História Indígena / Ensino d(e) História Indígena e Educação Escolar Indígena Brasileira / História e Diversidade / 2018

Em tempos atuais, na sociedade brasileira, sinais de preconceito e intolerância contra Indígenas, Negros e LGBTs ganham visibilidade e reúnem novos adeptos e versões. Em vários momentos, ressoam em espaços de representações governamentais, midiáticos e até escolares, algumas expressões sobre um desses povos que achávamos ter vencido. Como por exemplo, “pra que tanta terra para índio”?, colocando em xeque lutas e conquistas históricas dos povos indígenas brasileiros.

A Revista História e Diversidade, por meio do Dossiê História Indígena / Ensino d(e) História Indígena e Educação Escolar Indígena Brasileira, apresenta no formato de artigos, estudos produzidos por pesquisadores / professores indígenas e não indígenas que buscam refletir sobre o processo histórico de contatos culturais, étnicos e políticos entre os povos indígenas e não indígenas ao longo da História do Brasil. E, ao mesmo tempo, analisar o resultado do pós-contato através da escolarização indígena, no qual saberes tradicionais e os novos conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos por esses povos começam a fazer parte do currículo acadêmico e escolar, promovendo diálogos e práticas pedagógicas interculturais de protagonismo indígena.

Os artigos foram divididos em seções temáticas que compreendem: 1) História Indígena e seu ensino, considerando a história de contato interétnico e cultural, remanescentes de tempos coloniais e dias atuais com escritas indígenas e outros pesquisadores. 2) Educação Escolar Indígena, com ênfase nas experiências acadêmicas acerca da escolarização indígena.

Nos “Fragmentos da história dos índios Bororo nas terras de Mato Grosso”, Loiva Canova analisa a presença do povo Bororo na nova repartição administrativa de Portugal, em 1748, as minas do Mato Grosso e as do Cuiabá. Contextualizando, a formação da Capitania de Mato Grosso a partir do processo de expansão, conquista e colonização que resultou na apropriação de terras indígenas, num cenário de resistência e conflitos étnicos na colonização portuguesa em terras ao sul da América.

A história e cultura dos “Remanescentes indígenas no Planalto Serrano” é descrita por Suelen de Andrade e Nanci Alves da Rosa, da Universidade do Planalto Catarinense (UNIPLAC), que enfatizam a história indígena dos povos Xoclengs e Kaigangs, os quais, juntamente com os Guaranis, forjaram as primeiras comunidades humanas na Serra Catarinense. As autoras abordam ainda, o resultado do contato desses povos com os bugreiros, que promoveram a “limpeza” étnica em nome da expansão e modernização do Planalto Catarinense.

Ao estudar “O primeiro contato do povo Pandéérééj do Município de Aripuanã (MT): uma perspectiva indígena”, a professora indígena Beatriz Cinta Larga e a professora Regiane Custódio lançam luzes sobre o contato interétnico entre os Cinta Larga e os não indígenas, partindo, de testemunhos, dos anciãos Eduardo Kaban Cinta Larga e Capitão Cinta Larga, captados pela etnografia escrita por João Dal Poz Neto (1991) e Julie Cruikshank (2002).

O testemunho do Xavante Elidio TsõrõnéParidzané, com a coautoria da professora Marli A. de Almeida, na escrita do artigo “A desintrusão de Marãiwatsédé: narrativas indígenas de um retorno”, apresenta-nos a história de contato dos Xavante pelos não indígenas, na década de 60 do século XX, durante o regime militar. Ao acompanhar a entrevista de seu pai, Cacique Damião Paridzané ao Bispo emérito da Prelazia do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga, o indígena Elídio nos brinda com a história da desintrusão da Terra Indígena Marãiwatsédé, uma das vitórias na batalha dos povos Xavante para o retorno aos seus territórios tradicionais, em 2013.

Em “Casamentos interétnicos na aldeia Umutina: autorreconhecimento da identidade Umutina”, a professora Umutina Alessandra Corezomáe Boroponepá narra a história de contato desses indígenas com não indígenas durante a construção das linhas telegráficas pelo Marechal Cândido Mariano Rondon que nas primeiras décadas do século XX, oportunizou a “mistura” étnica entre Umutina, Bororo, Terena e Chiquitano através de casamentos interétnicos, na aldeia Umutina, em Barra do Bugres (MT). O estudo realizado pela autora ao entrevistar os anciãos, aponta para a agência indígena, quando constata que os grupos indígenas “misturados” pelo casamento interétnico resolveram se autorreconhecer como Umutina.

Os aspectos culturais dos indígenas Myky e o ensino d(e) história indígena em “Artefato cultural do povo Myky: machado de pedra” são apresentados pelo indígena Tupy Myky e pelo professor Carlos Edinei de Oliveira na pesquisa realizada na aldeia Japuíra, terra Indígena Menku, município de Brasnorte (MT) sobre a origem e uso do machado de pedra pelo povo Myky. Sobretudo pela importância patrimonial e cultural do machado de pedra para os indígenas que ao mesmo tempo os representa como símbolo cultural para a humanidade e também os auxilia no autorreconhecimento. Haja vista que ao entrevistar os anciãos, Tupy, conseguiu identificar traços culturais anteriores ao contato com o colonizador não indígena, viáveis para serem transformadas em narrativas didático-históricas de ensino d(e) história indígena.

A escrita “Cultura Indígena: batizado tradicional do menino Manoki” do professor indígena Claudionor Tamũxi Iranxe, da Escola Estadual Indígena Tapura, em Brasnorte (MT), em parceria com a professora Regiane Custódio apresenta-nos a possibilidade de conhecermos o batizado tradicional do menino Manoki como um procedimento cultural insubstituível para uma boa educação dos meninos, pois, marca o rito de passagem do menino para a adolescente, e consequentemente, para a idade adulta. O batizado tradicional é uma forma de educação dentro da cultura. Após seu acontecimento os meninos terão um aprendizado não apenas com os homens, mas se tornarão responsabilidade da família, e todo o grupo contribuirá com a sua formação.

O processo formativo de Educação Indígena desenvolvido no século XIX por religiosos é apresentado pela professora Verone Cristina da Silva em “Catequese, escola e militarismo: A missão dos capuchinhos na fronteira Brasil e Paraguai”. A autora analisa a catequese os indígenas Guaná pelos missionários capuchinhos na fronteira entre Brasil e Paraguai, com base no Decreto n. 426, ao longo do século XIX. Durante a investigação em documentos oficiais, o estudo apresenta agência indígena na escolarização dos Guaná como propositivo de catequese pelos colonizadores luso-brasileiros.

Em relação ao processo formativo educacional indígena, entre o final do século XX e início do século XXI, as autoras Iraci Aguiar Medeiros e Leda Gitahy analisaram a experiência da formação de professores indígenas realizada na Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT, a partir de 2001. De acordo com este estudo, a experiência do 3º Grau Indígena inaugurou no Brasil, a formação dos professores indígenas para atuarem em suas aldeias. Isto posto, verifica-se que a capacitação de professores indígenas contribui para conquistas de lutas antigas, como afirmação de identidades, demarcação de terras e Educação Escolar Indígena.

A confluência entre as conquistas indígenas no campo da Educação Escolar Indígena e o estudo de Ensino d(e) História Indígena, com base na “nova história indígena” está muito bem representada pela escrita da professora e pesquisadora desse campo Luisa Tombini Wittman e demais autores, no “Papel da Universidade no Ensino de História Indígena: uma análise dos cursos de História em Santa Catarina”. Ao debruçar-se sob as propostas curriculares dos cursos de História da IES (UFSC, UDESC, UFFS, UNISUL, UNESC, FURB) que a partir da aprovação da Lei n. 11.645 / 08, têm o compromisso de formar profissionais da Educação Básica para o ensino da História e Cultura dos povos indígenas, os autores analisam a realidade, desafios e possibilidades de construção de uma História Indígena no estado de Santa Catarina.

Enfim, as produções que compõem este dossiê somam-se a vários estudos desenvolvidos no Brasil sobre o protagonismo indígena, sendo temáticas de pesquisa e ensino construídas por não indígenas, ou como apresentamos neste volume, através dos quais os indígenas narram suas histórias. Na tentativa de produzir conhecimentos e contribuir para a diminuição preconceito e intolerância.

Além do Dossiê, esta edição da Revista História e Diversidade publica também dois artigos complementares. O primeiro artigo denominado “Um novo lugar social a ser ocupado: os intelectuais e as representações dos negros no Brasil republicano”, de Juliana Aparecida Nunes, analisa o processo de representação dos negros durante o período republicano brasileiro, a partir da análise da construção da representação social realizada por intelectuais e os impactos sociais destas representações.

O segundo artigo, de autoria de Raylinn Barros da Silva, “Curar e higienizar o sertão do antigo extremo norte goiano (atual norte tocantinense): os missionários católicos Orionitas e suas estratégias de catolização pela saúde”, apresenta um estudo acerca da atuação dos missionários orionitas e o uso do processo sanitário e de higienização como instrumento de catolização a partir da década de 1950.

Boa leitura!

Cáceres, novembro de 2018

Carlos Edinei de Oliveira (Unemat)

Marli Auxiliadora de Almeida (Unemat)

Organizadores

Osvaldo Mariotto Cerezer (Unemat)

Editor


OLIVEIRA, Carlos Edinei de; ALMEIDA, Marli Auxiliadora de; CEREZER, Osvaldo Mariotto. Apresentação. História e Diversidade. Cáceres, v.10, n.1, 2018. Acessar publicação original [DR]

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