Ensino de História / Locus – Revista de História / 2016

A proposta daorganização do dossiê temático “O ensino de História como campo de pesquisa” surgiu de recentes diálogos travados entre um grupo de professores formadoresda Universidade Federal de Juiz de Fora que, a partir de seus respectivos lugares de atuação profissional (o Departamento de História e o Departamento de Educação), tem buscado refletir e delinear ações conjuntas voltadas para a formação dos futuros professores de História. Tais diálogos refletem o desejo de superação das barreiras físicas e institucionais ainda presentes quando se trata da desafiante e imprescindível tarefa de formar professores.

A aproximação entre esse grupo de professores não tem se dado por acaso, mas a partir de uma sensibilidade partilhada que busca responder a uma demanda crescente da formação para o magistério, como sinalizam pesquisas que situam a formação de professores de História no Brasil [1]. A assunção da tarefa de formar professores de História como projeto institucional coletivo tem possibilitado avanços, na medida em que potencializam um movimento, senão de ruptura, ao menos de questionamento de concepções de formação há muito arraigadas nos cursos de licenciatura em História no Brasil.

Destacamos, em particular, a necessária superação de uma perspectiva de formação de professores historicamente dominada pela hierarquização entre os saberes históricos e os saberes pedagógicos, na qualo domínio daqueles saberes, advindos da ciência de referência, tem sido vislumbrado como eixo estruturante da profissionalização do professor. Por seu turno, os saberes pedagógicos têm assumido posição marginal, que se observa tanto no reduzido espaço atribuído às denominadas disciplinas pedagógicas nos currículos dos cursos de licenciatura quanto nas concepções circulantes em torno de tais saberes, os quais são alçados à condição de fazeres técnicos e acessórios, desprovidos de uma dimensão epistemológica. Dessa concepção de formação resultam compreensões um tanto simplistas acerca do ensino de História, o qual é compreendido enquanto ação pragmática e alicerçada exclusivamente no domínio de conteúdos disciplinares pelos professores.

A apostaque fazemos caminha no sentido oposto a talprojeto de formação. Nessa direção, partilhamos da perspectiva segundo a qual ensinar História pressupõe uma atitude investigativa, ancorada em saberes de natureza epistemológica própria, que configuram o domínio da Didática da História. Acreditamos que o ensino de História – campo de pesquisa cuja trajetória de institucionalização esteve intrinsecamente vinculada à reflexão acerca dos saberes que servem de base à formação do professor – seja o terreno capaz de fornecer ferramentas conceituais e analíticas para a compreensão da complexa tarefa de ensinar História. Enquanto espaço-tempo de produção de conhecimento que se constitui na fronteira entre a História e a Educação [2], o campo do ensino de História tem nos possibilitado olhar para o fenômeno educativo em suas dimensões complexas e plurais, posto que compreende os processos de escolarização como construção demarcada por interações entre múltiplos atores e saberes, que não se esgotam no domínio do saber disciplinar. A compreensão dessas interações, que traduzem a dinâmica de ensino e aprendizagem em História, constitui o objeto nuclear de investigação do campo do ensino de História.

O presente dossiê traz a público um recorte de produções que, situadas no domínio das problemáticas próprias do ensino de História, apresentam investigações relacionadas aos processos envolvidos no ensino e na aprendizagem em História. Orientados por abordagens, recortes e enfoques diversificados, tais artigos refletem o estágio de amadurecimento do campo, que tem se caracterizado pela densidade teórica, pela abertura temática e pela diversidade de objetos de investigação [3]. Do universo de artigos que compõe o dossiê, é possível observar investigações centradas desde os contextos escolares e suas interações cotidianas, àquelas focadas no próprio campo de produção de conhecimento histórico. No que tange às abordagens metodológicas, o leitor irá encontrar desde pesquisas colaborativas a análises de cunho etnográfico. Por fim, mas não menos importante, os artigos se caracterizam pela diversidade de atores investigados, como professores e alunos, ressaltando-se as pesquisas em torno da cultura juvenil.

É neste sentido de provocar o discurso educacional de formação de professores de História que se inserem os desafios propostos pelos diversos artigos apresentados neste número da revista Locus. Mas também se trata de um convite a ensaiar a produção de formas curriculares e de práticas de ensino que envolvam cultura digital, cinema, juventude, religiões, enfim, ações que estabeleçam relações entre o ensino de História e a produção de novas subjetividades no mundo contemporâneo.

Os dois primeiros artigos trazem para discussão aspectos ligados às problematizações do ensino e aprendizagem da História envolvendo juventude e suas questões. No artigo que abre este dossiê – “Investigar la enseñanza y el aprendizaje de la historia en la cultura digital” – Graciela Funes e Miguel A. Jara discutem a importância do ensino de História na cultura digital. Para isso destacam o aspecto sempre inacabado da formação inicial e continuada no desafio de olhar e reconhecer as questões e / ou problemas da atualidade que afetam as salas de aula. Os autores insistem no fato de que neste cenário atual se torna necessário observar atentamente os processos de aprendizagem da História, os modos como se constróem e reconstróem os entendimentos de ensino e aprendizagem de História em meio à cultura digital.

No artigo subsequente, “Afirmações e resistências: cultura escolar e juventude”, os pesquisadores Alessandra Nicodemos Oliveira Silva, Ana Carolina Oliveira Alves e Henrique Dias Sobral Silva buscam identificar e analisar processos de afirmação e resistência presentes na cultura escolar e que são vivenciados por alunos de uma escola estadual do Rio de Janeiro. O encontro desses autores se dá a partir das suas experiências com o estágio, oportunizando o encontro entre formação e sala de aula. A escola é trazida para discussão como lugar de negociação e de encontros entre as diferenças, colocando em funcionamento processos de afirmação e de resistências. O foco das análises é uma turma marcada por divergências e segregações, reconhecendo os fenômenos educacionais como esferas a serem investigadas em suas complexidades na escola e seus desdobramentos no mundo do trabalho.

Numa linha de condução mais preocupada com as questões que afetam a formação de professores, temos o artigo de Rafael Gonçalves Borges – “Didática da História e a ciência da Educação: problematizações para a formação de professores” – em que o autor concentra suas análises na história do ensino de História no Brasil, buscando problematizar o que ele chama de “afastamento” entre a Didática da História e a ciência da Educação. Um artigo que situa as mudanças percebidas nos últimos anos a partir do fortalecimento de debates e pesquisas influenciadas pela Didática da História alemã, aventando as possíveis implicações desse processo na formação do professor de História e emsua identidade.

Em seguida, temos dois artigos que tomam os filmes e o cinema para pensar suas relações com a História e o ensino de História. No primeiro artigo, intitulado “Cinema, estudos urbanos e ensino de História como campo de pesquisas: o caso da produção de curtas-metragens na cidade de São José do Rio Preto / SP”, os autores Rodrigo R. Paziani e Humberto P. Neto trabalham com a produção de curtas que trazem a discussão das cidades e o ensino de História. Mais do que isso, estão preocupados em estabelecer, a partir dessas produções, as relações de produção de conhecimento histórico acadêmico e o histórico escolar. O segundo artigo também mantém a discussão em torno do cinema e ensino de História. Concentrando a análise nas relações entre os filmes históricos e o ensino, Vitória Azevedo da Fonseca tem como argumento central a utilização dos filmes para além do seu entendimento como documento. Por meio de seu artigo, com o título de “Filmes históricos e o ensino de História: diálogos e controvérsias”, a autora analisa cinco itens para pensar os desafios e potencialidades do uso dos filmes no contexto da sala de aula.

Os dois últimos artigos envolvem as questões ligadas à história oral, narrativas e memórias. Elaine Lourenço e Juliano C. Sobrinho retomam a discussão entre encontros do saber acadêmico e o saber escolar em seu artigo, com o sugestivo título “Para além da história da Princesa: o saber histórico escolar e as disputas de memórias”, por meio do qual os autores problematizam o uso do livro didático, as escolhas curriculares, a história oral e as memórias que estão na sala de aula. Para isso, tomam uma experiência docente para propor outras abordagens do conteúdo. Por último, apresentamos o artigo de Frederico A. Mota, no qual aparece uma problemática atual para a realidade brasileira, as religiões afro-brasileiras e sua presença na educação. “As religiões afro-brasileiras: uma possibilidade de abordagem na educação formal”, último artigo do dossiê, propõe a discussão desse tema, baseado numa pesquisa realizada com estudantes do ensino fundamental a respeito das relações que estabelecem com as questões afro-brasileira, especialmente as religiões. Questões que nos chamam para pensar o ensino de História e a formação dos estudantes.

Finalizamos nossa breve apresentação ressaltando que a publicação deste número temático reflete o reconhecimento do necessário posicionamento institucional do Ensino de História enquanto campo de produção de conhecimento, cuja reflexão acumulada tem muito a contribuir não apenas para o redimensionamento de nossas práticas orientadas para a formação dos futuros professores de História, como também para a abertura de novas perspectivas de pesquisa em Ensino de História.

Nota

1. FONSECA, Selva Guimarães. A formação do professor de história no Brasil: novas diretrizes, velhos problemas. In: REUNIÃO DA ANPED, 24., 2001, Caxambu. Disponível em: . Acesso em: 2 out. 2016. FONSECA, Selva Guimarães; COUTO, Regina Célia do. A formação de professores de História no Brasil: perspectivas desafiadoras do nosso tempo. In: FONSECA, Selva; ZAMBONI, Ernesta. Espaços de formação do professor de História. Campinas, SP: Papirus, 2008. p. 101-130.

2. MONTEIRO, Ana Maria; PENNA, Fernando. Ensino de História: saberes em lugar de fronteira. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 36, ano 1, p. 191-211, jan. / abr. 2011.

3. ZAMBONI, Ernesta. Panorama das pesquisas no ensino de História. Saeculum –Revista de História, n. 6 / 7, jan. / dez. 2000 / 2001.

Anderson Ferrari

Yara Cristina Alvim

FERRARI, Anderson; ALVIM, Yara Cristina. Apresentação. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.22, n.2, 2016. Acessar publicação original [DR]

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