e material didático, há um contraponto a ser considerado: a autonomia na gestão pedagógica, garantida aos sistemas de ensino, nos estados e município, e materializada nos projetos políticos pedagógicos (PPP).

Além disso, recordam os autores de processos de resistências observados neste período histórico, em que surgiram movimentos com ideias que mobilizam estudantes e seus docentes em torno do que significam e como devem ser as escolas que querem e que estão dispostos a fazer funcionar porque atendem às suas necessidades. Nesse sentido são mencionados a força de resistência expressa em movimentos, como os “Ocupa”, que foi sendo produzido nas salas de aulas, por seus docentes e discentes nestes últimos anos. Ressalta esta obra, não é possível quebrar os sonhos de milhares de docentes e de milhões de estudantes por escolas melhores dos quais eles são muito bons conhecedores.

Expressam ainda os autores a necessidade de reconhecer, nas realidades cotidianas, mais práticas educativas do que as de obediência subserviente às normas autoritárias. Assim, expressam a necessidade de reconhecer que não estivemos e não estamos parados, que a luta pela escola pública e por propostas curriculares respeitosas com os sujeitos da escola e plurais epistemológica e culturalmente, vale a pena e já está em andamento.

A contribuição de reconhecidos pesquisadores na área, tais como seus organizadores somados aos demais autores, Alice Casimiro Lopes; Elizabeth Macedo; Erasto Fortes Mendonça; João Ferreira de Oliveira; Inês Barbosa de Oliveira; Nilda Alves; Theresa Adrião e Vera Peroni, faz dessa obra um registro crítico necessário para construir horizontes de superação dos limites em que foram impostos a atual política educacional no Brasil. Trata-se portando de uma obra recomendada aos educadores e pesquisadores da educação que buscam examinar a política da educação no Brasil e reconstruir os novos rumos para uma formação cidadã, a partir de uma educação pública e de qualidade social referenciada.

Referências

AGUIAR, M. A. da S. e DOURADO, L. F. (Orgs). A BNCC na contramão do PNE 2014- 2024: avaliação e perspectivas. [Livro Eletrônico]. Recife: ANPAE, 2018.

Luiz Alberto Ribeiro Rodrigues – Professor Adjunto da UPE, Doutor em Educação pela UFPE Membro do Colegiado do Programa de Mestrado Profissional em Educação. E-mail: [email protected]

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