A eficácia da cura em psicanálise: Freud – Winnicott – Lacan – PEREZ (RFA)

PEREZ, Daniel O. (Org.). A eficácia da cura em psicanálise: Freud – Winnicott – Lacan. Curitiba: CRV, 2009. Resenha de: OLIVEIRA, Marcelo de; ALVES, Vera Lúcia da Silva. Revista de Filosofia Aurora, Curitiba, v.22, n.30, p.303-308, jan./jun., 2010.

A coletânea de textos reunidas no livro A eficácia da cura em psicanálise é desdobramento de um trabalho anterior1 e se caracteriza como uma resposta à indagação do organizador, de ambos os livros, ainda sobre a questão da cura, agora sob as diferentes perspectivas psicanalíticas – Freud, Winnicott e Lacan. No texto que abre esta coletânea sob o título “A psicanálise e a cura”, Daniel Omar Perez retoma a interrogação freudiana acerca do mal-estar inerente à condição do humano e pontua a problemática do sujeito na contemporaneidade, que é tão pertinente hoje quanto nos fins do século XIX, uma problemática para além de uma “simples” retirada de sintomas. Uma psicanálise é um tratamento que compreende a dimensão do mal-estar sem reduzi-lo a um único aspecto, e que conduz aquele que fala a reconhecer sua parte no que diz, ou seja, uma experiência em que o analisante passa de objeto a sujeito. A proposta dos trabalhos apresentados neste livro é claramente expressa: ao contrário de se fechar em sentenças definitivas, a respeito da eficácia da cura na psicanálise, as variações e as vicissitudes do entendimento sobre a clínica, os conceitos e a cura analítica sustentam e revigoram o campo freudiano.

Francisco Verardi Bocca, em “Cuidado com a cura!!!”, faz uma perspicaz busca, mais lógica do que cronológica, em alguns textos de Freud, das suas diferentes elaborações sobre o ego, porque, segundo ele, Freud vincula a reflexão da eficácia terapêutica com a noção de conflito psíquico: envolvendo o ego, as forças pulsionais e também a posição do analista. O percurso, dado pelo autor, demonstrou expectativas tanto otimistas quanto pessimistas sobre os resultados da análise, que vão da remoção ao amansamento do sintoma. Esclarece que Freud, primeiramente, toma o ego como aliado ou colaborador do analista, em seguida passa a tê-lo como fonte de obstáculos e de resistências para a cura e, por fim, assevera que o método analítico, dentre todos, é o que chega mais longe. Eis o itinerário: 1º – A cura pelo esclarecimento e remoção de sintomas. Entre 1916 e 1917, Freud sustenta que análise promove modificações eficazes e definitivas por meio da transformação do material inconsciente em consciente; 2º – Persiste a aposta no ego. No texto O ego e o id (1923) e, já instrumentalizado com o conceito de neurose de transferência, confere ao ego o poder de conciliar as demandas provindas de todas as fontes. Contudo, em 1926 reconhece um obstáculo: a resistência. Infiltrando-se novos contornos ao ego; 3º – O ego sob suspeita. Começa a relativizar a atuação do ego, principalmente em “Análise terminável e interminável”, em que aponta que suas modificações não são persistentes; 4º – O ego como fogo-amigo. Substitui o fim último da remoção do sintoma por atenuação da exigência pulsional. Freud, reconhecendo o limite da análise e da sua eficácia terapêutica, não a configura como terminável.

No texto seguinte, “A propósito da cura no discurso analítico”, Antonio Godino Cabas, considerando a cura inseparável do dispositivo clínico, interroga: o que é uma psicanálise? O obstáculo a ser contornado é como definir o que ocorre em uma psicanálise, como produzir uma prova de convicção que possibilite demonstrar a sua essência e a eficácia da prática, posto que se trata de uma experiência tão real quanto carnal e diz respeito a um sujeito único, a uma experiência unicamente aplicável ao particular de cada caso, e nisto perfila uma inconsistência do saber analítico: a impossibilidade de se fazer interpretações generalistas. Sublinha a inconsistência do “ser” do psicanalista, não há no inconsciente um significante que dê conta de definir o que é um psicanalista, nada que possa garantir de antemão quem é e quem não é um psicanalista. O caminho que o autor empreende é a perspectiva do saber analisante. É o mesmo percurso realizado por Freud e por Lacan, na construção da doutrina analítica. Em ambos era desde um lugar como analisantes que “experimentavam” a psicanálise. Somente sob esta perspectiva é possível saber algo sobre o inconsciente, a partir de um saber de si-mesmo. Este é o cerne da experiência psicanalítica e de sua cura.

Sobre o conceito de experiência e o estatuto do saber no discurso analítico” é outro texto de Antonio Godino Cabas, no qual aborda a experiência clínica, criticada pela ênfase que traria um caráter demasiadamente empírico à psicanálise, tomada pelo viés de uma situação artificial que se constitui na sessão analítica. Artificial, posto que é pelo tratamento que se dá à demanda do analisante pelo analista que se produz o enquadramento necessário a uma psicanálise. Tal experiência provoca um movimento específico que visa à manifestação do real no campo do saber, como ato. Destarte é um saber, o saber-analisante, que se realiza em ato, que produz ato. Consistindo não em um saber do analisante, mas sim a qualidade, um tipo de saber. Conclui-se que a cura analítica está em estrita relação com a experiênicia e com o saber, pois é, antes de tudo, um saber fazer com o inconsciente.

João Perci Schiavon denuncia em “A cura em psicanálise” que a noção de pulsão é pouco explorada e mutilada como um pedaço de pulsão: pulsão de morte, pulsão sexual e pulsão de vida. Afirma que Freud, ao exercer a escuta flutuante, já estava intuindo a pulsão, chegando ao significante muito antes dos linguistas – mas não antes dos poetas. Afirma que o conceito orienta toda a trama significante e sublinha que Lacan compreendeu a pulsão como a potência do significante. O autor abre, sob domínio clínico e teórico, novos campos de interrogação da pulsão em relação ao saber do inconsciente – lugar da cura – e destaca alguns equívocos frequentes. Um primeiro equívoco: afetos secundários passam por primários. Afirma que dor e luto não decorrem diretamente do corte ou perda do objeto, mas sim do superinvestimento de representação do objeto, e a análise, com rigor ético, deve promover o reencontro do sujeito com esse poder e não exatamente com o objeto – seu norte deve ser a sublimação e não a castração. Quando para apenas no rompimento da unidade narcísica do discurso, reduz o campo pulsional à pulsão de morte, a falta-a-ser. O segundo equívoco: o afeto originário desligado da ideia é um absurdo. Considera-se que o recalque incide apenas sobre uma representação ou um significante e não sobre o afeto, e que este fica à deriva, desligado de sua representação. Sustenta que o afeto ligado a ideias substitutivas leva ao afastamento do saber e a uma queda considerável do exercício pulsional, nos sentidos prático e ético; consequentemente, a vida sofre diminuição. O terceiro equívoco: um saber dissociado do gozo ou um gozo dissociado do saber. A propósito do fim da análise, equivocam-se os que tomam o saber como uma coisa e a pulsão outra, sem que se coincidam. Perci designa a pulsão como saber do gozo que deve passar ao conhecimento. O avanço da análise deve ter modos de conceber e explorar o campo pulsional ou o campo do saber e o fim é a exigência de saber; é nisto que consiste a cura.

“A cura da psicanálise”, título do trabalho de Jorge Sesarino, traz a proposta de pensar a causa do sofrimento e deste ato encetar o efeito do significante no aparelho psíquico, ou seja, a emergência do sujeito, como o eixo fundamental de uma psicanálise: o saber inconsciente. Saber sobre a causa pensável, produzindo uma descontinuidade na existência do sujeito imerso nas exigências da vida cotidiana, que, passando a se ouvir naquilo que diz, modifica profundamente a personalidade deste a partir de sua atitude diante do desvelamento da verdade sobre a causa do que lhe faz sofrer. A psicanálise não busca curar os sintomas, mas saber o que eles têm a dizer. Nisto consiste a ética da psicanálise: dar lugar ao sujeito como autor de sua existência, conduzindo a demanda de amor ao seu lugar de enunciação, lugar de desejo correspondente à falta, movimento de queda do ideal.

No texto “Homenagem a Freud e a psicanálise hoje”, Gilberto Rudeck da Fonseca faz uma rápida retrospectiva da psicanálise: Freud inventa conceitos que dirigem o tratamento, concebe o inconsciente e, com ele, a possibilidade de interpretar o sentido do sintoma que aí se encontra. Em seguida, descobre as palavras e a fundamental importância de dizê-las. Concebe a transferência e se depara com um limite que se centrava no próprio sintoma: uma satisfação silenciosa que não provinha do prazer, que estava fora do sentido e que escapava à linguagem. Este aparente fracasso suscitou dissidências, como apostas nos medicamentos, na psicologia do eu e nas análises da contratransferência. Freud não recuou: escreveu vários novos conceitos e deu um salto subversivo, conduzindo o tratamento para o encontro do sujeito com o seu resto, com a “sua sombra”. Tirou o ser humano de um padrão preconcebido e lhe deu a condição de ser “seu próprio inventor”. Com isso cai a modernidade e a esperança na ciência, e a pós-modernidade é fundada por Freud. A psicanálise nos dirige a esse limite, à castração, ao traço de satisfação aprisionado ao gozo. Gilberto expõe três respostas que são posições e formas de trabalhar com a sombra, esclarecendo com um caso clínico.

Em “A cura na baliza da angústia”, Maria Angélica Carreras, para falar do fim, começa do início, que é quando ao sofrer demais por ignorar o motivo, o sujeito dá ao analista o lugar de suposto saber – o processo é movido pela transferência do sujeito e pelo desejo do analista. O analista, que não responde “à demanda amorosa de reconhecimento”, é aos poucos destituído desse lugar inicial, processo essencial para chegar ao fim. Afirma que a incógnita sobre o saber está ligada ao desejo Outro: que quer de mim? Para Lacan, o neurótico, ao tentar responder esta questão crucial, constrói o seu fantasma, não sem angústia. E a arte da direção da cura está no difícil manejo da angústia. Diferencia culpa (campo da impotência) e angústia (campo do impossível) e, ainda, faz uma breve sinopse da construção do conceito de angústia em Freud e Lacan, que a relaciona com a castração no Outro. Angústia é sinal da posição fantasmática entre o sujeito e o objeto. Comenta: “o que nos faz adoecer é a onipotência do Outro, o que nos salva é descobrir que o Outro é castrado”. O fim de análise é a travessia da angústia, é a descoberta de que o Outro não existe, de que suas dívidas imaginárias não procedem, de que ninguém é responsável pelos seus infortúnios. É o caminho da liberdade. Assim, segundo a autora, há um antes e um depois do fantasma.

“Todo aquele que é feliz tem razão: a questão da cura a partir do pensamento de Winnicott”, por Nadja Nara Barbosa Pinheiro, traz a reflexão segundo a qual é necessário considerar a questão da cura tanto em relação à teoria quanto em relação à prática, ao menos quando esta interrogação se desenrola no campo da psicanálise. Questão complexa, como salienta a autora, posto que ao psicanalista, advertido por sua ética, não é possível ofertar a felicidade plena àquele que o procura. Este posicionamento do psicanalista, segundo Nadja, contrasta com o momento histórico atual, que, oferecendo muitas promessas de satisfação plena, ilusões de felicidade e prazeres fugazes vendidos como propostas de dissolução do mal-estar, simplesmente negam que a falta em questão se trata de um elemento constituinte da estrutura do sujeito desejante e, como tal, inerente à vida anímica.

No texto que encerra a coletânea, “A cura em psicanálise”, Edna Maria Romano Wallbach dá a palavra à Boileau, que diz que a psicanálise é um método de cura pouco mensurável, mas incontestável. Aponta para o instinto de morte como o fator mais poderoso, não só da resistência, mas a causa suprema do conflito. Enfatiza a primeira infância, na qual todas as repressões se efetuam por um ego débil, e que posteriormente não surgem novas repressões, apenas persistem as mesmas. Afirma que a análise deve capacitar o ego, agora mais maduro, a revisar as antigas repressões, para não ceder facilmente à força instintual. Destaca também a dupla formada, analista e analisando, e os afetos que despertam um no outro, colocando como questão fundamental a análise pessoal do analista. Concluiu que Freud trabalhava mais com a teoria das pulsões, enquanto hoje se trabalha com a teoria das relações objetais, e encerra esclarecendo que a função da análise não é demonstrar os mecanismos neuróticos ou psicóticos, mas atentar que está lá “uma pessoa para nascer”. O caminho para a cura, proposto pela autora, se configura demasiadamente idealizado, ao privilegiar o ego em detrimento do inconsciente e/ou do real.

Nota

1 PEREZ, Daniel Omar (Org.). Filósofos e terapeutas em torno da questão da cura. São Paulo: Escuta, 2007.

Marcelo de Oliveira – Mestrando em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR – Brasil. E-mail: [email protected]

Vera Lúcia da Silva Alves – Mestranda em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR – Brasil. E-mail: [email protected]

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