Posts com a Tag ‘Ensino de História (d)’
Ensino de História: etnicidade e relações raciais | Crítica Histórica | 2022
Sem Título, Maria Lídia Magliani | Foto: reprodução/Nonada
O dossiê intitulado Ensino de História: etnicidade e relações raciais apresenta um conjunto de textos que problematizam as práticas pedagógicas fomentadas pelas Leis 10.639/2003 e 11.645/2008. O ensino de história e cultura africana e afro-brasileira, bem como aquele sobre história indígena já demarcavam o artigo 26 A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 (LDB). Mas o Brasil, bem indígena, afro e afro-indígena, ainda sofre com as mazelas geradas pelo eurocentrismo, racismo e pela mentalidade colonial. Esse conjunto de leis orientou o estudo da história e da cultura afrobrasileira e indígena em salas de aula em todo o país, assim como movimentou os currículos dos cursos de História. As pesquisas realizadas, antes das referidas legislações, apontaram que grande parte dos cursos, de base eurocêntrica, “não ofertavam aos futuros professores componentes curriculares relativos à história africana e indígena” (Guimarães, 2022, p. 10).
Em outras palavras, acreditamos que está na hora de realizarmos mudanças políticas substanciais na eleição dos sujeitos da narrativa histórica, mostrando as contribuições dos povos africanos e suas diásporas, bem como as contribuições dos povos indígenas para a história geral. Como responder às grandes questões sociais do mundo contemporâneo sem entender a história da África e da Ásia? Por outro lado, acreditamos também na atuação política dos professores que deveriam se dedicar mais ao mapeamento e criação de práticas educativas antirracistas, do que permanecer denunciando o racismo e afirmando a inexistência de materiais didáticos. Assim, a nossa intenção de discutir práticas pedagógicas antirracistas ainda se faz necessária, e urgente, em um país fortemente marcado por desigualdades sociais e defensor do mito da democracia racial brasileira. Leia Mais
Enseñanza de la historia y pandemia /Clío & Asociados. La historia enseñada/2022
Presentamos la edición correspondiente al segundo semestre de 2022 que contiene nueve artículos y dos reseñas de libros. Leia Mais
Novas tecnologias e ensino de história | Revista Historiar | 2022
Detalhe de capa de Relações Étnico-Raciais no Contexto Quilombola Currículo, Docência e Tecnologia, de Ana Carolina Mota da Costa Batista (Apris, 2020).
A relação entre a História e a Internet não é algo tão novo quanto alguns podem supor. Na década de 1990, por exemplo, pesquisadores americanos já discutiam o uso da internet como fonte e ferramenta de pesquisa, como suporte de memórias e espaço de divulgação de trabalhos acadêmicos, e analisavam os impactos do uso dessas novas tecnologias nas noções de tempo e espaço. Desde então, começaram a surgir reflexões sobre a própria escrita da História, agora perpassada pela rede mundial de computadores.
Em 2001, Rolando Minutti, professor de História Moderna da Universidade de Florença, publicou um livro que iniciou um debate que se esboçava à época, destacando as dúvidas e expectativas dos historiadores em relação ao que se chamava de “revolução digital”. Estes debates seguiram na direção de analisar quais seriam os desdobramentos da Internet nos estudos de História (LUCCHESI, 2012). Leia Mais
Ensino de História e Cultura Indígena nas escolas: transformações e permanências, conquistas e desafios no pós Lei 11.645/2008 | Revista Eletrônica História em Reflexão | 2022
Projeto cria condições para uma formação escolar própria aos indígenas | Foto: Gustavo Diehl/UFRGS
É com satisfação e alegria que apresentamos o Dossiê Ensino de História e Cultura Indígena nas escolas: transformações e permanências, conquistas e desafios no pós Lei 11.645/2008. Neste número da Revista História em Reflexão, reunimos estudos de pesquisadores(as) doutores(as), doutorandos(as), mestres(as) e intelectuais indígenas que analisam o ensino de História e Cultura Indígena desde a promulgação da Lei 11.645/2008.
As autoras e autores nos brindam com análises de suas experiências de ensino e pesquisa das Histórias e Culturas Indígenas, que apontam transformações e permanências a partir da Lei, nos marcos legais da legislação da política educacional brasileira, como nas diretrizes curriculares nacionais para formação inicial e continuada de docentes para a Educação Básica (DCNs), nos projetos pedagógicos de cursos de graduação/licenciatura em História (PPCs), nas diretrizes estaduais para a educação básica para a área de história (DCEs), na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e nos materiais didáticos. Por diferentes abordagens teórico-metodológicas, problematizando e evidenciando as conquistas e os desafios na trajetória do ensino de Histórias e Culturas Indígenas, os artigos são consensuais no destaque dos povos indígenas como protagonistas de suas próprias histórias, bem como da história do Brasil, e, fundamentalmente, como partícipes e produtores de conhecimento histórico. Leia Mais
Ensino de História do Holocausto: itinerários de pesquisas | Boletim do Tempo Presente | 2022
Os textos aqui reunidos nesse Dossiê foram selecionados e avaliados a partir do I Congresso Internacional sobre Ensino do Holocausto e Educação em Direitos Humanos, organizado pelo Museu do Holocausto de Curitiba em parceria com a Universidade de Pernambuco e a Universidade Federal do Paraná. Em colaboração com o Boletim do Tempo Presente, da Rede de Estudos do Tempo Presente/Brasil, optamos por fazer a divulgação dos textos num periódico acadêmico, ao invés do modelo tradicional de anais. Acreditamos que esse formato dará aos textos maior visibilidade e acesso. Foram selecionados vinte textos de autores(as) de diversas regiões do país que compõem o que aqui chamamos de “novos itinerários” de pesquisas sobre o Holocausto no Brasil. Os textos foram editados por eixo temático e serão publicados em quatro edições do Boletim do Tempo Presente, sendo essa a primeira edição de 2022. Leia Mais
El juego en la enseñanza de la Historia: desde la actitud lúdica a la gamificación/Clío – History and History Teaching/2022
Organizadores Leia Mais
Investigar y enseñar Malvinas/Clío & Asociados. La historia enseñada/2022
Presentamos la edición correspondiente al primer semestre de 2022 que contiene nueve artículos y dos reseñas de libros. Leia Mais
Bases Nacionais e o Ensino de História embates, desafios e possibilidades na/ entre a Educação Básica e a formação de professores | Educar em Revista | 2021
Detalhe do cartaz “Seminário do Curso Pró-Docência em Educação Infantil“, UFSC, 2015.
INTRODUÇÃO
Com o objetivo de atender a determinações da Lei de Diretrizes e Bases 9394/96 – LDB (BRASIL, 1996), debates foram realizados ao longo dos últimos anos em torno de definições para orientar a construção dos currículos da Educação Básica em escolas brasileiras. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) elaborada e recentemente aprovada (BRASIL, 2017) apresenta permanências e, também, algumas mudanças em relação ao que historicamente tem sido produzido em nosso país quanto a discussões curriculares. Sua elaboração e implementação envolvem questões epistemológicas de cada área de conhecimento, questões pedagógicas e questões políticas. Além disso, a Base foi aprovada em um contexto histórico e político conturbado, em que sua discussão e sua construção coletiva foram seriamente prejudicadas, quando não, ausentes.
A BNCC, apropriada nos Estados e Municípios, gerou e vêm gerando diretrizes curriculares para orientar a ação dos professores nas escolas, a elaboração de exames de avaliação institucional e de acesso às instituições de ensino superior, a produção de livros didáticos por meio dos editais do Programa Nacional do Livro Didático e, também, a formação de professores. Esta última, também recentemente (dezembro/2019), teve aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e uma Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica. Leia Mais
Uma apresentação ou das cartografias decoloniais no ensino de História | Intellèctus | 2021
Mapa Mundi invertido | Imagem: Pixabay
Neste dossiê sobre pensamento decolonial e suas interfaces com diversos aspectos do ensino de História cartografamos possibilidades de diferentes trabalhos e pesquisas de matriz curricular decolonial e intercultural crítica, quer em espaços educativos formais, quer em espaços educativos não formais. Os artigos apontam caminhos teórico-metodológicos para o enfrentamento e combate de preconceitos, discriminações, racismos, epistemicídios e outros tipos de opressões e silenciamentos construindo memórias e histórias insurgentes. Assim, por meio de aprendizagens mais plurais e inclusivas lutam pela efetivação de maior justiça epistemológica ou cognitiva numa perspectiva de uma educação intercultural crítica.
Organizamos este dossiê dispondo inicialmente os artigos de caráter mais conceitual sobre o pensamento decolonial na relação com o Ensino de História. Na sequência aqueles que apresentam pesquisas e experiências educativas numa perspectiva decolonial. Sendo assim, reunimos treze textos que abordam aspectos do pensamento decolonial e ensino de história em múltiplos espaços e formas. Estes traduzem estudos de caráter teórico sobre o pensamento decolonial, pesquisas e experiências de atividades docentes em escolas, universidades e espaços não formais. Leia Mais
Historiografia e Ensino de História | Revista Territórios & Fronteiras | 2021
A produção de um conjunto de trabalhos que tome as relações entre historiografia e ensino de História como objeto de análise insere-se na tradição da produção bibliográfica acerca do ensino de História que tem envolvido, principalmente, os debates e reflexões que vêm sendo produzidos por historiadores e professores no âmbito de instituições de pesquisa e ensino, ou como partícipes de debates em torno de programas ou políticas educacionais. Ademais, envolve também um conhecimento historicamente produzido, resultante de projetos e propostas de investigações, experiências e práticas concretas. Do ponto de vista do arcabouço teórico os trabalhos sugerem a opção e adesão aos fundamentos teóricos e filosóficos da ciência da História como referenciais para reflexões, investigações e debates. Esta opção e adesão tem caracterizado, de maneira específica, a qualidade e a especificidade para um recorte diferenciado da produção no âmbito do Ensino de História. Uma das principais contribuições a este debate tem sido o princípio indicado pelo historiador Jörn Rüsen acerca da Didática da História como ciência da aprendizagem histórica, porqueela produz de modo científico (especializado) o conhecimento necessário e próprio à história, quando se necessita compreender os processos de aprendizagem e lidar com eles de modo competente. Ou, todo conhecimento acerca do que seja a aprendizagem histórica requer o conhecimento do que seja história, daquilo em que consiste a especificidade do pensamento histórico e da forma científica moderna em que se expressa. No cerne da questão está a capacidade de pensar historicamente, a ser desenvolvida nos processos de educação e formação. Leia Mais
Ensino de História em tempos de pandemia | Fronteiras – Revista catarinense de História | 2021
Em junho de 2021 enquanto trabalhávamos no referido dossiê, o Brasil ultrapassou a devastadora marca de 540 mil pessoas mortas em decorrência da Covid 19. Um cenário desolador, marcado por ações de uma necropolítica, que causaram sentimentos de muita dor e revolta. A soma dessas mortes evidencia um contexto assustador iniciado em março de 2020, quando os primeiros casos de contaminação pelo novo coronavírus começaram a ser contabilizados no país. De lá pra cá temos somados perdas e indignação, seja pelo negacionismo que pautou a política do governo federal em relação às medidas protetivas ou pela demora na compra das vacinas.
Entre as muitas ausências que temos enfrentado é preciso relacionar aquelas relativas à educação. Esse novo contexto causou mudanças profundas no complexo cenário educacional, trazendo claramente prejuízos, principalmente no que tange a prática docente e a vida do estudante, sejam pelas abruptas condições nas quais a grande parcela de professores e professoras foram lançados, com aulas no formato remoto, com horários síncronas e assíncronas, precisando se adequar a plataformas digitais, alterando as rotinas e experiências docentes e discentes, acarretando adversidades na aprendizagem.
Diante do novo panorama a partir da conjuntura pandêmica, diversas áreas das ciências humanas buscam interpretar o momento vivido pela sociedade através de produções acadêmicas, em especial a História. Nesse sentido, historicizar essa experiência, como o que pretendemos neste dossiê, é registrar os momentos vividos, ouvir os sujeitos que dela participam, sendo um compromisso social e importante. Assim, temos aqui na Fronteiras: Revista Catarinense de História, um espaço que se articula a função social da História e dos historiadores e historiadoras.
O presente número da Revista Fronteiras é composto por 12 artigos, 1 entrevista, 2 resenhas, 1 relato e 1 texto complementar. O dossiê número 37, intitulado Ensino de História em tempos de pandemia é composto por 7 artigos, uma entrevista e um texto complementar. A seguir trazemos algumas reflexões empreendidas por alguns historiadores e historiadoras desse denominado novo “normal”, que foge de qualquer referência à normalidade pré-pandemia vivenciada por gerações, que a partir das suas vivências diárias, em sociedade, diante dos novos formatos das salas de aulas explicitam desejos, visibilizam preconceitos existentes, reforçam a importância dos direitos conquistados, marcam as suas impressões a partir do seu lugar de fala: O ser professor(e) (a).
O artigo que abre o dossiê é assinado por Flávia Eloisa Caimi, Letícia Mistura, Pedro Alcides Trindade de Mello e tem como título uma questão fundamental: Aprendizagem histórica em contexto de pandemia: o que pode ser e conter uma aula de História? A discussão parte do contexto de suspensão das atividades presenciais em instituições educativas e consequente instalação do ensino remoto para problematizar os impactos no processo de construção e realização da aula de História.
E eu, professor?! O ensino remoto de história e o cenário de inclusão deficitária em áreas rurais e periféricas do Estado do Pará é assinado por Catarina da Silva Moreira. O artigo traz os resultados de uma pesquisa qualitativa desenvolvida na Escola Estadual de Ensino Médio Dr. Pádua Costa, em Santa Bárbara do Pará e onde se buscava dados para a percepção da experiência de ensino de História no referido contexto.
Derick Douglas Domiciano, Ilisabet Pradi Krames, Sabrina Silva Campos, Marcel Oliveira de Souza trazem a questão do negacionismo e do revisionismo no texto O ensino de História diante dos discursos negacionistas e revisionistas no contexto da pandemia: desafios e possibilidades. O texto traz reflexões sobre as implicações que os discursos negacionistas e revisionistas trazem para o processo de ensino de História. Os autores abordam a polarização presente nos discursos negacionistas e revisionistas considerando que os mesmos têm grande impacto na formação de jovens estudantes. E defendem que o ensino de História seja espaço para construção de mais sensibilidade e alteridade, sentimentos esses necessários para a sedimentação de uma sociedade mais humanizada.
O sujeito histórico negro para além do epistemicídio é de autoria de Luiz Gustavo Mendel Souza e apresenta os resultados de uma pesquisa que buscou investigar livros didáticos da rede municipal de Campos dos Goytacazes/RJ e sua abordagem sobre a Lei nº 10.639/03. Pautando nos pressupostos da literatura decolonial o autor faz uma pergunta chave: a História da África e da cultura afro-brasileira seria retratada apenas pela ótica da escravidão nas páginas dos livros didáticos?
A ausência do ‘olho no olho’, do abraço espontâneo e das brincadeiras: Desafios dos professores de História em tempos de pandemia no Espírito Santo é o artigo assinado por Esdra Erlacher, Bruna Mozini Subtil, Brunna Terra Marcelino, Miriã Lúcia Luiz. Neste artigo são analisados os dados de uma pesquisa que buscou a experiência de 33 professores atuando em ensino remoto durante a pandemia de Covid-19. Os dados da pesquisa levam a discussão sobre temas como a precarização do trabalho docente e o adoecimento dos profissionais.
Ainda partindo da experiência escolar, Silvia Vitorassi apresenta o texto Experiência pandêmica em um ano histórico. A autora apresenta um relato onde tem espaço para seus questionamentos e angústias frente ao trabalho remoto desenvolvido a partir do momento de estabelecimento das medidas de isolamento por conta da pandemia. A narrativa aborda questões relevantes tais como: a romantização do papel docente, os abusos cometidos pelo governo ao não estruturar um planejamento mínimo para as condições de trabalho frente à pandemia e os limites estabelecidos entre pessoa e profissional.
O texto de Odair Souza e Patrícia de Freitas Ensino de História e temas sensíveis em tempos de pandemia traz questões resultantes de uma pesquisa realizada com estudantes da educação básica e ensino médio da Escola de Educação Básica Prof.ª Maria do Carmo de Souza localizada em Palhoça/SC. A pesquisa em questão buscou conhecer a situação desses estudantes frente ao ensino de História em situação de aulas remotas. E além disso priorizou também conhecer os limites do processo de aprendizagem frente aos chamados temas sensíveis.
Na Entrevista com o professor Fernando de Araujo Penna observamos de uma forma ampla o pensar do professor sobre diversos temas presentes da contemporaneidade, principalmente os articulados à profissão do Historiador e da Historiadora, reforçando ainda qual o papel dos professores na sala de aula. Destaca a partir das suas impressões sua trajetória na luta pelo ensino de história na educação básica e na formação de professores de História. Além disso, reflete sobre as funções sociais e éticas dos profissionais de História na sociedade. Recentemente Fernando Penna vem participando da comissão de compromissos éticos do exercício da docência no ensino história da ABEH. Concluindo, aborda os impactos da pandemia na formação inicial dos futuros professores de História.
Para encerrar os textos que compõem o dossiê temos um texto complementar, de autoria de nosso entrevistado: Fernando de Araujo Penna. O texto denominado “Escola Sem Partido” como ameaça à Educação Democrática: fabricando o ódio aos professores e destruindo o potencial educacional da escola, foi publicado anteriormente, em 2017, na obra “Golpes na História e na Escola: o Brasil e a América Latina nos séculos XX e XXI”1. O texto serve como uma contextualização da entrevista – que é inédita, por analisar a sua concepção de escolarização no Brasil. No texto, são apresentadas as representações de alunos e de professor, assim como as finalidades da escola, apresentadas nos discursos dos líderes e defensores da Escola Sem Partido. Mostrando como tais lideranças são desprendidas do contexto escolar e trazem discursos modulados pelo ódio ao professor.
Na atual edição contamos também com 5 artigos, 1 relato e 2 resenhas. Escrita da História e sexualidade: Cassandra Rios, ausência e invisibilidade, por sua vez, é a discussão proposta por Flávia Mantovani. A autora traz à cena a importância de uma escrita da História que aborda questões relativas à História das Mulheres. No caso, a discussão apresentada se volta para a produção literária de Cassandra Rios (1932-2002), conhecida como “a escritora mais proibida do Brasil”. A pesquisa desenvolvida pela autora permite perceber nos escritos da referida autora a possibilidade de uma escrita da História que dê visibilidade a outros sujeitos e suas sexualidades.
As narrativas da cinematografia soviética do período pós-guerra e início da Guerra Fria tornaram-se objeto de reflexão do artigo de Gelise Cristine Ponce Martins e Moisés Wagner Franciscon intitulado Os Estados Unidos e a Inglaterra vistos pelo cinema soviético do stalinismo tardio: a Guerra da Crimeia e os mares, no qual tanto o texto quanto as imagens permitem aos leitores olhares de como o investimento na guerra de narrativas a respeito das versões das histórias e de suas mensagens de união nacional soviética objetivou disseminar a circulação da narrativa do inimigo externo.
No texto de autoria de Wagner Cavalheiro, Roberta Barros Meira e Mariluci Neis Carelli, nomeado de A cristalização do açúcar e da ciência na segunda metade do século XIX: o engenho da fazenda Pirabeiraba e a racionalização da agricultura, realizaram uma operação historiográfica interdisciplinar com uso combinado teórico-metodológico da geografia e da história enfocando o humano habitante da paisagem para escreverem um artigo da história agrária. Os pesquisadores lançaram luz às mudanças do campo científico no século XIX para compreender alguns grupos joinvilenses em relação ao trabalho e à produção rural vinculada ao Engenho.
Cacique Orides: um retrato da resistência indígena no oeste de Santa Catarina escrito por Angelo José Franciosi de Souza, Jaisson Teixeira Lino, Fábio Araújo e Gustavo Andre Glienke Feyh denotou a força da resistência indígena em se apropriar dos dispositivos de poder da cultura política não indígena. Generoso artigo enfoca em que medida a atuação do cacique Kaingang Orides Belino Correia da Silva na posição de vice-prefeito e prefeito de Ipuaçu-SC implementou melhorias para a comunidade nativa da região.
Horizontes do ensino de história na América Latina escrito por Felipe Ziotti Narita realiza conexões teóricas com recortes temáticos levando em consideração outras demandas pelo conhecimento histórico. Artigo denso ao abordar três aspectos do ensino de história em escala decolonial da América latina, quais sejam, primeiro sobre a “produção das identidades latino-americanas”; o segundo “as relações entre ensino de história e as funções do conhecimento histórico”; por fim, a dimensão de digitalização do ensino de história com seus públicos. Problemáticas de como realizar o ensino não eurocêntrico em países latinos ao trazer o fontes e reflexões pertinentes do Chile, Argentina, Brasil, Venezuela, México e Colômbia. Vale a leitura.
O relato O Programa de Pós-Graduação em História da UFFS: algumas Memórias, de Antonio Marcos Myskiw, conta a trajetória do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em História da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus Chapecó/SC, que completou 5 anos de efetivo funcionamento neste mês. O texto vem para celebrar a data de fundação do PPGH/UFFS, narrando as lutas e o ensejo para sua aprovação enquanto curso reconhecido pela CAPES. O relato compartilha algumas experiências vivenciadas no PPGH/UFFS, assim como, faz conexões com o cenário da Pós-graduação no Brasil.
A resenha de Wellen Pereira Augusto atuando no campo jurídico ofereceu o título sugestivo desta, qual seja: A história do Brasil é brasileira? Duelo entre presente e passado, no qual destaca as múltiplas dimensões da obra reflexiva da antropóloga Lilian Moritz Schwarcz. O tema sobre o autoritarismo brasileiro não é novo no cenário historiográfico, todavia é uma obra necessária para leitores preocupados com os rumos do Brasil e dos brasileiros, sobretudo em situação de vulnerabilidade.
A resenha A Canção Latino-Americana em Questão, de Igor Lemos Moreira, analisa a obra Do folclore à Militância: A canção latino-americana no século XX, da historiadora Tânia da Costa Garcia. O autor mostra o texto resenhado é uma referência fundamental a todos/as historiadores/as que decidam se envolver não somente no campo da música latino-americana, mas apresenta uma possibilidade metodológica ímpar aos estudos da História da Canção em perspectiva comparada.
Assim, mesmo com as incertezas de tempos pandêmicos, esperamos levar para os leitores textos provocativos e densos, ou pelo menos, que possamos através deles, dividir nossas angústias e desafios. Desejamos uma boa leitura!
Nota
1 MACHADO, André Roberto de A.; TOLEDO, Maria Rita de Almeida (Orgs.). Golpes na História e na Escola: Brasil e a América Latina nos séculos XX e XXI. São Paulo: Cortez Editora: ANPUH SP, 2017.
Organizadores
Cintia Régia Rodrigues
Nucia Alexandra Silva De Oliveira
Yomara Feitosa Caetano de Oliveira Fagionato
Referências desta apresentação
RODRIGUES, Cintia Régia; DE OLIVEIRA, Nucia Alexandra Silva; FAGIONATO, Yomara Feitosa Caetano de Oliveira; MORETTO, Samira Peruchi. Apresentação. Fronteiras – Revista catarinense de História, n. 37, p. 3-8, jul./dez. 2021. Acessar publicação original [DR]
Didática da História e o ensino de História: questões contemporâneas – Parte 1 | CLIO- Revista de Pesquisa Histórica | 2021
No Brasil, nos últimos vinte anos, temos assistido a uma ampliação das produções acadêmicas que abordam o ensino de História em suas múltiplas dimensões. Por caminhos diferentes, inúmeros investigadores têm realizado trabalhos, projetos e pesquisas que visam analisar as relações que estudantes e professores estabelecem com a disciplina de História, como se dá o processo de produção do conhecimento histórico escolar, bem como os desafios e as vicissitudes presentes no ensinar e aprender História em contextos escolares e não escolares.
No entanto, se hoje entendemos que existe uma pluralidade de abordagens relativas ao ensino de História e que diferentes espaços continuam sendo construídos visando o desenvolvimento de investigações nessa área, isso só possível devido aos constantes embates, resistências e diálogos que foram travados, a partir dos anos de 1970, que objetivaram reconstituir a História, enquanto disciplina escolar autônoma, que naquele momento havia perdido o seu espaço epistemológico para os Estudos Sociais. Leia Mais
Ensino de História e Tempo Presente | Tempo e Argumento | 2021
História e Memória estão no centro de muitos debates atuais. O interesse pelo passado, expresso em mídias, na teledramaturgia, em temas e títulos de séries e filmes oferecidos pelas plataformas de streaming e em revistas especializadas no trato com o passado, alcança as discussões políticas. Os debates sobre o currículo de História, na Educação Básica e no Ensino Superior, convivem com as disputas por memória1 e com as demandas por outras perspectivas nas abordagens históricas. A rede mundial de computadores tem sido um espaço pródigo em formulações revisionistas que recusam os parâmetros e os procedimentos da pesquisa histórica2.
A História Ensinada ocupa o centro desse debate político, pois, é considerada um espaço poderoso na transmissão de uma compreensão da vida social e de uma narrativa sobre os fatos sociais. Não por acaso, este debate e aquelas disputas e sugestões revisionistas coexistem com os questionamentos sobre a liberdade de ensinar e a defesa de uma Escola livre de ideologias e com manifestações de estranhamento a abordagens relativas à cultura afro-brasileira, às questões de gênero, ao trato da Ditadura Civil-Militar e suas violências e, sobretudo, à crítica abalizada pela crítica histórica. Leia Mais
Patrimônios difíceis e ensino de História: uma complexa interação | Revista História Hoje | 2021 (D)
Patrimônios difíceis e ensino de História: uma complexa interação Difficult Heritage and History Teaching: A Complex Interaction Cristina Meneguello* Daniela Pistorello** Os patrimônios difíceis – também conhecidos como patrimônios sombrios, dissonantes, marginais ou da dor – remetem a locais associados ao sofrimento, à exceção, encarceramento, segregação, punição e morte (LOGAN e REEVES, 2009).
Tais patrimônios podem reunir a função de memorial ou de local de peregrinação com a finalidade de rememoração coletiva e de reconhecimento de direitos e de reparação. Na forma de memoriais espontâneos, monumentos oficiais ou museus memoriais, esses lugares que se referem ao “passado que não passa” adquirem uma função de educação pública ou revitalização urbana (MENEGUELLO, 2014 e 2020). Tais patrimônios associam-se, ainda, à definição de dark tourism (ou turismo sombrio, FOLEY e LENNON, 1996): mais de um milhão de pessoas visita, anualmente, os campos de concentração nazistas; 200 mil pessoas por ano visitam a casa de Anne Frank em Amsterdam, Holanda. Ainda, os bens materiais e as memórias a eles associadas, quando não fazem parte da celebração tradicional do patrimônio nacional, podem ser considerados como patrimônios difíceis. Leia Mais
Ensino de História na Amazônia: práticas pedagógicas como reflexão para a pesquisa | Mandurarisawa | 2020
O desafio de exercer a carreira de magistério no Brasil não tem sido das mais fáceis, principalmente depois da ascensão da extrema direita no país e no mundo. Este cenário político possibilitou o fortalecimento de ideias de cunho neofascista que trouxe no seu bojo o fortalecimento de racismo, xenofobia, machismo, assim como o negacionismo científico. Este último com intensa repercussão entre os professores de História do ensino básico à pós-graduação. No ensino básico, a disputa de narrativas tende a ser mais prejudicial devido a interferências mais direta no mercado editorial e subtração de temáticas importantes. Os representantes políticos adeptos deste ideário chegaram ao poder em 2018 pelo voto popular.
Com a sociedade convulsionada, temas consensuais nas pesquisas históricas como escravidão negra, golpe militar no Brasil, gênero, entre outros, passaram a ser contestados não a luz de novas pesquisas e sim por atos de vontade de adeptos do novo grupo de poder numa conjuntura política específica cujos acontecimentos e explicações ainda estão se desenrolando. Respostas simplistas a questões complexas fazem parte do rol de explicações por parte dos ideólogos: “a escravidão no Brasil era melhor, pois os negros já eram escravizados em seus antigos territórios”; “em 1964, no Brasil, assumiu o poder os militares através de um regime militar constitucional” e assim por diante. Leia Mais
Participación ciudadana y enseñanza de la Historia/Clío – History and History Teaching/2021
O futuro do passado: Desafios para o Ensino da História nas escolas numa perspectiva global | Revista Transversos | 2021
Desde o final do século XIX, as «revoluções» historiográficas multiplicam-se. Convicções que se estabeleceram a seu tempo como consensos epistemológicos e metodológicos sobre as práticas de investigação neste domínio são substituídas por outras, também aparentemente eternas. Mais recentemente, a reflexão dos historiadores centrou-se mais nos recursos narrativos da escrita da história e nos esforços de descompartimentar, de desconstruir e de problematizar documentos, disciplinas e identidades, mas também sobre a pluralidade das áreas e escalas espaço-temporais a partir das quais se colocam os problemas de investigação. Estas mudanças, tal como as contínuas, são relativas e ocorrem num contexto cultural, econômico, político e social que afeta também o mundo da educação.
Neste contexto, quais desafios se colocam ao ensino escolar da história? Como aproveitar a situação para aumentar a motivação dos alunos, na classe de história, para os tornar mais intelectualmente autônomos e curiosos, para desenvolver o seu pensamento crítico, a sua conscientização? Leia Mais
Ensino de História e Educação em Tempos de Incerteza | História em Revista | 2020
A ideia de que os brancos europeus podiam sair colonizando o resto do mundo estava sustentada na premissa de que havia uma humanidade esclarecida que precisava ir ao encontro da humanidade obscurecida, trazendo-a para essa luz incrível. Esse chamado para o seio da civilização sempre foi justificado pela noção de que existe um jeito de estar aqui na Terra, uma certa verdade, ou uma concepção de verdade, que guiou muitas das escolhas feitas em diferentes períodos da história.” (KRENAK, 2019, p. 3).
Assim como Ailton Krenak nos informa e nos questiona sobre a noção de “que existe um jeito de estar aqui na Terra”, também existe uma concepção e um jeito de ensinar, e de ensinar História, a priori, independente do tempo, dos sujeitos, dos territórios, das sociabilidades e dos pertencimentos. Essas concepções de História, de conhecimento e de verdade também são frutos da colonialidade do ser e do saber, como é posto e problematizado por Krenak. Leia Mais
História Antiga e Medieval no Brasil: pesquisa e prática de ensino / Perspectivas e Diálogos – Revista de História Social e Práticas de Ensino / 2020
As pesquisas em História Antiga e Medieval ganham o Brasil de uma ponta a outra. Partindo de centros de excelência, como a Universidade de São Paulo, a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universidade Federal Fluminense, espalharam-se por todo o país, graças ao trabalho incansável e audacioso de muitos pesquisadores / professores que acreditaram que é possível fazer uma História Antiga e Medieval de excelência no Brasil. Teçamos loas a essas pessoas admiráveis, que passaram por nossas vidas, que nos inspiraram e continuam a fazê-lo.
O trabalho pujante da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos, a SBEC, a formação dos Grupos de Trabalho (GTs) da Associação Nacional dos Professores de História (ANPUH), os inúmeros laboratórios reunindo pesquisadores de diferentes estados e os muitos congressos e revistas científicas especializadas na área têm proporcionado uma rica troca de experiências, que impulsiona a pesquisa brasileira.
As atuais pesquisas em História Antiga e Medieval propõem modelos interpretativos diversos, o alargamento das fontes documentais, o uso da tecnologia em benefício da pesquisa e do Ensino e o diálogo com outras ciências, especialmente com a Arqueologia. Novas questões estão na ordem do dia a nos desafiar, intimando-nos a pensar, a tecer novas proposições para a construção de uma História Antiga, viva, em movimento.
Toda sorte de problemas que afetam direta e indiretamente a todos nós, conduzem-nos a reflexões importantes para o repensar do mundo antigo e do nosso próprio mundo. Entre tais problemas está a inquietação com as questões do tempo presente de um mundo globalizado, com problemas igualmente globais, como a pandemia do novo coronavírus a nos fragilizar; enfraquece-nos também a intolerância, a grassar em suas diversas faces, principalmente, no que se refere à discriminação contra as minorias.
Diante de tal quadro, os artigos desse dossiê devem contribuir para a valorização da diferença, da diversidade, da heterogeneidade, da tolerância e combate à discriminação, rejeitando qualquer tipo de preconceito, seja de qual natureza for, por seu potencial de abordagem multiculturalista e de diversidade presente em seus conteúdos. Dialogando com pesquisadores de vários centros de pesquisa, o dossiê apresenta trabalhos de novos e experientes pesquisadores demonstrando, que os estudos de História Antiga e Medieval estão bem dinamizados na Bahia e em outros estados da Federação.
Estes artigos são exemplos de que as pesquisas brasileiras em História Antiga e Medieval estão conectadas com as discussões levadas a termo no cenário internacional, mas evidenciando as especificidades de um “olhar” local que contribuem nos debates em ambientes hegemônicos. Os artigos também espelham a proximidade das pesquisas com a nossa realidade, propiciando-nos uma fecunda possibilidade de compreender melhor o presente, com uma visão menos limitada, linear e por vezes distorcida. No âmbito do ensino, tal perspectiva deve ajudar os discentes a enxergarem a nossa realidade de forma transitória, contrastando-a com os seus modos de vida, observando as persistências e mudanças ao longo do tempo, dissipando a distância entre o saber científico, produzido nas Universidades, e o saber escolar, produzido em salas de aula do Ensino Fundamental e Médio. Aos docentes, os artigos apresentam instigantes possibilidades de refletir sobre a História Antiga, de repensá-la em sua prática de sala de aula, de fazer novas experimentações, tornando essa História mais próxima, mais viva e prenhe de sentido. Muitos artigos visam instrumentalizar o professor, oferecendo-lhe ferramentas úteis para diminuir o descompasso entre aquilo que é produzido no meio acadêmico e o que é ensinado nas escolas.
Compõem o dossiê um total de dez artigos. Alexandre Galvão Carvalho, em seu texto Diálogos entre a História Antiga e o ensino de História, tece reflexões em torno da alteridade, multiculturalismo, eurocentrismo e da relação entre Ocidente e Oriente nos debates acerca do ensino da História Antiga. Procura repensar as formas e modelos da História Antiga e o ensino de História com o objetivo de aproximar a disciplina História Antiga de nossa realidade e superar preconceitos, articulando artigos atuais sobre as formas e modelos teóricos da área com as propostas curriculares para o ensino de História, acentuando os caminhos para a inserção da disciplina História Antiga na construção e fortalecimento da cidadania.
No artigo Saberes arqueológicos na escola pública: ações educativas do Labeca aplicadas ao “Projeto Minimus Intersdiciplinar”, Maria Cristina Nicolau Kormikiari, Felipe Perissato e Felipe Leonardo Ferreira destacam a contribuição do Laboratório de Estudos sobre a Cidade Antiga (LABECA) para o avanço das pesquisas sobre a cidade antiga grega no Brasil. Apresentam, a partir de um rico e instigante projeto, um relato de experiência dos desdobramentos dos estudos desenvolvidos no LABECA em escola pública da Educação Básica de São Paulo. O objetivo do projeto é aproximar o conhecimento produzido no espaço da universidade da escola secundária, preocupação constante do Laboratório.
No terceiro artigo, O livro didático e o Ensino de História Antiga – desafios no presente e problemas do passado, Luis Filipe Bantim de Assumpção e Carlos Eduardo da Costa Campos partiram da experiência como docentes no Ensino Médio, em colégios particulares do Rio de Janeiro, para demonstrar como os materiais didáticos ali utilizados detêm uma visão conservadora sobre a História Antiga. Os autores aproveitam a oportunidade para apresentar, com muito esmero, uma metodologia de análise do livro / material didático utilizado, com a qual se objetiva desenvolver uma análise crítica do conteúdo de Antiguidade.
Na sequência, o artigo História dos cristianismos nos livros didáticos: considerações sobre a narrativa histórica escolar, de autoria de José Petrúcio de Farias Júnior e Ramonn Gonçalves de Moura, apresenta uma discussão necessária e importante sobre a História dos Cristianismos a partir de preocupações atuais, como o fundamentalismo religioso e a intolerância religiosa, tão presentes em nosso cotidiano. Os autores analisam a apresentação da história dos cristianismos nos livros didáticos e chegam à conclusão do quanto ainda é profundo o fosso entre aquilo que é ensinado nas escolas e as discussões recentes sobre a temática.
No quinto artigo “Mitologia, História e Cinema”: um projeto de extensão sobre recepção do mundo-greco romano em curso, Igor Barbosa Cardoso e Maria Cecília de Miranda Nogueira Coelho brindam-nos com a apresentação de um projeto amplo e audacioso (como todos devem ser) envolvendo Mitologia, História e Cinema, realizado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Muito mais do que a apresentação do projeto, os autores oferecem um magnífico quadro teórico de análise da produção cinematográfica e de importantes questões atinentes ao estudo da recepção da cultura clássica. Trata-se de um convite desafiador (e tentador) àqueles que desejam repensar a História sobre novos e promissores alicerces, inserindo, sob bases acertadas, o cinema em sala de aula.
Em O Mediterrâneo Antigo: uma proposta didática Manuel Rolph Cabeceiras apresenta, em seus aspectos teórico-metodológicos e práticos, os resultados da construção de uma proposta de aprendizagem compartilhada nas turmas de “História Antiga” no 1º Período do Curso de Graduação em História da UFF de 2013 a 2019, centrada no Mediterrâneo como categoria de análise histórica nas áreas por ele abrangidas dos séculos XXIV a.C. a III d.C. O artigo além de apresentar análise inovadora sobre o Mediterrâneo Antigo, abre a possibilidade para um novo modo de se pensar e trabalhar em sala de aula o mundo antigo.
No artigo seguinte O II Concílio de Braga e Da Correção dos Rústicos contra o paganismo: entre a cultura escrita e a oralidade, de autoria de Vitor Moraes Guimarães e Márcia Santos Lemos, os autores apresentam uma análise muito rica sobre as formas utilizadas pela Igreja no processo de evangelização e difusão do cristianismo no Reino Suevo do VI século. A partir de múltiplas estratégias de conversão ao cristianismo, a Igreja alcançava tanto as baixas camadas do clero quanto as populações humildes e afastadas, na busca da consolidação do cristianismo e eliminação do paganismo.
O oitavo artigo, A pesquisa sobre Império Romano no Brasil: a Numismática e a Coleção do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro (RJ), de Cláudio Umpierre Carlan, apresenta uma das mais instigantes e frutíferas fontes de pesquisa: a moeda. A partir da Coleção do Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro, o estudioso presenteia-nos com uma análise do Império Romano. Passeando pela história da Numismática, apontando suas possibilidades de pesquisa, ofertando-nos exemplos de como é possível extrair da fonte imagética um conhecimento profundo e sob diferentes aspectos da história dos romanos.
O artigo seguinte: Os sepultamentos secundários dos judeus e os ossuários judaicos: um breve debate sobre continuidades e rupturas dos padrões funerários na região da Judeia, dos autores Carolina Mattoso e Vagner Carvalheiro Porto, apresenta uma história que vem da província romana da Judeia, pouca conhecida entre nós. Tem o mérito de discorrer com profundidade sobre o sepultamento secundário de judeus e o uso de ossuário como modo para esse tipo de sepultamento. Sob tais bases os autores tentam ampliar o conhecimento das interações entre a província e os romanos e entender o próprio passado judaico.
Fechando o dossiê, no artigo O espaço como um contributo para a compreensão da tragédia e para a interpretação da História, Márcia Cristina Lacerda Ribeiro propõe a utilização do ‘espaço’ como categoria de análise útil para ampliar o entendimento sobre a tragédia grega e sobre a História. A partir de uma leitura antropológica do espaço, tomada de empréstimo de Amos Rapoport, o texto discute a interação entre espaço e comportamento, exemplificado a partir da análise do espaço da gruta, presente na tragédia Íon de Eurípides.
Com esse dossiê, reforçamos nossa perspectiva de que o estudo da História Antiga e Medieval deve ser encarado como um laboratório, com uma enorme diversidade de formas socioculturais das experiências dos homens e mulheres ao longo da história. O afresco de Luca Giordano, “O barco de Caronte, o Sono da noite e Morfeu”, do século XVII, capa da nossa revista, é uma leitura da Antiguidade formulada em outro contexto histórico, por meio de uma linguagem própria, uma forma de apropriação e usos do passado que coloca em tela o interesse que o antigo e o medievo têm despertado ao longo do tempo. Que assim continue….
Nossos agradecimentos a todos os autores que nos presentearam com seus belíssimos trabalhos.
Boa leitura!
Alexandre Galvão Carvalho – Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense. Professor Pleno do Departamento de História da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Brasil. E-mail: alexandre.galvao@uesb.edu.br
Fábio de Souza Lessa – Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, vinculado ao Laboratório de História Antiga e ao Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC) do Instituto de História da UFRJ e ao Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas (PPGLC) da Faculdade de Letras da UFRJ. Brasil. E-mail: fslessa@uol.com.br
Márcia Cristina Lacerda Ribeiro – Doutora em História Econômica pela Universidade de São Paulo; Pós- doutora em Arqueologia Clássica pela Universidade de São Paulo. Professora da Universidade do Estado da Bahia (na Graduação em História e no Programa de Pós-Graduação em Ensino, Linguagem e Sociedade). Pesquisadora do LABECA / MAE / USP e do NHIPE / CNPq. Brasil. E-mail: mclribeiro@uneb.br
CARVALHO, Alexandre Galvão; LESSA, Fábio de Souza; RIBEIRO, Márcia Cristina Lacerda. [História Antiga e Medieval no Brasil: pesquisa e prática de ensino]. Perspectivas e Diálogos – Revista de História Social e Práticas de Ensino. Caetité, v.2, n.6, jul. / dez., 2020. Acessar publicação original [DR]
Conquista y conflicto en América: materiales para su enseñanza/Clío & Asociados. La historia enseñada/2020
Presentamos la edición correspondiente al segundo semestre de 2020 que contiene doce artículos y dos reseñas de libros. Leia Mais
Ensino de História, Livro Didático, Formação de Professores | Escritas do Tempo | 2020
O ensino de história entre lutas, alegrias e esperanças
Em sua última obra publicada em vida, o educador Paulo Freire em Pedagogia da Autonomia sentencia que para ensinar é necessário que exista uma relação movida pela alegria e esperança. Trata-se da esperança — do verbo esperançar — como uma construção urdida nas relações sociais das lutas cotidianas que concorre como força mobilizadora para o agir no dia a dia. Para ele “a esperança é um condimento indispensável à experiência histórica” (FREIRE, 2019, p. 71), pois sem ela estaríamos limitados a viver o tempo sem problematizá-lo, como se não fosse o tempo uma construção humana de homens e mulheres em seus fazeres ordinários. Por extensão, sem a esperança prevaleceria uma concepção determinista da história onde tudo já estaria dado, definido e, portanto, nada poderia ser feito no presente para projetarmos nossas possibilidades de futuros.
Em nossa experiência de tempo presente, parece importante nos avizinhar das reflexões — tão combatidas — do pensador Paulo Freire. Esperançar-se com a atividade docente, com o ensino de História, continua sendo uma possibilidade potente na luta pela construção de uma sociedade menos desigual. Esperançar-se por um aprender inquietante, prenhe de questionamentos sobre o tempo; esperançar-se por uma aprendizagem que não aceite passados, presentes e futuros determinados, que esteja fecunda de problematizações, se torna necessário e vital nos dias atuais.
Esses sentimentos brotam também porque este dossiê (o segundo na sequência de publicação da Revista Escritas do Tempo que tematiza o Ensino de História) demonstra sinais do crescimento e do fortalecimento das pesquisas em Ensino de História, e não apenas daquelas sobre ensino de História, como defende Carmen Teresa Gabriel (2019). Assim, em alguma medida, este dossiê pode ser apreendido como um vestígio, um sinal da potencialidade que se vem constituindo o campo do Ensino de História.
Este dossiê fecha o ano de publicação de 2020; um ano marcado pelas experiências dolorosas que resultaram em mais de 180 mil vidas ceifadas pela pandemia causada pela Covid-19. Esses dados não levam em consideração as vidas perdidas que não entraram na contagem oficial, nem aquelas cuja causa da morte foi atribuída à síndrome respiratória aguda grave (SARS, do inglês Severe Acute Respiratory Syndrome). Portanto, já é motivo de alegria e esperança o fato de chegarmos ao fim do ano de 2020 vivos — mesmo com a lida relacionada às perdas pessoais e coletivas — e estarmos com saúde, produzindo reflexões sobre o Ensino de História.
Todavia, também experienciamos sentimentos de preocupação, sobretudo com o atual cenário político do Brasil, que mostra a crescente polarização e ascensão de posturas e práticas fascistas no País. As políticas públicas de Educação igualmente despertam preocupação, em especial a política direcionada à formação do professor. Uma formação que se fundamenta na Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) nº 2, de 20 de dezembro de 2019, que estabelece as diretrizes para a formação docente.
Estaremos alertas e atentos para a disputa desses espaços promotores de projetos políticos, em especial daqueles direcionados à formação do professor, ao ensino de História e aos livros didáticos. Nessa luta, nossa arma é o conhecimento. Nosso combate ocorrerá por meio da reflexão, do debate e do uso ético do saber como um elemento de poder. Nesses termos, é fundamental ampliar e socializar o conhecimento especializado para instrumentalizar o profissional e garantir o bom combate. O campo do Ensino de História tem-se tornado fértil, potente e disputado. Sua fertilidade pode ser percebida com a quantidade e a qualidade das pesquisas e publicações que vêm a público em forma de monografias, dissertações, teses, livros, dossiês, seminários, artigos, palestras, lives, blogs e uma infinidade de outros formatos que oferecem diferentes narrativas sobre o ensino de História.
O campo tem ofertado uma ampla e diversificada produção e seria enfadonho elencar, aqui, uma lista. Basta reforçar que, como objeto de estudo, a pluralidade temática também é disputada por diferentes leituras, interpretações, percepções teóricometodológicas e, inclusive, por diferentes projetos políticos de governo, como bem destacou Christian Laville (1999) ao lançar mão do conceito “guerras de narrativas”.
O Ensino de História, enquanto campo de produção de conhecimento, não é caracterizado pela prática de consensos. Estamos atuando em um espaço marcado pelo dissenso. São distintas as concepções, abordagens, temáticas, aportes metodológicos, referenciais teóricos e epistêmicos que transitam pela História, Educação, Didática, Psicologia da aprendizagem, Linguagem, para mencionar apenas alguns. Mas talvez, possamos falar que exista algum consenso que a História — como lugar de produção de saber e espaço de formação docente —, precisa ressignificar as matrizes curriculares dos cursos de licenciatura. Esse entendimento não reside porque temos uma nova (e preocupante) resolução que determina a adequação dos projetos políticos pedagógicos dos cursos. Mas — e principalmente — porque há um certo entendimento entre professores que atuam na formação de outros professores de que o modelo de formação estruturado na configuração quadripartite europeia — que ainda prevalece como mostram as pesquisa de Mauro Coelho e Wilma Baia (2018), Flávia Caimi (2013 e 2015), Margarida de Oliveira e Itamar Freitas (2013) e Erinaldo Cavalcanti (2018, 2020a e 2020b) —, já não atende às demandas do chamado tempo presente no que tange à formação do profissional de História. Ou seja, a formação docente, em História, precisa ocupar os proscênios do centro de interesse dessa ciência. As questões que envolvem as diferentes narrativas que disputam a produção de sentido, no cotidiano de homens, mulheres, crianças e adolescentes (o potencial público a ser atendido pelo professor de História) precisam ser objeto de aprendizagem durante a formação inicial desse professor. Da mesma forma, debater e problematizar o universo de práticas constituidoras do livro didático — que ainda continua ocupando importante posição nas tarefas desempenhadas pelos professores da Educação Básica — é algo que precisa ser tematizado durante o período de formação inicial dessa licenciatura.
As reflexões que apresentamos, neste dossiê, se constituem em ricas possibilidades de ampliação do debate que envolve essas questões. Assim, esta publicação está composta por 14 artigos, dos quais, 10 compõem o referido dossiê, 4 fazem parte da sessão Artigos livres, além de contarmos com uma resenha.
Abrindo o dossiê, temos o artigo do professor Almir Félix Batista de Oliveira — Livros didáticos e formação de professores: questões para o ensino de história — no qual amplia-se a reflexão e apresenta-se uma importante problematização acerca do livro didático de História e da formação de docentes, tanto a do profissional de História, responsável pelo ensino da História aos alunos do Ensino Fundamental II e Médio, como a do chamado professor generalista, pontuando a necessidade de se tematizar o livro didático na formação inicial de professores.
À sequência, temos o artigo assinado pela professora Camila Corrêa e Silva de Freitas As representações da catequese jesuítica nos livros do PNLD: abordagens do passado colonial e possibilidades de aprendizagem histórica. Nele, a autora analisa algumas representações a partir de um conjunto de narrativas didáticas sobre o chamado “período colonial brasileiro”. O foco de atenção é direcionado para a atuação da Companhia de Jesus. São tematizados os livros de História dos sétimos anos de três coleções didáticas, a partir dos quais se analisa, também, como essas narrativas podem representar possibilidades de aprendizagem histórica.
No artigo seguinte, intitulado Da construção do estereótipo de selvagem à representação do indígena brasileiro no livro didático de História, a professora Roberta Fernandes Santos amplia a discussão sobre como se construiu o estereótipo de “selvagem”, atribuído aos indígenas. A autora, ainda, destaca a importância da Constituição de 1988 e, posteriormente, da Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008, ao ampliar as condições de maior inserção dos indígenas na História ensinada no Brasil, contribuindo para ressignificar o lugar por eles ocupado, ampliar sua cidadania e proteger seu direito à diversidade.
À continuação, no artigo intitulado A Revolução Cubana: representações generificadas em um livro didático de História, a professora Andréa Mazurok Schactae analisa as representações construídas em relação à Revolução Cubana em um livro didático de História do ensino médio, usado no Instituto Federal do Paraná (IFPR), Campus Telêmaco Borba, e publicado em edições de 2013 e 2016. A autora também analisa de que forma a categoria “gênero” constituiu-se como uma estratégia fecunda para entender e problematizar algumas das representações acerca da revolução cubana.
A formação do professor de História é o foco de análise do artigo seguinte. Assinado pela professora Renilda Vicenzi e pelo professor Bruno Antonio Picolli, o artigo Formação de professores de História: implicações a partir da BNCC e da DCNBNC tem o foco central da sua reflexão direcionado à ampliação do debate sobre as implicações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (DCNBNC) na formação de professores de História. Por meio da pesquisa e da análise realizadas, os autores chegam à conclusão de que as referidas reformas impactam com sérias implicações a formação profissional do professor de História.
A seguir, o professor Leandro Antonio de Almeida também focaliza a formação docente em História, no seu artigo, A formação docente em laboratórios universitários de ensino de história através da produção de materiais didáticos: a experiência do LEHRB-UFRB. Nele, o autor apresenta uma reflexão a partir de suas experiências desenvolvidas no laboratório da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). São tematizadas as atividades voltadas à formação docente inicial por meio de projetos desenvolvidos entre 2009 e 2017, em especial aqueles direcionados à produção de materiais didáticos. As ações relatadas e analisadas mostram a complexidade das experiências costuradas pela prática interdisciplinar, de modo a ampliar a construção dos saberes históricos e pedagógicos dos professores participantes dos projetos e em formação.
Na sequência, temos o artigo Um olhar sobre o ensino de História nos museus de ciência, assinado pelas professoras Déborah Roberta Santiago Chaves Vilela, Zenaide Gregório Alves e Rozeane Porto Diniz. As autoras centram sua atenção nos museus enquanto espaços culturalmente potentes para construir e ampliar suas relações com as práticas educativas. Em sintonia com documentos formais, como a Declaração do Rio de Janeiro de 1958 e outros decretos/leis, como a Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009, e as Diretrizes Curriculares Nacionais (Base Nacional Comum Curricular e Matriz do Exame Nacional do Ensino Médio), as autoras exploram as possibilidades de interação e construção de saberes, como práticas potencialmente ricas para o Ensino de História entre os museus de ciência, a chamada cultura científica e a relação sociedade-História.
O artigo seguinte, Didática da história, consciência e emancipação: uma reflexão sobre os limites materiais do ensino crítico da História, é assinado pelos professores Filipe Boechat e Fernando Viana Costa no qual os autores se propõem a ampliar o debate acerca das categorias “consciência”, “alienação” e “ideologia” situando a reflexão no âmbito do debate da Didática da História, em especial através da problematização de dois dos principais intelectuais alemães que tematizam a questão.
Em continuidade temos o artigo O irreconciliável nos editais do PNLD: eurocentrismo, cidadania e ensino de História. Assinado pela professora Taissa Cordeiro Bichara, o texto problematiza os sentidos atribuídos às categorias eurocentrismo, cidadania e ensino de História, encaminhados pelos editais de convocação para o processo de inscrição e avaliação de obras didáticas e literárias. Esses editais, publicados no Diário Oficial da União pelo Ministério da Educação (MEC), submetidos ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e destinados aos Anos Finais do Ensino Fundamental entre 1996 e 2018. Destaca-se, no artigo, que a construção histórica da civilização europeia continua como o principal referente, que representa outras civilizações como inferiores ou submissas à história ocidental branca e cristã.
Finalizando o dossiê, a professora Luiza Sarraff assina o artigo A narrativa didática sob a ótica da imputação causal singular, a autora estabelece uma reflexão entre história e narrativa em diálogo direto com Paul Ricoeur para problematizar a análise da narrativa de um livro didático, aprovado pelo Programa Nacional do Livro Didático, enfatizando o aspecto da imputação causal singular, na esteira do que defende o filósofo francês.
Temos, ainda, quatro importantes artigos que contribuem com valiosas discussões na sessão Artigos Livres. O primeiro é Panoramas recentes do feminismo na interseccionalidade, de autoria da professora do departamento de sociologia da Universidade de Montreal, Sirma Bilge. Originalmente, o artigo foi redigido em inglês, cujo título é Recent feminist outlooks on intersectionality, e tem como foco a ampliação da discussão, teorizando o conceito “interseccionalidade” a partir da operacionalização de gênero em estudos feministas.
À sequência, Marcos Antonio Batista da Silva assina o artigo Discursos étnicoraciais sobre o acesso e a permanência na Pós-graduação, em que analisa trajetórias de estudantes negros no ensino superior/pós-graduação na sociedade brasileira, oferecendo contribuições para as discussões sobre importantes temáticas, como relações étnicoraciais, políticas públicas, família e educação.
Entre datas, festas e compêndios: a História como pedagogia cívica na Amazônia no início do século XX, é o artigo seguinte assinado pelo professor Silvio Ferreira Rodrigues no qual ele analisa um conjunto de relações e estratégias políticas utilizadas por um grupo de intelectuais ligados ao Instituto Histórico e Geográfico do Pará, para refletir como História foi mobilizada como estratégia de construção e consolidação dos laços de pertença ao projeto político de pátria brasileira defendido por aqueles intelectuais.
Finalizando a sessão, está o artigo Biografia, gênero e carnaval: uma rainha nos festejos de momo na Porto Alegre do início do século XX, da professora Caroline Pereira Leal. Nele, a autora focaliza a trajetória da personagem Maria Elvira Werna Coelho Roxo, rainha da Sociedade Carnavalesca Os Venezianos, ampliando as discussões sobre as relações construídas pelas mulheres, que fazem compreender e potencializar a visibilidade sobre elas enquanto sujeitos históricos.
Por fim o professor Marcos Rodrigues assina a resenha A encruzilhada das ações afirmativas do livro Filosofia Africana: ancestralidade e encantamento como inspirações formativas para o ensino das africanidades de Adilbênia Freire Machado na qual o professor analisa as importantes contribuições presentes no livro no que tange à problematização das ações afirmativas.
Desejamos a todos uma boa leitura e aproveitamento do dossiê da revista Escritas do Tempo e suas propostas de reflexão. Que a esperança e a alegria façam muito sentido e promovam muitas inquietações em 2021, a partir do controle da Covid19 e que possamos vislumbrar um horizonte de possíveis mudanças em políticas ameaçadoras à educação, bem como à saúde e vida dos brasileiros e brasileiras.
Referências
CAVALCANTI, Erinaldo. A história encastelada e o ensino encurralado: reflexões sobre a formação docente dos professores de história. Revista Educar em Revista, v. 34, n. 72, 2018.
_______. La formación docente inicial del profesor de Historia en Brasil: temas, reflexiones y desafíos. Revista Ciencias Sociales y Educación, v. 9, n. 18, 2020a.
_______. O que deve aprender o professor de História? Reflexões sobre aprendizagem, ensino e formação docente inicial. Revista Roteiro, v. 45, e21829, 2020b.
CAIMI, Flávia. A licenciatura em História frente às atuais políticas públicas de formação de professores: um olhar sobre as definições curriculares. Revista Latinoamericana de História, v. 2, n. 6, p. 193-209, 2013.
_______. O que precisa saber um professor de história? Revista História & Ensino, v. 21, n. 2, p. 105-124, 2015.
COELHO, Mauro Cezar e COELHO, Wilma Baia de Nazaré. As licenciaturas em História e a Lei 10.639/03 – percursos de formação para o trato com a diferença? Educação em Revista, v. 34, e192224, 2018.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.
GABRIEL, Carmen Teresa. Pesquisa em Ensino de História: desafios contemporâneos de um campo de investigação. In: MONTEIRO, Ana Maria e RAJELO, Adriana (org.). Cartografias da pesquisa em Ensino de História, p. 143-161, Rio de Janeiro: Mauad X, 2019.
LAVILLE, Christian. A guerra das narrativas: debates e ilusões em torno do ensino de História. Revista Brasileira de História, v. 19, n. 38, p. 125-138, 1999.
OLIVEIRA, Margarida Dias de; FREITAS, Itamar. Desafios da formação inicial para a docência em história. Revista História Hoje, v. 2, n. 3, p. 131-147, 2013.
Erinaldo Vicente Cavalcanti – Professor Adjunto da Faculdade de História e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará [Unifesspa], coordenador do laboratório e grupo de pesquisa iTemnpo e editor da Revista Escritas do Tempo. E-mail: ericontadordehistorias@gmail.com
Helenice Aparecida Bastos Rocha – Professora Adjunta na Faculdade de Formação de Professores, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro [UERJ/FFP]. E-mail: helarocha@gmail.com
CAVALCANTI, Erinaldo Vicente; ROCHA, Helenice Aparecida Bastos. Apresentação. Escritas do Tempo, Pará, v.2, n.6, 2020. Acessar publicação original [DR]
Ensino de História, Livro Didático, Formação Docente | Escritas do Tempo | 2020
Disputas pela história, pelo ensino e pela docência: desafios de uma luta permanente
A escrita, como prática cultural, contém em seu “DNA” as marcas do tempo em que é tecida. Toda escrita, ao grafar em palavras as experiências humanas, traz incrustadas as “digitais” do seu tempo; apresenta uma espécie de radiografia das disputas sociais, políticas e culturais tecidas no e pelo tempo. A escrita desse dossiê não foge à regra.
Escrever é um ato de tensão. Diferentes forças estão em diálogo quando desejamos grafar, pela escrita, as distintas experiências vivenciadas no tempo e no espaço. Toda forma de escrita é destinada a alguma prática de leitura, ou seja, a escrita é forjada para ser lida. Nesse sentido, as palavras encenam em um palco onde precisam criar laços de confiança com o leitor. A representação da escrita, portanto, precisa produzir efeitos de verdade para imprimir legitimidade à sua apresentação. Assim, escrita e leitura bailam juntas nas melodias que criam o mundo, mesmo desempenhando papéis distintos. Não se confundem, mas precisam unir-se no palco da representação, pois a escrita deseja imprimir à leitura o passo da confiabilidade.
Em nossa experiência de tempo presente, as práticas que envolveram a gestação da escrita para esse dossiê foram atravessadas pelo reordenamento da vida, provocado pela pandemia da Covid-19. Não obstante, ainda experienciamos o crescimento de posturas políticas anticiência, negacionista e/ou revisionista, com diferentes formas de ataques e tentativas de deslegitimar diversas áreas do conhecimento, em especial aquelas praticadas no campo das humanidades.
O dossiê v. 2, n. 5 da Revista Escritas do Tempo — Ensino de História, livros didáticos e formação docente — é gestado sob o solo de um campo de intensas disputas. Nos tempos atuais, fazer pesquisa é, antes de tudo, uma posição política de resistência. Fazer pesquisa em ciências humanas é uma decisão de luta contra um conjunto de forças, de caráter fascista, que se mobilizam e se fortalecem com o propósito de ameaçar e intimidar os (as) pesquisadores (as)/professores (as) que atuam nesse espaço de enfrentamento. O dossiê nasce, portanto, em um estado de tensão. Nos últimos anos, a História no Brasil — como espaço de produção de conhecimento — tornou-se um dos palcos onde se enfrentam inúmeros atores, incluindo soldados, generais e coronéis. Esses não aparecem aqui apenas como metáforas e, infelizmente, a educação também passou a ser por eles disputada como espaço de atuação.
A História acadêmica e escolar, como lócus de produção de saberes, espaço de socialização e de vivências humanas, virou cenário dos mais diversos tipos de disputas. Disputas não apenas acadêmicas, teóricas ou epistemológicas. A História tornou-se espaço de combate político; tornou-se arena de disputas partidárias, ambientadas em um clima de polarização. Diferentes atores — incluindo sujeitos sociais distintos daqueles que compõem a cultura acadêmica e escolar — passaram a se “autorizar” competentes para interferir nas relações praticadas dentro desse espaço.
As disputas se intensificaram, e precisamos lutar contra inúmeros projetos políticos que desejam determinar, de forma autoritária, o que devemos ensinar em nossas escolas. Essa é uma luta movida por diferentes sujeitos que pretendem definir quais conteúdos devem compor o currículo da Educação Básica, como ficou demonstrado nos embates envolvendo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Da mesma forma, querem determinar quais habilidades e competências (expressões que viraram jargões) devem configurar a formação do professor, de acordo com o estabelecido na Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) nº 2, de 20 de dezembro de 2019, sobre as diretrizes para a formação docente. Por conseguinte, esses sujeitos ainda desejam determinar quais conteúdos devem estar presentes nos livros didáticos de História, como expressou, há menos de um ano, o então ministro de Estado da Educação. Uma batalha travada para definir quais conteúdos, vivências, saberes, aprendizados e experiências devem ser praticados na escola.
Esses atores políticos querem dizer como nós, professores e professoras, devemos relatar as lutas de homens e mulheres que nos antecederam. Mas, não nos enganemos. Essa luta não é pelo passado. Ela é travada no e pelo presente. Os indivíduos que estão disputando o espaço da História, da memória, dos livros didáticos e do ensino querem ampliar seu espaço de controle no presente. Eles entendem que — como sujeitos históricos que somos — agimos no presente, influenciados pelas distintas leituras que realizamos sobre o passado. Ou seja, a forma como nos portamos e vivemos, no presente, mantém íntima relação com a maneira como interpretamos nossas experiências passadas, as quais podem, por conseguinte, estabelecer e direcionar projetos de futuros. A guerra, portanto, é no presente.
Esses enfrentamentos incidem, pois, táticas de silenciamentos. Querem, assim, forjar as lentes pelas quais nossas crianças e jovens devem perceber e apreender o mundo. Desejam impor as lentes ofuscadas que fazem enxergar a vida, o ensino e a aprendizagem pela miopia da dualidade. À medida que pretendem determinar o que narrar, tentam silenciar um conjunto de relatos, memórias e narrativas, isto é, de histórias. Relatar, lembrar e narrar são atos políticos que potencializam permanentes disputas nos espaços referentes à História, ao ensino e à formação docente. Tais disputas se constituem em ferramentas políticas, pois a memória tem o poder de “presentificar” — ou não — certas representações do passado. Tornar presente o passado é algo que pode significar a constituição de um campo de força para os enfrentamentos nas relações cotidianas de poder.
Se, atualmente, presenciamos um crescimento dos ataques desferidos à educação, às escolas, aos professores e às professoras, isso ocorre, também, porque nossas ações têm provocado maior tensão nas relações de poder. Nossos questionamentos em sala de aula e nossas reflexões têm instigado nossos alunos e alunas a não aceitarem discursos simplistas ou revestidos por estratégias de dominação contra mulheres, negros, gays e tantos outros segmentos sociais. Os ataques à educação também sinalizam que a História tem contribuído, como força política, na luta em defesa dos princípios por uma sociedade mais justa e democrática.
Este dossiê, ao mesmo tempo em que contém as “digitais” dessa batalha, também (e paradoxalmente) se constitui uma ferramenta de luta e de enfrentamentos e apresenta um conjunto de artigos que abordam experiências de pesquisas sobre ensino de História, livros didáticos e formação docente. Assim, presentifica, por meio da escrita de seus autores e autoras, uma forma de combate às forças obscuras que tentam nos intimidar. Em cada reflexão presente nos artigos, há, também, um grito de resistência. Porque nós, intelectuais, professores e professoras, também fazemos parte da luta para que nossas interpretações sobre os objetos de estudo possam ser ouvidas, lidas, circuladas, debatidas e criticadas. Mas, fazemos isso por meio de uma operação intelectual fundamentada em princípios éticos e democráticos. Não somos criminosos agindo fora da lei. Nosso debate é travado no campo do argumento. Oferecemos nossas reflexões e apresentamos outros ângulos de percepção a partir da problematização de nossos objetos de pesquisa.
Este dossiê é composto por 11 artigos e uma entrevista que sinalizam o crescimento e a consolidação do ensino de História (e as questões que lhe são pertinentes) como objeto de estudo e debate nos segmentos mais amplos da sociedade. Ampliaram-se, sobremaneira, as pesquisas que têm como objeto de investigação o ensino de História. Seminários, congressos, encontros, grupos de pesquisa e publicações em periódicos sinalizam esse crescimento, que concorre como força para a conformação do ensino de História enquanto campo de pesquisa. Portanto, conforme apontam diversas pesquisas, mais do que um objeto de análise, tal conjunto de variáveis mostra a consolidação desse lugar de fronteiras. Esse campo fronteiriço se fortalece, também, pela diversidade temática de seus objetos de investigação. No âmbito da produção especializada do campo, “ensino de História”, “livro didático” e “formação docente” aparecem entre os principais temas abordados. Tais abordagens problematizam esses temas a partir de variadas questões.
O livro didático, conforme aponta a literatura especializada, é a principal ferramenta de trabalho de uma significativa parcela de professores e professoras que atua na Educação Básica. Por outro lado, as pesquisas também sinalizam que grande parte dos (as) docentes que atua no ensino fundamental e no médio não participa das discussões especializadas que envolvem o livro didático. Nessa dimensão, o presente dossiê convida a comunidade de professores (as)/pesquisadores (as) à reflexão a partir da leitura dos artigos que discutem aspectos sobre o ensino de História, o livro didático e a formação docente.
A abertura do dossiê fica por conta do artigo Passado, presente e futuro dos livros didáticos de história frente a uma BNCC sem futuro assinado por Sonia Regina Miranda e Fabiana Rodrigues de Almeida. No texto, problematizam as conexões entre a política para os livros didáticos de História e as proposições curriculares constituídas na esteira das formulações da BNCC, e argumentam que esses espaços são regidos por relações de disputas políticas e batalhas narrativas.
Na sequência, temos o texto Por que as narrativas nacionais permanecem? Revisão de literatura sobre novas perspectivas na pesquisa dos livros didáticos de história. No artigo, as autoras Maria Grever e Tina van der Vlies apresentam um rico panorama de um conjunto de pesquisas, em diversos países, que tematizam os livros didáticos, mostrando a permanência das narrativas nacionais e sua relação com a formação dos estados nacionais e o ensino de História. Além disso, destacam a potência investigativa dessas temáticas de estudo.
À continuação, temos o artigo Narrativas sobre o nazismo e o fascismo nas coleções didáticas de história: saber escolar e demandas do tempo presente, das professoras Maria Aparecida da Silva Cabral e Marilu de Freitas Faricelli. As autoras centram sua atenção nas articulações produzidas pelos autores dos materiais analisados (no que se refere às demandas do tempo presente), e dão foco à intercessão entre os saberes históricos escolares, os percursos construídos pelos autores dos livros didáticos, as prescrições curriculares e os projetos historiográficos.
O Ensino de História no Brasil e seus pesquisadores: breves notas sobre uma herança de tensões e proposições, é o texto seguinte assinado por Letícia Mistura e Flávia Caimi. Nele, as autoras apresentam uma reflexão sobre as heranças construídas no percurso processual do campo do ensino de História, percorrendo desde o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e o Colégio Pedro II até a apresentação de uma síntese sobre as temáticas investigativas que compõem o campo de pesquisa do ensino de História no Brasil. Na sequência, temos o texto Livros didáticos: autoria em questão, de Adriana Soares Ralejo e Ana Maria Monteiro. As autoras se debruçam na reflexão sobre o lugar de autoria nos livros didáticos, mostrando um conjunto diverso de relações que envolvem a produção dos livros didáticos e as condições e possibilidades que configuram esse lugar complexo ocupado pelo sujeito que recebe as credenciais de autor ou autora. O artigo seguinte é assinado por Andressa da Silva Gonçalves e Mauro Coelho tem por título As narrativas didáticas sobre o bandeirante: entre a mitologia bandeirante e a crítica histórica. Nesse texto, os autores analisam como História e memória adentram a literatura didática, focando sua análise nas “entradas e bandeiras” para mostrar a complexidade das relações entre o saber e a chamada memória histórica.
Em seguida, temos o artigo A abordagem da temática indígena e da história da África nos livros didáticos: exemplos de oficinas na formação docente, da professora Ingrid Silva de Oliveira Leite. O artigo centra a atenção na análise sobre as representações dessas temáticas em livros didáticos, tomando como pontos focais de problematização as oficinas e a elaboração de aulas em cursos de licenciatura em História no Rio de Janeiro e em Minas Gerais.
O ensino de História e suas relações com o patrimônio é um tema que aparece na sequência, e é o foco do artigo assinado por Margarida Dias de Oliveira e Itamar Freitas, sob o título Patrimônio e ensino de história: cinco decisões do professor. Nesse texto, os autores apresentam importantes reflexões sobre as preocupações de peritos e professores de História em torno dos objetos que são considerados “patrimônio”. Por meio dessas análises, é possível refletir as relações entre “patrimônio e identidade” e “patrimônios nacionais e patrimônios da humanidade”, além de questões como “virtualidade”, “fisicalidade” e “preservação”. Qual história geral deve fomentar e se fazer presente no ensino de História na atualidade? A partir dessa indagação, Ivo Mattozzi apresenta seu artigo Uma nova história geral didática para compreender o mundo e agir como cidadãos globais. O autor defende a necessidade de alterar o modelo de história geral a ser ensinada, argumentando que a História, como disciplina escolar, corre o risco de se tornar irrelevante frente às mudanças que estamos presenciando como sujeitos ativos. De tal modo, defende que a História ensinada precisa ser redirecionada para um conhecimento diferente daquele transmitido, tradicionalmente, pelos sistemas escolares.
Victor Amado Salto e Alicia Graciela Funes, no texto Materiais didáticos para o ensino da história na formação de professores, focam a análise na problematização que envolve a construção dos materiais didáticos para o ensino de História na relação com o conhecimento histórico frente a um cenário desafiador, heterogêneo, diverso e múltiplo. Para os autores, essas variáveis são condições para refletir as práticas de pesquisa e o treinamento que os professores desenvolvem no campo do ensino e do conhecimento histórico. Na sequência, Miguel Jara, no seu artigo Los materiales didácticos en la enseñanza de la historia y de las ciencias sociales en argentina. Percepciones del profesorado, apresenta uma análise a partir da interpretação de um conjunto de professores de três cidades argentinas (Cipolletti, Bahía Blanca e Mar del Plata) no âmbito da formação de pós-graduação. O texto problematiza algumas questões que envolvem os materiais e recursos didáticos comumente usados nas aulas, e reflete sobre a avaliação que os professores fazem dos referidos materiais.
Por fim, temos a entrevista com a professora Marieta de Moraes, que recupera as memórias de seu percurso formativo e das discussões históricas e historiográficas nos diversos momentos de sua trajetória, e narra os bastidores de relações e debates sobre a construção do projeto do mestrado profissional em História, o ProfHistória.
Erinaldo Vicente Cavalcanti – Professor Adjunto da Faculdade de História e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará [Unifesspa], coordenador do laboratório e grupo de pesquisa iTemnpo e editor da Revista Escritas do Tempo. E-mail: ericontadordehistorias@gmail.com
Helenice Aparecida Bastos Rocha – Professora Adjunta na Faculdade de Formação de Professores, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro [UERJ/FFP]. E-mail: helarocha@gmail.com
CAVALCANTI, Erinaldo Vicente; ROCHA, Helenice Aparecida Bastos. Apresentação. Escritas do Tempo, Pará, v.2, n.5, 2020. Acessar publicação original [DR]
Ensino de história, história das mulheres e desigualdades sociais no Brasil / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2020
O dossiê Ensino de história, história das mulheres e desigualdades sociais no Brasil é um convite a um presente e um futuro feministas. A obra conta com um conjunto de ações concretas, propositivas e imediatas dos ensinos de história dentro do campo da história das mulheres e dos estudos de gênero. De norte a sul, de oeste a leste do Brasil, o dossiê em tela recebeu artigos que são atravessados pelas discussões acerca dos marcadores sociais de gênero, de classe e de raça. São contribuições dos fazeres da história que permeiam temas e problemáticas distintas. Além disso, abrangem uma diversidade de fontes documentais – legislações, livros didáticos, literatura, oficinas temáticas, literatura de cordel, história oral, fontes digitais e iconográficas, entre outras –, cotejando metodologias de pesquisa e dos ensinos de história. Trata-se de uma riqueza que amplia a perspectiva de gênero e não se encerra em si mesma, abre caminhos e condições de possibilidade para futuras reflexões, relacionando ensino, pesquisa e extensão – tripé caro aos institutos federais e às universidades–, bem como os desafios para a Educação Básica.
Dentro da perspectiva do engajamento militante e de mobilização política, o dossiê aborda vozes marginalizadas e invisibilizadas pela história, tais como a de Dandara dos Palmares e a representação de mulheres negras em dois livros didáticos do Ensino Fundamental. Vidas ressignificadas pela educação, pela história das mulheres e pela história pública mantêm o vínculo entre o feminismo e potencialidades de um ensino posicionado. Entre avanços e desafios, as ações do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) na formação inicial das professoras para o exercício da docência inauguram uma estratégia política por meio do acesso à educação formal, incluindo igualdade e senso de justiça social.
É precisamente por meio do ensino de história e do combate à violência de gênero no Brasil contemporâneo que se assume a responsabilidade de erradicar a violência sistêmica e estrutural. A esse respeito, as lutas políticas e sociais por meio da educação assumem papel fundamental. O dossiê é norteado por caminhos reflexivos por entender que é possível operacionalizar os feminismos partindo das margens do ensino de história, corroborando com as discussões que vêm sendo desencadeadas desde a década de 1980, pautadas pela ideia de que não somente as mulheres brancas, da classe média e de países do Norte Global produzem história.
Em se tratando do Brasil, presenciam-se feminismos plurais e transdisciplinares que emergem nos entre-lugares sociais e políticos que compõem o escopo deste dossiê. Outrossim, os feminismos mobilizados por meio dos artigos se mostram potencializadores de críticas às desigualdades sociais e às discriminações das diferenças. Nesse sentido, pensar as relações de gênero por meio de oficinas temáticas se propõe como uma perspectiva de discussão das práticas históricas e sociais alicerçadas no patriarcado e no racismo estrutural secular. Construindo caminhos, trilhando possibilidades de ensinar histórias no chão das escolas, professoras e estudantes enfrentam os silêncios que persistem na Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (BNCCEM), nos livros didáticos e em outros documentos normatizadores dos ensinos, defendendo uma pedagogia feminista voltada para um mundo justo com equidade de gênero.
Por fim, esse espaço de reflexão crítica é fruto da acolhida que a chamada do dossiê recebeu. Foram 92 artigos submetidos a avaliação que sinalizam a potencialidade dos debates relacionando ensino de história, história das mulheres e marcadores sociais; e, sobretudo, evidenciam o compromisso de professoras e estudantes no enfrentamento cotidiano da estrutura de violência de gênero. Como reconhecimento de sua latência, o dossiê foi agraciado pela entrevista inédita da historiadora e feminista Joana Maria Pedro, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
A todas, dedicamos o nosso agradecimento pelo trabalho e pelas inspirações!
Kênia Érica Gusmão Medeiros – Doutora em História pela Universidade Federal de Goiás – UFG (2019). Mestre em História pela Universidade de Brasília – UnB – (2011). Graduada em História pela Universidade Estadual de Goiás – UEG- (2008). Atualmente docente do quadro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG).
Gilmária Salviano Ramos – Doutorado em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina (2015), com período sanduíche na École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris (2013). Mestrado em História pela Universidade Federal de Pernambuco (2009). Graduação em História pela Universidade Federal de Campina Grande (2006). Professora Visitante do Departamento de História da Universidade Federal de Viçosa / MG.
Paula Faustino Sampaio – Graduada em Licenciatura em Historia pela Universidade Federal de Campina Grande (2006) e mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco (2009). Atualmente, é Professora Assistente II da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Rondonópolis e cursa doutorado em História pelo PPGH / Universidade Federal da Grande Dourados.
MEDEIROS, Kênia Érica Gusmão; RAMOS, Gilmária Salviano; SAMPAIO, Paula Faustino. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 14, n. 27, jan. / jun., 2020. Acessar publicação original [DR]
Os desafios da pesquisa a partir do olhar do professor (a)- pesquisador (a): reflexões teórico-metodológicas sobre o campo de ensino de história / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2020
Quem são e o que observam as(os) professoras(es)-pesquisadoras(es) de História? 1
Por isso, lhe digo: Professor: trate de prestar atenção ao seu olhar. Ele é mais importante que os seus planos de aula. O olhar tem o poder de despertar ou, pelo contrário, de intimidar a inteligência. O seu olhar tem um poder mágico! (ALVES, 2004, p.2).
Nos primeiros anos do século XXI, o educador Rubem Alves ao chamar atenção para a maneira como o professor vê a escola, os alunos e a prática docente, ele também advertia as instituições formadoras de professores e seus modos de educar o olhar desses sujeitos. Para o autor, os espaços de formação precisariam adotar como estratégia de resistência e sobrevivência aos ataques da mídia e dos grandes grupos econômicos a competência profissional do professor, o que chamou de educação do olhar. Essa pedagogia consiste, no exercício político e estético, em fazer com que o professor enxergue não só as limitações tão bem propagadas, mas, as potencialidades da rede de ensino.
Nesse sentido, o alerta sobre o cuidado que o professor deve ter com o seu olhar, surge num primeiro momento como uma crítica ao movimento de desvalorização e negação da capacidade intelectual e pedagógica do professor na década de 1990. Com a ascensão das políticas neoliberais no campo educacional, o professor passa a ser visto como o elemento mais frágil do processo educativo escolar. Para esses agentes, o motivo dos baixos indicadores na educação básica são os professores mal formados, pois, não sabem ensinar, por isso, as crianças não aprendem. Por isso, o escritor Rubem Alves, faz questão de enfatizar a necessidade de o professor estar atento ao seu modo de ver de modo que não reproduza esse negacionismo. Assim, essa preocupação desdobrou-se numa convocatória as instituições de ensino, na tentativa de fazer com que a formação inicial e continuada dos professores pudessem ter uma leitura mais ampliada do espaço escolar, de modo que, esses futuros profissionais não fossem ensinados a ver a precariedade e a ausência, mas, a presença e a abundância de práticas desenvolvidas por professores para reagir ao descaso e o abandono.
Na crônica intitulada o olhar do professor, embora, o escritor esteja preocupado com a necessidade de implementar uma nova ética e um outra estética nos cursos de formação de professores, de modo a ensinar a esse profissional, a ver a beleza, a alegria e a criatividade produzida por inúmeros profissionais que estão no chão da escola, ela também nos ajuda a pensar em outros deslocamentos que os profissionais da educação precisam realizar. Entre os inúmeros movimentos necessários, entendemos ser urgente, o professor precisa a aprender a realizar o movimento chamado por Paulo Freira de gnosiológico, ou seja, o professor precisa aprender a fazer a passagem de um olhar curioso para um olhar epistemológico. Para Freire, o movimento inicia com uma curiosidade simples, que “tornando-se mais e mais metodicamente rigorosa, transita da ingenuidade para o que venho chamando de „curiosidade epistemológica‟.” (FREIRE, 1996, p.31).
Logo, o trecho da crônica de Rubem Alves usado na abertura do presente dossiê além de problematizar a importância da formação social, política e cultural do professor para não excluir crianças e adolescente do processo de aprendizagem, ele nos permite fazer um exercício de reflexão sobre o processo de transformação do olhar do professor como professor-pesquisador que atua no campo da História e do Ensino de História. Desse modo, a apresentação estimula a investigação sobre o perfil do professor-pesquisador, o tipo de pesquisa desenvolvida pelo professor-pesquisador, as condições sociais e econômicas do professor-pesquisador para realizar a pesquisa, e, por fim, os laços existentes entre o movimento de formação de um grupo de professores pesquisadores de História e o movimento de professores das conhecidas escolas secundárias inglesas, cuja ação contribuiu para a criação do conceito de professores pesquisadores.
No primeiro momento, podemos pontuar que o campo da História tem utilizado a expressão Historiador (a) para designar as ações daqueles que realizam atividades de pesquisa, comunicação, curadoria e gerenciamento de acervo documental. O historiador de oficio é aquele que trabalha com documentos em arquivos para produzir conhecimento historiográfico. Conforme definiram as pesquisadoras Ângela de Castro Gomes e Patrícia Hansen (2016), o historiador é um intelectual mediador da cultura, ou seja, aquele profissional voltado para produção e difusão do conhecimento histórico que tem um impacto direto ou indiretamente no contexto sociopolítico. Tal designação, embora reivindicada por todos os profissionais formados em História, quase nunca é empregada para denominar os licenciados em história que atuam na educação básica, pois, para o campo, o historiador é aquele que apresenta um trabalho historiográfico.
Nota-se em editais, circulares, cartazes, folders e demais documentos pedagógicos que o termo empregado para denominar o formado em História que atua na Educação Básica é professor de História. Do mesmo modo, percebemos que a expressão Historiador(a) também não tem sido utilizada para designar aqueles que estudam no Mestrado Profissional em Ensino de História (Profhistória) ou os já formados (mestres). E apesar da professora-pesquisadora Verena Alberti, demonstrar que o exercício dos professores de história em sala de aula se assemelha as atividades desenvolvidas pelos pesquisadores nos arquivos ou centros de memória, pois, “fazermos as escolhas, (…) temos alguns objetivos (aquilo que gostaríamos que nossos alunos aprendessem) e as etapas e métodos para alcançarmos esses objetivos. O resultado final não é um artigo, uma dissertação ou uma tese, mas um monte de vozes, gestos (…)”(ALBERTI, 2014, p.2), constatamos que o movimento de reconhecimento do trabalho do professor da educação básica como um trabalho intelectual ainda é pontual, e, que, a distinção entre os que produzem e os que ensinam história ainda se faz presente e candente no campo.
Nesse sentido, organizar um dossiê que propõe o debate sobre os desafios da pesquisa a partir do olhar do professor-pesquisador é explicar quem são e o que observam. Já que se trata de uma expressão pouco usual no campo da história e ensino de história. O termo professor-pesquisador surgiu em 1960 na Inglaterra a partir de um movimento docente que lutou contra as imposições dos órgãos do governo sobre o currículo do Ensino Secundário (FAGUNDES, 2016, p.284). O conceito professor pesquisador criado pelo professor Stenhouse (1975) e sistematizado pelo Schon (1983), nasceu do reconhecimento da prática de um grupo de professores que preocupados com a melhoria da aprendizagem dos alunos, organizaram-se politicamente e pedagogicamente para pautar o currículo que consideravam mais adequado. A definição currículo foi fruto da observação, reflexão e pesquisa dos professores londrinos.
No Brasil, o debate sobre o perfil e as ações dos professores-pesquisadores, iniciou em 1980 e ganhou força na década de 1990 no campo da Pesquisa em Educação. Tanto que, Paulo Freire será contundente em Pedagogia da Autonmia, ao afirmar que “Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino”(FREIRE, 1996, p.30). Os estudos da pesquisadora Fagundes (2016), apontam que o conceito de professor-reflexivo foi assimilado nas pesquisas educacionais brasileiras através do paradigma do professor reflexivo. Perspectiva preocupada em investigar os saberes construídos na ação(tácita e espontânea), pela característica do conhecimento produzido naquele determinado lugar, espaço e tempo.
No campo da História e Ensino de História, a repercussão do debate apresentou impactos distintos. Enquanto que, no campo da História o termo não é utilizado por conta da existência de um termo próprio e cuja preocupação concentra-se na legitimação desse lugar a partir do processo de regulamentação da profissão de historiador (FAGUNDES, 2017, p. 38), no campo do Ensino de História, começa a aparecer os primeiros sinais do uso do termo professor-pesquisador, embora o significado ainda esteja pouco definido. O termo vai aparecer como título de uma disciplina ofertada pelo Profhistória, programastricto sensu criado em 2014 com o objetivo de oferecer uma formação continuada “que contribua para a melhoria da qualidade do exercício da docência em História na Educação Básica” (SITE UFRJ / PROFHISTÓRIA).
Na ocasião, analisamos a ementa da disciplina “Metodologia no Ensino de História: o pesquisador-professor e o professor-pesquisador”, buscando observar os sentidos atribuídos pelo campo do Ensino de História ao termo professor-pesquisador. Conforme pontuamos, a presença do termo no campo tem pouca representatividade, embora haja uma disciplina. Os sentidos empregados pelo campo do ensino de história ao termo se aproxima da noção desenvolvida pelo pesquisador Stenhouse (1975), ou seja, o mestrando é estimulado a refletir sobre a escola, currículo, práticas e etc, conforme, pode ser observado na proposta da ementa: “O método de pesquisar História e o método de ensinar História. A pesquisa histórica no ensino de História. A importância do professor-pesquisador. A importância dos alunos-pesquisadores. A utilização de oficinas em sala de aula (…)”. (SITE UFRJ / PROFHISTÓRIA). Por fim, reconhecemos que o desdobramento social e político do termo ainda precisa ser ampliado. Haja vista que, fica claro para nós que, o professor-pesquisador retratado pelo campo é o professor da educação básica que está preocupado em problematizar questões que emergem do cotidiano escolar e do chão da sala de aula.
Desse modo, ao assumir um postura crítica as perspectivas tecnocráticas e instrumentais subjacentes que separam a conceitualização, o planejamento e a organização curricular da execução, o campo do Ensino de Historia inicia um movimento de reconhecimento do professor de história como intelectual, pesquisador e sujeito político que está preocupado em, conforme nos aponta Sebastian Plá “comprender mejor los procesos de construcción de significados sobre El pasado dentro de La escuela” (PLÁ, 2014, p. 163)
Dessa forma, o presente dossiê reuniu pesquisadoras (es) de diferentes regiões do Brasil, para pontuar as reflexões que o leitor irá encontrar no dossiê sobre as diversas perspectivas teóricas que influenciam na produção de sentido, os procedimentos e as estratégias de análise utilizados pelos diferentes pesquisadores da área de ensino de história, o impacto dos programas de formação docente (PIBID, Profhistória, Residência Pedagógica e PET) na produção e difusão do conhecimento histórico, os desdobramentos do diálogo entre história, educação, psicologia e antropologia no desenvolvimento de instrumento de pesquisa sobre ensino e aprendizagem, os fundamentos epistemológicos do campo.
O debate sobre a produção intelectual dos professores está organizado em duas partes. A primeira parte, os pesquisadores discutem a prática docente e a formação continuada desse professor(a)-pesquisador(a) e num segundo bloco sobre metodologias do ensino desenvolvidas em sala de aula para caracterizara perspectiva artífice do professor(a)-pesquisador(a) que estuda, ler, planeja, elabora e expõe ao público, no caso, os seus aprendentes.
Para acompanhar esse trabalho intelectual que é desenvolvido pelos professores(as), Rafael Monteiro de Oliveira Cintra, no texto intitulado Professores de História sob a perspectiva de Estética e Política em Jacques Rancière: reflexões sobre possíveis abordagens teóricas e metodológicas,traz uma reflexão sobreaulas de História a partir das noções de “Estética” e “Política” (re)definidas por Jacques Rancière. Para tal, explora práticas de uma professora de História do ensino básico de uma escola pública da região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, buscando apresentar a potencia poética e intelectual do fazer pedagógico.
Em seguida, a professora Margarida Maria Dias de Oliveira e o professor Itamar Freitas de Oliveira, no artigo Desafios do mestrado profissional na reinvenção do campo do Ensino de História, abordam as alterações políticas e epistemológicas no campo do Ensino de História, provocadas pela organização em rede das instituições associadas ao Mestrado Profissional em História (PROFHISTÓRIA) no Brasil. Os autores analisam o currículo prescrito do curso para as disciplinas obrigatórias – Teoria da História e História do Ensino de História –, buscando identificar o comum nas propostas ao que se refere aos objetivos, objetos, assuntos e bibliografia.
Sobre o exercício intelectual na sala de aula, o dossiê traz uma discussão sobre ensino e imaginação. O professor Nilton Mullet Pereira, no trabalho O que pode a imaginação na aprendizagem histórica? Propõe um debate sobre o que se ensina e o modo como se ensina História na sala de aula da escola básica, a partir das contribuições do filósofo Henri Bergson e do teórico do campo da teoria da História, Hayden White. Tomando como base teórica esses autores, apresenta uma defesa de que a imaginação é um elemento importante na criação conceitual e na maneira de se relacionar com o passado e propõe uma discussão sobre os possíveis deslocamentos que parte do tempo cronológico da sala de aulaao tempo da imaginação.
No conjunto de textos que trazem uma reflexão sobre objetos, metodologias e estratégias produzidas e utilizadas pelos professoras(es) em / para sala de aula. Para falar sobre saber histórico escolar e a História da América Latina, o professor André Mendes Salles, no texto Saberes disciplinares da História e Formação de professores no Paraguai: Guerra da Tríplice Aliança em foco, aborda os saberes disciplinares de dois professores de História que atuam na Educação Básica no Paraguai, a partir da formação inicial e continuada desses sujeitos. Na ocasião, o estudo identifica a influência da formação inicial nos saberes da ciência de referência e pedagógicos sobre a Guerra da Tríplice Aliança.
Com relação a historiografia escolar e a prática docente, o texto intitulado Esfinge ou Caleidoscópio? O desafio da pesquisa em livros didáticos de História, produzido pela professora Helenice A. B. Rocha, traz um debate a partir da crítica aos estudos do Alain Choppin à pesquisa sobre o livro didático no Brasil, partindo do pressuposto de que o livro didático é o lugar de discursos didatizados sobre conhecimento da ciência de referência histórica.
O dossiê também apresenta um debate sobre as pesquisas realizadas no interior do programa em rede de pós-graduação strictum sensu – Profhistória. Desse modo, a professora Carmem Vargas Gil, no texto Investigações em educação patrimonial e ensino de História (2015-2017), apresenta o resultado da primeira etapa do projeto de pesquisa Ensino de História, Patrimônio e Cultura Digital (FACED / UFRGS), que visa identificar e analisar a produção de pesquisas em programas de pós-graduação em História e Educação do Brasil sobre a interface do ensino, tecnologia e patrimônio. A pesquisa apontou as abordagens da educação patrimonial no campo do ensino de História e como a escola tem se apropriado do debate sobre o tema.
As professoras Rosangela Celia Faustino e Luciana Helena de Oliveira Viceli, no texto – Ensino de História: possibilidades de diálogos entre escola indígena e escola não indígena para a construção da interculturalidade, trazem um debate sobre o ensino de história indígena para escolas não indígenas. Por fim, o professor-pesquisador Marcus Martins, no artigo Avaliação da aprendizagem no Ensino de História: entre “silêncios de” e “desafios para” um campo de pesquisa, problematiza como a avaliação das aprendizagens históricas tem sido abordada no campo do Ensino de História. Para tal, investigou no Banco da Capes e os anais do Simpósio Nacional de História da ANPUH / Brasil e dos eventos: Encontro Nacional Perspectivas em Ensino de História e Encontro Nacional Pesquisadores do Ensino de História-ENPEH o tema avaliação nos processos escolares e identificou que essa discussão não tem assumido lugar de relevância.
A partir dessas importantes investigações, voltadas para pensar o lugar do professor-pesquisador no ensino de história, consideramos esse o dossiê demonstra ser de grande valor para os estudiosos desse campo de pesquisa. Assim, aproveitem!
Nota
1. Para contribuir no processo de leitura da apresentação, haja vista o grande número de citações da expressão que designa a ação docente, nós, organizadoras do dossiê, recorremos ao seguinte recurso discursivo: onde se lê professor-pesquisador, entende-se professora-pesquisadora e professor-pesquisador
Referências
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FAGUNDES, Bruno Flávio Lontra. PROFHISTÓRIA, experimento sem prognóstico. Revista PerCursos, Florianópolis, v. 18, n. 38,p. 33 – 62, set. / dez. 2017.
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Enseñar el Holocausto/Clío – History and History Teaching/2020
Ensino de História e Educação em Tempos de Incerteza / História em Revista / 2020
A ideia de que os brancos europeus podiam sair colonizando o resto do mundo estava sustentada na premissa de que havia uma humanidade esclarecida que precisava ir ao encontro da humanidade obscurecida, trazendo-a para essa luz incrível. Esse chamado para o seio da civilização sempre foi justificado pela noção de que existe um jeito de estar aqui na Terra, uma certa verdade, ou uma concepção de verdade, que guiou muitas das escolhas feitas em diferentes períodos da história.” (KRENAK, 2019, p. 3).
Assim como Ailton Krenak nos informa e nos questiona sobre a noção de “que existe um jeito de estar aqui na Terra”, também existe uma concepção e um jeito de ensinar, e de ensinar História, a priori, independente do tempo, dos sujeitos, dos territórios, das sociabilidades e dos pertencimentos. Essas concepções de História, de conhecimento e de verdade também são frutos da colonialidade do ser e do saber, como é posto e problematizado por Krenak.
Já se vão duas décadas do século XXI, século que nos trouxe muitas interrogações acerca da validade de nossos conhecimentos, da aceleração do tempo, concreta ou imaginária, e que nos colocou, como nunca, diante da obsolescência das coisas, do conhecimento e, por que não, da obsolescência de em torno de três quartos da humanidade. Seres humanos que estão incluídos na sociedade capitalista e do consumo desenfreado nas franjas, nas ocupações temporárias, na catação de rebotalhos dos grandes consumidores, das elites, em sociedades marcadas pelo racismo estrutural – conceito criado pelo filósofo e jurista brasileiro Silvio Almeida (2018). Mas incluídos na engrenagem capitalista, como nos ensina Francisco de Oliveira (2008).
Esses grandes contingentes humanos, no caso do Brasil, especialmente os afro-brasileiros e indígenas, continuam a ser, continuam a resistir e continuam a se organizar, como é o caso da Central Única das Favelas, que se articulou sem a ajuda dos poderes públicos para fazer frente à pandemia da Covid 19. A população negra, as pessoas que vivem nas periferias das cidades, os indígenas brasileiros, foram, mais uma vez, as vítimas preferenciais da pandemia e da política genocida do estado brasileiro. Um genocídio que só foi amenizado pela auto-organização dessas comunidades.
No contexto de uma sociedade profundamente desigual, desta sociedade pluriétnica, multicultural, etnocêntrica e racista, e diante da emergência de uma série de discursos negacionistas e de tentativas de controle sobre o currículo e o fazer docente, o que significa ensinar, aprender e pesquisar História na escola básica e na formação inicial de professores e professoras?
Pensando nesses desafios, o GT de Ensino de História e Educação da ANPUH/RS organizou sua XXIV Jornada de Ensino de História e Educação: “Ensino de História e Educação em Tempos de Incerteza“, realizada de 7 a 10 de outubro de 2019 na Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS/Erechim/RS.
A Jornada oportunizou espaços de reflexão acerca das profundas transformações e disputas no campo da educação e do Ensino de História, buscando compreender a dimensão destas mudanças e seus desdobramentos na escola, na formação docente e nas práticas educativas que professores e professoras desenvolvem cotidianamente em sala de aula.
Este conjunto de artigos que ora apresentamos são oriundos de trabalhos apresentados durante a XXIV Jornada de Ensino de História e Educação e fazem parte das reflexões e dos debates que pautaram nosso encontro.
O artigo Formação de Professores: Rompendo as fronteiras históricas sobre o fazer docente, de Shirlei Alexandra Fetter, Raquel Karpinski e Denise Regina Quaresma da Silva, trata da formação de professores e professoras no Brasil. As autoras apresentam uma breve síntese do processo histórico de formação docente, no sentido de ampliar a compreensão sobre a qual se constituiu a profissionalização dos/as professores/as, entrecruzando problemas históricos com questões que marcam o tempo presente. O artigo objetiva, assim, discutir sobre as possibilidades de formar professores/as-pesquisadores/as através da composição dialógica entre o campo docente, teórico e prático. No texto Ser professor de História em tempos de criminalização do fazer docente, Elvis Patrik Katz e Andresa Silva da Costa Mutz abordam os desafios no fazer docente de professores e professoras de História, especialmente no que se refere às tentativas de controle presentes no cenário atual, entre as quais se destacam as ações do Escola Sem Partido. Para tanto, se amparam nas discussões do campo dos Estudos Culturais e nas contribuições de Michel Foucault, no sentido de explicitar esses desafios e as estratégias de resistência que tem sido mobilizadas por professoras e professoras de História.
Este dossiê apresenta também importantes contribuições no que se refere a ensinar História em uma perspectiva antirracista. Luciana da Veiga, em seu texto O ensino de história da África e da cultura afro-brasileira: os desafios de uma educação antirracista na região de Erechim, apresenta resultados de uma pesquisa que teve como objetivo compreender a representação de estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental, de 10 escolas da região do Alto Uruguai do Rio Grande do Sul, sobre pessoas negras. A autora discute o caráter dessas representações e os estereótipos reproduzidos pelos/as estudantes, evidenciando os desafios que se colocam para o cumprimento da Lei 10.639/03 e para a construção de uma educação antirracista.
Em outro artigo intitulado História da África e afro-brasileira: autonomia no ensinar e aprender, Aristeu Castilhos da Rocha também aborda as inquietações e percalços encontrados para a aplicação da Lei 10.639/2003 na Educação Básica. Amparado em uma pesquisa bibliográfica e documental e em suas vivências enquanto docente e pesquisador, o autor apresenta proposições didáticas para o estudo de Histórias da África e Afro-brasileiras a partir de um entrelaçamento do ensino de História com a Literatura, o Cinema e a Música. Deste modo, propõe caminhos para uma reconfiguração curricular e para a inserção dessas temáticas na sala de aula e nas práticas educativas.
O artigo Ensino de História Afro-Brasileira através de maquetes do LASCA-UFSM, de Valeska Garbinatto e André Luis R. Soares, trata do uso de maquetes produzidas pelo Laboratório de Arqueologia, Sociedades e Culturas das Américas – LASCA, ligado ao Departamento de História da Universidade Federal de Santa Maria, nas aulas de História do Colégio Estadual Elpídio Ferreira Paes, localizado em Porto Alegre. Tais maquetes, que tratam de diferentes temáticas vinculadas à história da África e dos africanos e seus descendentes no Brasil, foram apresentadas e discutidas com estudantes do Ensino Fundamental e Médio. Assim, o texto discute sobre as potencialidades do uso de maquetes enquanto uma ferramenta didática para o ensino de História e para a aplicação da Lei 10.639/03.
Saberes e valores das pessoas negras em movimento: ensinar história em coletividades emancipatórias, de Carla Beatriz Meinerz e Maurício da Silva Dorneles, aborda o ensino de História a partir de uma perspectiva experimentada nas coletividades negras agremiadas em Porto Alegre, com suporte no pressuposto curricular que estabelece uma estreita relação de aprendizagem com os saberes produzidos pelo movimento negro, regulado pelas Diretrizes para a Educação das Relações Étnico-Raciais.
No artigo Como trabalhar com a educação patrimonial produzida nos museus e em outros espaços? Uma experiência entre o Memorial da Resistência de São Paulo e o Curso Pré-Universitário Popular UP, Capão do Leão-RS, Milena Rosa Araújo Ogawae Amanda Nunes Moreira discutem sobre os usos de materiais educativos produzidos por museus como ferramentas para a educação patrimonial. Para isso, apresentam um relato de experiência sobre a utilização do “Material de Apoio ao Professor” produzido pelo Memorial da Resistência de São Paulo nas aulas do Curso Pré-Universitário Popular UP. O Memorial, que está localizado nas antigas instalações do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS-SP), se constitui em um dos mais importantes espaços de preservação das memórias da resistência e da repressão ditatorial no Brasil. O texto relata então quais os materiais disponibilizados pelo Memorial e quais suas potencialidades no que se refere à educação patrimonial.
O texto Aprendizagem histórica e gênero: uma experiência com aula oficina, de Amanda Nunes Moreira, apresenta uma investigação sobre a construção da consciência histórica de alunos/as de uma turma do 9º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública estadual, na cidade de Pelotas/RS. Esse estudo está fundamentado nas concepções dos estudos sobre Educação Histórica, Ensino de História e Consciência Histórica, utilizando como cenário para a análise a presença, ou não, do sujeito feminino em narrativas sobre a Revolução Russa. No artigo “Não é preciso queimar sutiãs em praça pública”: o Dia Internacional da Mulher através do Jornal Pioneiro, de Rúbia Hoffmann Ribeiro e Eliana Gasparini Xerri, as autoras discutem o Dia Internacional da Mulher, a forma como a data é tratada historicamente e como é apresentada no Jornal Pioneiro, de grande circulação na serra gaúcha. O artigo está integrado ao Projeto Narrativas Presentes no Jornal Pioneiro – Caxias do Sul (HISENSPI).
Uma imagem vale mais do que mil palavras: considerações acerca do uso da fotografia no ensino da História, de Isabella Czamanski Rota, visa apresentar as mudanças ocorridas na maneira de se entender o conhecimento histórico e como isto afeta a maneira que a História pode ser ensinada em sala de aula, com foco no uso da fotografia e suas possibilidades no ensino de acontecimentos dos últimos dois séculos, bem como nas mudanças ocorridas na paisagem urbana, nas relações sociais e quaisquer outras informações que os/as historiadores/as sejam capazes de ler a partir das fotografias.
Esperamos que a leitura dos artigos traga novas interrogações e que também contenha uma potência transformadora. Ensinar História em tempos de incerteza requer comprometimento com o/a outro/a, com as gerações em formação. Ensinar História em tempos de incerteza solicita uma pequena pausa para reflexão; olhar para nós mesmos, para os fundamentos teóricos e epistemológicos que acreditamos, revisitar as nossas posturas políticas, nossas perspectivas de futuro, a nossa relação com a docência, para mais uma vez, planejarmos as nossas aulas. E ter consciência que a ação docente é um ato político, um exercício que contribui para a formação das pessoas, da cidadania, da humanidade; é semear esperanças no chão das salas de aula.
Pelotas, Primavera de 2020.
Referências
ALMEIDA, Silvio. O que é racismo estrutural. Belo Horizonte: Letramento, 2018.
OLIVEIRA, Francisco. Ornitorrinco: Será esse um objeto de desejo? Entrevista Café Filosófico, TV Cultura. 2008.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
Sirlei Teresinha Gedoz
Halferd Carlos Ribeiro Junior
Alessandra Gasoarotto
(Organizadores)
GEDOZ, Sirlei Teresinha; RIBEIRO JUNIOR, Halferd Carlos; GASOAROTTO, Alessandra. [ Ensino de História e Educação em Tempos de Incerteza]. História em Revista, Pelotas- RS, v.25, n.2, 2020. Acessar publicação original [DR]
Historiografia e ensino de história em tempos de crise democrática / Revista Transversos / 2020
Em outras palavras, na representação da felicidade vibra
conjuntamente, inalienável, a (representação) da redenção. Com a
representação do passado, que a História toma por sua causa, passa-se o
mesmo.
Walter Benjamin
Um primeiro elemento do que podemos chamar de uma crise contemporânea da disciplina história e, neste caso específico, da teoria da história, da história da historiografia e do ensino de história está relacionado à temporalidade.
O que precisamos lembrar, antes de qualquer reflexão sobre a história, a teoria da história, a história da historiografia e o ensino de história hoje, é que a temporalidade no interior e para a qual a disciplina se constituiu, trazia desafios significativos, provocando, por exemplo, a perda de sua imediatidade, de seu poder de determinação mais transcendental, ou como Rüsen escreveu, trata-se de uma disciplina que não estaria mais “legitimada pela sua mera existência”. (RÜSEN, 2011: p. 27)
O que precisamos sublinhar aqui é que a constituição da disciplina – e com ela a teoria, a história da historiografia e o ensino de história – se torna possível (e necessária) no interior de uma temporalidade marcada pelo que Koselleck chama de “aceleração do tempo”. Ela se constitui, por um lado, a partir da redução do “espaço de experiência” (Erfahrungsraum) e, por outro, do alargamento do “horizonte de expectativas” (Erwartungshorizont), ou ainda em outras palavras, da redução da confiança em passados e da acentuação da estratégia antropológica que é a da projeção. (Cf. KOSELLECK, 1989)
O que precisamos reter aqui é que se, por um lado, a modernidade se constituiu como um espaço marcado pela perda da imediatidade dos sentidos – Deus e Bíblia –, por uma espécie de multiplicação de mundos ou regiões possíveis, organizadas, por sua vez, com base em determinados sentidos, significados e afetos, ela também assiste, por outro lado, a uma disputa entre estas regiões no que diz respeito à possibilidade de que uma delas pudesse se generalizar e (re)ocupar um espaço mais central (transcendental).
A modernidade (mais propriamente ocidental) pode ser compreendida exatamente como uma temporalidade (um horizonte histórico) marcada pela ampliação considerável de experiências e perspectivas que até então eram pouco conhecidas, de modo que o que temos é o aparecimento de outras possibilidades e limites que precisariam ser experimentados e tematizados. A ideia aqui é justamente a de que a partir dessa ampliação, o conjunto de sentidos, significados e afetos reunidos em torno das noções de Deus e Bíblia deixou de ser suficiente (adequado, sachlichkeit) para responder de forma mais ou menos razoável àquela realidade (efetiva, Wirklichkeit).
O que se dá, então, é que boa parte ou mesmo a maior parte dos homens e mulheres (no ocidente) procuram se dedicar ao exercício existencial-intelectual (experiência + atividade do aparato intelectivo: da imaginação e do entendimento em termos kantianos) que é o de projetar, a partir do presente (também em diálogo com passados, neste caso menos evidentes ou disponíveis), outros futuros possíveis, outras combinações constituídas exatamente por aquelas experiências e perspectivas que de alguma forma apareceram para e no ocidente. O que significa, assim, menos passados (ao menos aqueles mais evidentes, reunidos em torno das noções de Deus e Bíblia) e mais futuros, ou ainda, menos tradição e mais prospecção. O ocidente acaba se dedicando mais à estratégia antropológica de imaginar (ou sonhar), pensar e, então, constituir outros mundos possíveis (Cf. BENJAMIN, 1994). Temos o que Koselleck chama de um alargamento significativo do “horizonte de expectativas”. (Cf. KOSELLECK, 1989)
Mas qual a relação desta argumentação com a crise atual da disciplina história, da teoria, da história da historiografia e do ensino de história?
A resposta se relaciona ao que sublinhamos logo no início, à compreensão de que é justamente nessa temporalidade marcada pela redução do “espaço de experiência” e pelo alargamento do “horizonte de expectativas” que elas são constituídas. Elas se organizaram com o objetivo de participar do esforço mais geral de reorganização temporal, ou seja, da reconstituição de determinada estabilidade. O problema aqui, certo nó podemos dizer, é justamente um sentimento de perda de confiança em passados que atinge, em cheio, a história e, neste caso, o ensino de história. A disciplina participa de um movimento de reconstituição de um mundo comum, no entanto, ela (já) havia perdido parte de seu poder (mais imediato) de prescrição (Cf. GUMBRECHT, 2011)
As filosofias da história e os historicismos procuraram participar dessa reconstituição de um horizonte comum (mais geral, transcendental) e, se por um lado, obtiveram certo sucesso, e isto porque conseguiram, de alguma forma, reencantar razoavelmente a relação epistemológicopragmática com passados (especialmente a partir da estratégia temporal do progresso), o que temos, por outro lado, é que as próprias filosofias da história e os historicismos também acabaram participando e provocando o que podemos chamar de uma aceleração dessa aceleração ou instabilidade temporal, na medida em que também tivemos, ao fim, a própria multiplicação de sentidos e significados que seriam ideais. (Cf. KOSELLECK, 1989, RANGEL, 2019 e RANGEL; ARAUJO, 2015)
Portanto, temos o que podemos chamar de certo êxito em relação ao reencantamento da história, logo, da relação com passados (e mesmo de certa reestabilização temporal), mas, também (e apenas aparentemente de maneira paradoxal), a própria intensificação da aceleração, da instabilidade temporal. Ou em outras palavras, por mais que se tenha tornado possível certo reencantamento da relação epistemológico-pragmática com o passado, ele já era percebido como menos adequado e próprio à tematização e rearticulação do presente. (Cf. GUMBRECHT, 2011: p. 30)
De modo que a fórmula – o passado necessariamente nos auxilia no enfrentamento de questões próprias ao nosso mundo (ao presente) – nunca mais retomou o poder de prescrição (mais imediato ou automático, irresistível) que tivera, e mais, vem perdendo força desde então.
Vem perdendo força exatamente porque o que temos ao longo do século XIX e boa parte do século XX é algo que se aproxima desse esquema circular: 1- com a aceleração ou instabilidade temporal temos uma perda significativa da confiança epistemológico-pragmática em passados, 2- na medida mesmo em que temos essa redução do “espaço de experiência” temos uma aposta significativa na estratégia antropológica que é a da projeção, da prospecção, da constituição de outros mundos possíveis muitos mais a partir da imaginação a qual, por sua vez, atua compactando, reunindo, organizando parte do que vinha aparecendo para e no ocidente (inclusive com base em passados, mas neste caso menos óbvios ou disponíveis). 3- à medida que se dedica mais a projeções, acaba tornando possível a diferenciação entre hoje e ontem, logo a intensificação da instabilidade temporal; de modo que muito próximo à lógica do Sattelzeit o que se tem é que cada hoje se diferencia ainda mais do seu ontem. E, 4- na medida em que temos ainda mais diferenciação entre hoje e ontem do que havia entre ontem e anteontem, o que temos é um aprofundamento disto que podemos chamar de uma desconfiança em passados (no que diz respeito ao estudo e à reunião de orientações no presente em nome de outros futuros possíveis).
Situação dramática que tem sido aprofundada, atualmente, pela dinâmica própria à técnica, num mundo que vai se sofisticando tecnologicamente e vai produzindo cada vez mais a impressão, especialmente no que diz respeito aos mais jovens (aos nossos alunos) de que passados e futuros são ainda mais diferentes e distantes (Cf. RANGEL, 2018). A impressão, portanto, de que passados teriam muito pouco ou mesmo nenhuma condição de nos auxiliar no enfrentamento de possibilidades e limites colocados pelo mundo contemporâneo.
A história e, neste caso, especialmente o ensino de história tem perdido espaços importantes e mesmo parte da atenção de alunos e do público em geral, especialmente se pensada a partir do ambiente escolar, porque desde a modernidade boa parte de nós (claro que nem todos, e que bom!) tem tido cada vez menos empatia por passados, nos reconhecendo cada vez menos neles. (Cf. ABREU; RANGEL, 2020)
Seria interessante pensar, então, em meio à temporalidade contemporânea (que provoca ao menos a impressão de que hoje e ontem são muito diferentes e estão muito distantes), em uma reelaboração da (de certa) empatia por passados. Uma empatia a partir e junto a passados obscurecidos e periferizados para uma espécie de reorganização ainda mais radical do hoje em nome de outros futuros possíveis. Ainda temos muitos passados (e outros futuros possíveis) pela frente!
“Crise”. Talvez seja essa a palavra mais recorrente no debate público contemporâneo, no Brasil e no mundo. Basta ligarmos a TV na hora do noticiário para que todo tipo de crise seja lançado em nosso colo: crise política, crise econômica, crise sanitária. Este dossiê pretende, justamente, lançar luz sobre a experiência de crise que caracteriza a contemporaneidade, e não apenas no que se refere à dimensão epistemológica da história, como destacamos acima, mas também no que diz respeito às crises democráticas contemporâneas.
Falar em “crises democráticas contemporâneas” ainda é pouco para explicar o propósito deste dossiê. É que não é apenas o conceito de “crise” que é polissêmico. “Democracia” também é. O que está em crise é o experimento democrático liberal-burguês, fundado no século XVIII, na Europa e nos EUA, e que se tornou hegemônico no final do século XX com o fim da Guerra Fria. A democracia liberal-burguesa está morrendo de dentro para fora, a partir da disfunção de suas instituições, cada vez menos capazes de sustentar seu valor fundamental: a possibilidade da representação política através do voto (LEVITSKY; ZIBLATT, 2017). O “povo está contra a democracia”, para utilizar as palavras de Yascha Mounk (2019).
Ainda é cedo para conhecer as consequências dessa crise. Não faltam autores apontando tendências e fazendo previsões. O já citado Yascha Mounk aposta no divórcio entre democracia e liberalismo, manifestado na forma de um “liberalismo autoritário” e de uma “democracia iliberal”. Já o diagnóstico de Jason Stanley é mais sombrio e aponta para a possibilidade de renascimento dos fascismos: caracterizados pela recusa da representação política indireta e pelo clamor pela relação direta, afetiva e sem mediações entre “povo” e líder carismático, visto como o único que seria verdadeiramente honesto e digno de representar o interesse público.
No caso brasileiro, o principal efeito da crise democrática na arena do conhecimento histórico é a implosão de teses relativamente estabelecidas a respeito de eventos traumáticos que marcaram a história nacional. O “negacionismo histórico” é um projeto político-epistemológico da “nova direita” que ganha espaço na política brasileira desde pelo menos 2013, cujo objeto é negar o teor traumático de experiências que marcam o passado brasileiro, especialmente a escravidão e a ditadura militar (1964-1985) (CHALLOUB; PERLATO, 2016). Por trás disso, está o interesse em deslegitimar as políticas públicas que nos primeiros anos do século XXI estavam fundadas no horizonte da reparação histórica, como, por exemplo: as políticas afirmativas voltadas à população negra e as indenizações para as vítimas dos crimes de Estado cometidos durante a ditadura. Também não podemos esquecer da Comissão Nacional da Verdade, criada em 2011, que ao investigar os crimes de Estado praticados pela ditadura serviu como gatilho para a manifestação de toda sorte de negacionismos, até então diluídos no senso comum. Analisando o verbete “regime militar brasileiro” da enciclopédia universal wikipedia, Mateus Pereira mostra como, já em 2012, os negacionistas estavam atuando na internet, negando a natureza golpista da intervenção militar de 1964 e justificando os crimes cometidos pela ditadura.
Como era de se esperar, os(as) historiadores(as) não ficaram passivos diante da avalanche negacionista e se lançam, cada vez mais, ao “combate”, como diz o lema da atual gestão da Associação Nacional dos Professores Universitários de História (ANPUH), presidida por Márcia Motta (UFF). Podemos dizer, portanto, que no campo de atuação dos profissionais de história, a crise democrática resultou no chamado, ou melhor, na convocação à intervenção no debate público, em um “giro ético-político”, nas palavras de Marcelo Rangel e Valdei Araujo (2015). Esse engajamento assumiu várias formas, todas de alguma maneira questionando o rígido processo de especialização disciplinar que desde a década de 1970 fortaleceu a autonomia do campo historiográfico no sistema universitário brasileiro, na mesma medida em que isolava os historiadores profissionais do restante da sociedade (ARAUJO 2016). Essa autonomização não significou, entretanto, total ausência de engajamento público, pois, como mostra Rodrigo Perez (2018), a historiografia brasileira contemporânea é marcada por um “engajamento historiográfico” que, desde o final da década de 1970, é praticado através de abordagens interpretativas comprometidas com o empoderamento retroativo dos “sujeitos subalternos”. As novas modalidades de engajamento deflagradas pela crise democrática, no entanto, são movidas por um espírito mais combativo, de confronto mesmo, já que do outro lado está um projeto político que, em última instância, questiona a existência da historiografia como ciência social legítima e merecedora de investimentos públicos.
É comum, por exemplo, a utilização do termo “história pública” como uma espécie de guarda-chuva semântico para definir o movimento coletivo dos historiadores profissionais brasileiros no sentido da intervenção no debate público. O uso inspira alguns cuidados, pois parece que o termo vem sendo demasiadamente alargado, o que acaba desgastando-o. O que significa exatamente fazer história pública? Há várias respostas possíveis. Alguns autores tratam a história pública na chave da divulgação científica (CARVALHO; TEIXEIRA, 2019). Fazer história pública, então, seria o esforço de criação de canais de comunicação capazes de divulgar para o “grande público” os resultados das pesquisas que os historiadores profissionais desenvolvem nas universidades. Outros autores argumentam que a história pública não deve se restringir ao expediente da divulgação científica, mas precisa se comprometer a formular uma agenda epistêmica adequada à publicização, o que pode significar o diálogo com outros campos de pesquisa – como, por exemplo, a história oral (SANTIAGO, 2018) -, com a própria sociedade em geral. Seja como for, a sensação que temos é que a “história pública” se transforma, cada vez mais, em uma área especializada da historiografia, entre outras tantas. O risco é que a autonomização e os debates teóricos endógenos levem os especialistas em história pública a não fazerem história pública, o que seria uma contradição em termos.
O fortalecimento dos estudos especializados no ensino de história, que costumavam ser considerados menos nobres pelo mainstream historiográfico, é outro desdobramento da crise democrática no campo da ciência histórica. Especialmente depois do surgimento do movimento “Escola Sem Partido” (criado em 2004, mas projetado nacionalmente pelo horizonte da crise democrática aberto em 2013), o ensino de história vem sendo uma trincheira de resistência, onde os professores de história se afirmam como produtores de conhecimento e reivindicam liberdade política / pedagógica para o pleno exercício de seu ofício. Qual história deve ser ensinada e como deve ser ensinada? Circe Bittencourt (2018) demonstra como essas perguntas não são pertinentes apenas ao ambiente escolar, ou aos campos disciplinares com interesses diretamente pedagógicos. Trata-se de questões políticas fundamentais que tocam nos temas da identidade nacional e dos usos políticos do passado. Como mostra Daniel Pinha (2017), à luz das discussões propostas por Nicole Loraux e Marc Bloch acerca do anacronismo subjacente à tarefa historiográfica, o tempo presente orienta as aulas de história enquanto fundamento epistemológico inescapável ao ofício do professor, se este é compreendido com base numa dimensão autoral (nos termos propostos por Ilmar de Mattos, 2005). Isso é especialmente verdadeiro em um momento de crise tão aguda como essa que vivemos, quando consensos são implodidos e o professor de história / historiador precisa negociar com sua audiência o conteúdo de seu saber, o formato de sua abordagem. Os estudos especializados em ensino de história vêm explorando essas tensões e mostrando como as aulas de história ministradas no ensino básico são talvez o mais importante canal de diálogo e de comunicação do conhecimento histórico especializado com o “grande público”.
Há também autores que apontam para a insuficiência da ciência histórica, constituída a partir da temporalidade historicista ocidental, em tematizar outras experiências de passados. Para aumentar a capacidade da historiografia em acolher diversos registros de memória, Valdei Araujo (2017) propõe um alargamento das competências do historiador profissional, que ao invés de se comportar apenas como o produtor de sentido, deveria ser também um “curador”, capaz de “acolher criticamente” a pluralidade das histórias que circulam pela sociedade. Em outra perspectiva, mas partindo do mesmo diagnóstico de que a historiografia profissional não é capaz de dar conta dos “diversos passados que circulam socialmente”, Arthur Ávila, Fernando Nicolazzi e Maria da Glória (2020) propõem a “indisciplinarização do conhecimento histórico”. Dialogando diretamente com as perspectivas pós-coloniais e decoloniais, os autores identificam uma crise de representatividade na nossa disciplina, dada pela incapacidade de uma ciência forjada com base nos valores ocidentais em representar passados não ocidentais.
Como o leitor e a leitora podem perceber, o ambiente da crise democrática suscitou diversos debates na historiografia brasileira contemporânea, dando forma a diferentes agendas de pesquisa, tanto no âmbito da modalidade acadêmico-universitária quanto na escolar, propondo distintas soluções para a atuação do especialista em história no debate público. O dossiê ora apresentado vem se somar a esses esforços de enfrentamento da crise epistemológico-ético-política também resultante da crise democrática.
Em nosso artigo de abertura, intitulado “Memory, historical culture, and history teaching in the contemporary world”, Marcelo Abreu e Marcelo Rangel propõem um debate em torno de questões teórico-historiográficas relacionando memória, cultura histórica e ensino de história, tendo em vista o enfrentamento de dilemas ético-políticos do mundo contemporâneo tais como: a necessidade de democratização, a problematização do etnocentrismo e as múltiplas formas de produção de presença envolvendo a produção de enunciados historiográficos.
Em seguida, no artigo “Ditadura civil-militar e formação democrática como problemas historiográficos: interrogações desde a crise”, Daniel Pinha problematiza o topos “Ditadura civil-militar” – sobretudo entre os anos de 2004 e 2014, aniversários de 40 e 50 anos do Golpe Militar – enquanto chave de análise utilizada por historiadores brasileiros para nomear e caracterizar a experiência do regime autoritário instaurado no Brasil em 1964. Rodrigo Perez parte de temática semelhante, indagando sobre as formas de circulação do discurso historiográfico em ambientes de crise, mas investe na análise de textos de outra natureza: a chamada historiografia comercial. “Por que vendem tanto?” pergunta Perez, focalizando dois estudos de caso: o “Guia politicamente incorreto da história do Brasil”, de Leandro Narloch, publicado em 2009, e “A elite do atraso”, de Jessé Souza, publicado em 2017. Viviane Araujo, por sua vez, investiga o discurso conservador em meio à crise democrática no contexto latino-americano, e a mobilização dos conceitos de gênero e família como formas de assegurar uma oposição reativa à agenda de igualdade de gênero que vem ganhando espaço no debate político atual. Como explicita, na mesma linha do “Escola Sem Partido”, velho conhecido do público brasileiro, o movimento “Con Mis Hijos No Te Metas”, surgido no Peru (2016) e que se espalhou rapidamente por toda a região, apresenta um discurso contrário ao que chamam de “ideologia de gênero”, afirmando uma identidade política apartidária, mas que fortalece e fomenta lideranças políticas ultraconservadoras. Vistos em conjunto, estes três artigos refletem sobre os efeitos da crise democrática contemporânea na historiografia e as disputas políticas pelo passado no espaço público latino-americano e brasileiro, em particular.
Breno Mendes discorre sobre o lugar do currículo no ensino de história, associando teoria da história, história da historiografia, ensino de história e teorias do currículo. Para o autor, a versão da Base Nacional Comum Curricular, aprovada no governo Temer, revela, sobretudo, uma atualização das teorias tradicionais do currículo em detrimento de teorias pós-críticas. Raone Ferreira, por sua vez, analisa reflexões de professores de história acerca de suas práticas, trazendo à tela duas dimensões fundamentais que atravessam a tarefa docente nestes tempos de crise: os movimentos conservadores e o ciberespaço. O artigo de Domingos Nobre, Anna Beatriz Vechia e Carolina Oliveira tematiza o ensino de história no âmbito da educação escolar indígena, apresentando a experiência no Curso de Ensino Médio com Habilitação em Magistério Indígena realizado com os Guarani Mbya no Estado do Rio de Janeiro. Há, nestes três artigos, um propósito comum: refletir sobre o ensino da história no espaço escolar, em tempos de crise, revelador de tensões envolvendo recuos e alargamentos na intensificação de valores democráticos e na incorporação do desafio ético de repercussão da diferença.
Nara Cunha, Rosiane Bechler e Cyntia França focam a produção de sentidos históricos em torno das tragédias-crimes ambientais nas cidades mineiras de Mariana e Brumadinho. As autoras examinam a relação entre historiografia escolar e a abordagem de temas sensíveis, tendo em vista o tratamento do trauma provocado pela queda das barragens. O texto de Andrea Ribeiro, por sua vez, aborda o ensino de história no sistema socioeducativo, voltado à formação de adolescentes que vivem e acumularão em suas experiências de vida a experiência da privação de liberdade por meio do sistema prisional. Qual o lugar da história na constituição identitária desses sujeitos? Estes dois artigos nos revelam o potencial da narrativa histórica em oferecer possibilidades de restauração e orientação de vidas que experimentaram determinadas tragédias, traumas etc.
Os artigos deste dossiê nos oferecem uma boa oportunidade de enfrentar aquele que talvez seja o maior desafio ético dos(as) especialistas em história, pesquisadores(as) e professores(as) no contexto contemporâneo: intensificar valores democráticos por vezes desgastados e enfraquecidos em ambiente de crise democrática.
Referências
ABREU, Marcelo; RANGEL, Marcelo. Memory, historical culture, and history teaching in the contemporary world. Revista Transversos. Rio de Janeiro, n. 18, abr. 2020.
ARAUJO, Valdei. O regime de autonomia avaliativo no sistema nacional de pós-graduação e o futuro das relações entre historiografia, ensino e experiência histórica. In: Revista Anos 90. Porto Alegre, V. 23. N. 44. Dezembro de 2016.
_______. O direito à história: o(a) historiador(a) como curador(a) de uma experiência histórica socialmente distribuída. In: BRUNO, Leonardo; GUIMARÃES, Gessica; OLIVEIRA, Rodrigo Perez. Conversas sobre o Brasil: ensaios de crítica histórica. Ed. Autografia: Rio de Janeiro, 2017.
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Daniel Pinha
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La temporalidad y la enseñanza de la historia/Clío & Asociados. La historia enseñada/2020
Clío & Asociados. La historia enseñada ha llegado a su número 30 en un momento muy especial. Leia Mais
Sem título [Ensino de História – Educação Patrimonial] / Jamaxi / 2020
Obs.: Não faz a apresentação do dossiê. Acessar dossiê [DR].
Ensino de história e relações étnico-raciais: diálogos afro-indo-latinos / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2019
Outros tempos, outros ensinos, outras histórias
Vivemos num tempo de golpes contra a democracia – Brasil, Equador, Bolívia, Chile, para enumerar os mais recentes – em que emergem projetos de Lei que criminalizam a prática docente; num tempo de uma base nacional curricular comum para o ensino centrada numa visão europocêntrica e que enfraquece a formação humana; num tempo da retirada da disciplina de História do Ensino Médio; num tempo de um poder judiciário que assume posições tendenciosas; num tempo de extermínio de direitos trabalhistas e previdenciários; num tempo de governantes que acabam com os planos de carreira do magistério e tantos outros trabalhadores; num tempo em que setores sociais e governamentais colocam sob litígio conquistas históricas como as leis que instituem o ensino de história e cultura dos povos de matriz africana e indígena; num tempo de extermínio de jovens negros; num tempo de assassinatos quase quotidianos de indígenas; num tempo de incêndios e destruição de florestas; num tempo de ódio ao saberes científicos, enfim num tempo de ódios e obscurantismos, especialmente contra negros e indígenas.
Apesar de tudo ser feito para calar as vozes daquelxs que se rebelam e rebelarão buscando viver num outro tempo aquele de busca, de esperanças, de lutas, de sonhos com e por outros ensinos de Histórias outras, de outras relações étnico-raciais pautadas no respeito, na igualdade e na diferença.
Na busca desses outros tempos construímos o dossiê Ensino de história e relações étnico raciais: diálogos afro-indo-latinos composto por 12 artigos e uma resenha, os quais de forma mais ou menos direta relacionam-se com a temática proposta. São produções que buscam amplificar o debate sobre a Educação das Relações Étnico Raciais, demarcando o campo do Ensino de História em que professores e estudantes / pesquisadores engajados nos estudos e pesquisas em pauta propuseram artigos e uma resenha que focam o diálogo intercultural pelo viés das experiências de ensino / pesquisa evidenciando a diversidade e complexidade que envolvem tais relações educativas no Brasil e Colômbia.
No artigo Etnoeducação, etnização afro-colombiana e forças decoloniais de autoria de Santiago Arboleda Quiñonez apresenta como um campo de gestão e produção de alteridade, bem como auto-representação positiva, no processo de um projeto de transformação e, até certo ponto, uma ruptura com o paradigma monocultural que prevalece na educação colombiana e em geral em nossos países da América Latina. O autor defende que o projeto etno-educacional estabelece propósitos abertamente decoloniais e libertadores, baseados na experiência e pensamento dos povos indígenas e afrocolombianos
Em Memória / identidade Xokó e a decolonização do ensino de História, os autores Lucas Wendell de Oliveira Barreto, Valéria Maria Santana Oliveira e Ilka Miglio de Mesquita propõe contribuir para o ensino de História indígena por lentes decoloniais. Para tal, utilizam como fontes de pesquisa as músicas autorais do povo Xokó, habitantes da cidade de Porto da Folha / Sergipe, reunidas e digitalizadas por meio do projeto extensionista “A aldeia vai à cidade”, desenvolvido na Universidade Tiradentes, em Aracaju.
No artigo Problematizando o eurocentrismo e desconstruindo o racismo por meio de práticas pedagógicas decoloniais e interculturais os autores Odair de Souza e Elison Antonio Paim problematizam o eurocentrismo derivado da colonialidade do poder, do saber e do ser como gerador do racismo estrutural e institucional. Apresentam o resultado da pesquisa “A educação para as relações étnicorraciais no ensino de história: memórias e experiências de professoras da educação básica” desenvolvida no âmbito do Mestrado Profissional em Ensino de História- Profhistória da Universidade Federal de Santa Catarina. Dialogamos com narrativas de professoras coletadas na forma de entrevistas orais gravadas e depois organizadas na perspectiva metodológica de Walter Benjamin construindo mônadas.
Os autores Antonio Dyego Vasconcelos Garcia e Edson Silva no artigo Discutindo os protagonismos indígenas na aula de História: diálogos sobre o povo Xukuru do Ororubá em Pesqueira / PE apresentam reflexões sobre uma experiência de protagonismo indígena nas aulas de história. Partindo dos diálogos com a participação de representantes do povo indígena em sala de aula. Evidencia-se que o ensino foi para além do livro didático, enfatizando suas mobilizações para a conquista e garantias de direitos, especificamente às terras onde habitam, para afirmação da identidade nas relações de convivência com os não índios.
Em Que História Pública é contada sobre os povos africanos no Museu Egípcio Itinerante? Cyntia Simioni França narra uma ação educativa desenvolvida em um Museu Egípcio Itinerante, na cidade de Londrina, no norte do estado do Paraná, com estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental. O museu é compreendido como lugar de trânsito, deslocamentos, transfigurações e ultrapassagens em que afloram relações dinâmicas e intricadas entre os sujeitos na experiência de aprender e sentir os enovelamentos temporais. Procurou conceber ações educativas que provocassem o estranhamento dos sentidos históricos propostos nos museus como uma prática de leitura a contrapelo do museu Egípcio.
No artigo O ensino da temática indígena nas escolas da Rede Pública de Ponta Porã – MS, Elizabeth Vieira Macena e Beatriz dos Santos Landa apresentam o resultado de pesquisa realizada com estudantes do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Buscaram compreender e avaliar como a Lei 11.645 / 2008 que estabelece a inclusão no currículo da História e cultura indígena vem sendo ou não implementada pelos / as docentes de História nas escolas selecionadas da rede pública da Educação básica do município de Ponta Porã / MS. Apoiadas nos estudos do grupo Modernidade / Colonialidade analisam como esta temática pode construir espaços interculturais e práticas decoloniais ao posicionar a História destes povos em igualdade de posição à História eurocentrada.
O PIBID / História na UNEB e as demandas identitárias do tempo presente, artigo de Adriana Silva Teles Boudoux analisa os subprojetos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência executados entre 2014 e 2017 pelas Licenciaturas em História da Universidade do Estado da Bahia. Para tanto, expõe o debate travado nos campos da História do Tempo do Presente e do Ensino de História sobre as relações destes com as demandas sociais. Na sequência, faz uma apresentação dos subprojetos selecionados para estudo, inserindo-os no cenário brasileiro, onde políticas foram sendo adotadas nos últimos quinze anos.
Em A presença ausente dos indígenas e dos negros nas histórias das fortalezas catarinenses e o ensino de História Pedro Mülbersted Pereira e Jéssica Lícia da Assumpção propõe evidenciar a presença ausente de indígenas e negros no processo de patrimonialização da Fortaleza de Anhatomirim. O processo de patrimonialização é compreendido em três movimentos: discursos, restauro, usos. Apresentam as narrativas provenientes de uma dada historiografia catarinense, marcadamente eurocêntrica, que privilegia as contribuições dos colonizadores europeus em detrimento dos povos indígenas, africanos e afrodescendentes para a formação social, econômica e cultural de Santa Catarina.
O artigo Narrativas sobre a Diáspora Africana: um site educativo para a construção do conhecimento histórico a partir da trajetória de africanos em sala de aula de autoria de Carolina Corbellini Rovaris apresenta uma proposta didática resultante da pesquisa intitulada “Narrativas sobre a Diáspora Africana no Ensino de História: trajetórias de africanos em Desterro / SC no século XIX”. Procura debater a construção do conhecimento histórico por meio da produção de narrativas sobre populações de origem africana em Desterro / SC no século XIX, possibilitando aos estudantes evidenciarem e conhecerem a agência destes sujeitos ao longo dos processos históricos. O artigo apresenta o desenvolvimento do site e suas possibilidades de trabalho em sala de aula.
Melina Kleinert Perussatto, Fábio Araújo e Taíse Staudt no artigo Por um ensino de História antirracista registra uma experiência de formação de professores / as ocorrida em uma disciplina optativa de um curso de Licenciatura em História, trazendo ganhos e desafios de um ensino de história antirracista. Visa contribuir para a descolonização curricular e a implementação dos marcos legais em torno do ensino de história e cultura africana, afro-brasileira e indígena e da educação das relações etnicorraciais no Brasil.
O artigo A História no Currículo Base do Território Catarinense de Núcia Alexandra Silva de Oliveira, Helena Alpini Rosa, Denize Aparecida da Silva apresenta o processo de escrita do componente curricular História no Currículo Base da Educação Infantil e Ensino Fundamental do Território Catarinense. Publiciza alguns dos movimentos que resultaram no texto como o processo de redação do texto; a revisão realizada com o grupo de profissionais de História; a estrutura apresentada para o Componente Curricular e, por fim, uma discussão sobre os limites e as possibilidades do texto redigido.
Em Intelectuais, ditadura e modernização em Santa Catarina, Michel Goulart da Silva debate a ideia de modernização elaborada por uma parcela dos intelectuais durante a ditadura civil-militar (1964-1985). Analisa a produção dos intelectuais Alcides Abreu e Nereu do Valle Pereira, vinculados aos governos de cunho militar. Evidencia-se a produção de uma cultura política compartilhada por escritores, professores e outros intelectuais, que colaboraram com a construção de um discurso de legitimação do regime ditatorial.
Na seção resenha Tatiana Oliveira Santana apresenta o livro Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico organizado pelos autores decoloniais Joaze Bernardino-Costa, Nelson Maldonado-Torres e Ramón Grosfoguel, publicado pela Editora Autêntica em 2019. A escrita da autora pauta-se em problematizações como Quais são as nossas contribuições num mundo afrodiaspórico? Como podemos escrever o livro de nossas vidas e nos libertar das amarras processuais de colonização do conhecimento iniciadas no período colonial? Como apreender com as resistências negras e indígenas sem deixar de invisibilizar os lócus de enunciação? Quem tem o direito de viver e quem não tem? O privilégio de conhecimento de uns tem como indução a negação ou a afirmação de um corpo-política do conhecimento?
Em tempos de golpes e múltiplos retrocessos, como explicitamos no início desta apresentação, faz-se necessário pesquisar, debater, ensinar, problematizar nas escolas, nas universidades, nas ruas, igrejas, terreiros, aldeias, nos mais diversos lugares, as temáticas relativas aos povos afro-indo-latinos. Para tanto, não basta a existência de Leis antirracistas se não houver vontade política institucional e de cada sujeito, especialmente professores(as), diretores(as), estudantes ou dirigentes governamentais no combate à discriminação racial, silenciamento ou apagamento de memórias que não são daqueles que a mais de 500 anos estão no poder em nossa afrolatinoamérica.
Elison Antonio Paim
Mônica Martins da Silva
Organizadores do Dossiê Ensino de história e relações étnico raciais
PAIM, Elison Antonio; SILVA, Mônica Martins da. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.34, 2019. Acessar publicação original [DR]
Teoria, escrita e ensino da história: além ou aquém do eurocentrismo? / Revista Transversos / 2019
O eurocentrismo é, possivelmente, a variante mais forte do etnocentrismo presente nos debates entre historiadores das últimas décadas. Há um complexo jogo teórico que une e divide opiniões de historiadores, arqueólogos, antropólogos e cientistas de outras áreas do conhecimento humano e social aplicado acerca da dimensão e profundidade dos efeitos da modernidade no pensamento social e, em especial, na produção da História. Não seria sequer possível dar conta de tantas nuances em tão pouco espaço sem correr o risco indesejável de transformar esse curto ensaio introdutório numa longa lista onomástica de referências bibliográficas de pouca profundidade. Por isso mesmo, opta-se por uma apresentação bastante seletiva, que busca indicar tão somente alguns contornos dessa problemática.
A crítica ao etnocentrismo já possuiu uma longa trajetória sobre a qual não nos furtaremos a pincelar determinados traços. Um trabalho de caráter mais geral, mas que obteve profunda penetração acadêmica, foi apresentado pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss por ocasião de um pedido da ONU em 1952, cujo objetivo principal era discutir o problema do racismo. O etnocentrismo é uma espécie de repulsa, cuja origem é o estranhamento cultural, a incapacidade de relativizar as diferenças culturais, comparando-as em um sentido evolucionista in totum. Desta premissa, pessoas selvagens, bárbaras serão sempre “os outros” em contraposição aos humanos, aos civilizados. Essa postura adversa às outras culturas pode engendrar toda sorte de práticas discriminatórias, e, em suas variantes, o próprio racismo (LÉVI-STRAUSS, 1961).
Ao mesmo tempo, o que tem sido sistematicamente colocado de forma ainda mais contundente e crítica a modernidade do que o caminho proposto por Lévi-Strauss, seja o etnocentrismo (compreender o mundo a partir de uma expressão particular do que é ser tornando ela um universal) ou eurocentrismo (localizar no continente europeu parâmetros para a compreensão da História e dos homens), o que se opera é um profundo ocultamento dos impactos da modernidade no mundo. Centralizado no ser e na história europeia, qualquer visão será incapaz de compreender os efeitos da modernidade, uma vez que eles se expressam muitas das vezes fora do continente europeu (MBEMBE, 2016).
De toda maneira, o devir histórico é um forte motor para as mudanças de visão sobre os conceitos. Um entendimento sobre uma categoria que poderia parecer seguro, com o passar do tempo, tende a cambiar seus sentidos culturais originais. Vide o caso do termo oikonomiké entres os gregos antigos e o significado mais corrente de economia no mundo contemporâneo ou o de koinonia politiké entre os gregos antigos e de sociedade civil depois do século XVIII – note-se que os gregos antigos sequer operavam noções como a divisão moderna, pós-hegeliana, entre estado e sociedade civil (BOBBIO, 2017; FINLEY, 1980; KOSELLECK, 1992).
O mesmo Lévi-Strauss surpreendia a mesma ONU em uma palestra no ano de 1985. A perplexidade dos presentes veio da ponderação do antropólogo francês, que afirmava na ocasião ser etnocentrismo, em doses controladas, uma coisa boa, pois representava uma forma de adesão a um conjunto de valores que permitia a manutenção das distâncias entre as culturas. Para LéviStrauss, o enfraquecimento do etnocentrismo poderia conduzir a um estado de entropia moral, de desordem – o que poderia significar a destruição da criatividade de várias culturas por conta da “comunicação integral com o outro” (GEERTZ, 2014). Essa nova postura foi, com razão, duramente criticada por Clifford Geertz em uma de suas últimas obras.
Geertz, muito surpreso com o détour lévistraussiano, ressaltou que uma parte não desprezível do medo cego da diversidade acabava por criar um receio de que esta existisse para impor uma alternativa a nós como um todo e não sugestões e novas maneiras de fazer para nós. Ou seja, a aceitação da diversidade é sempre um processo seletivo de novos comportamentos, atitudes, concepções que se pode ou não aplicar, por meio da práxis humana, ao mundo. O etnocentrismo “nos impede de descobrir em que tipo de ângulo […] nos situamos em relação ao mundo, que tipo de morcegos somos, de fato” (GEERTZ, 2014). Se a nós é permitido expandir um pouco a ideia de Geertz, parece de todo fundamental que tenhamos alguma consciência histórica de que tipo de morcegos nós somos. Perceber o nível de arbitrariedade das ações sociais, das formas de pensar o mundo e as coisas ao redor, ter a autopercepção de um tipo de habitus, de uma estrutura que se reproduz e que se modifica, aqui e ali, enquanto conduz a todos a fazer o que nem se pensa sobre. Uma postura não etnocêntrica pode ser a maneira mais razoável de, puramente, se abrir à possibilidade de ouvir o que o outro tem a dizer e, eventualmente, mudar de ideia (BOURDIEU, 1989, 1996, 2013; GEERTZ, 2014).
Uma das obras centrais que fizeram muitos mudar de ideia, possivelmente um dos pontos de mutação nas reflexões em torno do eurocentrismo, data do final da década de 1970, quando Edward Said publicava o seu Orientalismo. Said foi o responsável por colocar em questão a naturalização da relação e a própria categorização: ocidente e oriente. Na verdade, muito mais do que isso, ele mostrou que parte significativa do que entendemos como oriente foi uma invenção que estava ligada a um discurso centrado na autodefinição e na consolidação de certa ideia de Europa que nasce, ou na verdade é inventada, a partir da apropriação da visão helena em os Persas de Ésquilo (ÉSQUILO, 2009). Além disso, Said demonstrou, no difícil contexto do processo de descolonização da África, que parte significativa das ideias lançadas por filósofos e historiadores do XIX produzia e reproduzia uma visão binária, um oriente atrasado e sustentados por regimes autoritários contraposto à Europa amparada por democracias e defensora de liberdades civis (SAID, 2007).
A História Antiga foi agudamente mobilizada para a consolidação dessa visão negativa do oriente. Jack Goody apontou uma vez que “a Turquia tornou-se o caso típico de despotismo oriental no início do período moderno, como antes, na Antiguidade, a Pérsia o foi para a Grécia […]” (GOODY, 2008, p.113). No caminho imperialista inglês, ficava clara a escolha da ênfase em Atenas, Esparta e, depois, na Macedônia. “A história da Grécia foi, portanto, uma história de uma entidade imaginada e não a história das comunidades gregas […] a história das comunidades gregas foi amalgamada sob uma entidade chamada de Grécia Antiga, que, juntamente com Roma, formaram os ancestrais do ocidente” (VLASSOPOULOS, 2011, p 41). O problema deste tipo de narrativa é criar uma finalidade para a Grécia, além de importar, fazer retroagir essa comunidade imaginada, a nação. Desta forma, Roma deveria receber a tocha da civilização, assim como o oriente havia feito em relação aos helenos. Nesse processo, o início de tudo parece remeter aos artistas, intelectuais e arquitetos do Renascimento que produziram a invenção do clássico, apropriando-se, mormente, do tratado de Vitrúvio sobre a arquitetura (KRUFT, 2015).
Uma dimensão base da crítica ao eurocentrismo é a reivindicação de uma mudança no polo ou centralidade das referências com quais definimos o que é teoria, o que vai para além da necessidade de se conhecer teóricos e filósofos não-europeus – os nomes de Frantz Fanon e Cheikh Anta Diop são base para essa direção. Dipesh Chakrabarty (2007) é um entre tantos que tem se dedicado a mostrar o quanto a diferença entre teoria e pesquisa por vezes é fundada numa hierarquização de territórios. Em muitos momentos, como em reflexões teóricas sobre o que é a invenção de uma nação, o continente europeu assume uma estatura distinta, sua experiência deixa de ser local para se tornar teórica, um “referente oculto” (nem sempre tão oculto) pelo qual histórias específicas (como as das Américas) deveriam ser compreendidas. Nesse caminho, a história da construção de uma nação como o Brasil passa a ser visto como um estudo de caso, uma experiência específica que não alcança a estatura de compreensão teórica. A hierarquia que deve ser desfeita é justamente aquela que pressupõe um lugar centralizado cujas experiências são basilares para formulações teóricas. A crítica ao eurocentrismo, então, não envolve apenas o reconhecimento de que é necessário estar atento a produções teóricas não-hegemônicas, mas que a própria diferença entre teoria e experiência (ou estudo de caso) se funda numa hierarquização preestabelecida.
Sanjay Seth (2013) assume a mesma direção ao explicitar que a dinâmica do historicismo – neste sentido vigente a todo momento em que o eurocentrismo ecoa – assume que na fundação da história enquanto disciplina acadêmica e científica há uma democracia falseada. Para o historicismo a afirmação de que todo território, cultura ou sociedade tem uma história – supostamente um movimento de reconhecimento da alteridade – é seguida da constatação de que nem todos têm historiografia. Isso implica uma redução das compreensões do que sejam raciocínios históricos ao ponto que rompemos com a estrutura antes apresentada por Lévi-Strauss, no sentido em que não basta reconhecer a pluralidade de experiências de ser, assim como não bastaria reconhecer as arbitrariedades das nossas próprias convicções implícitas em nosso habitus. O ponto é indicar que a historiografia é apenas uma forma de ser com o passado, válida e necessária, mas certamente não é a única. A crítica ao eurocentrismo, neste caminho, não anula o lugar da historiografia, mas pretende romper com o constante movimento de que uma voz ou metodologia implique no silenciamento de outras formas de ser com o passado que seriam, no limite, reduzidas apenas a fontes históricas.
Em síntese, o eurocentrismo sobre o qual fala-se aqui é um potente postulado, desdobrado em discurso histórico e filosófico enviesado, politicamente perverso, que construiu uma sólida narrativa de história global baseada em percepções, bem como formas e divisões dos períodos históricos, que davam conta, quando muito, para se pensar e emprestar sentido a uma comunidade imaginada de nações, a Europa. Da Grécia Antiga, tornada berço da Europa, e desta para o mundo, tudo passa a ser conectado por um fio narrativo específico, mas tornado natural pelo discurso histórico da modernidade, pelas conquistas imperiais e pela violência inerente ao processo civilizador, literariamente expresso como The White Man’s Burden (KIPLING, 1899; MIGNOLO, 2017).
O processo civilizador, que camuflava a sua violência material e simbólica por meio da politesse cortesã, foi sistematicamente questionado no decurso histórias nacionais pelos povos submetidos às forças estrangeiras – o próprio termo nacional já pressupõe certa aporia conceitual se se quer tratar de períodos, comunidades e populações para as quais essa formação social era estranha, como na Antiguidade e Idade Média, por exemplo (ELIAS, 1993). Como fugir de um sentido orientado pela construção da nação e de um discurso eurocêntrico? Seria um tanto quanto tautológico reafirmar aqui a enorme influência que a filosofia e as outras artes europeias tiveram sobre a percepção do tempo e mundo em boa parte do globo. Não se trata de negar a existência desses fluxos de ideias e cadeias de representações sociais, mas de perceber o nível de arbitrariedade sobre os quais elas foram construídas, desnaturalizá-las, para poder sair da espessa neblina criada pelo habitus.
O notório artigo de Gayatri Spivak, publicado em 1985 e, depois, convertido em livro e muitas obras de comentadores, se questionava de forma modelar: Pode o subalterno falar? (SPIVAK, 2010) Havia uma mudança de paradigma e conceitual em curso, doravante conhecido como os estudos subalternos. A partir desse momento, dever-se-ia questionar qual a importância dos camponeses nos processos históricos? Qual o papel da resistência das camadas populares para além da influência da elite da época? Em que medida a sociedade, tradições falocrêntricas e colonialistas silenciavam a voz das mulheres nos processos históricos, bem como quais eram as relações entre poder e conhecimento? Enfim, se tratava de “produzir uma análise histórica em que os grupos subalternos fossem vistos como sujeitos da história” (CHAKRABARTY, 2002, p. 7).
Nas últimas décadas, a forma analítica que a noção de etnia ganhou no campo da Sociologia e Antropologia, levou com que muitos europeus ou não, se pusessem numa nova e profícua corrente de estudos (POUTIGNAT, 2006). Na Teoria da História pulularam os trabalhos que queriam romper com o eurocentrismo, como nas tentativas de George Iggers, e de outros, em reunir autores de diversas partes do globo para poderem pôr em pauta, com certa medida de ironia em inglês, questões historiográficas presentes em culturas e processos históricos bastante distintos entre si (CROSSLEY, 2008; IGGERS; WANG; MUKHERJEE, 2016; RÜSEN, 2008). Há um ocaso europeu em curso? É o centro do mundo tornado periferia? No que se pode inferir a partir da presença dos outros continentes no seio das humanidades pode-se dizer, ao menos, que há um novo equilíbrio de forças, um ineludível horizonte de debates (MBEMBE, 2018).
O Brasil não esteve imune a esse discurso eurocêntrico englobante. Recentemente, Luís Ernesto Barnabé demonstrou como ocorreu a penetração de um tipo de saber histórico tipicamente europeu no Brasil, advindo por meio da tradução feita por José Justiniano da Rocha do Précis de l’Histoire Ancienne de Poirson e Cayx, que foi utilizado no Imperial Colégio de Pedro II, ainda na primeira metade do século XIX (BARNABÉ, 2019). Todo um discurso atenocêntrico vinculado a reconhecidos autores como Arnold Heeren, George Grote, Jacob Burckhardt, Fustel de Coulanges, Max Weber, dentre outros, punha, em diversos matizes, Atenas como modelo de pólis, por vezes em contraposição à Esparta. Embora essas ideias venham sendo refutadas veementemente nas últimas décadas, muitas delas continuaram a emprestar forma aos manuais didáticos brasileiros dos últimos anos do século XX e mesmo ainda hoje (BUSTAMANTE, 2017; CASTRO, 2018; FRANCISCO; MORALES, 2016; GUARINELLO, 2010; HANSEN, 2006; HARTOG, 2001, 2014; LISSARRAGUE, 2002; MOERBECK, 2018b, 2018a; VLASSOPOULOS, 2011, 2013).
O que estava em jogo era o foco em uma visão bastante tradicional de história (político-institucional) que era reproduzida, talvez ainda seja, deixando-se de lado as contribuições mais recentes da própria produção brasileira em História Antiga. Uma breve leitura desta poderia, ainda que os caminhos entre a produção acadêmica e a escolar devam ser vistas de forma não hierárquica e qualitativamente distintos, incentivar recortes de temas mais transversais, a abertura para novos horizontes em que fosse possível pensar o ensino da História por meio, por exemplo, dos mitos gregos, das religiões antigas em relação aos cultos, mitos e rituais indígenas brasileiros e de alhures.
A utilização da História Antiga pode operar como um forte instrumento de descentramento cultural na compreensão da diversidade e permitir compreender melhor: os papeis sociais das mulheres antigas e as contemporâneas; as formas de exploração do trabalho ontem e hoje e tantos outros temas. Em suma, o mundo antigo, fora do prisma desgastado de base de civilizações europeias, pode ser muito mais útil a um ensino da História do século XXI do que se poderia temer, ou por considerá-lo distante demais ou supostamente mais “difícil” de ser ensinado. Estas são duas fórmulas decorrentes de uma compreensão, via de regra rasa e demodé, geralmente produzida por certo “senso comum” acadêmico de docentes que nunca se ocuparam efetivamente da História Antiga e que não é encontrado ou reproduzido, necessariamente, entre os professores que atuam diretamente nas escolas. Enfim, descolonizar o ensino passa muito mais por um processo que inclui repensar os usos do passado, inclusive o pré-moderno, do que por obliterar o estudo da História Antiga ou Medieval nos bancos escolares. Símile ao que dizia Constantin Stanislaski em relação ao trabalho do ator e à performance cênica, é preciso imaginação para se ensinar e para aprender a História, quiçá nada melhor do que a Antiguidade para aguçá-la. O que é mais difícil é fazer do conhecimento e da compreensão do mundo uma fagulha de felicidade; quando isso for possível nos bancos escolares, em muitos já é, vai importar menos qual conteúdo específico se vai trabalhar, mas o objetivo sócio-cognitivo a se alcançar. Se a História, e em particular a Antiga, serve a algo na escola, ela serve ao presente e muito mais ao futuro do que ao passado de tantos séculos e milênios (BOVO; DEGAN, 2017; FRANCISCO, 2017; MOERBECK, 2017, 2018c, 2018b; MOERBECK; VELLOSO, 2017; SANTOS, 2019; SILVA; SILVA, 2018; STANISLAVSKI, 1994).
Se ainda é valioso pensar a cidadania na escola e no ensino de História, é preciso alertar contra os perigos de um senso comum tranquilizador, que pode se tornar um obstáculo à aprendizagem de novos conhecimentos. Literacia, empatia, enfim, novas ferramentas inerentes ao pensamento histórico são importantes para se entender o xadrez social. E, como dizia Piaget, é preciso causar uns desequilíbrios, algumas incertezas para que os alunos, de forma ativa, possam chegar a uma nova forma de inteligibilidade do mundo (LEE, 2006; LEFRANÇOIS; ÉTHIER; DEMERS, 2011, p. 50-1). Decerto, isso é possível pelo questionamento de formas de pensar dogmáticas e não dialógicas. É bem possível que uma cidadania adequada aos tempos atuais seja aquela que reconheça criticamente as desigualdades que são produzidas, mesmo no ambiente das democracias, e, por meio da construção coletiva, desenvolver a consciência das diferenças socio-identitárias, inclusive naquilo que pode, ou deveria, prever o currículo escolar (CERRI, 2011; ÉTHIER; LEFRANÇOIS, 2007; ETHIER; LEFRANÇOIS; AUDIGIER, 2018).
Os caminhos atuais são os da multiplicidade de quadros metodológicos, bases epistemológicas e diálogos com outras disciplinas e saberes. Se é verdade que os estudos oriundos da hermenêutica, seja via Paul Ricouer, seja via Hans-George Gadamer, ganharam força na historiografia brasileira nos últimos anos, não seria verdade dizer que o marxismo e as mais diversas formas de análise do social tenham desaparecido ou mesmo que possam ser proscritas do horizonte da disciplina História (GADAMER, 2015; MARTINHO; FREIRE, 2019; RICOEUR, 2018). Se o conceito de classe ainda rende frutos, já que as clivagens sociais são uma dimensão do conflito humano com forte perenidade no tempo, os processos de identificação e as questões étnicas são e permanecerão, por muito tempo, elemento central nos debates histórico-culturais que permeiam a academia porque são relevantes para a sociedade como um todo. Em tempos de incertezas políticas, de radicalismos e da valorização, por parte da sociedade brasileira e mesmo d’alhures, de grupos obscurantistas, anticientíficos, vale a pena lembrar que: o mármore é rígido, porém, quando quebrado, só restam os fragmentos ao árduo trabalho dos arqueólogos, como aqueles das estatuárias grega e romana, dilaceradas pela beligerante ação humana no decurso do tempo. Enquanto a murta, como é característico das folhagens, até quebram, mas renascem, vergam, mas permanecem vivas ao procurar a luz para sobreviver. Se a luz ainda é uma boa metáfora, que o seja para a criação de um olhar mais perspectivista em relação aos dogmas, afetuoso em relação às carências humanas e aglutinador em relação aos objetivos centrais que concernem à dignidade humana (CASTRO, E. V. DE, 2017; UNESCO, 2015).
Muito dessa variedade de estilos, de bases teóricas e de temas estarão representados neste número da Revista Transversos. Dentro do seu próprio ethos, esse número traz à baila muitas temáticas em torno de um núcleo, afinal, estamos além ou aquém do eurocentrismo?
O artigo do professor José Maria Gomes de Souza Neto abre a Transversos, colocando em pauta a influência de elementos imperialistas e racistas na produção de blockbusters hollywoodianos. Neste caso, retomamos um dos mais caros temas da mitologia egípcia antiga em mais uma leitura cinematográfica. Segundo o seu autor, em Deuses do Egito (2016), há a construção de uma “ideia de civilização como espaço de construção europeia, noção que precisa, até por força de lei, ser contestada, e ninguém mais apto para tal tarefa que o profissional de história”.
Em seguida, os arqueólogos, professores do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, Maria Cristina Nicolau Kormikiari e Vagner Carvalheiro Porto, mostram como a documentação de origem material pode ser crucial para a aproximação do aluno ao mundo antigo. Por meio do trabalho e da cooperação em torno da produção de mapas interativos, vídeos educativos, entre outros, dois laboratórios: LABECA e LARP mostram que a Arqueologia e a História podem trazer “opções didáticas para o ensino sobre o Mundo Antigo, o qual não se apresenta como modelo e sim como exemplo da variabilidade do viver humano”.
Deslocando-nos do ambiente da educação formal e nos reaproximando de formas de conhecimentos e da sociabilidade tradicionais, encontra-se o artigo de Kattya Hernández Basante, doutoranda na Universidad Andina Simón Bolívar, no Equador. Trata-se aqui de recuar às formas de produção do conhecimento que rementem a um universo de culturas orais, como sói acontecer na antiguidade, mas também entre algumas das populações indígenas brasileiras, dos griots e de avós que retém um saber, uma memória, que entra em profundo conflito com o projeto colonialista. Tudo isso mobiliza questões relevantes não apenas no Equador, mas em muitos países latino-americanos, a saber: processos de branqueamento, de tornar invisíveis populações tradicionais, bem como de conflitos entre narrativas históricas oficiais e memórias subterrâneas.
Pensando Bartolomeu de Las Casas como o primeiro crítico da modernidade europeia, Rafael Gonçalves Borges, professor do Instituto Federal de Goiás, avalia, no âmbito dos debates crítico-historiográficos, a atuação de Las Casas junto às populações ameríndias, desde uma visão negativa do frade dominicano até a sua reavaliação pelas tendências decoloniais. Uma vasta gama de referências orbita este trabalho, desde E. Said, passando por T. Todorov, Boaventura de Souza Santos, Edmundo O’Gorman e Enrique Dussel. Embora o nosso autor reconheça a importância de Las Casas em seu próprio tempo, aponta para o fato de que dificilmente ele poderia ser visto como um “porta-voz” de indígenas e de populações tornadas subalternas no mundo contemporâneo.
As discussões acaloradas em torno das diversas versões da BNCC, bem como as experiências, possibilidades e limitações de uma didática da História, via Jörn Rüsen, coloriram o ambiente dos debates acadêmicos e políticos nos últimos anos. Jean Carlos Moreno, professor da Universidade Estadual do Norte do Paraná, levanta uma importante questão, a saber: até que ponto o quadro conceitual produzido por Rüsen é adequado às questões históricas específicas de uma história latino-americana? Se tais limites estivessem, a priori, ligados ao contexto no qual a Didática da História foi pensada, quais seriam então as suas vantagens? É um convite ao leitor para adentrar esse trabalho instigante sobre as possibilidades teóricas para o ensino da História.
E da teoria à prática, Priscila Aquino Silva, pós-doutoranda em História Medieval na Universidade Federal Fluminense e docente com larga experiência no Ensino Básico, nos convida a visitar uma “sala de aula” do 6º ano. Por meio de uma abordagem cara aos estudos para a didática da História, a autora nos apresenta um conjunto de trabalhos desses alunos, a partir dos quais se pode inferir e discutir questões absolutamente importantes em nossos dias, como: a importância e controvérsias da indústria cultural, os direitos humanos e o racismo enraizado, talvez estruturante, no Brasil contemporâneo.
E se, nessa breve introdução, partimos do oriente inventado por Hollywood, voltamos ao mesmo oriente, mas para pensar a formação dos profissionais de História em algumas das universidades públicas do país. Tendo por base uma bibliografia especialmente cara aos estudos mediterrânicos antigos, a autora, Lolita Guimarães Guerra, docente na Faculdade de Formação de Professores da UERJ, coloca em questão o próprio termo oriente, construído a partir de uma “contraposição a uma identidade unívoca e idealizada, de orientação monoteísta, masculina e ‘nacional’”. Identidade, memória, elementos pré-formativos de uma sociedade brasileira cristã e de futuros professores que terão que se voltar ao passado para se deparar com um oriente de diversos mitos reificados pelos discursos que atravessam a sociedade contemporânea. A autora, com especial densidade, mostra que “é preciso ter em mente o papel de oposição ativa a ser desempenhado pela Universidade e pela Escola frente a memórias sociais legitimadoras da desigualdade e da violência, fomentadas pelo capital e legitimadas pelo Estado”.
Fica ao leitor o convite de adentrar o universo de ricos debates elencados por esse volume da Transversos. Não se deve esperar por soluções ou respostas fáceis, mas, com certeza, por encaminhamentos que ajudem aos professores do Ensino Básico, aos estudantes de graduação e aos profissionais de diversas áreas das humanidades a pensar o papel ativo desempenhado pelos discursos e pelo poder simbólico que tendem a reificar e naturalizar nossas ações, enfim, a nossa forma de conceber o mundo. Se por muito tempo estivemos, todos, imersos, enrijecidos, desbotados por um discurso eurocêntrico, é o momento de repensá-lo, transmutá-lo em algo que faça mais sentido, que seja mais objetivo e coerente com a busca da verdade histórica.
O neoconservadorismo político é um ambiente cheio de armadilhas, algumas delas são: pressupor que a verdade sobre o mundo pode estar vinculada apenas à baliza moral ou religiosa; conceber soluções imediatistas, simplificadoras, como um suposto imperativo categórico para problemas complexos, tudo isso, a despeito de efeitos colaterais perversos que possam advir às camadas menos favorecidas economicamente da sociedade ou “minorias tornadas invisíveis” pelas práticas da exclusão. Contra a História, propõe a ideia de que há apenas uma resposta correta, via de regra, aquela que interessa aos próprios desígnios político-morais do agente, a despeito das informações, evidências, dados e pesquisas acadêmicas em contrário.
Preocupado com estas questões e com certo ceticismo científico inflado por alguns setores do pensamento dito pós-moderno, Ciro Flamarion Cardoso, antigo professor da Universidade Federal Fluminense, chamava a atenção para os atributos necessários para se fazer a História (CARDOSO, 2000),
1) é preciso buscar-se uma comprovação histórica efetiva para o que se pesquisa, a pesquisa histórica não se basta apenas em afirmações apodíticas abstratas, mas em base material consistente; 2) deve-se evitar arrogâncias metodológicas, quaisquer que forem; 3) deve-se denunciar os raciocínios reducionistas de todo tipo; 4) é preciso empregar os conceitos de maneira clara, especialmente ser coerente na relação das categorias utilizadas com a própria investigação que histórica que empreende CARDOSO, 2008; MOERBECK, 2019, p. 107).
Existem muitas possibilidades no tabuleiro das análises sociais: todavia, não cabe a esse ensaísta indicar uma ou outra, mas, certamente, afirmar a incondicional relevância da educação em História no século XXI, que deve estar eticamente posicionada além do eurocentrismo.
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Guilherme Moerbeck – Professor de Teoria e Ensino de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), professor permanente do PROFHISTÓRIA-UERJ e colaborador no PPGH-UERJ. Doutor em História Antiga pela UFF, pós-doutor em Ensino de História pela FGV-Rio, pós-doutorando em Arqueologia Clássica no MAE / USP. É Chercheur Associé da École Française d’Athène (EFA), já atuou como Visiting Research Fellow no Department of Classics da Brown University e é convidado como Chercheur Associé pelo Département de Didactique da Faculté de Sciences de l’Éducation da Université de Montréal. Além disso, é Pesquisador do LABECA / MAE / USP e do LEDDES / UERJ. É autor dos livros: Entre a Religião e a Política: Eurípides e a Guerra do Peloponeso (Prismas, 2017) e Guerra, Política e Tragédia na Grécia Clássica (Paco Editorial, 2014). E-mail: gmoerbeck@yahoo.com.br
Francisco Gouvea de Sousa – Professor de Teoria e Ensino de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutor em História Social da Cultura pela PUC-Rio, pós-doutor em História pela UFRRJ e pela UFOP. É coautor do livro: Teoria e Historiografia: debates contemporâneos (Paco Editorial, 2015). Atua como colaborador no corpo docente do PROFHISTÓRIA -UERJ e é pesquisador do LEDDES / UERJ. E-mail: chico.gouvea31@gmail.com
MOERBECK, Guilherme; SOUSA, Francisco Gouvea de. Apresentação. Revista Transversos, Rio de Janeiro, n.16, mai. / ago., 2019. Acessar publicação original [DR]
Ensino de História e História Pública / História Hoje / 2019
Ensino de História e História Pública: um começo de conversa
Na última década, o debate em torno da história pública tem se estabelecido pelo mundo por caminhos diversos, articulados a uma crescente produção brasileira. Ainda que o desenvolvimento da ideia de história pública tenha se iniciado em meados da década de 1970, especialmente nos Estados Unidos e na Inglaterra, somente a partir do século XXI contornos mais precisos vêm sendo estabelecidos nas discussões, o que levou grupos interessados na temática a se organizarem de diferentes formas – como exemplificam a criação da International Federation for Public History (2012) e da Rede Brasileira de História Pública (2013).
Assim como tem ocorrido em âmbito internacional, a história pública no Brasil tem encontrado nas universidades seu principal espaço catalisador, especialmente por viabilizar encontros para debate sobre as ações em diversos campos da sociedade e por estimular publicações. Mas, embora pareça paradoxal o fato de o espaço acadêmico ser o núcleo central de promoção dessa discussão, não vemos dessa maneira. Afinal, se uma das balizas da história pública é a valorização da produção do conhecimento histórico, para além da realizada pelos historiadores de ofício, fomentar esses debates é uma forma de a Universidade exercer seu papel sociocultural: promover e estimular reflexões sobre procedimentos metodológicos, conceitos e concepções teóricas relacionadas à pesquisa e à elaboração do saber; encontrar formas de colocar o conhecimento produzido em diálogo com as demandas e as possibilidades de existência na sociedade. Leia Mais
Oriente, Ensino e História / Sobre Ontens / 2018
Car@s Leitor@s;
Nessa edição especial, apresentamos alguns textos selecionados sobre a questão dos Estudos Orientais no Brasil. Os artigos aqui presentes nesta coletânea foram apresentados no 2º Simpósio Eletrônico Internacional de História Oriental [www.simporiente2018.blogspot.com], e reproduzidos igualmente no livro ‘Extremos Orientes’ *2018, publicado pelo site de nossa revista]
Os autor@s convidados para essa seleção trazem alguns estudos interessantes sobre como estudar e ensinar temáticas relativas às histórias orientais pelos mais diversos meios. Essa dimensão plural e interdisciplinar que nos incentivou a construir um volume especial da revista sobre o tema.
Agradecemos aos autor@s e leitor@s!
Saudações,
André Bueno – C. Dir. Sobre Ontens
BUENO, André. Apresentação. Sobre Ontens. Apucarana, v.1, n.1, Esp. dez. 2018. Acessar publicação original [DR]
O Ensino de História frente às demandas sociais do século XXI | Outras Fronteiras | 2018
As discussões acerca da educação pública brasileira nunca foram tão intensas como hoje. O ensino público, em um período relativamente curto, passou por uma série de mudanças e de ataques. Entre aquelas, destacamos a reforma do ensino médio, expressa na Lei 13.415 de 16 de fevereiro de 2017, que flexibiliza o currículo e dissolve a disciplina escolar de história no itinerário formativo “ciências humanas e sociais aplicadas”; a aprovação em dezembro de 2018 pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que define os direitos e objetivos de aprendizagem do ensino médio para escolas públicas e privadas; e os vários projetos de lei submetidos, desde 2014, seja no Congresso Nacional como em sedes de poderes legislativos locais, pela organização Escola sem Partido, com o objetivo de combater uma suposta “doutrinação ideológica” nas escolas. Leia Mais
Ensino de História: posicionamentos didáticos, teóricos e políticos | Escrita da História | 2018
Embora nunca tenha sido fácil desempenhar o papel de professor no Brasil, nos últimos tempos a função tem estado sob ataque. Docentes, sobretudo de História e de outras áreas humanas, têm sido acusados de doutrinar seus alunos e fomentar em sala um ensino parcial, ideológico e partidário.
Atualmente, na Câmara dos Deputados, uma comissão especial analisa o projeto de lei que tenta implementar as propostas do programa “Escola sem Partido”. A principal bandeira é a neutralidade absoluta no ensino. Com o anúncio do resultado das urnas das últimas eleições presidenciais e a vitória do candidato que é um dos arautos do movimento supracitado, houve uma intensificação das perseguições a professores que são acusados de promover o que o grupo considera doutrinação. Por meio das redes sociais, alunos foram incitados a gravarem áudios e vídeos que sirvam de supostas “provas” em futuros processos. Leia Mais
Histórias e culturas Afro-Brasileiras e Indígenas – 10 anos da lei 11.645 / 08 / Revista Transversos / 2018
Africanos/as, afro-brasileiros/as, indígenas: compartilhando saberes e experiências para o ensino
A Revista Transversos em sua 13a edição apresenta o encontro de distintos universos e identidades culturais. Uma reunião transversal de africanos, afro-brasileiros e indígenas. São sensibilidades singulares nas formas de fazer e sentir a história. Esse número também entrecruza duas linhas de pesquisa do Laboratório de Estudo das Diferenças e Desigualdades Sociais (LEDDES): Áfricas e suas diásporas e Escritas Contemporâneas da História. Numa parceria que problematiza os horizontes do campo Ensino de História e instiga / provoca pesquisas nas áreas dos estudos de histórias e culturas africanas, afro-brasileiras e indígenas.
História e Cultura Africana, Afro-brasileira e Indígena é o caput da Lei n.11.645 / 08. Por meio dela tornou-se obrigatório nos currículos da Educação Básica o ensino sobre os costumes, hábitos e vivências de homens, mulheres e crianças africanas, afro-brasileiras e indígenas que por tempos foram silenciadas, subalternizadas ou marginalizadas em algumas páginas da história.
Nesse sentido, a 13a edição da Transversos ilumina os 10 anos de lutas, resistências, saberes e sensibilidades de histórias e protagonismos que caracterizam a transversalidade dessas identidades. O emaranhado da palha que ilustra a capa desta edição torna-se uma representação dessa experiência. Ela que entrecruza os três mundos: africano, afro-brasileiro e indígena, traz especificidades, mas entrelaça e faz dialogar aprendizados.
No que se refere à aplicação da referida lei nas escolas, sejam públicas ou privadas – é bem verdade que mais nessas últimas – ainda existe uma enorme resistência ou desconhecimento do significado desse tipo de legislação para a sociedade na qual ela se insere.
Tal resistência bebe de duas fontes principais. Em primeiro lugar, o caráter predominantemente eurocêntrico dos cursos de formação de professores para o ensino básico. É, ainda, relativamente pequena a proposição de obras cuja autoria, por exemplo, seja de intelectuais africanos na bibliografia apresentada em cursos de graduação de história. Paralelamente a essa constatação, existem poucos profissionais capacitados para desenvolver didaticamente, de forma propositiva e não caricatural e exótica, os conteúdos propostos pela legislação para os ensinos fundamental e médio.
Porém, iluminada a questão, é significativo que diferentes pesquisas – tanto na área da Educação quanto no campo do ensino da história – estejam apontando esse gargalo. Percebe-se uma gama de trabalhos que têm como prioridade a reflexão de que esse tipo de legislação aplicada à realidade da educação brasileira não pode ser tratadaapenas como atendimento a uma demanda do movimento negro. Seu resultado prático – ou melhor, seu retorno social – não deve ser unicamente o de servir como um mecanismo de combate à intolerância etnicorracial em nosso ambiente escolar.
A promulgação da Lei 11.645, em 2008, tornou obrigatório o ensino de história e culturas indígenas na Educação Básica brasileira, quando modificou parágrafos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996. Assim como a lei 10.639, de 2003, que se referia à inclusão da história e culturas afro-brasileiras e africanas no ensino de crianças, adolescentes e jovens, a 11.645 colocou novos desafios à formação de professores no Ensino Superior.
Nos últimos anos, assistiu-se ao surgimento de diversas disciplinas acadêmicas tais como História da África e História Indígena, dentre outras. Contudo, as dificuldades em se encontrar material que sintetize as pluralidades e as trajetórias histórica de etnias e culturas indígenas, além de africanas e afro-brasileiras, seja no passado e / ou no presente, ainda são grandes.
O caráter formativo que vem implícito na proposição da lei requer a consciência de professores, em especial os de história, e demais agentes públicos da educação de que em uma sociedade multiétnica e culturalmente diversa como a brasileira, não se pode privilegiar leituras que se baseiem simplesmente no conceito da assimilação das diferenças das “minorias” por uma maioria étnico-racial (Hall, 2003), muito menos implementar um currículo real no qual as manifestações culturais de grupos não-hegemônicos sejam apresentados de forma exótica ou caricatural. Essas práticas são reflexos de uma cultura racista e escamoteiam o caráter preconceituoso constituidor mesmo da sociedade brasileira.
O que a proposta deste dossiê dispõe e que aqui veremos explicitado de diferentes formas e com matizes teóricas variadas é que a verdadeira disputa após dez anos de implantação da Lei 11.645 / 08, em um momento política e juridicamente controverso no Brasil, é como relacionar, liberdades individuais e reconhecimento das diferenças sem hierarquizá-las ou priorizar qualquer uma delas. É uma questão que vai além do campo do ensino de história, como os artigos do presente dossiê vão demonstrar.
Nesses 10 anos, a Lei 11.645 / 08 tem motivado novos direcionamentos em relação ao ensino de Histórias e Culturas Africanas, Afro-brasileiras e Indígenas. Ela tem feito emergir novas questões a respeito dessas identidades. Qual África ou quais Áfricas estudar? Como se inventa a noção de uma Afro-brasilidade? Índio, indígenas ou indigenismos? Como compreender a pluralidade das culturas indígenas no Brasil e sua relação com as Américas?
As questões acima têm contribuído para combater os essencialismos que por tempo criou-se em relação a “povos indígenas” e à “África” num enquadramento homogêneo e cristalizado. A Lei 11.645 / 08 tem lançado professores e professoras no desafio de mergulhar na heterogeneidade e nos hibridismos que as identidades em questão são merecedoras. Não cabe mais entender os indígenas como um único povo e a África como um continente. Essas culturas e identidades são múltiplas e estão em constante transformação.
O dossiê, pois, consiste em um esforço de síntese que possa auxiliar professores em formação, além do trabalho em sala de aula, na Educação Básica ou no Ensino Superior. Espera-se que as informações aqui apresentadas sirvam para reflexões e discussões sobre grupos humanos que desde a chegada dos europeus ao continente americano, a partir do final do século XV, tiveram suas vidas profundamente impactadas pelo contato / encontro / desencontro / confronto.
Abrimos com o artigo O ensino de história e cultura indígena e afro-brasileira: mudanças e desafios de uma década de obrigatoriedade de autoria de Renata Figueiredo Moraes e Sabrina Machado Campos. Nele, discute-se os desafios da implementação das leis n.º 10639 / 03 e 11645 / 08 e de que forma suas temáticas foram, ou não, contempladas nos currículos escolares e materiais didáticos da educação básica.
Não obstante as dificuldades da promulgação da lei e da promoção do ensino de história e culturas indígenas e afro-brasileiras no nosso sistema educacional, Jonathan Busolli e Luís Fernando da Silva Laroque nos apresentam o texto A lei 11.645 / 2008 e os indígenas nos livros didáticos de história do ensino médio. Os autores discorremde que forma a questão indígena é abordada nos livros didáticos de História, que compõem a grade curricular do ensino médio e colocados à disposição pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD / 2013).
Já Joana Bahia e Farlen Nogueira – Tem angola na umbanda? Os usos da África pela umbanda omolocô – analisam a contenda entre distintos grupos que defendiam a umbanda omolocô. A disputa era entre os que defendiam uma umbanda de cariz mais espírita, e com isso, mais sincrética; e os que eram ciosos em valorizar os elementos do candomblé, numa expectativa de construir uma identidade africana para a religião.
Abordar como como as autoridades coloniais portuguesas, sob a égide de uma ação “civilizadora”, enfrentaram as chamadas doenças tropicais de suas possessões é o objetivo de O combate à doença do sono nas colônias portuguesas na África: medicina sob o signo do racismo e do darwinismo social (1901-1932)de Ewerton Luiz Figueiredo Moura da Silva. Para o autor, as estratégias usadas tinham uma dupla função: controlar as doenças e, principalmente, pugnar os saberes e práticas de cura das sociedades africanas.
Homo Academicus: as africanidades e afrodescendências nos cursos de história da UFPI e UESPI,de Lucas Rafael Santos Costa e Pedro Pio Fontineles, Filho percorre de que maneira essas instituições, que são os principais centros de pesquisa e ensino no estado do Piauí, lançaram mão da História e da Cultura afro-brasileiras para fomentarem a formação de professores de História, objetivando a valorização da diversidade étnico-racial.
O artigo de Pedro Henrique Rodrigues Torres, Por um “quase” herói da pátria (?): o almirante negro e a revolta da chibata em questão, reverbera a figura de João Candido, o Almirante Negro. O autor contempla a cidade do Rio de Janeiro e a Marinha brasileira, analisando os diferentes momentos da Revolta da Chibata e as disputas e debates atuais sobre a memória de João Candido.
Encerrando o dossiê, temos o artigo Metendo o negro na história: a participação do (africano), na formação do „brasileiro‟, na visão de Sílvio Romero, escrito por Cícero João da Costa Filho. A partir de teorias circulantes no século XIX, como o positivismo e evolucionismo, o autor demonstra como o polemista Silvio Romero tentou inferir uma dinâmica cultural que evidenciasse de que maneira os africanos contribuíram na formação nacional brasileira.
Ainda dentro da nossa proposta temática, Vinícius de Castro Lima Vieira e Fernanda Miranda de Carvalho Torres trazem a instigante entrevista Da estrada à universidade: uma conversa com Michael Baré, o primeiro aluno cotista indígena da UERJ.
Uma análise das narrativas dos anônimos cujas vidas colidiram com os interesses de uma cidade que se preparava para grandes eventos esportivos é o que traz o artigo Impertinentes corpos pretos na “Cidade Olímpica”, deJosé Rodrigues de Alvarenga Filho, na seção Experimentações desta edição.
Na seção Artigos Livres, André Dioney Fonseca em “Tempos de inquietação”: o contexto de 1968 nas páginas da revista a Seara da Igreja Assembleia de Deus cotejaos posicionamentos da revista A Seara, editada pela Assembleia de Deus, a respeito dos acontecimentos de 1968. O texto perscruta o alinhamento editorial da publicação à Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento do regime militar brasileiro.
Leis por si só não bastam para modificar a realidade, mas representam importantes avanços, especialmente em uma sociedade racista como a brasileira. Nesse sentido, este dossiê, ao comemorar uma década de existência desta legislação, busca auxiliar a compreensão das pluralidades e diversidades étnicas e culturais do continente americano. No espelho de Heródoto, afinal, nossos reflexos revelam, também, corpos e mentes indígenas e africanos. Esperamos que leitura das próximas páginas estimulem reflexões, práticas, saberes e despertem sensibilidades.
Referências
HALL, Stuart. Pensando a Diáspora (Reflexões Sobre a Terra no Exterior). In: Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Liv Sovik (org); Trad. Adelaine La Guardia Resende. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Representação da Unesco no Brasil, 2003
Giovani José da Silva
Gustavo Sousa
Rogério Guimarães
Sonia Wanderley
Os editores
SILVA, Giovani José da; SOUSA, Gustavo; GUIMARÃES, Rogério; WANDERLEY, Sonia. Apresentação. Revista Transversos, Rio de Janeiro, n.13, mai. / ago., 2018. Acessar publicação original [DR]
História – Ensino / Vozes Pretérito & Devir / 2018
O século XX trouxe grandes questionamentos e reformulações para a ciência histórica que a afetaram não somente do ponte de vista de sua maturação epistemológica, a História em si, mas também seus modos de socialização. Desta forma, percebemos que o ensino de história passou a constituir um campo rico em discussões teóricas, filosóficas, metodológicas, éticas e estéticas (KARNAL, 2007). O fazer pedagógico, assim como o próprio conhecimento historiográfico é entendido como uma prática social, exercida em sala de aula, suscetível a mudanças no tempo e no espaço. Isto posto, verificamos a importância de uma crítica sobre as formas como foram sendo construídas, as práticas e representações em torno do ensino de história, e como elas se relacionam com as demandas contemporâneas de formação da cidadania (GOMES, 2015).
Entretanto, na contramão dos avanços nas produções intelectuais relacionadas ao ensino de História, percebemos que muitas das inovações proporcionadas pelas novas abordagens historiográficas estão longe de fazerem parte do cotidiano das salas de aula do ensino básico. Alguns procedimentos adotados pelos professores chegam mesmo a contradizer aquilo que vem sendo discutido nas universidades, no que se refere às últimas décadas. Outro ponto a ser considerado é o desinteresse dos alunos pela disciplina de História, os quais, em sua maioria, ao não perceber uma aplicação prática, no plano quotidiano, para tal disciplina e por isso mesmo não sabe pra que serviria a História (MORAES, 2006).
Portanto, precisamos tratar com muita complexidade as questões relacionadas à escolha do que deve ser ensinado na disciplina de história: como devemos proceder em relação à seleção de conteúdos? Quais podem ser mais atraentes e garantir uma formação adequada? Além disso, precisamos também estar atentos para a utilização de diferentes linguagens e abordagens na sala de aula. De acordo com Ribeiro (20013, p. 1):
No que se refere ao ensino de história, é importante observar que a construção do currículo não pode se limitar a um enfoque meramente disciplinar, pois, estudar o passado significa fazer referência às múltiplas experiências dos seres humanos no tempo, que são, antes de tudo, permeadas por um conjunto de conhecimentos e aspectos que não podem ser reduzidos a um recorte disciplinar.
Todo este quadro se torna ainda mais complexo diante das questões colocadas pela lei nº 13.415 / 17 que instituiu a Reforma do Ensino Médio. Entre as mudanças estabelecidas destacamos que a disciplina de História deixa de ser obrigatória e passa a ser eletiva. Embora ainda não seja possível dimensionar com precisão os prejuízos advindos desta não obrigatoriedade da disciplina e da consequente não oferta da mesma em muitas escolas públicas é necessário nos prepararmos para o que está por vir.
Também contribui para a problemática do ensino em nossa sociedade o projeto de lei 867 / 2015, apresentado à Câmara dos Deputados, e o projeto de lei 193 / 2016, apresentado ao Senado. Figura entre as propostas destes projetos a inclusão, entre as diretrizes e bases da educação nacional, o chamado “Programa Escola Sem Partido”.
Atrelado a outras propostas polêmicas para a Educação, o Escola Sem Partido opera na desconstrução das ideias de democracia e justiça social; as ideologias propostas por ele têm sido construídas ao longo de uma década, por seus protagonistas, na grande mídia e, com isso, tem se consolidado um discurso de invalidação do conhecimento científico e de perseguição a perspectivas históricas e políticas distintas. A tentativa de inviabilizar, ao mesmo tempo, a produção e a socialização de conhecimento para uma educação antirracista e o objetivo de minar toda e qualquer possibilidade dessa discussão é, mais uma vez, uma tentativa de silenciamento e de perseguição, colocada pelo Escola Sem Partido, por via da judicialização da ação docente, dos poucos profissionais que operam para a reflexão sobre as injustiças sociais de modo a desvelar a história oficial para ouvir seus agentes silenciados. (FREITAS; BALDAN, 2017, p. 3-4)
Foi pensando nos desafios que o ensino de História vem enfrentando no mundo contemporâneo que resolvemos dedicar o dossiê da presente edição da Revista de História da Uespi: “Vozes, Pretério e Devir”, à discussão deste assunto. Abrimos nosso dossiê com uma reflexão em torno dos limites que o fator tempo tem colocado, historicamente, à atuação dos professores no exercício de suas funções e na constituição de suas identidades profissionais. Na sequência apresentamos um artigo que analisa as orientações teórico-metodológicas voltadas para o ensino de história presentes na revista “Escola Secundária” que circulou no Brasil entre os anos de 1957 e 1963. Também contamos com uma análise sobre a constituição do ensino em escolas primárias no Brasil Republicano que nos é apresentada através da autobiografia de Paschoal Lemme.
Continuando nosso dossiê temos uma análise sobre o uso das TDICs no ensino de história e de como as mesmas podem auxiliar professores e alunos no processo de ensino-aprendizagem. Outro artigo visa compartilhar experiências de transposição didática de pesquisas ligadas à temática da migração. Em sequencia, é possível apreciar uma abordagem voltada a “história e imagem” relacionando a representação do negro em quadros do século XIX, esta questão se torna ponto de partida para pensar a relevância do ensino de História África e Cultura afro-brasileira no ensino básico. Finalizando o dossiê contamos com um artigo que se propõe a analisar as políticas voltadas para a formação continuada dos professores de História.
Dos das produções textuais que constitui o dossiê temático, também contamos na composição desta edição, a publicação de artigos livres, os quais trazem os mais variados temas, como por exemplo, a mercantilização da terra no Brasil colonial, passando pelas problematização das artes de cura, da escravidão e das representações escatológicas no sertão do Piauí. Por fim, o conteúdo da mesma se da por findado ao expor um resumo expandido de monografia que trata do ciberativismo e o jogo político do Brasil contemporâneo.
Referências
FREITAS, Nivaldo Alexandre de; BALDAN, Merilin. Dossiê Escola Sem Partido e formação humana. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. Janeiro – Junho de 2017 Vol.14 Ano XIV nº 1 ISSN: 1807-6971
GOMES, Gustavo Manoel da Silva. Historiografia e ensino de História para a descolonização do conceito de cultura afro-brasileira: articulando ciência, ensino, cultura e política. Bananeiras-PB: Revista Lugares de Educação [RLE], Bananeiras-PB, v. 5, n. 10, p. 93-111, Jan-Jul., 2015 ISSN 2237-1451.
KARNAL, Leandro. (org.) História na Sala de Aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2007.
MORAES, Airton de. Historiografia e ensino de história: algumas reflexões sobre o ensino fundamental. Londrina-PR: História & Ensino, v. 12, p. 9-34 ago. 2006.
RIBEIRO, Jonatas Roque. História e ensino de História: perspectivas e abordagens. Educação em Foco, Edição nº: 07, Mês / Ano: 09 / 2013, Páginas: 1-7
Marta Rochelly Ribeiro Gondinho – Doutora
Felipe da Cunha Lopes – Mestre
GONDINHO, Marta Rochelly Ribeiro; LOPES, Felipe da Cunha. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.8, n.1, 2018. Acessar publicação original [DR]
História da Educação e ensino de História / História em Revista / 2018
Nas últimas décadas observa-se a emergência de dois importantes campos de pesquisa na historiografia brasileira – História da Educação e Ensino de História – cujas efervescências de produções acadêmicas podem ser atestadas pelos inúmeros trabalhos de pós-graduação defendidos no Brasil, pela criação de associações nacionais de pesquisadores, pelos significativos eventos realizados, pelas publicações de / em revistas científicas e pela consolidação de vários grupos de pesquisa.
Nos dois campos ressalta-se o fato de terem sido constituídos em zona de fronteira, no limiar entre a História e a Educação, resultando na emergência de discursos que expressam os diferentes lugares de fala, com abordagens, problemas e metodologias próprias. Em ambos os espaços, a História da Educação e o Ensino de História são áreas de investigação consolidadas e que vem sendo repensados a partir de novos desafios epistemológicos.
Reunimos, neste dossiê, oito artigos resultantes de pesquisas que, de algum modo, refletem essa dimensão do campo, a partir da mediação entre diferentes modos de pensar, conceber e analisar a relação entre a História da Educação e o Ensino de História. Destacamos que ao agregar contribuições destes dois campos, encontraremos textos que se propõem a realizar problematizações em diferentes contextos, bem como a partir de distintas fontes, abordagens temáticas e perspectivas teóricas. Nesse sentido, as pesquisas aqui divulgadas tomam como referências a historicidade dos processos culturais escolarizados e não-escolarizados, as práticas e discursos mobilizados para ensinar e aprender saberes e conhecimentos (históricos), a dinâmica legislativa sobre aspectos educativos em geral e do ensino de História em particular, os agentes intelectuais que pensaram a escola, a educação e o ensino de História, as memórias sobre práticas, normas, regimes e instruções, de modo a constituir significativas e importantes discussões para o campo das Ciências Humanas.
Os diferentes objetos e problematizações, centrados nos dois campos de pesquisa, que os autores dos artigos deste dossiê acionam, evidenciam distintas fontes textuais, bem como demonstram os variados modos com que os pesquisadores operaram conceitualmente. Assim, foram mobilizados conceitos e métodos como representação, cultura escolar, formação de professores, através da análise iconográfica, do discurso e da revisão bibliográfica. Destacando, assim, emergentes temáticas como a história indígena, oficina de educação profissional de meninos, assistência de meninas desvalidas, educação de mulheres, alfabetização de adultos, reforma pedagógica, ensino na educação básica e constituição do sujeito docente de História.
Para abrir o dossiê contamos com texto de Martha Victor Vieira, intitulado A escrita e o ensino da História no século XIX e a representação dos indígenas nas Lições de Joaquim Manuel de Macedo, que analisa a produção da escrita da história do Brasil, dando ênfase ao ensino da história indígena no século XIX. Para a autora, o manual didático Lições de História de Brazil para uso das Escolas de Instrução Primária (1861 / 63), de autoria de Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), foi um importante impresso não apenas como material pedagógico para o ensino de História, mas como suporte de enunciação da temática indígena.
Na sequência, o texto de Jeane dos Santos Caldeira e Jezuina Kohls Schwanz, denominado por As representações do Asilo de Órfãs São Benedito na imprensa local pelotense durante a primeira metade do século XX, investiga as representações de um asilo assistencial para meninas órfãs enunciadas nos jornais da cidade de Pelotas / RS. De acordo com as autoras, o conjunto de representações, constituídas em torno da instituição, indicavam principalmente a existência de uma proteção “benevolente” dos membros da sociedade pelotense que colaboravam com a manutenção do asilo, garantindo o amparo e subsídio às meninas negras desvalidas durante a primeira República.
O artigo de Hardalla Santos do Valle, Imagens das oficinas profissionalizantes salesianas na cidade do Rio Grande / RS (1910-1960), se propõe a compreender o processo de educação de meninos e jovens realizado em oficinas profissionalizantes do Liceu Salesiano de Artes e Ofícios Leão XIII na cidade do Rio Grande / RS, na primeira metade do século XX. A autora destaca que o uso de fotografias, associadas à outras fontes como relatórios e jornais locais, possibilitam uma melhor compreensão dos elementos, das práticas e das materialidades da cultura escolar presentes na instituição analisada.
Fernanda Costa Frazão no texto A educação feminina entre a normalização e a resistência: uma análise dos discursos da revista Careta (1914-1918) apresenta uma análise do discurso acerca do processo histórico de educação para meninas e jovens. Tendo como principal objeto de investigação uma série de edições da revista ilustrada e de variedades Careta, publicadas na década de 1910, a autora discorre sobre o processo de normalização e conformação de papéis sociais destinados às mulheres, bem como os possíveis mecanismos de negações e resistências utilizados para enfrentar a regulação e prescrição de condutas pretensamente “desejadas” para o universo feminino.
O texto Da materialidade ao conteúdo: análise do material didático do Movimento Brasileiro de Alfabetização de Leide Rodrigues dos Santos, revela como um dispositivo pedagógico adotado pelo Mobral, na década de 1970, se tornou um importante meio discursivo para propagar valores, ideologias e cultura, podendo, assim, ter sido um instrumento eficiente de reprodução do saber oficial posto por setores do poder e do Estado.
O próximo texto é de Simôni Costa Monteiro Gervasio e Alessandro Carvalho Bica, cujo título é “Educar é construir para o infinito”: análise dos discursos transformadores relativos à reforma de 1971 nos editoriais da Revista do Ensino do Rio Grande do Sul (1972-1974). O artigo descreve como os editorias da Revista de Ensino veiculou ideias, metodologias, propostas, sugestões e conselhos que estavam regulados pela Reforma do Ensino de 1971. Seus autores concluem que a Revista do Ensino funcionou como um canal direto de comunicação entre a Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul e os professores, transmitindo ideias sobre práticas e métodos que deveriam ser implantados na prática dos docentes.
Em O ensino de História e as práticas pedagógicas: os desafios dos professores no Ensino Fundamental, os autores Helena Gouveia da Silva Oliveira, Irlanda do Socorro de Oliveira Mileo e Renato Pinheiro da Costa, examina as práticas pedagógicas de professores da educação básica para o desenvolvimento do ensino de História no estado do Pará. Neste artigo os autores problematizam a preocupação de professores em participarem, cada vez mais, de formações continuadas, por entenderem que estas podem contribuir no aperfeiçoamento das práticas de sala de aula e com o conhecimento de metodologias inovadoras que possibilitem “melhorar” suas práticas docentes.
Encerramos com a reflexão de Felipe Nóbrega Ferreira que, em Nas voltas que a formação em História dá: um relato de experiência sobre o estar coordenador pedagógico na rede básica de ensino, narra a experiência do constituir-se professor de História. A partir de uma reflexão crítica, o autor descreve três momentos de sua formação profissional, sobretudo, na atuação como coordenador pedagógico em uma escola do Rio Grande do Sul, seja os de buscar um saber ambientalizado, a prática apreendida pela documentação e atribuição da mantenedora da instituição em que atua e o desenvolvimento de uma proposta de formação na área de História, a qual denominou como “do ouvir e do falar”.
Por fim, cumpre dizer que ordenamos o dossiê a partir da temporalidade dos objetos que os artigos apresentam. Os oito textos seguem a cronologia ascendente, permitindo a leitura de certa dinâmica entre os campos da História da Educação e do Ensino de História. Neste dossiê, o leitor encontrará uma representativa mostra de investigações que vêm sendo realizadas em diferentes regiões do Brasil, que têm se dedicado a analisar, sob diferentes aspectos e enfoques conceituais e metodológicos os campos da História da Educação e do Ensino de História.
Desejamos a todos uma boa leitura!
Natal / RN e Pelotas / RS, agosto de 2018.
Magno Santos
Fernando Ripe
SANTOS, Magno; RIPE, Fernando. [História da Educação e do Ensino de História: temas, fontes e problematizações]. História em Revista. Pelotas, v.24, n.1, 2018. Acessar publicação original [DR]
Ensino de História, Direitos Humanos e Temas Sensíveis / História Hoje / 2018
Durante muito tempo a história ensinada se manteve afastada de questões polêmicas e priorizou temas consagrados, de preferência bem distantes no tempo e no espaço, pelo receio de gerar certos constrangimentos ou simplesmente de posicionar-se, assumindo o caráter eminentemente político de sua prática. Com isso, perpetuaram-se as estratégias de não abordar a história mais recente, de evitar temas que envolvessem memórias em disputa e de não expor abertamente injustiças cometidas contra pessoas ou grupos inteiros.
A história no espaço escolar evitou temas delicados, controversos e sensíveis, porque envolve a violação de direitos e pode revelar as disparidades entre o que é assumido como memória pública e o que se discute internamente nos espaços de sociabilidade. Em alguns casos, tem receio de tomar partido em questões políticas e em lidar com processos inacabados que envolvem pessoas vivas e ativas na arena política e social. No entanto, o contexto atual tem desafiado a escola e o componente curricular de história a se posicionar diante das desigualdades e injustiças sociais vivenciadas pelas crianças, jovens ou seus familiares. E de certo modo, o ensino de história tem se tornado um lugar de resistência ao enfrentar o desafio de educar para a defesa dos direitos humanos. O papel do ensino de história é ensinar a conviver com a diversidade e a se posicionar no mundo. Leia Mais
História, Historiografia e Ensino de História/Cadernos de Pesquisa do CDHIS/2018
Em meio ao horror à vida são significações de Beatriz Sarlo, ao problematizar o modo como o nazismo administrou à morte de milhares de pessoas que eram conduzidas aos campos de concentração durante à segunda Guerra Mundial. Leia Mais
Ensino de História, memória e cidades / Mnemosine Revista / 2017
Reconhecer a cidade como um texto, nos convida a mergulhar na polissemia das experiências urbanas. A trajetória de ensino, pesquisa e extensão direcionada à história e à geografia local mediada pelos narradores dos bairros, das praças e dos demais espaços públicos conduz ao encontro com as memórias individuais e coletivas locais. Investir em uma cultura política de resistência ao processo de globalização implica em reconhecer as vozes locais que foram silenciadas pela memória oficial celebrativa herdeira da História Positivista.
Conforme sugeriu Walter Benjamin, a história à contrapelo tem uma dimensão política muito profunda, as pesquisas que ousam adentrar o cotidiano dos corpos invisíveis da e na cidade do passado e do presente coloca os leitores em contato com o avesso da história oficial. Essa dobra no fazer historiográfico pode ser experienciada por diversos caminhos metodológicos como a Educação Patrimonial, a Pedagogia da Cidade, a história oral e outros percursos de caminhada pela cidade que apresentem a sua diversidade social e cultural no que diz respeito às dimensões étnicas, de classe, gênero e gerações e que demonstrem o quanto o fazer e o viver urbano é plural, contraditório e complexo.
Dando visibilidade a essa complexidade do viver urbano no Brasil e na Argentina, ou seja, em experiências urbanas latino americanas, caminhemos pelas diversas cidades brasileiras de estados da região Nordeste como Pernambuco com o olhar voltado para a cidade de Recife e mais intensamente no estado da Paraíba onde são narradas experiências urbanas da capital João Pessoa, de uma cidade média, a chamada Rainha do Agreste da Borborema, Campina Grande , adentremos cidades interioranas menores como Umbuzeiro e Pedro Velho. Ainda seguindo nossa caminhada pelo Nordeste, vamos ao encontro das experiências urbanas da cidade de Currais Novos no estado do Rio Grande do Norte. Do Nordeste em direção à região norte do país, Amazonas, mergulharemos nas experiências citadinas de Currais Novos. De modo a ampliar nossa cartografia enquanto caminhantes nos dirigimos ao Sudeste do Brasil por meio de uma experiência de pesquisa 8 histórica fundamentada na cultura política da cidade do Rio de Janeiro e dando passos mais ousados e internacionais, caminharemos pelas trilhas da cidade de Buenos Aires movidos pela pedagogia citadina museológica.
Esse dossiê expressa e enfatiza a pluralidade das sociabilidades e sensibilidades citadinas nordestinas, nortistas, norte rio-grandenses e da região sudeste, mais especificamente, cariocas e no âmbito internacional, as experiências urbanas de Buenos Aires, com o olhar voltado para os museus. Esse mergulho historiográfico amplia as possibilidades investigativas sobre as cidades e o ensino de história local, bem como nos convida a aprofundar o diálogo entre ensino e pesquisa no processo de educação histórica de modo a provocar nos educandos o desejo de ler suas cidades e escrever outras histórias citadinas para além da cidade vertical. Outros leitores, narradores, escritores e ouvintes das cidades entram em cena deshierarquizando quem faz e quem conta a história, entrelaçando saberes acadêmicos com saberes experienciais, dando passagem às vozes dos pescadores, barbeiros, antigos moradores, às crianças, aos militantes de movimentos sociais urbanos de modo a afirmar a polissemia do texto cidade em suas variadas temporalidades e espacialidades.
A autora Alana Cavalcanti nos convida a mergulhar no Rio Sanhauá e nas águas do mar da Praia de Tambaú nos possibilitando encontros com os pescadores, veranistas, e moradores do centro e do litoral pessoense movida pela inquietação com relação ao processo de mutação da vitrine urbana do centro para o litoral.
Em seu artigo “MEMÓRIAS FLUVIAIS DO IMAGINÁRIO PESSOENSE: O RIO SANHAUÁ COMO NASCEDOURO DA CIDADE DE JOÃO PESSOA- PB E CONSTRUTOR DE IDENTIDADES, ela enfatiza como o Centro da cidade, no final do século XIX a meados do século XX, foi palco das várias transformações da cidade de João Pessoa na Paraíba, como também precursor dos equipamentos modernos de acordo com o contexto. Partindo da escuta das histórias de vida de antigos moradores por meio da narrativa de suas memórias citadinas, a pesquisadora se fundamentou teórico e metodologicamente na História Cultural e suas múltiplas representações (CHARTIER,1990), entendendo a cidade como um texto (CERTEAU, 2014). A metodologia da história oral (BOSI, 2003) e (MONTENEGRO, 1992), também foi fundamental para o desenvolvimento dessa pesquisa. Dessa forma, o presente artigo, busca contribuir com os estudos e debates acerca da cidade, memória e história oral e as mudanças de representações dos espaços citadinos em sua historicidade local.
O segundo artigo escrito pela historiadora da UFRGS, Carmen Zeli de Vargas Gil intititulado” CONVIDA, INTERPELA E DESAFIA: mediações em instituições de memórias de Buenos Aires convida o leitor a reconhecer a importância do@ educador@ histórico como um mediador no conhecimento e reconhecimento das instituições de memórias no meio urbano. Propõe-se a discutir três experiências identificadas na cidade de Buenos Aires, durante o ano de 2015, em um intenso trabalho de acompanhar escolas em espaços de memórias nesta cidade que congrega tantos museus. Que pressupostos assumem em relação ao público escolar? Outorga-se aos alunos um lugar de escuta somente? Como a pergunta pode ser o fundamento da participação ou da transmissão de ideias e valores? Trata-se de interrogantes que estruturam as reflexões tecidas neste texto com ênfase no trabalho pedagógico do Parque de la Memoria, Casa Nacional del Bicentenario e o Museo Etnográfico Juan B. Ambrosetti. A autora enfatiza em seu texto como nessa trajetória dialógica de aproximação, foi possível perceber a importância da pergunta no processo de mediação; a pergunta que convida a olhar mais de perto, interpela, desafia e instiga o diálogo. Portanto, Freire é a inspiração para esta reflexão, assumindo que todo conhecimento começa com a pergunta ou a necessária curiosidade que produz a busca.
Saindo da experiência da Pedagogia da cidade na Argentina, mais especificamente na cidade de Buenos Aires e voltando às tramas citadinas brasileiras, nos deparamos com a narrativa histórica do autor carioca Charleston José de Sousa Assis, historiador vinculado à Universidade Federal Fluminense, que nos convida a pisar o chão carioca caminhando pelas ruas da cidade, pondo-nos em contato com os revoltosos e suas reivindicações no que concerne aos transportes locais, exercendo sua cidadania e buscando a materialidade de seus direitos enquanto moradores, à cidade. Os tumultos de 1987 pelo aumento nas tarifas de ônibus: apontamentos sobre classes populares e cultura política no Rio de Janeiro. Ele nos relata que em 30 de junho de 1987, milhares de pessoas participaram de uma revolta popular no Centro da cidade do Rio de Janeiro, cujo estopim foi um aumento das tarifas de ônibus. Durante cerca de oito horas foram depredados mais de 100 ônibus, entre vários outros alvos. Fundamentado no historiador E. P. Thompson, o autor ressalta que o anormal pode nos auxiliar a desvendar as normas do cotidiano, por esta razão este artigo parte daquele protesto para investigar a cultura política do carioca no período da transição da ditadura para a democracia, que teve como marcos fundamentais a Campanha Diretas Já, os eventos envolvendo a eleição e morte de Tancredo Neves e o sucesso efêmero do Plano Cruzado. Aos registros produzidos na cobertura daquele protesto serão cotejadas às falas de outros populares presentes em cartas encaminhadas à Assembleia Nacional Constituinte e em produtos culturais. No referido período, assistiu-se ao surgimento de uma unidade comum entre os setores populares e os médios empobrecidos em torno de valores como democracia, soberania popular e justiça social, derivados de experiências comuns tanto no campo material quanto no simbólico e vivenciadas, pelo menos, desde meados dos anos 1970, quando da reorganização popular contra a ditadura. A julgar pelas evidências, os manifestantes de 30 de junho de 1987 foram resultado da cultura política surgida tanto do efeito pedagógico daqueles eventos quanto das inúmeras frustrações reiteradamente experimentadas pela sociedade em função dos arbítrios da ditadura.
Do Rio de Janeiro diretamente para a Rainha da Borborema, o historiador Cid Douglas Souza Pereira nos leva a olhar para A CIDADE DE CAMPINA GRANDE CONTEMPLADA POR SEGMENTOS LABORAIS: MEMÓRIA, TRABALHO E VIDA. Conforme afirmou, este artigo apresenta uma discussão em torno das categorias conceituais de trabalho e outras demarcações que fundamentaram a sua pesquisa de Mestrado. Para tentar compreender o mundo do trabalho e dos trabalhadores, em especial os antigos barbeiros de Campina Grande – PB, entre os anos de 1960 a 1980, o autor diz que almejou, a partir da memória, recompor o cenário urbano desses labutadores, os quais fazem do seu ofício uma arte que caminha na contramão das implementações da modernidade, e praticam isso no momento em que, em nome de costumes e hábitos, conservam antigas tradições. Dessa forma, assim como os de “cima”, as pessoas comuns são capazes de narrarem sua trajetória de vida e a história da cidade onde vivem, entrelaçando memória individual e coletiva. Aprenderemos muito com os barbeiros narradores campinenses, uma vez que as barbearias eram e são potenciais espaços pedagógicos masculinos, onde os homens aprendem e ensinam ser homens e a ser citadinos.
Ainda caminhando pelo estado da Paraíba, vamos ao encontro de outros personagens históricos militantes que foram invisibilizados pela história e memória oficial paraibana. A historiadora Eliete de Queiroz Gurjão Silva em seu artigo “PARAÎBA 1817: HISTÓRIA, MEMÓRIA E PATRIMÔNIO”, ao mesmo tempo que denuncia o silenciamento de uma memória local de extrema relevância, mostra o protagonismo da Paraíba na Revolucão de 1817; a importãncia desta no contexto do início do século XIX; recuperando e ressignificando sua memória; conforme a autora descreveu em seu texto, ela procurou descrever e divulgar seu patrimônio sobrevivente na cidade de João Pessoa-PB. Neste sentido faz uma crítica à historiografia que praticamente ignora a participação das demais províncias na rebelião, narrando-a como apenas A Revolução Pernambucana, tecendo, assim, um véu de esquecimento que apagou-a da memória dos paraibanos. Esse processo de construção de uma nova narrativa com relação á Revolução de 1817 e de denúncia do silenciamento dessa experiência social foi constatado através da execução do projeto que é relatado no final do texto. A historiadora caminhou pela pesquisa-ação ao ir ao encontro das narrativas que reconhecem os protagonistas da revolução de 1817 na Paraíba ao realizar uma pedagogia da cidade por meio de um projeto de extensão cujos objetivos foram: salvar o que restava do patrimônio e da memória da Revolução de 1817 na Paraíba, restaurar placas referentes à Revolução e realizar um trabalho de Educação Patrimonial, tentando sensibilizar parte da população local sobre a importância e significado desse patrimônio, procurando reforçar seu sentimento de pertença e autoestima.
E por falar em lutas, movimentos sociais e invisibilidade dos protagonistas militantes, façamos uma viagem espaço-temporal da cidade de João Pessoa para a comunidade Pedro Velho numa temporalidade bem mais próxima de nós leitores. A autora Ellen Layanna de Lima em seu artigo “UMA COISA É VOCÊ SE MUDAR DE ONDE VOCÊ MORA OUTRA COISA É VOCÊ SER EXPULSO”: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGEM NA PARAÍBA” narra as tramas políticas e sociais da comunidade de Pedro Velho no ano de 2004 que foi vítima de uma experiência significativa de perda material e simbólica com o rompimento da barragem de Argemiro Figueiredo (Acauã) na Paraíba. Segundo a historiadora, este fato acarretou o aprofundamento das desigualdades sociais, ao passo que produziu centenas de famílias que além de pobres, ficaram sem terra para manter a atividade agrícola, atividade que garantia o sustento da maioria dos Pedro velhences. Para além de um prejuízo econômico, a população ainda enfrentou a suplantação de bens culturais e a perda de suas referências tradicionais. Acreditando no rompimento das “barreiras do silencio” a autora nesse artigo contou um pouco da história de Pedro Velho, comunidade inundada no mês de Janeiro de 2004, e seus desdobramentos (sendo um de seus principais a formação do Movimento dos Atingidos por Barragens) a partir do olhar de moradores e militantes. Sua pesquisa teve como principal ferramenta metodológica a história oral. Ao adentrar o cotidiano dessa comunidade em ‘ruìnas’ através das narrativas dos moradores militantes, não militantes e de diversas gerações , a pesquisadora chega a conclusão que a perda de referência no âmbito material e cultural foi algo presente na fala dos entrevistados, tal perda engrenou a produção de estratégias de adaptação e resistência. Neste sentido, para ela, a memória, a organização social e a inspiração pela luta, foram pontos notáveis na fala dos narradores que procuramos destacar.
As crianças também são protagonistas urbanos, o historiador Humberto da Silva Miranda, professor da UFRPE trata de uma pedagogia da cidade por meio da ênfase do seu trabalho na importância da participação das crianças na escrita desse texto cidade de modo horizontal, combatendo o olhar vertical com relação à urbs. Em seu artigo”-QUANDO A RUA SERÁ MINHA? HISTÓRIA, INFÂNCIAS E O DIREITO DE VIVER A CIDADE” o autor, conforme ele mesmo afirma, objetiva debater a relação entre a cidade e o “viver a infância” a partir da preocupação de como foi construída, historicamente, a noção de criança cidadã. Tendo como foco o âmbito da rua, ele procurou discutir como esses espaços se tornaram, ao longo do século XX, cenários das mais diferentes formas de sociabilidades nas cidades. As ruas como espaço de brincadeiras e de conversas tornaram-se locais de moradia, de trabalho e até de exploração sexual. A grande pergunta que moveu o seu caminho investigativo é como o Sistema de Justiça brasileiro produziu dispositivos legais a fim de garantir o direito das crianças viverem o espaço urbano? A partir desta pergunta, o historiador analisou textos legais como o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária investigando como estas leis produziram o discurso sobre o direito da criança viver a cidade.
Dando continuidade a essa reivindicação do direito á cidade pelos moradores comuns e da relevância de sua participação social na cena urbana, voltamos á cidade de Campina Grande e chegamos ao maior bairro da cidade dessa cartografia citadina, uma vez que possui mais de 30.00 habitantes, o bairro das Malvinas que conforme enfatizado pela historiadora Keila Queiroz e Silva, esse bairro diz muito de Campina Grande e seus moradores ao gritarem por justiça e pertencimento local. O artigo “OS BAIRROS DIZEM A CIDADE: O MAPEAMENTO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DOS “OUTROS” MORADORES URBANOS” coloca em evidência os outros cartógrafos de uma cidade plural e dos de baixo, denunciando e estranhando as narrativas históricas e midiáticas que dão visibilidade aos grupos políticos dominantes e invisibilizam as tramas históricas locais dos sujeitos ordinários e suas artes de fazer, fazendo uam viagem certeauniana e também benjaminina pela cidade de Campina Grande. A nossa escolha teórico-metodológica historiográfica certeauniana e benjaminiana deu passagem a outras vozes, a outros rostos, a outras paisagens, a outras formas de luta, resistência e sociabilidade que nos permitiram reescrever o texto cidade, colocando em cena novos personagens e novas sensibilidades urbanas, reconhecendo o protagonismo histórico dos sujeitos ordinários (CERTEAU:1994) que não aparecem nos livros didáticos, nem nos documentos oficiais. Amparada na metodologia da história oral, a autora trabalhou com histórias de vida dos moradores de bairros populares da cidade de Campina Grande e identificou a partir de suas narrativas, o patrimônio cultural tecido por eles em seu cotidiano do trabalho, do lazer e da sociabilidade dentro do bairro. Através de sua atuação no Programa Pet-Educação, a pesquisadora juntamente com seus alunos orientandos fez um mapeamento do patrimônio cultural imaterial dos moradores e registrou esse legado através da produção de um documentário com relatos biográficos dos artistas mapeados.
Retomando nessa caminhada por diversas trilhas urbanas geográficas, adentremos o universo das “MEMÓRIAS DO TRABALHO NA MINERAÇÃO BREJUÍ: PROPOSTA PARA USO DA HISTÓRIA LOCAL NO ENSINO MÉDIO INTEGRADO EM MINERAÇÃO, EM CURRAIS NOVOS / RN”, artigo esse que tem como autores os historiadores Cléia Maria Alves, Francisco das Chagas Silva Souza, Olivia Morais de Medeiros Neta.
Neste artigo eles narram que entre os anos de 1945 a 1981, a Mina Brejuí, em Currais Novos-RN, se destacou nacionalmente pela produção de sheelita. Ela hoje é um parque temático e guarda uma memória do trabalho. Logo, é um lócus constitutivo de uma memória histórica de um determinado grupo social, os mineradores. Portanto, possui um potencial educativo à medida que expressa algo memorável, contribuindo de forma que os educandos possam situar-se como sujeitos históricos em um processo de construção e compreensão de tempos e espaços dos “lugares de memória”. A pesquisa do referido autor tem o objetivo de discutir sobre proposta de uma unidade didática sobre a História Local da Mineração Brejuí como contributo para as aulas de História e as reflexões sobre o mundo do trabalho, no Ensino Médio Integrado em Mineração, na Escola Estadual Manoel Salustino, em Currais Novos-RN. Podemos considerar que o autor educador contribui para a escrita de uma pedagogia da cidade de Currais Novos, história escrita com os seus educandos, entrelaçando ensino e pesquisa.
Cruzando as fronteiras entre o Nordeste e o Norte brasileiro, seremos convidados a ler o artigo do autor Paulo de Oliveira Nascimento. Tendo esses narradores como nossos guias citadinos, chegaremos na cidade de Eurunepé no estado do Amazonas. O artigo “NARRADORES DE EIRUNEPÉ: Oralidade, Narrativa e Ensino de História na (re) construção de uma Memória Coletiva urbana”.
Nascimento afirma que a memória coletiva possui uma significativa gama de vestígios do passado de uma cidade. Segundo esse autor, Na Amazônia, esta memória coletiva desempenha um papel muito importante enquanto fonte histórica, dada a quase inexistência de quaisquer outros vestígios. Memória reatualizada, Memória disputada, Memória viva, esta chega à sala de aula através da fala dos alunos e alunas, que ouvem as histórias de seus pais e avós. Neste texto, eles tratam das relações entre a Memória Coletiva e o Ensino de História, a partir de sua experiência didático-pedagógica com alunos e alunas da 1ª e 2ª série do Ensino Médio, do IFAM / Campus Eirunepé. Esse relato de experiência de ensino e pesquisa se destaca como mais uma colaboração nesse dossiê no sentido de repensar e ampliar os caminhos metodológicos no processo de educação histórica.
De volta à Paraíba, mais especificamente à cidade de Umbuzeiro na Paraíba e encerrando nossa caminhada por diversas cidades e suas complexidades, encontramos o artigo de Tatiane Vieira da Silva “AZUL OU ENCARNADO, NÃO IMPORTA A COR DO ORNATO, A MATIZ É UMA SÓ. É FESTA EM UMBUZEIRO, É DIA DE VAQUEJADA!”. Nesse artigo a autora enfatiza que a cultura local exerce um papel singular no cotidiano dos pequenos centros urbanos, na medida em que provoca sociabilidades, integra as referências identitárias e os sentimentos de pertença. Ela diz a cidade de Umbuzeiro ressaltando A cidade paraibana de Umbuzeiro, sediou por várias décadas uma das vaquejadas mais antigas da região. Essa prática rural adentrou o espaço urbano, conquistou adeptos, atraiu multidões e se tornou a melhor e mais afamada festa daquelas paragens. Sua pesquisa foi norteada pela metodologia da história oral (ALBERTI, 2011) e das fontes jornalísticas (LUCA, 2011). O que possibilitou que a referida pesquisadora investigasse a historicidade da vaquejada de Umbuzeiro e mergulhasse nas experiências vividas, relembrando hábitos, valores, e práticas da vida cotidiana daqueles que vivenciaram aquelas festas, conforme ela mesma salienta em seu trabalho. Começamos nossa caminha entre o rio e o mar pessoense e concluiremos imersos na experiência das vaquejadas da cidade de Umbuzeiro. Desejo uma prazerosa caminhada pelas cidades aqui apresentadas e representadas a todo@s os@s leitore@s.
Keila Queiroz e Silva – Doutora (UAED / UFCG)
SILVA, Keila Queiroz e. Apresentação. Mnemosine Revista, Campina Grande – PB, v.8, n.4, out / dez, 2017. Acessar publicação original [DR]
Ensino de História / Crítica Histórica / 2017
As pesquisas acerca do ensino de história no Brasil têm ganhado significativa relevância nas últimas décadas, adquirindo contornos importantes a partir da constituição de linhas de pesquisas dentro dos programas de pós-graduação em educação ou em história. Igualmente, tem-se a mesma percepção ao nos reportarmos à realização de eventos nacionais das respectivas áreas, como os vários simpósios temáticos que têm ocorrido no contexto dos Encontros promovidos pela ANPUH regional e nacional, o Encontro Nacional dos Pesquisadores em Ensino de História e o Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História.
Notadamente, esta produção e suas interfaces tem permitido a constatação de um campo de estudos em ebulição ao evidenciar produção significativa do ponto de vista teórico-prático face às aproximações e distanciamentos entre o que se produz nos centros de pesquisa em história e / ou em educação e o que se produz nas salas de aulas da educação básica pelos professores e estudantes.
Apesar dessa constatação, a história, dentre as disciplinas escolares, é a que tem sofrido os mais fortes ataques em nosso tempo presente, seja no desenvolvimento de ações daquilo que se reconhece como Escola Sem Partido ou mesmo no contexto das reformas educacionais em curso no Brasil contemporâneo, materializadas na polêmica reforma do ensino médio e nas diferentes versões da Base Nacional Comum Curricular.
Este contexto aparentemente contraditório: de um lado o fortalecimento do campo do ensino de história, de outro sua desconsideração oriunda das políticas públicas transfiguradas em reformas curriculares em andamento no país, tende a nos aproximar destas produções recentes no sentido de reafirmarmos a sua relevância do ponto de vista social, cultural e político assim como a ressignificação do ensino de história para os estudantes da educação básica enquanto conhecimento histórico que pretende ampliar o campo de possibilidades de formação destes agentes sociais enquanto sujeitos críticos e reflexivos não apenas nos espaços escolares, mas também fora destes! Notadamente, estes discursos já foram fatidicamente anunciados, entretanto, ainda é incipiente a sua materialização nas práticas cotidianas de estudantes e professores no âmbito das salas de aulas da educação básica.
Em face das considerações iniciais deste escrito, eis um dos objetivos deste Dossiê trazido por esta edição da Revista Crítica Histórica sobre o ensino de história e algumas de suas interfaces no Brasil.
Em seu conjunto, os textos aqui apresentados pelos autores percorrem um leque interessante de preocupações. A leitura deste Dossiê permite ter uma noção acerca das reformas curriculares em curso no país por meio de dois de seus artigos, adentrar às especificidades das práticas escolares em outros dois, perguntar-se sobre o ensino de história em espaços não escolares, aproximar-se de questões relativas à aprendizagem de adolescentes, jovens e adultos em relação ao tempo histórico e, por último, num texto instigante, pensar a formação cultural e histórica de crianças num tempo outro.
Adentrando ao Dossiê, deparamo-nos com o artigo de Giovani José da Silva e Marinelma Costa Meireles cujo debate descortina as tensões concernentes à primeira versão da Base Nacional Comum Curricular. Para além das discussões e escolhas que essa versão preliminar da BNCC implicou, o artigo torna-se instigante por ser de autoria de um dos profissionais envolvidos no desenvolver dos debates e, sobretudo, na redação da primeira versão do referido documento que pretendia ser referência sobre o ensino de história na educação básica no país. Por outro viés, o escrito também tem um caráter documental de registro dos processos políticos de elaboração de uma reforma educacional curricular.
Na sequência, o artigo de Geraldo Magela Neto, também sobre a primeira versão da BNCC, faz uma incursão em outra perspectiva. Procura recuperar o debate público que essa versão preliminar propiciou na sociedade, extrapolando os espaços acadêmicos e ganhando ímpeto na imprensa escrita e televisiva. O autor denuncia, ainda, a ausência de um interlocutor importante na constituição do referido documento: o professor que, ao seu ver, teoricamente seria o responsável por sua implementação no currículo nos espaços escolares.
Ao recuperar a sala de aula como lugar de produção do conhecimento histórico, Lídia Baumgarten, trabalhando com o conceito de consciência histórica, discute em seu artigo resultados de uma pesquisa realizada com estudantes do final do Ensino Fundamental e início do Ensino Médio ao desvelar qual a “compreensão sobre o ensino de História, suas relações entre passado e presente, a relação com a vida cotidiana e a formação da consciência histórica de alunos de duas turmas da educação básica do município de Assis”, interior paulista.
Igualmente, na perspectiva de diálogos com jovens e adolescentes que frequentam a escola brasileira, Adriano da Silva “apresenta uma pesquisa sobre o ensino e aprendizagem da história escolar e tem como finalidade investigar o entendimento dos estudantes do ensino médio sobre as noções de tempo e de temporalidades principalmente em relação ao tempo histórico e os usos do passado”.
Alargando as possibilidades de pensar a aprendizagem histórica para além das salas de aula e ampliando a perspectiva de pensar a formação em ambiente escolar, Júlio Cesar Costa discute em seu artigo o ensino de história no contexto de práticas educativas em museus. Além de alterar a perspectiva do ensino de história e focar a formação continuada de professores, o artigo possibilita refletir acerca das imbricações entre história e memória.
Ao finalizar a travessia pelo presente Dossiê, o leitor encontrará no escrito de Andrea Giordanna Araújo da Silva, intitulado “As narrativas radiofônicas de Walter Benjamin: ensino de história cultural e formação política” uma reflexão inicial dos conteúdos pedagógicos manifestos nas narrativas que compõem a obra “A Hora das Crianças: narrativas radiofônicas de Walter Benjamin”. Nota-se neste artigo uma interessante reflexão sobre as possibilidades de se pensar questões como tempo e história, cultura e política com e para as crianças. Um texto que trata dos anos 30 do século XX na Alemanha às portas do totalitarismo, mas possibilita instigantes reflexões sobre o nosso tempo presente, tempo em que a escola foi universalizada e as crianças brasileiras a frequentam em sua maioria. Qual o ensino de história que deve ser destinado a essas infâncias?
Completa o Dossiê duas resenhas sobre importantes livros do campo do ensino de história. A primeira delas, elaborada por Cibele de Camargo Lima e André Luiz Lírio da Cunha, trata do livro Professores de História. Entre Saberes e Práticas, de Ana Maria Monteiro. A segunda, escrita por Júlio César Machado, apresenta de forma instigante o livro intitulado Ensino de História, da Coleção ideias em Ação, obra que tem como uma das organizadoras Kátia Maria Abud.
Enfim, acima uma das possibilidades de leitura que este conjunto de textos possibilita. Certamente os leitores e leitoras é que lhes darão maior sentido e significado. Leituras críticas poderão aprofundar o que aqui buscamos proporcionar, juntos com as autoras e os autores deste Dossiê.
Impossível fechar sem aludir ao tempo presente no qual o quadro político e social no Brasil se esgarça e suas mazelas são publicamente expostas. Conflituoso momento político esse em que vivemos e escrevemos, no entanto, tão propício para que professores- pesquisadores e historiadores se debrucem sobre as tensões históricas e políticas do tempo presente para que exerçam e garantam o seu relevante papel social de não permitir que a memória se apague e que não seja esquecido o quanto árduo foi construir a tênue democracia em que vivemos.
Constitui-se esta, numa outra lição que cabe ao ensino de história e aos seus responsáveis, professores e formadores de professores, não perderem de vista buscando avançar para além do saber de cor no intuito de aprendê-la.
Antônio Alves Bezerra – Professor Doutor (ICHCA / UFAL)
João do Prado Ferraz de Carvalho – Professor Doutor (EFLCH / UNIFESP)
Organizadores do dossiê Ensino de História
BEZERRA, Antônio Alves; CARVALHO, João do Prado Ferraz de. Apresentação. Crítica Histórica, Maceió, v. 8, n. 15, julho, 2017. Acessar publicação original [DR]
Ensino, gênero e diversidade / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2017
Pesquisas recentes no campo da História da Educação e História do Ensino de História indicam que a escola é um espaço político. Tal característica, ainda que não seja exclusiva do tempo presente, tem sido objeto de disputas bastante acirradas. Práticas docentes, conteúdos ministrados e mesmo a função de uma formação cidadã emergem como passíveis de questionamentos e judicialização por parte de setores conservadores da sociedade, inclusive por meio de projetos de lei apresentados por iniciativas como “Escola sem Partido”, que visam, entre outras questões, o cerceamento da autonomia docente e a retirada de referências à identidade de gênero, diversidade e orientação sexual dos Planos Estaduais e Municipais de Educação. Nesse sentido, O número 29 da revista Fronteiras, a Revista Catarinense de História, traz o Dossiê – Ensino, Gênero e Diversidade: embates contemporâneos, cujo objetivo é promover espaço para os debates contemporâneos a respeito das questões políticas, de gênero, sexualidade e das relações étnico-raciais em suas diferentes possibilidades de articulação com o espaço escolar.
Em Ditadura militar e relações de gênero: problematizando o ensino de História por meio das ideias históricas de estudantes do Ensino Médio, Elaine Prochnow Pires e Cristiani Bereta da Silva analisam as ideias históricas de jovens estudantes do ensino médio de uma escola estadual de Santa Catarina a respeito dos conteúdos sobre a ditadura militar brasileira (1964-1985) com o objetivo de discutir as representações das mulheres e das relações de gênero no ensino de história do Brasil. As autoras propõem uma sequência didática que problematiza as narrativas construídas pelos(as) estudantes sobre o tema, visando refinar sensibilidades e desenvolver olhares mais críticos sobre questões de gênero, feminismos e história das mulheres.
Vanderlei Machado e Carla Simone Rodeghero apresentam Os Livros didáticos e a História da participação das mulheres no Movimento Estudantil, artigo no qual analisam a maneira como onze livros didáticos de história (distribuídos pelo PNLEM / 2008) abordam, por meio de textos e imagens, a participação feminina no movimento estudantil brasileiro entre os anos de 1964 e 1968. Para os autores, o número de pesquisas que abordam participação feminina no movimento estudantil no Brasil cresce, no entanto, referências veiculadas nos livros didáticos ainda são poucas.
Em Da teoria à prática: gênero, saberes docentes e desafios contemporâneos, Cintia Lima Crescêncio discute as contradições de nosso tempo presente marcado, por um lado, pelo fortalecimento dos estudos de gênero e consequente conquista de espaços no campo do ensino, especialmente por meio da formação de professores e, por outro, pela ascensão de projetos de lei com características conservadoras, inspirados em programas como o Escola sem Partido.
Ana Maria Marques, por intermédio da análise de duas telas históricas de Moacyr Freitas, apresenta debates referentes às questões de gênero e étnico-raciais em Havia uma Rosa e uma Vitória na representação pictórica da História de Mato Grosso. A autora propõe a desconstrução de violências, dentre as quais as de gênero, ao analisar as duas únicas telas do acervo do autor em questão que trazem mulheres como protagonistas.
Ainda alinhado a proposta deste dossiê, apresentamos a tradução do artigo “Não ensinamos mais a história da França na escola!” Mas ensinamos o que então?, de Henry Rousso. Neste, o autor posiciona-se diante de uma querela ocorrida na primavera francesa de 2015 a respeito de novos programas de História que deveriam nortear o ensino escolar da disciplina. Tal texto possibilita-nos pensar acerca de questões como as potencialidades do ensino de história e, consequentemente, de seus diversos usos políticos.
Na seção Artigos, Thiago Reisdorfer, em Uni-la: O processo de construção de uma universidade intercultural para a integração latino-americana, assume a instituição universitária e suas diferentes dimensões como objeto de pesquisa e analisa a formação da Universidade Federal da Integração Latino-Americana, percebendo-a pelo viés da integração intercultural.
Daniela Queiroz Campos, em Garotas de papel: a arte gráfica e os traços de Alceu Penna trata da produção gráfica de Alceu Penna. Através da análise meticulosa de colunas e daquilo que as caracteriza – diagramação, cores, imagens, traços, qualidade de impressão – apresenta um panorama sobre a arte gráfica brasileira no século XX e problematiza elementos concernentes ao reconhecimento e / ou possibilidade de enquadramento de Penna como designer.
O artigo Transformações urbanas na cidade de Florianópolis (1989-2011): a derrubada do Bar do Chico no bairro Campeche, de Carolina do Amarante e Luciana Rossato, discute as mudanças na cidade de Florianópolis, desde a década de 1980, a partir da análise dos discursos veiculados nos jornais. Para as autoras, os textos jornalísticos promovem e defendem a necessidade de preservar a identidade e a cultura açoriana, ao mesmo tempo em que a cidade e seus bairros costeiros como, por exemplo, o Campeche, passam por transformações devido ao crescimento populacional decorrente do desenvolvimento do turismo. O caso do Bar do Chico, construído na década de 1980 e demolido vinte anos depois, torna-se exemplificativo para a análise em questão.
Karla Simone Willemann Schütz, em “Uma incursão estranha”: a história oral na UFSC e as entrevistas de Simão Willemann (década de 1970), examina aspectos da criação e da trajetória do Laboratório de História Oral da Universidade Federal de Santa Catarina e mapeia alguns dos pressupostos que orientaram seu estabelecimento. Para tanto, parte de um estudo realizado sobre as pesquisas desenvolvidas pelo historiador catarinense Simão Willemann durante a década de 1970, em diálogo com publicações brasileiras sobre história oral, editadas no país entre as décadas de 1970 e 1990.
Na seção Resenhas, Natan Alves David realiza uma análise de Um país impresso: História do Tempo Presente e revistas semanais no Brasil, publicação de 2014 organizada por Silvia Maria Favero Arend. Ana Terra de Leon resenha Vigiar e Medicar: estratégias de medicalização da infância, livro organizado por Sandra Caponi, Marua Fernanda Vásquez-Valencia e Marta Verdi, publicado em 2016.
Agradecemos a todas e a todos que colaboraram com este número. Boa leitura!
Caroline Jaques Cubas
Joana Vieira Borges
Organizadoras
CUBAS, Caroline Jaques; BORGES, Joana Vieira. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.29, 2017. Acessar dossiê [DR]
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História ambiental e ensino / Revista do LHISTE / 2017
Meio ambiente na aula de História: Interações entre ensino de história, história ambiental e educação ambiental
A questão ambiental vem se tornando, nas últimas décadas, debate incontornável na esfera pública, a partir da ocorrência de desastres socioambientais, das reivindicações dos movimentos ambientalistas, da realização de conferências internacionais, da apreensão gerada pelos impactos do desenvolvimento tecnocientífico, e da percepção cada vez mais difundida de uma crise de proporções planetárias. Desde os anos 1970, essas questões passaram a ser discutidas também no âmbito da educação e do ensino. Surgia a educação ambiental, como campo de conhecimento dedicado à formação de cidadãos aptos a uma atuação política, capazes de reivindicar “justiça social, cidadania nacional e planetária, auto-gestão e ética nas relações sociais e com a natureza” (REIGOTA, 2006, p. 10). Também a história passou a incorporar o estudo sobre as interações entre seres humanos e natureza ao longo da história, por meio da história ambiental. Essa área de conhecimento trata do papel e do lugar da natureza na vida humana (WORSTER, 1991).
Dada a urgência e importância do tema, o ensino de história não poderia abster-se de abordá-lo. Como bem colocou Circe Bittencourt (2003, p. 42), “a manipulação da natureza pelo homem possui uma longa história, com variações em intensidade e brutalidade”, que precisa estar presente nas aulas de história. Mais do que isso, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) preveem o tratamento da temática de forma transversal na Educação Básica.
Entre outras possibilidades, Gerhardt e Nodari (2010) apresentam algumas sugestões de como o meio ambiente pode ser alvo das aulas de história, por meio do estudo da história local, da toponímia e de fontes visuais e arquivísticas. Os relatos de viajantes que percorreram o território brasileiro ao longo dos períodos colonial e imperial podem ser alvo de investigação que interliga ensino de história e história ambiental, pois contém descrições da flora e fauna que podem ser comparadas com a situação atual de ecossistemas.
Este dossiê se propõe a unir textos que revelam como seus autores percebem as discussões atuais em torno da questão ambiental no ensino de história. Alguns trabalham em cima de suas próprias experiências em sala de aula, outros apresentam balanços históricos e historiográficos, em regiões delimitadas, e, um terceiro grupo apresenta desafios e perspectivas inovadoras para trabalhar o tema. Em função dessa subdivisão temática, o dossiê está organizado em três grupos que totalizam 10 artigos. Além disso, dois textos discutem o tema dos desastres ambientais, na seção Painel. Conta também com duas entrevistas, uma com historiador, outra com educador, ambos autores de obras referenciais nas áreas de história ambiental e educação ambiental.
No primeiro grupo de artigos, Experiências de Ensino, o primeiro texto, de Ely Bergo de Carvalho, busca refletir sobre as dificuldades de se trabalhar a educação ambiental na formação inicial de historiadores. A partir de suas pesquisas e experiências pessoais, o autor considera que essa dificuldade, entre outras razões, está no paradigma de pensamento hegemônico no mundo ocidental, fundado na disjunção sociedade / natureza que, por sua vez, condiciona o viés antropocêntrico com que as ciências humanas têm sido concebidas, ao longo da história.
Na sequência, Ana Marcela França apresenta uma proposta de curso universitário que conjuga história ambiental e história da arte. Além de discussão teórica sobre as duas áreas do conhecimento e sobre o conceito de paisagem, a autora acrescenta exemplos de análises de imagens a partir da interação entre as duas disciplinas.
O artigo de Wesley Kettle procura analisar de que maneira os professores e professoras de história da rede pública da cidade de Ananindeua-PA incorporam o tema do meio ambiente em suas práticas pedagógicas. A partir da realização de entrevistas, o autor percebe alguns problemas derivados da formação dos docentes, o que leva a um descompasso entre a história ensinada em sala de aula e os resultados das investigações oriundas dos programas de pós-graduação e projetos de pesquisa desenvolvidos nas universidades brasileiras.
No texto que fecha essa primeira parte do dossiê, Elenita Malta Pereira e Antônio Dias Prestes apresentam as discussões que foram objeto em aulas de História Ambiental ministradas pelos autores no curso de História da UFRGS, em 2012 e 2013. Além de expor a sequência dos conteúdos e temáticas abordados naquelas experiências, o artigo argumenta pela necessidade de aprofundamento da questão ambiental nas disciplinas voltadas à formação de professores de história, sem prejuízo de sua presença de forma transversal em todas as demais que compõem os cursos formadores.
No segundo grupo de textos que compõem o dossiê, História e historiografia, o artigo de Carla Oliveira de Lima apresenta um balanço historiográfico – não exaustivo – sobre abordagens que tematizaram sobre as interações entre o homem e o mundo natural no contexto da Amazônia brasileira. A autora defende que os trabalhos orientados pela história ambiental conseguem superar o determinismo geográfico e oferecem interpretações mais aprofundadas da região.
Fabiano Quadros Rückert, no segundo artigo da seção, constrói uma narrativa da história da educação ambiental na Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos. O texto aborda iniciativas individuais, a partir da atuação precursora de Henrique Roessler, bem como a atuação da sociedade civil em organizações ambientalistas e comitês de bacias.
No último artigo dessa seção, Bread Soares Estevam analisa o contexto de emergência da Educação Ambiental e da História Ambiental, como resultado do processo de busca por novos paradigmas para a superação da crise socioecológica configurada a partir da década de 1970. O autor defende a profunda conexão entre as duas disciplinas e oferece sugestões de eixos temáticos que podem ser trabalhados nas aulas de história, de forma a contribuir para a educação ambiental dos estudantes.
A terceira seção do dossiê, Desafios e Perspectivas, é aberta com o artigo de Jó Klanovicz, no qual o autor discute o impacto da política estadual de Educação Ambiental do Paraná no redimensionamento das matrizes curriculares dos cursos de graduação em História das universidades estaduais paranaenses. O artigo argumenta que a implementação da História Ambiental ocorre muito mais no âmbito da pesquisa do que do ensino, em função das especificidades desse campo do conhecimento histórico e de dificuldades no âmbito político das universidades estaduais.
Na sequência, o artigo de Rodrigo Barchi apresenta o discurso ecologista presente em um movimento (anti) musical chamado grindcore, surgido nos anos 80 e que se caracteriza tanto pela grande velocidade quanto pelo alto ruído de suas composições. A proposta do autor é, a partir do conceito de “saberes insurrectos” e das verdades construídas pelas pessoas infames, desvelar um pouco mais as ecologias e educações “menores” construídas por grupos menores e / ou marginais.
Encerrando a terceira seção, o artigo de Denis Fiuza traz uma proposta de análise de fontes impressas no ensino e na pesquisa em história, como periódicos, jornais e revistas relacionados à preservação ambiental, com o objetivo de aprofundar os debates sobre a ecologia e instrumentalizar os professores e estudantes em relação a essa temática, a partir do referencial teórico da ecocrítica.
O dossiê conta também com dois textos na seção Painel, que abordam o tema dos desastres socioambientais. O primeiro, escrito por Haruf Salmen Espindola e Cláudio Bueno Guerra, realiza um esforço no sentido de facilitar o entendimento do desastre socioambiental que abateu sobre o Rio Doce, nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, oferecendo elementos para se discutir criticamente riscos, impactos e desastres ligados aos grandes investimentos de capital. No segundo texto, Marcos Aurélio Espindola discute a importância de se abordar a temática dos desastres socioambientais no ensino de história, a partir de um ponto de vista não-antropocêntrico.
Encerram o dossiê duas entrevistas com professores que atuam intensamente pela interação da temática ambiental no Ensino de História a partir de suas respectivas áreas: Paulo Henrique Martinez, na história ambiental, e Marcos Reigota, na educação ambiental.
O dossiê, portanto, abriga artigos e entrevistas que trazem diferentes olhares e perspectivas para pensarmos a abordagem da questão ambiental no Ensino de História. Que frutifique e colabore para multiplicar as análises sobre o tema e, mais importante, que possa contribuir para qualificar a atuação docente no dia-a-dia da sala de aula. Dessa forma, quem sabe, o dossiê mesmo possa ser um instrumento de Educação Ambiental, ajudando a superar a disjunção sociedade-natureza, de forma a construir um ensino de história menos antropocêntrico.
Referências
BITTENCOURT, C. M. F. Meio ambiente e ensino de História. História & Ensino, Londrina, v. 9, p. 63-96, 2003.
GERHARDT, M.; NODARI, E. S. Aproximações entre História Ambiental, Ensino de História e Educação Ambiental. In: BARROSO, V. L. M. et al. Ensino de História: desafios contemporâneos. Porto Alegre: EST, 2010.
REIGOTA, M. O que é educação ambiental. São Paulo: Brasiliense, 2006.
WORSTER, D. Para fazer história ambiental. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 198-215, 1991.
Elenita Malta Pereira – Doutora em História (UFRGS). Professora no Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
A organizadora
PEREIRA, Elenita Malta. Editorial. Revista do LHISTE. Porto Alegre, v.4, n.6, 2017. Acessar publicação original [DR]
(Des) Caminhos do Ensino de História no Brasil / Revista Trilhas da História / 2017
Os enfrentamentos para professores e professoras de História dos ensinos fundamental, médio e superior têm se configurado como amplos e polêmicos. Em um panorama em que cada avanço parece trazer consigo retrocessos, este dossiê busca pensar quais são alguns dos “(Des)Caminhos do Ensino de História no Brasil”, passando por reflexões acerca de políticas públicas e manuais didáticos, por temas como o Nazismo e Segunda Guerra Mundial diante do saber escolar, por experiências bem sucedidas de programas governamentais e a formação histórica voltada para a Educação do Campo.
O dossiê inicia-se com o artigo de Osvaldo Rodrigues Júnior sobre a reforma do Ensino Médio a partir da lei n°13.415, texto que busca discutir seus impactos para o ensino de História e aponta para a constituição de uma “nova” (e atual) crise do código disciplinar da História no Brasil.
O segundo artigo, de Giseli Origuela Umbelino, busca pensar os livros didáticos a partir de alguns elementos da coleção Nova História Crítica, de Mario Schmidt. A autora analisa impactos e repercussão da coleção entre docentes, jornalistas e no meio acaêmico.
O terceiro artigo, de autoria de Carlos Eduardo Miranda, traz à tona um importante tema curricular: o nazismo. O autor reflete sobre a representação do tema em livros didáticos, bem como sua relação com o universo acadêmico, indicando, por fim, sua importância para a discussão de temas como xenofobia, racismo, intolerância e participação política no espaço escolar.
O quarto artigo, de Jorge Paglarini e Lincoln D´Avila Ferreira, discute o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) a partir das experiências dos autores como coordenador do programa e supervisor na escola, respectivamente. A discussão se pauta nas experiências das ações desenvolvidas na escola e seus alcances diante do que são objetivos gerais do Pibid.
O quinto artigo, contribuição de Mariana Esteves de Oliveira, adentra o espaço da Educação do Campo para refletir sobre o ensino de História a partir do entendimento, por meio de entrevistas, das perspectivas teóricas e influências historiográficas que professores e professoras de História de onze escolas de assentamentos trazem consigo.
Encerrando o dossiê, a contribuição coletiva de Tânia Zimmermann, Mônica Suminani e Márcia Maria de Medeiros, discute um tema caro à História: a Segunda Guerra Mundial. Tomando como ponto de partida o mangá “Gen Pés Descalços” as autoras problematizam a questão da bomba atômica lançada sobre a cidade de Hiroshima, debatendo os impactos nas práticas e experiências de pessoas que sobreviveram ao episódio da bomba.
Nosso objetivo com esse Dossiê é problematizar alguns dos desafios enfrentados pelo ensino de história no Brasil, desafios que atravessam legislações, instrumentos de ensino, programas voltados para a docência e os próprios temas do ensino de história. Cientes da importância desse debate e das recentes críticas e perseguições por alas conservadoras da sociedade ao ensino de história e outras disciplinas das humanidades, acreditamos que os artigos integrantes do Dossiê buscam trilhar novos caminhos teóricos e políticos para uma disciplina constantemente ameaçada pelos que temem a transformação.
A seção de Artigos Livres conta com as contribuições de Flavio Rafael Mendes Campos e Thaís Fleck Olegário. O primeiro discute o episódio do chamado “Dia D” no contexto da Segunda Guerra Mundial. Já a autora Thaís Olegário debate importantes regimes ditatoriais vigentes no Cone Sul (Brasil, Uruguai, Argentina e Chile) no tocante à Doutrina de Segurança Nacional.
Na seção Ensaios de Graduação Pedro Henrique Duarte da Costa propõe uma breve reflexão em torno do movimento Escola sem Partido e seus desdobramentos a partir da oposição religiosa às discussões de gênero na escola. Janai Harin Lopes problematiza a escola e o Ensino de História, como lugares de reafirmação, mas também de desconstrução de expectativas de gênero.
Thiago Henrique Sampaio resenha o livro “Tenho algo a dizer: memórias da UNESP na ditadura civil militar (1964-1985)” organizado por Maria R. do Valle, Clodoaldo M. Cardoso, Antonio Celso Ferreira e Anna Maria M. Corrêa.
Esta edição da Revista Trilhas da História se encerra com a tradução do artigo de Alessandro Portelli intitulado “Um trabalho de relação: observações sobre a história oral”, feita por Lila Cristina Xavier Luz.
Cintia Lima Crescêncio
Leandro Hecko
Três Lagoas-MS, primavera de 2017.
CRESCÊNCIO, Cintia Lima; HECKO, Leandro. Apresentação. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.7, n.13, jul. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]
História e ensino de história / Mnemosine Revista / 2017
A construção deste dossiê segue recortes temáticos, temporalidades e espacialidades diversas, porém, tem como fio condutor trabalhos que refletem sobre temas ligados a História cultural das instituições escolares: refletindo sobre questões ligadas a educação infantil, profissional e do campo; representações e práticas do cotidiano escolar; identidades e diferenças; construção de masculinidades; disciplinarização dos corpos e relações de gênero.
No artigo que introduz o dossiê “Refúgio das crianças”: os institutos de amparo as crianças desvalidas e a adestração de corpos na Paraíba (1889-1930), os autores Azemar dos Santos Soares Júnior (UFRN), Edna Maria Nóbrega Araújo (UEPB) e Joedna Reis de Meneses (UEPB), nos conduzem a cidade da Parahyba entre o final do século XIX e início do século XX, cartografando subjetividades construídas pela pedagogia, medicina, polícia para as práticas de disciplinarização dos corpos infantis, durante o período de 1889 a 1930.
Os caminhos / descaminhos da educação profissional no Brasil e no Rio Grande do Norte no século XX são abordados em dois artigos. O primeiro sobre “O ensino profissional no Rio Grande do Norte: uma análise das ações do estado entre os anos de 1908 e 1957” é resultado do mapeamento das ações do governo Potiguar referente ao ensino profissional, no período de 1908- 1857. As autoras Karla Katielle Oliveira da Silva (IFRN) e Olívia Morais de Medeiros Neta (UFRN) refletem especialmente, sobre as criações de instituições, cursos e subvenções, para o ensino profissional no estado.
O segundo artigo, sobre “O ensino profissional no Rio Grande do Norte: uma análise das ações do estado entre os anos de 1908 e 1957” os autores Karla da Silva Queiroz (UERN) e Francisco das Chagas Silva Souza (IFRN), nos convidam a refletir sobre o processo de industrialização e as políticas educativas de formação profissional no Brasil ao longo do século XX.
As autoras, Ana Claudia de Andrade Costa (UFERSA) e Kyara Maria de Almeida Vieira (UFERSA), no artigo “O olhar e o sentir: aula de campo como metodologia de ensino e aprendizagem” nos convidando a pensar acerca da aula de campo como metodologia de ensino e aprendizagem. Apontando, dentre outras questões, para a luta e o protagonismo das mulheres, que lutam todos os dias contra as desigualdades de gênero e o capitalismo para manterem de forma solidária, saudável e sustentável a agricultura familiar, a agroecologia e a economia no oeste potiguar.
Experiências em sala de aula, práticas educativas sobre o corpo, filosofia da diferença, estas são algumas das questões analisadas no artigo “Porta giratória da diferença: “quem de nós não foi ainda amaldiçoado (a) pela víbora?””, a autora Eronides Câmara de Araújo (UFCG), nos convida a refletir sobre a relação do “Eu com o Outro”.
Em “entre vivências e experiências: o PIBID de História do CERES / UFRN e a Escola Estadual Monsenhor Walfredo Gurgel (Caicó- RN – 2012-2014), as autoras Ana Carla de M. Trindade (UFPB) e Jailma Maria de Lima (UFRN), refletem sobre a importância do PIBID de História para a formação docente dos licenciandos, relatando algumas das experiências desenvolvidas no cotidiano escolar.
No artigo “Pedagogias da virilidade: modelos e avessos do homem trabalhador em A Bagaceira (1928)” os autores, Matheus da Cruz e Zica (UFPB) e Carlos André Martins (UFCG) a partir do romance “A Bagaceira” escrito por José Américo de Almeida (1887-1980) e publicado em 1928 e chama-nos atenção para refletir sobre as representações de masculinidades e virilidades, enquanto “instituinte da própria ideia de região”.
No artigo Receitas e conselhos: “O Livro das Noivas“ pedagogizando a família, a autora Regina Coelli Gomes Nascimento (UFCG), propõe uma reflexão acerca da construção de modelos femininos e discursos disciplinadores das relações de gênero para formação das famílias na década de 1930, a partir da leitura de “O Livro das Noivas” de Receitas e Conselhos Domésticos, publicado em 1929.
No texto da professora Suelly Costa (SEC / PB), “O patronato agrícola de bananeiras: uma experiência de atendimento e educação para a infância pobre na Paraíba (1924-1934)”, está posta a discussão sobre a criação e dinâmica interna do Patronato Agrícola de Bananeiras entre os anos de 1924 e 1934, avaliando o desenvolvimento de ações escolares assentadas no ideário civilizador e de modernização do setor agrícola brasileiro à época, com remissão aos rumos da educação profissionalizante desenvolvida nessas instituições se firmaram na tradição da modernidade, nacionalismo e ideologia do progresso, e a ação reflexa dos proprietários rurais em particular no âmbito da sociedade civil
Em “Bem-estar / mal-estar docente: a perspectiva dos professores de história da educação básica”, de Gabriela Alves Monteiro, em pesquisa que incorporou entrevistados em escolas das redes públicas e privada apresenta-se a tentativa de identificar os fatores que mais influenciam a incidência do bem-estar e do mal-estar docente a partir da perspectiva dos professores de História da educação básica, e a partir disso indicar os níveis de bem-estar no trabalho apresentados pelos professores. Para tanto, utilizou-se a Escala de Bem-Estar no Trabalho (EBET) proposta por Paschoal e Tamayo (2008), e a técnica de análise de dados da estatística descritiva e a análise de conteúdo.
No texto de Mariane Vieira da Silva e do professor Antônio de Pádua Carvalho Lopes “A função de direção escolar na legislação educacional piauiense (1910-1947)” é investigado o processo histórico que instituiu a configuração da prática da direção escolar no ensino primário piauiense entre 1910 e 1947, a partir da legislação, sua dimensão legal imposta a partir de 1910, dentro dos grupos escolares implantados no estado, e a dinâmica que levou as variações dessa função mapeadas neste artigo , notadamente os critérios de escolha, remuneração, qualificação e experiência para o exercício deste, particularmente a mudança no critério de experiência docente para a de domínio de conhecimentos em torno da administração escolar, sobretudo, por intervenção do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos / INEP.
Assim, envolvendo professores pesquisadores de diferentes instituições (IFRN, UFCG, UFPB, UEPB, UFRN, UFESA, SEC / PB, UFPI) os textos ora apresentados abordam aspectos diversos de práticas educativas, campo de discussão que cada vez mais se afirma e firma nas pesquisas educacionais e historiográficas. Boa Leitura!
Jailma Maria de Lima – Pós- doutora em História pelo PNPD / UFCG e professora do DHC / UFRN
Regina Coelli Gomes Nascimento – Pós-Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas (UFPB) Professora do Programa de Pós-Graduação em História Universidade Federal de Campina Grande
Organizadoras
LIMA, Jailma Maria de; NASCIMENTO, Regina Coelli Gomes. Apresentação. Mnemosine Revista, Campina Grande – PB, v.8, n.2, abr / jun, 2017. Acessar publicação original [DR]
Ensino de História e profissionalização do professor / historiador no Brasil / História Unisinos / 2017
Qual será o lugar da História na vida dos humanos? Este era um dos questionamentos levantados por Marc Bloch na abertura do seu livro A sociedade feudal. Hoje talvez devêssemos pluralizar a questão, não apenas no sentido de incluir os lugares ocupados pela História na vida dos diferentes humanos, mas de considerar as múltiplas narrativas históricas produzidas por diversos sujeitos sociais no presente. Sem deixar de reconhecer essa difusão de pluralidades de sentidos atribuídos ao passado – chamado por Le Goff já nos anos 1970 de “cultura histórica” – e do papel reflexivo colocado ao historiador e ao professor de História sobre a dinâmica dos usos e das utilizações políticas desse passado, cabe destacar que a profissionalização está longe de pretender consolidar discursos de verdade por parte dos historiadores – aliás, há muito superado – mas de possibilitar que tais profissionais atuem, com o devido reconhecimento da especificidade do seu saber, em diferentes espaços.
Reflexões que conjugam escrita da História, ensino de História, Educação e o papel do professor de História com profissionalização do historiador e do professor de História têm sido bastante discutidas nos últimos anos, especialmente em função do Projeto de Regulamentação da Profissão de Historiador, cuja última versão foi aprovada na Câmara dos Deputados em 2015, ainda aguardando tramitação no Senado Federal. Todavia, a crise política que vigora atualmente, demonstra que, talvez, faltem interesses políticos na regulamentação. Mas, na roda viva tudo pode mudar, embora o foco dos próprios historiadores nos parece estar mais voltado para outras discussões atuais em função dos diferentes projetos conservadores para a Educação, que afetam diretamente o Ensino de História no Brasil, como o “Escola sem Partido” e a Reforma do Ensino Médio.
Em geral, historiadores e professores de História têm estado atentos às reflexões sobrea função social da História e do ensino de História, mas também sobre os usos do passado e da História verificados na academia, na escola e nas mais diversas instâncias sociais – com aproximações e distanciamentos entre eles – que são marcados, queira-se ou não, por posturas teóricas e políticas determinadas, acionadas por aqueles que fazem, dizem, escrevem e ensinam História.
Diversos estudos apontam para as dúvidas, especialmente de alguns segmentos sociais e políticos, que pairam sobre a História e sobre o ensino de História, ora reafirmando o valor, a função e o significado do conhecimento histórico (e histórico escolar), ora oferecendo explicações para o suposto paradoxo entre o descaso com a História e a atração pelo passado na contemporaneidade.
O dossiê Ensino de História e profissionalização do professor / historiador no Brasil buscou reunir textos que abordassem esses temas, destacando a relação entre a formação profissional do professor de História e do historiador, as considerações sobre suas atribuições e as possíveis implicações para o ensino de História. Os textos que compõem este dossiê trazem, em seu conjunto, um panorama possível sobre o lugar ocupado pela disciplina História, pelo ensino de História, pelo professor de História e pela formação desse profissional, nas discussões acadêmicas, sociais e políticas, com suas distintas valorizações e atribuições de sentidos. São relevantes contribuições – não apenas pelas especificidades temáticas – as quais refletem muito bem a dimensão política da profissionalização e formação do historiador / professor de História e que contemplam temas como projetos estatais de educação e de formação de professores, produção de bibliografia especializada, organizações curriculares, práticas pedagógicas dos docentes, escolhas pessoais e (auto)reflexão sobre a formação.
Os artigos aqui reunidos discutem como a academia tem contribuído e / ou pode / deve contribuir para a formação do historiador / professor de História, com domínio das atribuições esperadas (e questionadas) para atuação docente na Educação básica ou em outras instâncias profissionais.
A reflexão proposta pelo dossiê, evidentemente cara à grande parte dos historiadores e professores de História brasileiros, proporcionou uma necessária e relevante reflexão por parte dos colaboradores – de acordo, é claro, com os objetivos dos seus artigos –, que além de demonstrarem as análises resultantes de suas pesquisas, assumiram claramente, e com ênfase, o seu lugar acadêmico, social e político.
Nesse sentido, abrimos o dossiê com o texto de Durval Muniz Albuquerque Júnior, que busca compreender o significado do “espaço escolar” e dos motivos pelos quais a História permanece nos currículos escolares. Albuquerque Jr aponta para a desconfiança e desprestígio que a História enquanto disciplina suporta atualmente, elemento que, de algum modo, faz compreender a ausência da regulamentação da profissão no país. Além disso, considera que a luta pela regulamentação é uma luta política e as resistências dos conservadores demonstram o medo das elites em relação à disciplina História, pois “a grande ilusão vivida, por todo conservador, é que ele será capaz de evitar as inevitáveis mudanças, conjurar as surpresas da vida e da história”. Mas alerta: “nenhum conservador será capaz de evitar que as mudanças ocorram no e com o tempo […], de controlar e prever, completamente, as consequências do ensino escolar para seus filhos ou descendentes”.
O trabalho de Mara Cristina de Matos Rodrigues e Benito Bisso Schmidt discute o ensino de História no ensino superior a partir de análises de suas próprias experiências enquanto professores de Teoria e Metodologia da História e Historiografia. Os autores buscam destacar a importância da mudança nas práticas pedagógicas dos docentes formadores de professores de História, especialmente no sentido de considerar “experiências do tempo não europeias ou não ‘ocidentalizadas’”. Para Rodrigues e Schmidt, “a mutação significativa que a composição social, étnica e de identidades de gênero” atualmente verificadas nas turmas e as diferentes experiências de tempo, devem ser consideradas quando se pensa os programas das disciplinas e as práticas pedagógicas adotadas. Tais programas, para os autores, devem fazer sentido nas vidas práticas dos graduandos. Assim, apresentam propostas instigantes para uma outra / nova formação dos / as profissionais de História, como por exemplo, docência compartilhada, para repensar a linguagem e as estratégias em sala de aula, e o repensar da nomenclatura de algumas disciplinas, como “Teorias e Metodologias Ocidentais da História”.
O texto de João Ernani Furtado Filho se propõe a analisar a finalidade da História em livros destinados à formação do historiador, notadamente em obras de “introdução aos estudos históricos” utilizados – no Brasil – entre os anos 1940 e 1990. O autor está interessado na historicidade dos estudos históricos, considerando suas variações filosóficas e políticas. Para tanto, suas fontes são obras de Ernst Bernheim, Wilhelm Bauer, Charles Langlois e Charles Seignobos, Marc Bloch, Louis Halphen, Joseph Hours, Henri-Irénée Marrou, Henri Steele Commager, Vavy Pacheco Borges e Ciro Flamarion Cardoso. Para Furtado Filho os “manuais de “Introdução aos Estudos Históricos” são testemunhos da historicidade da disciplina (e das táticas e tentativas de legitimação de sua cientificidade)”. Mas os argumentos utilizados pelos livros pesquisados para explicar as funções da História são plurais, diferenças estas pontuadas pelo autor, que também localiza semelhanças: “todos os manuais apresentam capítulo de ‘crítica do documento’ […] problematizando a constituição de acervos, as comemorações e mesmo visões ou produtos da prática historiadora”.
Fernando Perli analisa narrativas de graduandos em Licenciatura em História, a partir de memoriais descritivos realizados em relatórios de Estágio Supervisionado, com objetivos de compreender as representações e os usos do passado que perpassam a formação dos professores de História. Perli está preocupado em compreender “o que dizem os estudantes de História”, identificando “elementos que permitiram apropriações do conhecimento histórico” e diferentes leituras do tempo através da cultura histórica. Identifica a escola, o ambiente escolar e as aulas dos professores da Educação básica como fatores a partir dos quais “emergiram interesses pelo curso de Licenciatura em História” e apreenderam possibilidades para o “fazer e ensinar” História.
O texto que encerra o dossiê, de Claudia Cristina da Silva Fontineles e Marcelo de Sousa Neto, analisa os novos significados do lugar da docência durante a formação inicial a partir da implantação do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), no Piauí. Para a autora e o autor, este Programa configura- -se como “‘variação no enredo’ da história do ensino de História no Brasil”, aproximando academia e cotidiano escolar ao “acionar os saberes necessários à docência” e rompendo com a dicotomia pesquisa e ensino. Fontineles e Sousa Neto destacam que o PIBID foi fundamentalmente importante tanto para atenuar a distância entre conhecimento científico e saber escolar, sobretudo o saber construído pela disciplina História, quanto para às mudanças nos modos pelos quais as graduações passaram a encarar a docência durante a formação inicial.
Esperamos que os textos que integram este dossiê contribuam para discussões e reflexões acerca dos temas apresentados, uma vez que os artigos apontam para perspectivas sobre o que faz o professor / historiador, condição básica para a profissionalização. Cremos que o dossiê nos instiga a seguir pensando criticamente na condição e no lugar ocupado, hoje, pela História, pelo ensino de História e pelo historiador.
Mauro Dillmann
Francisco de Assis de Sousa Nascimento
Organizadores do Dossiê
DILLMANN, Mauro; NASCIMENTO, Francisco de Assis de Sousa. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.21, n.2., maio / agosto, 2017. Acessar publicação original [DR]
Protagonismo indígena e ensino de História: identidades, ação política e território | Revista Historiar | 2017
O presente dossiê da Historiar tem como tema o protagonismo indígena e o ensino de História, trazendo ao público trabalhos inovadores e relevantes realizados por pesquisadoras e pesquisadores em diferentes locais institucionais e momentos de sua formação. O conjunto de artigos que agora publicamos representa a vitalidade e a complexidade da temática indígena no campo da História, que vem se renovando desde o início dos anos 2000 com o aumento de pesquisas de excelência desenvolvidas em diversas universidades do país. Esses trabalhos mais recentes têm apresentado o foco em debates interdisciplinares, prezando pelo diálogo com a Antropologia histórica e construindo análises sobre identidades coletivas, ações políticas dos indígenas motivados por necessidades e interesses próprios e reelaboração de territórios das antigas aldeias coloniais. Os artigos deste dossiê apontam para períodos e objetos que vêm ganhando visibilidade na área, tais como o ensino de História voltado para a temática indígena, a prática de governos provinciais a partir da legislação indigenista do início do século XIX e a participação política dos índios nos debates políticos do Oitocentos e na defesa de suas terras. Leia Mais
História e Ensino de História: produção de saberes na formação e prática docente / História, Histórias / 2017
O dossiê intitulado Ensino de História, representa uma contribuição ao campo da formação de professores de História. As discussões acerca do Ensino de História têm se ampliando substantivamente o que, sem dúvida, aponta para a importância cada vez mais crescente de uma área que se consolida, pondo em relevo o trabalho daqueles que se dedicam ao fazer docente.
Nesse sentido, trazemos um conjunto de artigos com discussões devidamente contextualizadas que potencializam o debate da formação de professores de História, bem como renovam o nosso fazer e nos fortalece no contexto social a partir de práticas políticas, educativas e sociais muito amplas. São, portanto, produções que dotam de sentido o papel docente.
O presente dossiê aborda desde a prática docente ao uso de linguagens, e, por certo, contribuirá para/com o cotidiano escolar. Isto se constituiu efetivamente em uma das motivações da sua elaboração, ou seja, termos uma produção que também tem a aspiração de chegar aos Professores de Educação básica. Isto certamente, possibilitará que as investigações acadêmicas dialoguem com este universo, favorecendo o processo de atualização dos docentes, nos aspectos teóricos, metodológicos e historiográficos.
Com a proposição da temática, queremos que a edição seja mais um meio de discussões sobre os processos de ensino e aprendizagem de história, onde se analisem os aportes mais recentes e sua contribuição para a formação dos profissionais de história. Notadamente, quando chegamos a segunda década do século XXI assistindo os mais variados acontecimentos no contexto educacional e social, não só pelo número aterrador de conflitos, políticos, sociais e econômicos, como também a imensa quantidade de informações que nos chegam, quer sejam pelos meios de comunicação, quer sejam pelas chamadas redes sociais. Informações rápidas e superficiais.
Dessa maneira, o ensino de História exerce um papel muito importante e fundamental para poder compreender esse cenário e a sociedade da qual fazemos parte. Em vista disso, é evidente que a história, hoje, mais que nunca, requer compreensões minuciosas acerca do contexto em que vivemos.
Em sendo assim, a Revista História, Histórias do programa de pós-graduação em História da Universidade de Brasília – UnB, coloca o atual número à disposição do público, em particular aos leitores especializados, um conjunto de textos que está construído para apoiar a reflexão e a renovação no contexto escolar e na formação docente na perspectiva de um ensino de História atualizado e útil que a sociedade está a exigir.
Astrogildo Fernandes Silva Junior e José Josberto Montenegro de Sousa, em seu texto EXPERIÊNCIAS AUSENTES NO ENSINO DE HISTÓRIA: INQUIETANTES PRESSUPOSTOS PARA UMA REORIENTAÇÃO DA VIDA PRÁTICA, nos convidam a compreender como o ensino de história pode contribuir na formação dos jovens estudantes. Os autores apresentam resultados de um projeto que teve como objetivo analisar o potencial das diferentes fontes e das diferentes linguagens da cultura contemporânea no processo de ensino e aprendizagem em história. Para eles, o ensino de história na educação básica necessita reorientar suas práticas, abrangendo outras perspectivas epistemológicas, que possibilitem discutir a diversidade de experiências histórico-culturais negligenciadas e silenciadas.
André Luiz da Silva Cazula e Ana Heloísa Molina em ORIENTAÇÃO TEMPORAL E ENSINO DE HISTÓRIA: PERSPECTIVAS E PRÁTICAS DE PROFESSORES DE HISTÓRIA DA REDE ESTADUAL DE ENSINO. JACAREZINHO-PR. 2015, convidam-nos a pensar sobre as diretrizes para o ensino de História, publicadas pelo estadodo Paraná em 2008, e que possuem como principal referência norteadora a teoria da História engendrada por Jörn Rüsen. Com reflexões acerca das perspectivas e práticas docentes em relação às orientações curriculares, o texto é resultado da pesquisa, realizada com dois professores da rede estadual no Ensino Médio, na cidade de Jacarezinho-PR, no ano letivo de 2015, apresentando as apropriações e as estratégias utilizadas na mediação do conhecimento em sala de aula a partir das discussões propostas por MichelDe Certeau.
Edson Hely Silva analisa OS ÍNDIOS NA HISTÓRIA E O ENSINO DE HISTÓRIA: AVANÇOS E DESAFIOS. Para ele os povos indígenas no Brasil nos últimos anos conquistaram e ocuparam espaços sociopolíticos, questionando visões eurocêntricas, colonialistas e evolucionistas tratando os povos indígenas como primitivos, desaparecidos ou vítimas impotentes em extinção. O que além de exigir reformulações das teorias explicativas sobre a história e o destino desses povos, vem também exigindo discussões, formulações e efetivação de políticas públicas respondendo as demandas de direitos indígenas sociais específicos.
Jezulino Lúcio Mendes Braga nos apresenta em seu artigo SUJEITOS DE EXPERIÊNCIA: PROFESSORES DE HISTÓRIA NO USO PEDAGÓGICO DO MUSEU DE ARTES E OFÍCIOS,parte de sua pesquisa de doutorado na qual investiga a relação dos professores de história com a exposição do Museu de Artes e Ofícios em Belo Horizonte. Apresentando as experiências sensíveis dos docentes no museu o autor discute as escolhas que fazem para ensinar história, nos afirmando que a potencialidade dos museus para o ensino de história está na forma que dispõe os objetos, imagens e legendas e analiso dados sobre as mediações oferecidas pelo museu aos docentes.
Leonardo Nascimento Bourguignon, analisa, em seu artigo REPRESENTAÇÕES DOS NEGROS NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA DO ESPÍRITO SANTO (1964-1997), o papel do livro didático enquanto instrumento de propagação e consolidação de representações, mais especificamente das representações acerca do negro nos livros de história regional. O texto traz como constatação da pesquisa, que, apesar da permanência de uma escrita eurocêntrica, os livros produzidos por autores capixabas apresentaram, em diversos momentos, o negro como agente ativo na história local, mesmo antes da existência de uma legislação que assim os exigisse, e a frente inclusive de uma tendência nacional.
Magno Francisco de Jesus Santos em ENSINO DE HISTÓRIA, ESPAÇOS E CULTURA POLÍTICA BANDEIRANTE: JOSÉ SCARAMELI E A ESCRITA DE LIVROS ESCOLARES DE HISTÓRIA PARA CRIANÇAS, nos traz a discussão sobre a escrita da história para crianças no Brasil, a partir da experiência de Scarameli. Intelectual defensor dos ideais do movimento escolanovista, entre 1926 e 1934, Scarameli produziu um número significativo de livros escolares de História e de Moral e Cívica. Trata-se, pois, de uma discussão como estes livros expressaram as estratégias de difusão de uma cultura política bandeirante e a construção de representações acerca dos estados brasileiros com um protagonismo paulista.
Marcella Albaine Farias da Costa O QUE NARRAM LICENCIANDOS DE HISTÓRIA SOBRE O IMPACTO DA TECNOLOGIA EM SUA FORMAÇÃO INICIAL?. A autora nos revela de que forma professores de História em formação inicial –alunos das turmas de Didática Especial de História e Prática de Ensino de História da UFRJ e participantes do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) –significam sua trajetória profissional no que tange à temática da tecnologia. A experiência, foi pautada no olhar (auto) biográfico e utilizou-se da plataforma do Museu da Pessoa enquanto possibilidade metodológica.
Talia Meschiany e Verónica Hendel enveredam pelos caminhos do ENSINAR E APRENDER HISTÓRIA: REFLEXÕES EM TORNO DE EXPERIÊNCIAS DE FORMAÇÃO DOCENTE CONTÍNUA EM MEIOS VIRTUAIS NA PROVÍNCIA DE BUENOS AIRES. As autoras nos apresentam reflexões preliminares sobre um conjunto de práticas e representações do fazer de professores sobre o ensino da história, parte do Departamento de Educação Continuada(DFC) da Direcção-Geral da Educação e Cultura da província de Buenos Aires (DGCyE) durante os anos de 2015 e 2016. No texto analisam como a formação de professores em exercício através de Ambientes Virtuais de Aprendizagem (EVA) promovem e fortalecem as boas práticas de ensino.
Vitória Azevedo Fonseca, em CINEMA E ENSINO DE HISTÓRIA ENTRE DEBATES E PRÁTICAS, apresenta a partir de um rico debate sobre como usar filmes em salas de aula, especificamente no ensino de história, a experiência de exibição do mesmo filme (Sonhos Tropicais, André Sturn, 2002) para diferentes turmas do 9º ano do Ensino Fundamental, adotando procedimentos preparatórios diferenciados a fim de discutir e defender a importância de, além da alfabetização da linguagem cinematográfica refletir também sobre o desenvolvimento da compreensão dos estudantes dos debates e diálogos “historiográficos” estabelecidos pela narrativa audiovisual para compreensão das intertextualidades presentes nos filmes.
Por fim, Wilian Junior Bonete, em seu texto ALUNOS DA EJA FALAM SOBRE A HISTÓRIA ENSINADA: RELAÇÕES ENTRE HISTÓRIA E VIDA PRÁTICA, busca identificar e analisar o pensamento de um grupo de 66 alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), de uma escola Estadual no Paraná, sobre o conhecimento histórico e suas relações com a vida prática. Para tanto, estabelece diálogos com a concepção de consciência histórica, tal como proposto por Jörn Rüsen, bem como os pressupostos que embasam o campo investigativo da Didática da História.
Este dossiê discute, a partir de diversos olhares, as dimensões políticas e didáticas que atravessam nossas concepções de pensar a formação de professores. A qualidade dos textos resulta da soma de esforços de docentes de várias localidades do Brasil para produzirem um primeiro número da História, Históriadedicado ao Ensino de História, permitindo que, pela primeira vez, professores pesquisadores da área possam intercambiar textos, experiências e estratégias de ensino e aprendizagem de História. Uma ótima leitura!
Prof. Dr. Carlos Augusto Lima Ferreira. Brasil -Universidade Estadual de Feira de Santana –UEFS. e-mail: calfferreira@gmail.com
Ensino de história: “A história na sala de aula” / Escritas / 2017
O presente Dossiê, Ensino de História, “A História na Sala de Aula”, foi concebido tendo em vista a crescente necessidade de ampliar as discussões sobre a História em sua relação com o ensino, em especial, com as pesquisas articuladas aos saberes docentes na sala de aula. Pensamos no dinamismo da História e do seu ensino à medida que consideramos professores e alunos como sujeitos do conhecimento histórico. Conforme Silva e Fonseca (2007 p.63-64): “É nas relações entre professores, alunos, saberes, materiais, fontes e suportes que os currículos são, de fato, reconstruídos”.
Há que reconhecer que, com a institucionalização da Histórica no século XIX, a disciplina foi-se revestindo de um caráter científico, restrito apenas ao ensino superior. Porém, sabe-se que o conhecimento das regras e princípios que norteiam a escrita da história auxilia na capacidade de leitura da realidade, repleta de discursos de diferentes origens. Assim, professores, alunos e a sociedade em geral podem ser “habilitados” a ler esses diferentes discursos, como afirmam Marieta de Moraes Ferreira e Renato Franco (2016, p.10): “A abundância de informação acessáveis através de várias mídias (internet, televisão, vídeos, periódicos), que se apresentam de maneira rápida e fragmentada, exige uma capacidade de diferenciação, avaliação e de perspectiva temporal que só a História pode oferecer”. Leia Mais
Propostas e desafios nos usos de documentos históricos em sala de aula / História Hoje / 2017
É do conhecimento dos historiadores que depois dos Annales o conceito de documento histórico foi ampliado, abarcando materialidades diversas. Jacques Le Goff (1993, p.29) chegou a definir o momento como o de uma “revolução documental”. O resultado é que vivenciamos cada vez menos, em nosso ofício, resquícios de uma “exclusividade do registro escrito” na escrita da História. Nesse sentido, acreditamos que cabe aos professores refletirem sobre a força da centralidade dos documentos escritos e proporem contrapontos aos registros de práticas letradas do passado.
Hoje, é possível afirmar que todos os professores de história usam ou já usaram, pelo menos uma vez, documentos históricos em sala de aula, seja uma imagem, uma música, um filme, ou um trecho de códice. Com uma maior, porém ainda não ideal, democratização dos meios de informação, esses usos aumentaram nos últimos anos, pois com poucos cliques e palavras-chave digitadas é possível acessar bancos de dados digitais com acervos riquíssimos. Além disso, os melhores livros didáticos, em geral, trazem distintos tipos de registros documentais e informações de como analisá-los. Leia Mais
Patrimônio Cultural e Ensino de História / Mnemosine Revista / 2016
Ensinar história por meio de registros culturais é considerar que professores e professoras têm no próprio vivido seu objeto de ensino e aprendizagem. A sociedade em seus gestos arbitrários de lembrança e esquecimento produz rastros materiais e práticas culturais vinculadas a tradições, sons, saberes, que, potencialmente, servem para identificar as disputas simbólicas implicadas nos usos que são feitos do passado.
Tanto professores quanto estudantes em contato com registros culturais elaboram narrativas que são tensionadas frente à narrativas acadêmicas e à história ensinada. As narrativas elaboradas são híbridas e exercem influências nas matrizes curriculares. Os estudantes elaboram sentidos em diálogo com a história ensinada pelos professores que, por sua vez, utilizam das percepções subjetivas e propõem outras formas de entender a história, mais próxima do vivido, incorporando lembranças despertadas no contato com o patrimônio cultural.
Esse movimento é interferente na cultura escolar. As estratégias de uso educativo do patrimônio geram um saber ensinado original, em diálogo com outros materiais pedagógicos em sala de aula.
Este dossiê reúne artigos que refletem sobre as práticas de memória e aprendizagens da história. Textos que se propõe a compreenderas potencialidades de do trabalho com fios de memória tecidos por disputas simbólicas, em que estão presentes gestos de esquecimento, exercícios de rememoração e intencionalidades educativas. Vincula-se aos estudos que configuram os diferentes espaços formativos que interpretam o vivido por meio da cultura material e que se propõe a analisar sujeitos ignorados por uma narrativa histórica canônica e triunfalista.
O primeiro artigo discute a memória histórica na tensão com as narrativas produzidas em livros didáticos e outros materiais disponibilizados na escola. Joan Pagés e Joan Llusá (Universidade Autônoma de Barcelona) apresentam experiências desenvolvidas na formação de professores e alunos da educação básica. Com foco nas memórias traumáticas, analisam como os sujeitos constroem tramas narrativas em que estão presentes gestos de lembrança e esquecimento. O uso da história oral é destacado como método para verificar esses gestos na confrontação com o que é ensinado nas escolas.
O artigo de Vitória Azevedo da Fonseca intitulado Educação Patrimonial Encontra o Ensino de História: perspectivas teóricas em práticas educativas, propõe uma reflexão sobre o uso do patrimônio em sala de aula. A autora apresenta atividade construídas em salas de aula da educação básica focadas em uma educação sensível que são interferentes na elaboração de sentidos para a disciplina história.
Em outra perspectiva, Marcela Mazilli apresenta as construções simbólicas que estão presentes na elaboração das narrativas museais. Em Museu do Diamante: o projeto de construção de uma identidade nacional por meio da criação de museus em Minas Gerais pelo SPHAN nas décadas de 1940-1950, a autora revela os projetos políticos presentes no colecionismo que deram origem aos museus no Brasil na década de 40. Apresenta, em diálogo com a educação, um espaço potente para o debate sobre a nacionalidade e as escolhas arbitrárias presentes nos museus.
Leonardo Palhares e Helena Azevedo analisam a presença do ausente quando discutem escolhas feitas por professores da educação básica no ensino da história e cultura indígena. Os autores apresentam experiências desenvolvidas em uma escola de Belo Horizonte em que os estudantes expressaram suas concepções acerca dos povos indígenas por meio de imagens. Questionam em que medida os livros didáticos mobilizados por professores em sala de aula possibilitam uma reflexão sobre a cultura indígena na medida em que muitos apresentam estereótipos sobre esses sujeitos esquecidos em uma narrativa histórica canônica e triunfalista.
O artigo subsequente destaca a legislação pertinente sobre a educação indígena em diálogo com conceitos presentes em uma literatura especializada. Elisom Pain, Patrícia Magalhães e Tatiana de Oliveira Santana, propõem olhar para a educação escolar indígena em processos na relação com o patrimônio cultural. No artigo Educação Escolar Indígena como Patrimônio Cultural, os autores discutem as leis relacionadas a educação indígena interconectadas a conceitos como de interculturalidade e entre- lugar.
Luciano Roza apresenta a possibilidade de discutir a positivação das memórias afro-brasileiras e africanas em museus digitais. Em seu artigo O Museu Digital da Memória Afro-Brasileira e Africana: potencialidades para o reposicionamento da experiência histórica afro-brasileira no mundo virtual discute as transformações nas representações sobre o negro no questionamento de narrativas históricas trazendo como possibilidade o uso da internet. O autor questiona em que medida esses instrumentos são usados para revelar o protagonismo de sujeitos antes subalternizados pelo discurso histórico ou se também podem circunscrever o passado do negro a eventos muito específicos impossibilitando a representação de suas ações a movimentos políticos mais amplos como o processo de independência do Brasil, por exemplo.
Os quatro últimos artigos estão focados na chamada educação museal. A Educação Museal é um processo no qual são ofertadas atividades pedagógicas pelos pelas instituições de guarda e preservação, mas também propostas por professores que realizam visitas com estudantes a esses espaços de formação e outros sítios e monumentos cuja questão da memória e do patrimônio cultural implique em uma abordagem educativa. Esse processo está relacionado à capacidade dos museus de produzirem conhecimentos. Os museus são instituições privilegiadas que propõem uma narrativa memorial constituída na visualização de objetos de cultura material, legendas, focos de luz, totens multimídia, entre outras soluções expográficas. Dessa forma, a educação por meio dos museus se estabelece na visualização de bens materiais expostos ao olhar que potencializam a aprendizagem sensível da cultura
Soraia Dutra e Maria do Céu analisam experiências educativas desenvolvidas em Inhotim, a partir de materiais pedagógicos disponibilizados para professores no projeto Descentralizando o acesso. As autoras investigam ações desenvolvidas por professores que utilizaram desses materiais e propõe discutir como museus e escolas podem estabelecer parcerias garantido a especificidade de cada espaço institucional.
Júlio César Virginio em Práticas de Memória em Ensino de História: as ressonâncias de uma prática com o museu, apresenta as potencialidades do espaço museal para ensinar história. Em seu texto, apresenta reflexões sobre as ressonâncias de uma prática educativa no ensino de história desenvolvida em um museu da cidade de Belo Horizonte no ensino da Pré-História do Brasil. Segundo o autor, a prática educativa e de memória é parte de um processo iniciado antes da visita e que prossegue após a visita, considerando as dinâmicas próprias da sala de aula.
Marlene Jéssica Souza Brito e Elizabeth Aparecida Duque Seabra em Saberes dos estudantes sobre patrimônio Cultural nas aulas de história apresentam os resultados iniciais de um projeto de trabalho desenvolvido junto a estudantes do ensino fundamental e médio na cidade de Couto de Magalhães de Minas, na região do Alto Jequitinhonha. O trabalho aponta as formas como os estudantes se apropriam do patrimônio cultural da cidade frente às demandas de preservação e como utilizam esses espaços públicos. A partir das respostas dos estudantes frente à questão da memória e patrimônio local foram elaboradas categorias capazes de entender o movimento de apropriação que inclui valores econômicos, afetivos, identitários e históricos.
Em outro artigo, Soraia Dutra expõe resultados de uma pesquisa feita no setor educativo do Museu Histórico Abilio Barreto. Em A Reinvenção do Museu e o Reencontro com a Escola, a autora debate sobre a importância de estruturação setores educativos nos museus. Localiza ações desenvolvidas no MHAB e analisa expectativas dos professores na relação com o museu, discutindo a escolarização de práticas pedagógicas.
Por último, Jezulino Lúcio, Maria Fernanda e Laudiene Maciel relatam uma experiência desenvolvida na cidade de Campanha, Minas Gerais, em que usam o museu e a cidade em processos formativos com professores e estudantes de uma escola pública. Em Itinerários e Visões da Cidade: Educação para o Patrimônio nas Relações com as Narrativas Visuais da História, os autores debatem o espaço urbano e as relações subjetivas impresas em modos de ver e sentir a cidade nas práticas culturais que são definidoras de identidades. O projeto desenvolvido na cidade de Campanha estabeleceu relação entre a narrativa do Museu Regional do Sul de Minas e o espaço urbano. Por meio de atividades formativas com professores e estudantes, discutimos o patrimônio oficializado pela politica publica municipal e os gestos arbitrários da narrativa museal, ao mesmo tempo em que revelamos outras formas de ler a cidade estimulando habilidades visuais, auditivas e táteis.
Esperamos que esse dossiê possa estimular atividades que considerem as referências culturais para o ensino de história compreendendo as potencialidades de aprendizagens que rompem com visões unívocas sobre o nosso passado. Os textos apresentam os diferentes espaços formativos que interpretam o vivido por meio das referências culturais, em metodologias aplicadas no contexto escolar e fora dele. Consideramos ainda que o debate proposto contribui para um ensino de história sensível, crítico e reflexivo que têm como foco a rediscussão do lugar de grupos esquecidos pela escrita da história nos processos de luta e transformação política e social.
Jezulino Lúcio Mendes Braga – Doutor. Departamento de Organização e Tratamento da Informação Escola de Ciência da Informação Universidade Federal de Minas Gerais
Elizabeth Aparecida Duque Seabra – Professora de Prática de Ensino de História Coordenadora do PIBID UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI
BRAGA, Jezulino Lúcio Mendes; SEABRA, Elizabeth Aparecida Duque. Apresentação. Mnemosine Revista, Campina Grande – PB, v.7, n.4, out / dez, 2016. Acessar publicação original [DR]
Ensino de História / Locus – Revista de História / 2016
A proposta daorganização do dossiê temático “O ensino de História como campo de pesquisa” surgiu de recentes diálogos travados entre um grupo de professores formadoresda Universidade Federal de Juiz de Fora que, a partir de seus respectivos lugares de atuação profissional (o Departamento de História e o Departamento de Educação), tem buscado refletir e delinear ações conjuntas voltadas para a formação dos futuros professores de História. Tais diálogos refletem o desejo de superação das barreiras físicas e institucionais ainda presentes quando se trata da desafiante e imprescindível tarefa de formar professores.
A aproximação entre esse grupo de professores não tem se dado por acaso, mas a partir de uma sensibilidade partilhada que busca responder a uma demanda crescente da formação para o magistério, como sinalizam pesquisas que situam a formação de professores de História no Brasil [1]. A assunção da tarefa de formar professores de História como projeto institucional coletivo tem possibilitado avanços, na medida em que potencializam um movimento, senão de ruptura, ao menos de questionamento de concepções de formação há muito arraigadas nos cursos de licenciatura em História no Brasil.
Destacamos, em particular, a necessária superação de uma perspectiva de formação de professores historicamente dominada pela hierarquização entre os saberes históricos e os saberes pedagógicos, na qualo domínio daqueles saberes, advindos da ciência de referência, tem sido vislumbrado como eixo estruturante da profissionalização do professor. Por seu turno, os saberes pedagógicos têm assumido posição marginal, que se observa tanto no reduzido espaço atribuído às denominadas disciplinas pedagógicas nos currículos dos cursos de licenciatura quanto nas concepções circulantes em torno de tais saberes, os quais são alçados à condição de fazeres técnicos e acessórios, desprovidos de uma dimensão epistemológica. Dessa concepção de formação resultam compreensões um tanto simplistas acerca do ensino de História, o qual é compreendido enquanto ação pragmática e alicerçada exclusivamente no domínio de conteúdos disciplinares pelos professores.
A apostaque fazemos caminha no sentido oposto a talprojeto de formação. Nessa direção, partilhamos da perspectiva segundo a qual ensinar História pressupõe uma atitude investigativa, ancorada em saberes de natureza epistemológica própria, que configuram o domínio da Didática da História. Acreditamos que o ensino de História – campo de pesquisa cuja trajetória de institucionalização esteve intrinsecamente vinculada à reflexão acerca dos saberes que servem de base à formação do professor – seja o terreno capaz de fornecer ferramentas conceituais e analíticas para a compreensão da complexa tarefa de ensinar História. Enquanto espaço-tempo de produção de conhecimento que se constitui na fronteira entre a História e a Educação [2], o campo do ensino de História tem nos possibilitado olhar para o fenômeno educativo em suas dimensões complexas e plurais, posto que compreende os processos de escolarização como construção demarcada por interações entre múltiplos atores e saberes, que não se esgotam no domínio do saber disciplinar. A compreensão dessas interações, que traduzem a dinâmica de ensino e aprendizagem em História, constitui o objeto nuclear de investigação do campo do ensino de História.
O presente dossiê traz a público um recorte de produções que, situadas no domínio das problemáticas próprias do ensino de História, apresentam investigações relacionadas aos processos envolvidos no ensino e na aprendizagem em História. Orientados por abordagens, recortes e enfoques diversificados, tais artigos refletem o estágio de amadurecimento do campo, que tem se caracterizado pela densidade teórica, pela abertura temática e pela diversidade de objetos de investigação [3]. Do universo de artigos que compõe o dossiê, é possível observar investigações centradas desde os contextos escolares e suas interações cotidianas, àquelas focadas no próprio campo de produção de conhecimento histórico. No que tange às abordagens metodológicas, o leitor irá encontrar desde pesquisas colaborativas a análises de cunho etnográfico. Por fim, mas não menos importante, os artigos se caracterizam pela diversidade de atores investigados, como professores e alunos, ressaltando-se as pesquisas em torno da cultura juvenil.
É neste sentido de provocar o discurso educacional de formação de professores de História que se inserem os desafios propostos pelos diversos artigos apresentados neste número da revista Locus. Mas também se trata de um convite a ensaiar a produção de formas curriculares e de práticas de ensino que envolvam cultura digital, cinema, juventude, religiões, enfim, ações que estabeleçam relações entre o ensino de História e a produção de novas subjetividades no mundo contemporâneo.
Os dois primeiros artigos trazem para discussão aspectos ligados às problematizações do ensino e aprendizagem da História envolvendo juventude e suas questões. No artigo que abre este dossiê – “Investigar la enseñanza y el aprendizaje de la historia en la cultura digital” – Graciela Funes e Miguel A. Jara discutem a importância do ensino de História na cultura digital. Para isso destacam o aspecto sempre inacabado da formação inicial e continuada no desafio de olhar e reconhecer as questões e / ou problemas da atualidade que afetam as salas de aula. Os autores insistem no fato de que neste cenário atual se torna necessário observar atentamente os processos de aprendizagem da História, os modos como se constróem e reconstróem os entendimentos de ensino e aprendizagem de História em meio à cultura digital.
No artigo subsequente, “Afirmações e resistências: cultura escolar e juventude”, os pesquisadores Alessandra Nicodemos Oliveira Silva, Ana Carolina Oliveira Alves e Henrique Dias Sobral Silva buscam identificar e analisar processos de afirmação e resistência presentes na cultura escolar e que são vivenciados por alunos de uma escola estadual do Rio de Janeiro. O encontro desses autores se dá a partir das suas experiências com o estágio, oportunizando o encontro entre formação e sala de aula. A escola é trazida para discussão como lugar de negociação e de encontros entre as diferenças, colocando em funcionamento processos de afirmação e de resistências. O foco das análises é uma turma marcada por divergências e segregações, reconhecendo os fenômenos educacionais como esferas a serem investigadas em suas complexidades na escola e seus desdobramentos no mundo do trabalho.
Numa linha de condução mais preocupada com as questões que afetam a formação de professores, temos o artigo de Rafael Gonçalves Borges – “Didática da História e a ciência da Educação: problematizações para a formação de professores” – em que o autor concentra suas análises na história do ensino de História no Brasil, buscando problematizar o que ele chama de “afastamento” entre a Didática da História e a ciência da Educação. Um artigo que situa as mudanças percebidas nos últimos anos a partir do fortalecimento de debates e pesquisas influenciadas pela Didática da História alemã, aventando as possíveis implicações desse processo na formação do professor de História e emsua identidade.
Em seguida, temos dois artigos que tomam os filmes e o cinema para pensar suas relações com a História e o ensino de História. No primeiro artigo, intitulado “Cinema, estudos urbanos e ensino de História como campo de pesquisas: o caso da produção de curtas-metragens na cidade de São José do Rio Preto / SP”, os autores Rodrigo R. Paziani e Humberto P. Neto trabalham com a produção de curtas que trazem a discussão das cidades e o ensino de História. Mais do que isso, estão preocupados em estabelecer, a partir dessas produções, as relações de produção de conhecimento histórico acadêmico e o histórico escolar. O segundo artigo também mantém a discussão em torno do cinema e ensino de História. Concentrando a análise nas relações entre os filmes históricos e o ensino, Vitória Azevedo da Fonseca tem como argumento central a utilização dos filmes para além do seu entendimento como documento. Por meio de seu artigo, com o título de “Filmes históricos e o ensino de História: diálogos e controvérsias”, a autora analisa cinco itens para pensar os desafios e potencialidades do uso dos filmes no contexto da sala de aula.
Os dois últimos artigos envolvem as questões ligadas à história oral, narrativas e memórias. Elaine Lourenço e Juliano C. Sobrinho retomam a discussão entre encontros do saber acadêmico e o saber escolar em seu artigo, com o sugestivo título “Para além da história da Princesa: o saber histórico escolar e as disputas de memórias”, por meio do qual os autores problematizam o uso do livro didático, as escolhas curriculares, a história oral e as memórias que estão na sala de aula. Para isso, tomam uma experiência docente para propor outras abordagens do conteúdo. Por último, apresentamos o artigo de Frederico A. Mota, no qual aparece uma problemática atual para a realidade brasileira, as religiões afro-brasileiras e sua presença na educação. “As religiões afro-brasileiras: uma possibilidade de abordagem na educação formal”, último artigo do dossiê, propõe a discussão desse tema, baseado numa pesquisa realizada com estudantes do ensino fundamental a respeito das relações que estabelecem com as questões afro-brasileira, especialmente as religiões. Questões que nos chamam para pensar o ensino de História e a formação dos estudantes.
Finalizamos nossa breve apresentação ressaltando que a publicação deste número temático reflete o reconhecimento do necessário posicionamento institucional do Ensino de História enquanto campo de produção de conhecimento, cuja reflexão acumulada tem muito a contribuir não apenas para o redimensionamento de nossas práticas orientadas para a formação dos futuros professores de História, como também para a abertura de novas perspectivas de pesquisa em Ensino de História.
Nota
1. FONSECA, Selva Guimarães. A formação do professor de história no Brasil: novas diretrizes, velhos problemas. In: REUNIÃO DA ANPED, 24., 2001, Caxambu. Disponível em: . Acesso em: 2 out. 2016. FONSECA, Selva Guimarães; COUTO, Regina Célia do. A formação de professores de História no Brasil: perspectivas desafiadoras do nosso tempo. In: FONSECA, Selva; ZAMBONI, Ernesta. Espaços de formação do professor de História. Campinas, SP: Papirus, 2008. p. 101-130.
2. MONTEIRO, Ana Maria; PENNA, Fernando. Ensino de História: saberes em lugar de fronteira. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 36, ano 1, p. 191-211, jan. / abr. 2011.
3. ZAMBONI, Ernesta. Panorama das pesquisas no ensino de História. Saeculum –Revista de História, n. 6 / 7, jan. / dez. 2000 / 2001.
Anderson Ferrari
Yara Cristina Alvim
FERRARI, Anderson; ALVIM, Yara Cristina. Apresentação. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.22, n.2, 2016. Acessar publicação original [DR]
O Ensino de História / Revista Historiar / 2016
Nos últimos anos o Ensino de História tem cada vez mais se consolidado como um campo de estudos da História e como objeto de pesquisa dos historiadores, algo que nem sempre aconteceu. Até a década de 1960, o Ensino de História foi visto como uma área de formação e não como objeto de pesquisa, estabelecendo-se, assim, uma relação dicotômica que criou uma separação entre ensino e pesquisa, como se essas duas atividades não pusessem ser realizadas concomitantemente. O surgimento das pós-graduações em História no Brasil a partir dos anos 1970 acentuou essa separação na medida em que passaram a atribuir às pós-graduações em Educação a tarefa de pensar o ensino e a aprendizagem em História.
Somente no final da década de 1970 é possível perceber o início de uma mudança nesse cenário, mudança essa que significou uma resposta aos retrocessos cometidos pela ditadura militar, principalmente através da lei 5.692 / 71, que fundiu as disciplinas de história e geografia criando a disciplina de estudos sociais, instituiu a obrigatoriedade do ensino profissionalizante para o então 2º grau e criou as licenciaturas curtas, desvalorizando e precarizando ainda mais a profissão de professor.
Assim, no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, as questões relativas à formação de professores, aos currículos escolares, aos livros didáticos, ou seja, ao Ensino de História de uma forma geral passaram a ser preocupação dos historiadores, que transformaram esses temas em objeto de reflexão, análise e pesquisa em cursos de graduação e pós-graduação em História.
Não à toa começaram a surgir novos espaços de discussão sobre esse campo de estudos, como o Seminário Perspectivas do Ensino de História, que teve a professora Elza Nadai como uma de suas principais lideranças, e o Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História; além dos Laboratórios de Ensino de História, destacando-se o pioneirismo do trabalho do laboratório da Universidade Estadual de Londrina e da Universidade Federal de Uberlândia. Hoje, podemos dizer que já são dezenas de encontros, seminários, laboratórios e grupos de estudo e pesquisa espalhados pelo Brasil que têm como objetivo pensar o ensino e a aprendizagem em História.
É preciso destacar que o curso de História da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) não foge à regra e também tem buscado nos últimos anos colaborar com as discussões sobre o assunto, criando espaços de discussão, seja através da realização de eventos voltados para a área; do LEAH, o Laboratório de Ensino e Aprendizagem em História que dispõe de um razoável acervo de livros didáticos disponível para consulta; e do curso de especialização em Ensino de História oferecido à comunidade.
O presente dossiê sobre Ensino de História da Revista Historiar vem ao encontro dessas preocupações e representa mais uma iniciativa do colegiado de História da UVA com as questões relativas ao ensino, abrindo espaço para professores de trajetória acadêmica já consagrada, mas também para graduandos que iniciam o exercício de refletir sobre seus objetos de pesquisa e de escrever sobre eles.
Francisco Edmar de Lima Ferreira e Francisco Gleison da Costa Monteiro relatam uma experiência de trabalho com bolsistas do PIBID do curso de licenciatura em História da Universidade Federal do Piauí, que culminou com a produção de um jornal escolar.
Geovan Nobre de Araújo toma como objeto de análise os livros didáticos de história voltados para as turmas do 2º ano do Ensino Médio, e reflete sobre a forma como os mesmos retratam a Revolução Inglesa. O autor não se restringe apenas a análise dos conteúdos, mas estende sua reflexão sobre a materialidade dos livros didáticos de história.
Maruza Monteiro de Araújo, Victor Rodrigues de Almeida e Francisco Dênis Melo fazem uma reflexão sobre os desafios de ensinar história na contemporaneidade
Os artigos de Francisco Dênis Melo e Francisco Régis Lopes Ramos refletem sobre o uso dos museus como espaços educativos e, mais especificamente, para o ensino e aprendizagem em História. O primeiro toma como mote da sua discussão o Museu Dom José, em Sobral, apresentando as possibilidades de trabalhar não só a História de Sobral, mas da região Norte do Ceará. O segundo apresenta algumas reflexões sobre uma metodologia de trabalho com os objetos intitulada de objeto gerador, que pode ser aplicada tanto nos espaços museológicos quanto dentro da escola.
Faz-se urgente e necessário, no atual momento, intensificarmos os debates sobre o ensino e a educação de um modo geral, já que nos últimos meses a educação brasileira tem sido alvo de severos ataques de projetos como o Escola sem partido, que cria um estado policialesco dentro da escola e criminaliza o trabalho do professor; e a Medida Provisória 746 / 2016 do governo ilegítimo de Michel Temer, que pretende reformar o Ensino Médio no país, propondo mudanças que são tão ou mais nocivas que a reforma educacional realizada durante a ditadura militar.
Portanto, não só a disciplina de história, mas a educação como um todo está sendo ameaçadas pela ascensão conservadora no país que pretende amordaçar o professor e impedir uma educação cidadã, inclusiva e plural. Em tempos como esse, refletir sobre o Ensino de História é antes de tudo um ato de resistência.
Agradecemos a todos (as), boa leitura e debate!
Ana Amélia Rodrigues de Oliveira – Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA
OLIVEIRA, Ana Amélia Rodrigues de. Apresentação. Revista Historiar. Sobral, v. 8, n. 14, 2016. Acessar publicação original [DR]
Ensino de história e o ofício do historiador / Fato & Versões / 2016
É com imensa alegria que o Conselho Editorial da Revista Fato & Versões lança mais um número, este referente ao segundo semestre de 2016 cujo tema central é o Ensino de história e o ofício do historiador. Organizar um dossiê com esta temática neste tempo de retrocessos institucionais e de patrulha no trabalho dos professores não é uma tarefa fácil, porém extremamente necessária para divulgar as pesquisas nesta área e, ao mesmo tempo, atuar politicamente na denúncia dos projetos que o poder legislativo em todo país tentam impor a nossa disciplina.
O projeto conhecido como “escola sem partido” e o ataque às propostas de discussão de gênero na educação básica são as partes mais visíveis deste momento conservador e autoritário que vivemos.
Entendemos que a universidade pública e os cursos de história têm um papel político relevante em tempos como este. Cabem aos profissionais que atuam nestes lugares promover o debate e atuar para que estes retrocessos não sejam oficializados e, mais do que isso, colocar no espaço público pesquisas e visões sobre o ensino e os sujeitos que dele fazem parte para contrapor a estas concepções junto à população em geral.
Sabemos que a disputa é desigual em função da pequena capacidade de circulação destes trabalhos e de nossas revistas científicas, mas acreditamos cumprir uma função relevante ao criar espaços de debate que não são únicos e que podem chegar aos nossos colegas professores de outras universidades e de diversas instituições da educação básica.
Neste número da revista Fato & Versões temos uma variedade de artigos que tratam do ensino de história pensando a relação da universidade com a educação básica nas disciplinas de estágio e a necessidade da disciplina de intervir nas discussões vivenciadas na sociedade como no texto de Renilson Rosa Ribeiro e Luís César Castrillon Mendes. Este também é o tema do texto das pesquisadoras Jaqueline Aparecida Martins Zarbato e Vivina Dias Sól Queiróz que discutem o ofício do historiador e a importância da relação entre teoria e prática na formação inicial dos professores.
Em sintonia com os debates atuais as pesquisadoras Ana Carolina Eiras Coelho Soares e Esdra Basílio discutem sobre as relações de gênero a partir de imagens construídas do corpo feminino na mídia impressa e suas funções pedagógicas. O artigo destaca também a importância do movimento feminista como marco de disputas e de atuação histórica das mulheres.
Gilberto Cezar Noronha, Jaqueline P. Vieira da Silva e Rosemary Ribeiro recuperam a produção intelectual da revista Cadernos de História, da Universidade Federal de Uberlândia, para tratar do atual processo de revisão do ensino de História. A partir destes textos trazem valiosas contribuições para pensarmos sobre os embates vividos no país e os desafios do ensino de história na educação básica. Ainda no campo das reflexões sobre o ofício de professor e as condições de atuação na educação básica temos um texto bastante autoral de Elias Coimbra Silva que parte das suas próprias experiências nas escolas públicas de São Paulo para discutir as condições de trabalho e de luta dos docentes para garantir seus empregos.
Para finalizar o dossiê temos dois artigos que tratam mais especificamente das questões metodológicas. O texto de Maria Helena Gondim Almeida parte de suas experiências docentes da educação básica para mostrar o potencial do teatro na sala de aula como mediação entre o conteúdo e a prática didática. A autora destaca ainda no artigo as possibilidades desta proposta como instrumento para explorar a capacidade criativa dos alunos e aglutinar diferentes disciplinas para construção de uma prática pedagógica interdisciplinar. Fabrícia Vieira Araújo e Leandro Garcia Pinto analisam as políticas públicas voltadas para os Direitos Humanos e sua relação com a Educação. Os autores interpretam o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos e discutem como esta política e suas visões chegam nos livros didáticos. O tema dos direitos humanos na educação é relevante neste momento por percebermos os embates na sociedade brasileira e a tentativa de retirada de uma série de direitos duramente conquistados por uma parcela significativa de trabalhadores brasileiros.
Este número conta ainda, com dois textos na seção de artigos. O primeiro de Juliana B. Cavalcanti discuti o mundo romano e sua relação com a escravidão destacando as relações de poder nas comunidades paulinas e problematizando as construções históricas da relação de Paulo com a escravidão. Por fim, temos o artigo da pesquisadora Elismar Bertolucci de Araújo Anastácio sobre o escritor Hélio Serejo (1902-2012). A autora busca a narrativa deste escritor para entender a construção das “fronteiras”, a ocupação territorial no sul de Mato Grosso e os sentimentos dos sujeitos fronteiriços nesta região.
Boa leitura a todos,
Renato Jales Silva Junior
Dilza Porto
SILVA JUNIOR, Renato Jales; PORTO, Dilza. Apresentação. Fatos e Versões. Campo Grande, v.8, n.16, 2016. Acessar publicação original [DR]
Didática da História e ensino de História / Antíteses / 2016
As reflexões em torno do ensino de História (também) vêm de longa data. No caso do Brasil, desde o início do século passado, diversos trabalhos têm se caracterizado por propor reflexões em torno dos objetivos, finalidades e métodos de ensino. Esses estudos caracterizaram-se de forma predominante pela proposição de metodologias de ensino mais eficazes, visando superar o chamado ensino tradicional, e por definir objetivos e finalidades direcionadas à função do conhecimento na formação da personalidade e do comportamento cívico dos educandos.
Uma característica predominante no longo processo de consolidação desse Código Disciplinar tratou-se da cristalização dos conteúdos em torno de uma visão predominante da história como uma grande narrativa, no chamado modelo quadripartite – história antiga, medieval, moderna e contemporânea – que privilegia uma abordagem político-econômica, com centralidade na concepção de herança judaico-cristã como raiz do “mundo ocidental”, que depois se subdivide em diversas histórias nacionais particulares.
Outra característica relevante é a centralidade que tiveram, e ainda têm, as discussões influenciadas por teorias advindas dos campos da psicologia e da pedagogia para refletir sobre o ensino e a aprendizagem da História. Nesta perspectiva, quando se trata de discutir o ensino, o foco se estabelece na busca por estratégias de ensino que facilitem a aprendizagem. E quando a discussão é a aprendizagem, há uma ênfase em concepções cognitivistas, que abordam o problema do aprender em concepções predominantemente psicológicas, distanciando-se dos aspectos relacionados à epistemologia do conhecimento histórico, que influenciam no processo de aprendizagem (URBAN, 2009).
Em contraponto a essas abordagens historicamente hegemônicas, os estudos da Didática da História tem se difundido no Brasil a partir de proposições inovadoras. Essas reflexões surgiram na Alemanha nos anos 1970, e alargaram as preocupações com a história produzida nas universidades e a história ensinada nas escolas, tomando como objeto de investigação e reflexão as formas como o pensamento histórico era partilhado pela sociedade e quais efeitos sociais e culturais produzia.
Klaus Bergmann (1989) postulou os fundamentos básicos da Didática da História, definindo três tarefas para essa área do conhecimento. Uma tarefa empírica, que teria como fundamento a investigação dos processos de internalização, reprodução, produção e divulgação do conhecimento histórico, entendidos como processos coletivos da formação da consciência histórica, conduzidos por sujeitos que agem em contextos e experiências específicos. A tarefa é reflexiva, que revelaria elementos didáticos internos à ciência histórica e analisaria seu significado geral para a vida humana prática, a partir da explicitação de processos de ensino / aprendizagem e formação e autoformação dos indivíduos, grupos e sociedades a pela História e a partir dela. E a tarefa normativa, que ressalta a regulamentação da História nos processos de ensino, nos contextos de orientação da vida prática e nas apropriações que são feitas dessa ciência pelos meios de comunicação de massa.
Esse enquadramento proposto por Bergmann sugere o caráter dessa concepção de Didática da História, que entende o conhecimento histórico como vinculado a um conjunto de processos de formação cultural dos indivíduos, de representações da memória e de lutas político-sociais. Sendo que as três tarefas definidas se articulam aos objetivos de investigação e reflexão, especialmente sobre a natureza especificamente histórica do pensamento e da explicação histórica, bem como de normatização das formas de transmissão e publicização do conhecimento histórico.
Seguindo essa mesma vertente, Jörn Rüsen (2012) define a Didática da História como ciência da aprendizagem histórica. A partir dessa definição, busca fundamentar a superação daquelas visões tradicionais, que concebiam a Didática da História como área voltada à formação de professores, a partir da transmissão de técnicas e métodos de ensino. Nesse enfoque, passa a ser central o papel da teoria da consciência histórica. Há uma preocupação em envolver sujeitos aprendizes no processo de investigação e reflexão sobre a aprendizagem histórica. A expansão para a análise global de todas as formas e funções da consciência histórica leva, portanto, a Didática da História a ser compreendida como autônoma, uma subdisciplina da ciência da História.
Para esclarecer melhor essa noção abrangente da Didática da História como uma subdisciplina no campo da ciência histórica, Rüsen retoma e reestrutura a definição das três funções atribuídas a essa área do conhecimento, estabelecendo que as três tarefas seriam a empírica, a normativa e a pragmática. Essa reorganização se dá no sentido de desenvolver uma compreensão global das formas e funções do conhecimento histórico na formação dos indivíduos, bem como estabelecer parâmetros científicos, metodológicos e normativos para o encaminhamento dos estudos sobre ensino e aprendizagem da História.
Dentre as tarefas a serem cumpridas no campo empírico, Rüsen (2012) define: examinar processos reais pelos quais se manifestam as diferentes condições da aprendizagem histórica; analisar suas formas e resultados, bem como seu papel no processo de individualização humana; perseguir o objetivo da aprendizagem histórica e descrever sua diversidade concreta; identificar seus fatores e esclarecer sua relação sistemática.
As funções normativa e pragmática são complementares, e se referem ao aspecto ativo da Didática da História como campo de conhecimento definidor de parâmetros, critérios, métodos e diretrizes para a aprendizagem histórica. Normativamente, Rüsen considera que a Didática da História deveria: levantar a questão do que deve ser a aprendizagem histórica; investigar pontos de vista nos quais a aprendizagem histórica deve influenciar, planejar, moldar, dirigir e controlar; e justificar tais pontos de vista como condições consensuais dos objetivos de ensino e da aprendizagem histórica.
No campo pragmático, a função da Didática da História se relacionaria a definições no campo da prática docente, como por exemplo: definir como a aprendizagem histórica pode ser organizada de acordo com planos e metas pré-determinadas; examinar estratégias do aprendizado histórico; analisar a prática em sala de aula, a experiência do professor e as regras e práticas. Enfim, trata-se de uma dimensão em que tal campo do conhecimento tomaria por tarefa analisar e refletir sobre a prática direta com o ensino da História.
Entendendo assim a Didática da História como ciência da aprendizagem histórica, que se fundamenta nos pressupostos da teoria da consciência histórica, Rüsen define também quatro temas: primeiramente a metodologia do ensino na sa la de aula, especialmente em razão da necessidade de superação do distanciamento entre ensino e alunos; em segundo lugar, a investigação da função do acontecimento e da explicação histórica na vida pública, no qual se inserem todas as formas de representação da experiência histórica; o terceiro tema seria o estabelecimento da finalidade do ensino de história, ou do que se espera que o conhecimento histórico mobilize nos estudantes; e por fim, o quarto tema seria investigação da natureza, da função e da importância da consciência histórica, a partir da qual entende-se que há conexões temporais essenciais num conjunto de operações mentais que definem o pensamento histórico e sua função na cultura humana.
Tomando como base essas contribuições, pensar e investigar o ensino de História hoje deixa então de ser uma questão de estratégia pedagógica, pois a escola é entendida como um espaço de difusão do pensamento histórico, o que se torna também objeto de pesquisa. Já a aprendizagem histórica deixa de ser pensada como processo cognitivo subjetivo, e surge um conjunto de investigações e proposições teóricas que visam identificar as interfaces entre a aprendizagem histórica e a forma como o pensamento histórico circula culturalmente.
Na mesma época em que surgiram os estudos da Didática da História na Alemanha, estudiosos ingleses também questionaram as formas hegemônicas de abordagem da aprendizagem histórica. Os estudos desenvolvidos por esses investigadores, conhecidos como Educação Histórica, que se difundiram posteriormente por países como EUA, Canadá, Espanha e Portugal, e mais recentemente no Brasil, se caracterizaram por problematizar as concepções de aprendizagem histórica fundamentadas conceitualmente na psicologia da aprendizagem, e encontraram nas discussões epistemológicas sobre o conhecimento histórico interfaces para desenvolver estudos sobre a aprendizagem histórica de crianças e jovens.
As duas vertentes, a Didática da História e Educação Histórica, chegaram ao Brasil e à América Latina nas décadas de 1990-2000, e têm contribuído de forma muito intensa para alargar as reflexões sobre o ensino de História. Esse alargamento se caracteriza tanto pela inovação teórica, que permite questionar o ensino como um processo consolidado de transmissão de conteúdos históricos, e a aprendizagem como processo individual de assimilação de informações históricas. E, do ponto de vista metodológico, têm permitido estruturar investigações que utilizam variadas abordagens, apresentando problemáticas e instrumentos diversificados de pesquisa, trazendo contribuições relevantes para se pensar a importância da história na sociedade, bem como do ensino de história na construção das identidades e do pensamento histórico dos sujeitos.
Nesse sentido, a denominação tradicional Ensino de História, já não pode ser pensada como categoria isolada. Uma vez que os estudos sobre conceitos, conteúdos e métodos do ensino de história, em ambientes escolares, não pode mais fugir ao debate sobre os impactos sociais do conhecimento histórico mobilizado na aprendizagem, nem deixar de contemplar as discussões da Didática da História, que objetivam alargar as reflexões e repensar o ensino em uma relação dialógica entre os sujeitos que mobilizam o conhecimento histórico nas interações sociais.
Devido à maior abrangência e possibilidade de aglutinação de diferentes formas e tendências de investigação, optou-se por denominar esse Dossiê “Didática da História e Ensino de História”, visando agregar contribuições renovadas nas pesquisas sobre ensino e aprendizagem histórica, sem menosprezar ou segregar quaisquer estudos que se preocupem com as formas pelas quais a história é ensinada, aprendida, difundida e partilhada, tanto em espaços de escolarização quanto na sociedade em geral.
Vale ressaltar que se trata de um campo de investigações amplo e com uma significativa profusão de trabalhos empíricos e teóricos publicados na última década, revelando uma inclinação a essas discussões e uma acentuada preocupação com a história escolar e com a cultura histórica. Como exemplo dessa relevância do tema, podemos destacar os diversos dossiês temáticos publicados nos últimos anos em revistas de circulação nacional: Educação Histórica, Teoria da História e Historiografia, nesta mesma Revista Antíteses em 2012; Didática da História, na Revista Teoria da História – UFG, em 2014; A Educação Histórica como campo investigativo, na Revista Diálogos – UEM, em 2015; Consciência Histórica, Ensino de História e Fronteira, na Revista Fronteiras – UFGD, em 2015; Ensino de História e Consciência Histórica, Revista História Hoje – ANPUH, 2015; Aprendizagem histórica: pesquisa, teoria e prática, na Educar em Revista – UFPR, em 2016.
Visando contribuir com essa literatura, o presente dossiê foi organizado a partir da colaboração de investigadores vinculados a distintas universidades e centros de estudos, em nível internacional, destacando-se contribuições de colegas do México e do Chile, bem como de universidades de diferentes estados brasileiros, como Paraná, São Paulo, Mato Grosso e Rio Grande do Sul. O objetivo da proposta é difundir pesquisas que se preocupam com o ensino e a aprendizagem da história, bem como com a formação docente em história e com os impactos da difusão do conhecimento histórico nos âmbitos social, cultural e político.
Além da difusão espacial alargada desses estudos, destaca-se também um rejuvenescimento do campo, caracterizado pela adesão de jovens pesquisadores que abordam de forma original e complexa os problemas colocados por pesquisadores já consolidados. Outra característica relevante no dossiê é também o esforço de aproximação entre diferentes leituras dos referenciais teóricos das pesquisas em Ensino de História, Educação Histórica e Didática da História, refletindo o período de transição que vivenciamos e a possibilidade de diferentes leituras quanto a conceitos fundantes, como consciência histórica, aprendizagem histórica, saber histórico e ciência histórica.
Optamos por dividir o dossiê em duas partes, cumprindo distintas tarefas da Didática da História: A primeira parte é composta por cinco artigos, que apresentam estudos vinculados à tarefa empírica da Didática da História, pois trazem estudos empíricos, de caráter qualitativo, preocupados com a análise das ideias históricas de sujeitos em processo de escolarização, professores e alunos, e as problemáticas identificadas que dizem respeito à condução das diretrizes e fundamentos da Didática da História num âmbito geral. Já a segunda parte do Dossiê é composta por seis artigos, que trazem estudos dedicados a tarefa normativo-pragmática na Didática da História, focando a pesquisa em documentos e práticas que visam regular e definir conceitos, normas e procedimentos de difusão do conhecimento histórico, estabelecimento de diretrizes de ação e interpretação do conhecimento histórico partilhado socialmente e formação dos profissionais do ensino de história.
Assim, na primeira parte do Dossiê, o artigo do pesquisador Éder Cristiano de Souza, docente da Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA, relata uma pesquisa sobre as ideias históricas de professores da educação básica e estudantes de licenciatura em História, brasileiros e paraguaios, a partir dos conceitos de objetividade e multiperspectividade.
A pesquisa evidencia como a cultura histórica influencia nas interpretações históricas, e faz isso a partir de uma experiência investigativa sobre como os sujeitos da pesquisa interpretam documentos relativos à história da Guerra da Tríplice Aliança, o que lhe permite evidenciar diferenças qualitativas importantes nas interpretações de brasileiros e paraguaios. Os dados do estudo empírico permitem propor reflexões sobre a questão de se levar em conta que a aprendizagem dos conceitos de segunda ordem, ou conceitos epistemológicos, não pode ser isolada da relação afetiva e identitária que se estabelece com determinados conceitos históricos no âmbito da cultura histórica nacional.
O artigo da pesquisadora chilena Gabriela Alejandra Vasquez Leyton, da Universidad Católica de Valparaíso, aborda as noções dos estudantes chilenos de nível médio a respeito do conceito de Ditadura. Para isso, apresenta um estudo empírico com 616 jovens de Ensino Médio chileno, sobre os conceitos de Ditadura que formulam e sobre as implicações dessas concepções para seu comportamento como cidadãos. O estudo permite observar como os jovens desenvolvem variadas concepções sobre temas relevantes como concentração de poder, ditadura, liberdades individuais, direitos humanos, entre outros. Constata a predominância da liberdade de expressão e do direito ao voto como valores presentes entre os jovens, e apresenta o desafio de ensinar história a partir da temática da Ditadura, visando fomentar atitudes que permitam valorizar processo e instituições democráticas, a partir de estratégias de aprendizagem que favoreçam a participação, o respeito e a tolerância.
O artigo de Geyso Dongley Germinari, docente da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná – UNICENTRO, apresenta um estudo com jovens estudantes do Ensino Médio de uma escola técnica em Irati-PR. O pesquisador estabelece um debate sobre diferentes concepções de história e suas implicações epistemológicas e educacionais, o que lhe dá subsídios para analisar os dados do estudo empírico realizado, onde constata que a ideais dos jovens priorizam a compreensão da História como a totalidade das ações humanas no tempo e no espaço.
O artigo das pesquisadoras Glória Solé, docente da Universidade do Minho, Portugal, e Nayra Llonch, docente da Universitat de Lleida, Espanha, mostram a potencialidade do uso de objetos do patrimônio familiar para a explicação histórica, levando em conta que estes vestígios do passado são importantes para a história pessoal. Para isso, as autoras partem de dois estudos de caso interdependentes realizados de 2013 a 2016: um, envolvendo alunos do curso de formação de professores em educação primária com a finalidade de refletir sobre metodologias didático-pedagógicas para a aprendizagem histórica e outro, a estratégia de se criar o museu na escola. Neste último, as autoras tomam como inspiração o projeto Recriando Histórias coordenado pelas professoras Maria Auxiliadora Schmidt e Tania Garcia Braga da Universidade Federal do Paraná. O estudo realizado engloba futuros professores e alunos da escola primária, integrando pesquisa, extensão e ensino, e ainda, explorando diversas metodologias, como observação participante, relatos autobiográficos e questionários.
Fechando essa primeira parte do Dossiê, os pesquisadores Marcia Elisa Teté Ramos, da Universidade Estadual de Londrina – UEL, e Ronaldo Cardoso Alves, da Universidade Estadual de São Paulo – UNESP, Câmpus Assis, contrastam as representações 89 graduandos do curso de História da UEL com as representações de 424 alunos do Ensino Médio da escola pública. Partindo de elementos próximos ao estudo etnográfico, com depoimentos colhidos de 2011 a 2014, os autores demonstram como os jovens universitários pensam os jovens secundaristas. Contextualizando estes dois grupos de jovens, suas ideias históricas, seus códigos culturais e horizonte de expectativas, os autores procuram refletir sobre aspectos da orientação temporal e formação identitária. O artigo indica uma necessária desconstrução de estereótipos construídos em relação ao jovem aluno do Ensino Médio. Desconstrução esta que implica pensar historicamente o aluno da educação básica, algo que deveria ser proposto nos cursos de formação de professores.
A segunda parte do Dossiê se inicia com o artigo dos investigadores mexicanos Gerardo Daniel Mora Hernández e Rosa Ortiz Paz, da Escuela Normal Superior de México, que apresenta a experiência de organização da formação docente nessa instituição, resgatando problemáticas, percursos e contribuições teóricas para a definição do que chamam de um “Modelo de Educação Histórica” para a formação de professores. Explicitam então como desenvolvem uma formação docente em história com a preocupação em ressaltar as contribuições de uma didática específica da história, que leve em consideração distintos paradigmas formativos e que se preste a desenvolver distintas habilidades docentes, fugindo ao modelo recorrente de formação de professores, que separa os conteúdos históricos específicos dos conteúdos pedagógicos. Conclui afirmando que o modelo de Educação Histórica já permitiu o desenvolvimento de habilidades docentes de mais de uma centena de estudantes normalistas no contexto do ensino secundário público no Distrito Federal mexicano.
Na sequência, o artigo de Maria Aparecida Leopoldino, docente da Universidade Estadual de Maringá – PR, discute a possibilidade de estabelecimento de uma didática específica da História, que supere o modelo da narrativa eurocêntrica e identitária, e que leve em consideração as contribuições da epistemologia da história, especialmente na perspectiva da história problema, em consonância com um olhar sobre a cultura histórica e necessidade de constituição de uma pragmática da didática da história voltada para a orientação da vida prática. Pretende assim que o ensino de história utilize como prática pedagógica a operação historiográfica e problematize a memória social, possibilitando uma leitura temporal dos problemas sociais, vinculando passado e presente. Concluindo que “a Didática deve participar do debate sobre o campo epistemológico da história, sobre questões relativas à memória, sobre os usos do passado e a cultura histórica, contribuir, enfim, com a normatização da operação historiográfica escolar”.
Já o artigo “O legado da aprendizagem histórica: refazendo percursos de leituras” trata – se de um trabalho em conjunto do pesquisador Renilson Rosa Ribeiro, da Universidade Federal de Mato Grosso, com Halferd Carlos Ribeiro Júnior e Mairon Escorsi Valério, da Universidade Federal da Fronteira Sul, que discutem as formas predominantes de pesquisa sobre ensino e aprendizagem histórica no Brasil nas últimas décadas, identificando a inserção dos debates da Educação Histórica e da Didática da História no Brasil. Apresenta também um resgate dos primeiros estudos em Didática da História no Brasil, ressaltando que a problemática de se vincular a discussão sobre ensino e aprendizagem histórica aos fundamentos epistemológicos do conhecimento histórico já se fazia presente no Brasil na década de 1950.
O artigo “Os Parâmetros Curriculares Nacionais e o processo de constituição de uma didática da história para os anos iniciais” de Tiago Costa Sanches, docente da UNILA, em Foz do Iguaçu-PR, toma os PCNs como documentos privilegiados de estudos em Didática da História, tratando-os como textos visíveis que revelam características de um código disciplinar em história. Com enfoque no documento voltado aos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, destaca a prevalência de conceitos e abordagens vinculados a uma epistemologia educacional influenciada por teorias advindas do campo da psicologia e da pedagogia, e ressalta a importância do avanço no sentido de construir um código disciplinar mais próximo a uma epistemologia do conhecimento histórico.
O artigo “História e Ensino de História das Ditaduras no Brasil e na Argentina” de Juliana Pirola da Conceição Balestra, também docente da UNILA, em Foz do Iguaçu-PR, aborda a problemática do ensino de história sobre as Ditaduras de Segurança Nacional no Brasil e na Argentina, realizando um estudo comparativo que permite verificar como, no caso argentino, a inserção dessa questão no ensino tratou-se de um amplo projeto político, que fez com que essa questão se tornasse central no ensino de História naquele país nas últimas duas décadas. Enquanto no caso brasileiro, Juliana verifica uma determinada cultura do esquecimento, que leva a certa dificuldade de estabelecer na Didática da História a presença dessas discussões sobre as reais dimensões, os impactos e as heranças do último governo ditatorial vivenciado no país.
Fechando o Dossiê, o artigo “Manuais de Didática da História: contribuições para entender suas especificidades” de Osvaldo Rodrigues Júnior, docente da UFMT em Cuiabá -MT e Tânia Braga Garcia, Docente da UFPR, em Curitiba-PR, contribui para o estabelecimento de critérios de análise e investigação de manuais de formação de professores em história, estabelecendo parâmetros e categorias que auxiliam a entender a importância desses documentos como fontes de investigação da cultura escolar e das práticas, procedimentos e concepções de ensino e aprendizagem histórica.
Esperando contribuir qualitativamente com o avanço das investigações, concepções e práticas na Didática da História, concluímos essa apresentação convidando os leitores a uma imersão nas diversas problemáticas suscitadas nos últimos anos com relação ao Ensino de História e ao conhecimento histórico, com especial atenção à relevância desse debate no âmbito das políticas públicas e das lutas sociais vivenciadas atualmente.
Referências
BERGMANN, Klaus. A história na reflexão didática. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 9, n. 19, p. 29-42, set. 1989 / fev. 1990.
RÜSEN, Jörn. Aprendizagem histórica: fundamentos e paradigmas. Curitiba: W. A. Editores, 2012.
Éder Cristiano de Souza
Marcia Elisa Teté Ramos
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[DR]
Ensino de história e temas transversais / História & Ensino / 2016
Os Parâmetros Curriculares Nacionais, ou PCN, foram lançados no final da década de 1990 pelo Ministério da Educação do Brasil, como um conjunto de diretrizes para a elaboração de matrizes curriculares. Passados quase vinte anos de seu primeiro lançamento, pode-se afirmar que, efetivamente, os PCN não tiveram maior repercussão no ambiente escolar brasileiro. Apesar disso, reflexões sobre os temas transversais e o ensino de diferentes componentes curriculares escolares se fazem necessárias e são bastante pertinentes, especialmente em um momento em que a escola pública brasileira se encontra ameaçada pela intolerância e por projetos como o “Escola Sem Partido”. Assim, o dossiê Ensino de História & Temas Transversais apresenta seis textos, cada um relacionado a um tema transversal proposto nos PCN: Ética, Pluralidade cultural, Meio ambiente, Orientação sexual, Saúde, Trabalho e consumo.
Ana Lúzia Magalhães Carneiro alerta para o fato de que quando as escolas decidem desenvolver projetos sobre as relações de desrespeito e o tipo de imagem que as crianças constroem de si e do Outro, o componente curricular História assume importante trabalho de formação. O artigo da autora discute uma experiência vivenciada por professores e alunos de anos iniciais do Ensino Fundamental, na qual a alfabetização e a Ética constituíram-se como eixos para o desenvolvimento de um projeto de formação / ação docente e discente.
Anna Maria Ribeiro Fernandes Moreira da Costa socializa uma proposta didático-pedagógica para o Ensino de História nos anos iniciais do Ensino Fundamental desenvolvida em Mato Grosso. O livro infanto-juvenil O rei e o menino índio, dos sertanistas Cláudio e Orlando Villas Bôas (1993) foi o ponto de partida para os debates sobre Pluralidade Cultural. O suporte teórico adotado pela historiadora vinculou-se às tramas históricas e, assim, formaram um tecido interdisciplinar para divulgar fatos históricos, tendo o Parque Indígena do Xingu como cenário principal.
Ely Bergo de Carvalho e Jamerson de Sousa Costa perscrutam as dificuldades epistemológicas de aproximação entre Ensino de História e Meio Ambiente, no Brasil. A LDB (Lei n. 9.394 / 1996) estabeleceu o Meio Ambiente como um dos temas transversais da Educação Básica e a Política Nacional de Educação (Lei n. 9.795 / 1999) propugnou a obrigatoriedade da Educação Ambiental em todos os níveis de ensino, não enquanto disciplina autônoma, mas como parte integrante e transversal de cursos regulares. Todavia, o Ensino de História vem se mostrando bastante impermeável a tais exigências legais.
Giovani José da Silva e Jaime Sousa Silva enfrentam o tema Orientação Sexual no Ensino de História, informando que se fazem necessárias profundas reflexões e ações transformadoras a respeito deste tema transversal, tendo em vista as recentes discussões e os embates sobre sexualidades e gênero nas escolas brasileiras. O objetivo dos autores é apresentar contribuições da Psicologia Social e da teoria Queer para se pensar o tema das sexualidades na Educação, sobretudo no Ensino de História, tomando como ponto de partida os Parâmetros Curriculares Nacionais e seus temas transversais.
Luciane Pedro lembra que a população brasileira alcança índices cada vez mais elevados no número de idosos. O fato remete à reflexão sobre a importância do tema Saúde nas abordagens de educação e no Ensino de História. Considerando-se Saúde como um direito humano fundamental e como algo que se constrói ao longo da vida, condicionada às condições sociais, econômicas e emocionais que acompanham a todos, a autora aponta questões relativas à importância da discussão sobre o envelhecimento de forma associada à educação para a cidadania.
Maria Belintane Fermiano apresenta a Educação para o Consumo como uma proposta para o Ensino de História, uma vez que vai ao encontro dos objetivos da área e aborda a construção de identidade a partir do consumo; a relação do marketing com crianças e jovens; o consumo como uma relação de desigualdade; a compreensão de assuntos econômicos; a educação para o consumo consciente e a cidadania. A autora reafirma, ainda, a importância do tema transversal Trabalho e consumo nos dias atuais.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais, lançados como subsídios para apoiar os projetos da escola brasileira na sua organização curricular e, dessa forma, atender as diversas realidades e necessidades de professores e alunos de cada região brasileira, merecem, sempre, releituras e reflexões. Os artigos reunidos no dossiê expressam diferentes pontos de vista que podem ajudar a enriquecer os debates sobre o Ensino de História. São, portanto, muito bem-vindos para auxiliar professores e futuros professores de História na transversalização de conceitos, atitudes e procedimentos.
Boas leituras!
Giovani José da Silva – Universidade Federal do Amapá (Unifap) e Universidade Federal Fluminense (UFF).
SILVA, Giovani José. Ensino de História & Temas Transversais. História & Ensino, Londrina, v.22, n.2, 2016. Acessar publicação original [DR].
Territórios e Fronteiras do Ensino de História – II / Fronteiras – Revista de História / 2016
Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica. Paulo Freire Para Paulo Freire, em nome de uma a educação como forma de libertação. A Fronteiras – Revista de História tem o satisfação de apresentar a segunda parte do dossiê sobre Territórios e Fronteiras no Ensino de História. O presente dossiê é um chamado a reflexão sobre os territórios do ensino de História na contemporaneidade, agregando estudiosos de diferentes regiões do país e instituições de ensino.
A ideia do dossiê parte da articulação entre os conceitos de territórios e fronteiras e das diversas interfaces que a área de ensino de história tem desenvolvido como campo de pesquisa e análise, seja na história do ensino de história, na análise de livros didáticos, na reflexão sobre os currículos, na relação entre ensino de história, historiografia e teoria da história, no estudo da cultura escolar e sua incidência sobre o ensino de história, no aprofundamento do debate acerca da aprendizagem histórica. Leia Mais
O Ensino de História | Revista Historiar | 2016
Nos últimos anos o Ensino de História tem cada vez mais se consolidado como um campo de estudos da História e como objeto de pesquisa dos historiadores, algo que nem sempre aconteceu. Até a década de 1960, o Ensino de História foi visto como uma área de formação e não como objeto de pesquisa, estabelecendo-se, assim, uma relação dicotômica que criou uma separação entre ensino e pesquisa, como se essas duas atividades não pusessem ser realizadas concomitantemente. O surgimento das pós-graduações em História no Brasil a partir dos anos 1970 acentuou essa separação na medida em que passaram a atribuir às pós-graduações em Educação a tarefa de pensar o ensino e a aprendizagem em História.
Somente no final da década de 1970 é possível perceber o início de uma mudança nesse cenário, mudança essa que significou uma resposta aos retrocessos cometidos pela ditadura militar, principalmente através da lei 5.692 / 71, que fundiu as disciplinas de história e geografia criando a disciplina de estudos sociais, instituiu a obrigatoriedade do ensino profissionalizante para o então 2º grau e criou as licenciaturas curtas, desvalorizando e precarizando ainda mais a profissão de professor. Leia Mais
Ensino de História e Consciência Histórica / História Hoje / 2016
Este Dossiê busca refletir sobre a contribuição e a influência da obra de Jörn Rüsen para a Teoria e a Didática da História no quadro de requalificação do Ensino de História como campo de pesquisa no mundo ibero-americano. A partir dos anos 1970 e, principalmente, ao longo das décadas de 1980 e 1990, emergem, no campo da Didática da História, novas perspectivas teóricas profundamente influentes, propondo uma reflexão sobre a função da História (disciplina e ciência) na vida cotidiana. Essa dimensão prática da História consistiria em compreender e atuar diretamente sobre a consciência histórica dos alunos, leitores e indivíduos em geral.
Para Jörn Rüsen, a consciência histórica é uma determinação antropológica que possibilitaria a ordenação temporal do vivido, dando às experiências um sentido coletivo. Trata-se de uma operação necessária à percepção do indivíduo como sujeito histórico, ou seja, imerso num determinando tempo e espaço, inserindo-o no coletivo. Por sua vez, o humanismo histórico que constitui referência conceitual dos seus textos permite também associar essa consciência à tolerância e ao que podemos chamar de uma cidadania comprometida, constituindo, assim, um espaço importante para a intensificação de certa orientação ético-política no interior do ensino de história, da teoria da história, da história da historiografia e da disciplina em geral no interior do mundo contemporâneo. Leia Mais
Ensino de História na Educação Profissional / História Hoje / 2016
O dossiê temático Ensino de História na Educação Profissional tem como objetivo problematizar o lugar da disciplina História e as práticas pedagógicas dos seus professores no ensino médio integrado à Educação Profissional, pois compreendemos que essas reflexões corroboram novos olhares necessários à História num contexto de articulação entre a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) e a formação geral.
O ensino médio integrado à Educação Profissional e Tecnológica representa uma oportunidade de desenvolvimento social e humano para áreas conhecidas como os rincões dos estados brasileiros. Esses cursos técnicos de nível médio devem ocorrer prioritariamente na forma integrada. Essa integração está alicerçada no tripé formação omnilateral, indissociabilidade entre educação profissional e educação básica e integração de conhecimentos gerais e específicos como totalidade. Com isso, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, rede responsável pela maior oferta de educação profissional de nível médio, visam não só preparar adolescentes, jovens e adultos para o mundo do trabalho, mas também proporcionar a estes uma formação humana, tendo o trabalho como princípio educativo. Leia Mais
Ensino de História, Cidadania, Cultura e Identidades / História e Diversidade / 2015
História e Diversidade: Ensino de História, Cidadania, Cultura e Identidades
É com grande satisfação que apresentamos o sétimo volume da Revista História e Diversidade, do curso de Licenciatura em História da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT – Campus de Cáceres que tem como objetivo a constituição de um espaço de divulgação de pesquisas e reflexões sobre História e Diversidade, priorizando a publicação de artigos que versam sobre História, Ensino de História, Diversidade Cultural, Formação e Prática Docente.
Este volume apresenta o Dossiê intitulado História e Diversidade: Ensino de História, Cidadania, Cultura e Identidades que é composto por duas seções: 1) Ensino de História, Patrimônio e Diversidade, que tem como foco principal a dinâmica entre o ensino de história, diversidade, e direitos sociais; e 2) Teoria da História, Capital e Diversidade, que articula artigos com reflexões sobre a construção do conhecimento histórico, o setor elétrico brasileiro, e uma discussão de gênero a partir da personagem Laura de Vison.
O artigo de abertura intitulado “Entre muitos ‘outros’: ensino de história e integração latino-americana”, de autoria de Juliana Pirola da Conceição, Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp, tem como objetivo analisar de que maneira o ensino de história influencia a prática cotidiana dos indivíduos, em especial a relação entre o ensino da América Latina e a integração entre os latinos americanos. Para tanto, teve como objeto de estudo específico um conjunto de entrevistas realizada com 73 jovens, de duas escolas públicas da região central da cidade de São Paulo, desse universo de jovens, 6 eram bolivianos, o que potencializa a contribuição do seu recorte analítico.
O segundo artigo “As decisões do Tribunal Superior do Trabalho como instrumento para o ensino dos Direitos Sociais: a formação de um banco de dados”, elaborado por Alisson Droppa (Doutor em História pela Unicamp) e Magda Barros Biavaschi (Doutora em Economia pela Unicamp), tem como objetivo apresentar o banco de dados das decisões do Tribunal Superior do Trabalho, que teve como área de jurisprudência a terceirização, com o propósito de pensar na constituição de documentos para o ensino dos direitos sociais e da luta pela construção do direito e da cidadania no Brasil.
O terceiro artigo “A importância do ensino de história para a reflexão do tempo presente: o conceito de estranhamento e seu potencial para um inconformismo sadio” de Filipe Cambraia do Canto, graduado em História, é um relato e uma reflexão sobre a prática docente, a partir da experiência com o desenvolvimento do estágio, em que ministrou 24 aulas para o Ensino Médio. Os questionamentos e interesses dos estudantes possibilitaram indagações, procurando estabelecer conexões com o tempo presente, o ensino de história, e a desnaturalização dos objetos, possibilitando a problematização da realidade dos alunos do Ensino Médio, como ponto de partida para o fazer histórico em sala de aula.
O quarto artigo “Territórios negros: patrimônio, diáspora e tempo” elaborado por Gabriel Gonzaga, estudante da licenciatura em História da UFRGS, teve como objetivo questionar a noção temporal que norteou a construção de algumas práticas no interior do projeto patrimonial “Territórios Negros: Afro-brasileiros em Porto Alegre”, procurando estabelecer relações transversais entre a cultura afro-brasileira e o ensino de história.
O quinto artigo, o primeiro da segunda seção desse dossiê, intitulado “O sentido da História: entre metanarrativas e particularidades”, de Paulo Robério Ferreira Silva, Mestre em Ciências Sociais pela PUC Minas, propôs reflexões sobre o fazer histórico, sobretudo sobre os questionamentos provenientes da consideração de que o conhecimento histórico é uma modalidade do discurso. Diante desse questionamento, procurou estabelecer conexões para o conhecimento histórico, em que se destaca os elos da generalização e da especificidade.
O sexto artigo, “A “ética” da concorrência: concentração de capital no setor elétrico brasileiro – 1900 / 1950”, de Marcelo Squinca da Silva, Doutor em História pela PUC São Paulo, discutiu a postura de alguns empresários frente ao processo de urbanização do Brasil, em especial a superação da demanda da energia elétrica, o que evidenciou a postura conservadora da burguesia empresarial, que foi gestada dependente e subordinado ao Estado.
O sétimo artigo, “Laura de Vison: um(a) artista de nossos tempos de discussão sobre gênero”, de Walace Rodrigues, Doutor em Humanidades pela Universiteit Leiden (Holanda), a partir da apresentação da personagem Laura de Vison, sobre o seu trabalho performático nos anos 1980 e 1990, no cenário gay do Rio de Janeiro. O autor propõe uma historiografia das personalidades históricas LGBT brasileiras. Além do dossiê, este número da Revista História e Diversidade, publica ainda cinco artigos extras e uma resenha.
O primeiro artigo intitulado “Entre guerras “justas” e “injustas”: jogos de interesses no hinterland de Benguela e a produção de cativos (século XVIII), de Bruno Pinheiro Rodrigues, Doutor em História pela Universidade Federal de Mato Grosso, apresenta uma análise do quadro de alianças formado no hinterland de Benguela, um dos maiores portos exportadores de cativos para a América portuguesa durante o século XVIII e início do XIX, e uma reflexão sobre a construção da legitimidade de uma guerra “justa”, a partir dos arranjos políticos e alianças com chefes locais.
O segundo artigo, “Relações entre Museus e Cidades: experiências de professores de história no Museu de Artes e Ofícios em Belo Horizonte- MG”, de Jesulino Lucio Mendes Braga, Doutor em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais, aborda a relação entre o Museu de Artes e Ofícios (MAO) e a cidade de Belo Horizonte a partir de uma pesquisa feita com professores de história que fazem uso educativo da exposição museal. A análise considera as experiências e as narrativas que os docentes produzem no contato com a exposição. Os docentes elaboram significados para as ações de ensino com o uso da exposição do MAO e apontam as potencialidades de usos dos espaços da cidade para a educação.
O terceiro artigo, “As cadeias no Mato Grosso do século XIX: um olhar sobre o cárcere”, de autoria de Patrícia Figueiredo Aguiar, doutoranda em História pela Universidade Federal de Uberlândia, realiza uma análise sobre as circunstâncias em que se estabeleciam as cadeias na primeira metade do século XIX na província de Mato Grosso.
O quarto artigo denominado “Práticas de esporte, educação física e educação moral e cívica na Ditadura Militar: uma higiene moral e do corpo”, de Reginaldo Cerqueira Sousa, doutorando em História pela Universidade Federal do Paraná, analisa as formas de legitimação do regime autoritário por meio da análise dos manuais e Educação Moral e Cívica e das práticas esportivas nos espaços de educação de jovens e o processo de constituição de uma espécie de pedagogia moral e do corpo viabilizado, principalmente, pela reestruturação do ensino por meio de reformas na educação, de programas e de projetos educacionais em fi ns dos anos de 1960 e durante a década de 1970.
O quinto artigo, “O efeito Cólera em meio às mutações ideológicas do Punk brasileiro”, de Tiago de Jesus Vieira, doutorando em História pela Universidade Federal de Mato Grosso, analisa dois álbuns da banda Cólera, como elementos interlocutores para explicitar o conturbado contexto da produção das identidades punk no decurso da década de 1980. A partir da análise dos álbuns, o estudo visa compreender como estes se inseriram no processo de “composição ideológica punk” no Brasil.
Por fim, a resenha organizada por Valdeci da Silva Cunha, doutorando em História pela Universidade Federal de Minas Gerais, apresenta a obra de RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. 1ª edição. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.
Desejamos que as leitoras e os leitores apreciem os artigos que compõem esse volume da revista História e Diversidade, se sintam encorajados a participar dos debates propostos e enviem contribuições para os próximos volumes.
Boa leitura!
Caroline Pacievitch
Halferd Carlos Ribeiro Júnior
Osvaldo Mariotto Cerezer
PACIEVITCH, Caroline; RIBEIRO JÚNIOR, Halferd Carlos; CEREZER, Osvaldo Mariotto. Apresentação. História e Diversidade. Cáceres, v.7, n.2, 2015. Acessar publicação original [DR]
Ensino de História / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2015
O número 25 da revista Fronteiras, a Revista Catarinense de História, traz o Dossiê Ensino de História como um convite à reflexão de profissionais dos diferentes níveis de ensino e acadêmcios que acreditam, buscam e fazem do seu oficio uma luta constante por formas diferenciadas de apreneder e ensinar História para além das velhas formas canômicas.
Neste número apresentamos artigos que tratam deste tema produzidos por graduandos / as em História a professores / as que possuem larga experiência como docentes tanto no ensino básico como no superior.
No artigo Educar para o “são patriotismo”: o ensino de História e a Educação Primária catarinense nas décadas de 1910-1930 as autoras de Luiza Pinheiro Ferber e Cristiani Bereta da Silva discutem “a seleção de saberes históricos para a Educação Primária catarinense nas primeiras décadas do século XX, destacando-se seus usos e atribuições de finalidades para a conformação de sujeitos patrióticos”. A partir da análise dos programas de ensino e relatórios das primeiras décadas do século XX problematizou-se os saberes selecionados para serem estudados nos Grupos Escolares e nas Escolas Isoladas. Segundo as autoras estes materiais “serão analisados como documentos / monumentos, percebidos como instrumentos de poder, cujos discursos não têm relação direta com as práticas que designa, mas que informam representações de práticas que possuíam razões, códigos, finalidades e destinatários específicos que dão a ler e interpretar as marcas e interesses sociais de um determinado tempo”.
O segundo artigo também trata da história no ensino inicial, só que na atualidade e em uma escola na cidade de Parintins / Amazonas. Maria Aparecida Batista Pereira e Clarice Bianchezzi no artigo intitulado O Ensino de História nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: desafios e possibilidades em uma escola municipal de Parintins / Amazonas apresentam o resultado de uma pesquisa desenvolvida na Escola Municipal “Santa Luzia” do Macurany – Parintins-AM, no qual tinham como objetivo identificar como o Ensino de História nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental está sendo desenvolvido.
Jean Carlos Moreno e Sabrina Felício de Souza contribuem para este dossiê com o artigo Consciência histórica: uma proposta a partir das representações da identidade afro-brasileira na produção teatral no qual traz uma proposta de utilização, na aprendizagem escolar da História, de peças teatrais que colocaram em evidência a questão afro-brasileira no século XX. A partir das peças teatrais Sortilégio II: mistério negro de Zumbi redivivo (1951; 1979) e Arena Conta Zumbi (1965) é discutido questões referentes a Didática da História, a subjetividade dos estudantes e a ressignificação dos discursos identitários brasileiros.
O artigo Forma escolar e os manuais de didática da História no Brasil de Osvaldo Rodrigues Junior “discute as aproximações entre a forma escolar e os manuais de Didática da História destinados a professores no Brasil.” A partir da discussão desenvolvida por Vincent, Lahire e Thin (2001) o autor buscou “identificar a relação entre a constituição da disciplina de História e os manuais de Didática da História no Brasil.”
Lara Rodrigues Pereira no seu artigo Cinema e ensino de História: notas sobre formação, rotinas e práticas de professores aprofunda a discussão sobre o uso de filmes em sala de aula. Após pesquisa feita com professores da rede Municipal de ensino de Florianópolis em 2011 a autora desenvolvu sua análise a fim de “compreender o lugar ocupado pelo cinema na formação acadêmica dos entrevistados e, os usos que estes fazem de filmes em sua prática docente.”
Carolina Corbellini Rovaris e Jéssica Cristina Back Gamba contribuíram com o artigo O ensino de História no Noturno: especificidades, desafios e perspectivas. A partir da experiência de estágio em uma turma de 1º Ano, desenvolvido como parte da formação das autoras no Curso de História da UDESC, as autoras tem como “objetivo discutir as especificidades do ensino de História no ensino médio noturno, através da, apontando os desafios desta trajetória e perspectivas de um ensino que considere suas características singulares e contribua para a aprendizagem histórica do aluno.”
Além dos artigos, o dossiê é composto pela resenha Campanha de Nacionalização, Ensino de História e História da Educação, de autoria de Rosiane Ribeiro Bechler. A autora comenta o livro “Educar para Nação: cultura política, nacionalização e ensino de História nas décadas de 1930 e 1940”, uma coletânea composta artigos que problematiza as interseções entre a Campanha de Nacionalização promovida nos governos de Getúlio Vargas (1930-1945), a História da Educação, o Ensino de História e a narrativa histórica sobre o estado de Santa Catarina no referido período.
Apresentamos este Dossiê com agradecimentos a todos os colaboradores para sua realização. Entendemos que ao socializarmos essas produções, resultado de estudos e pesquisas, tenhamos contribuído com os questionamentos, novas formas, problematização e interlocução entre os professores e acadêmicos que militam em prol de um Ensino de História aberto a novas possibilidades.
Esperamos que a leitura dos artigos aqui publicizados inspirem o leitor a outras leituras, escrituras e práticas.
Boa leitura!
Elison Antonio Paim
Luciana Rossato
Organizadores do Dossiê
PAIM, Elison Antonio; ROSSATO, Luciana. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.25, 2015. Acessar publicação original [DR]
Territórios e Fronteiras do Ensino de História – I / Fronteiras – Revista de História / 2015
A Fronteiras – Revista de História tem o prazer de apresentar a primeira parte do dossiê sobre Territórios e Fronteiras do Ensino de História. O presente dossiê é um convite a reflexão sobre os territórios do ensino de História no mundo contemporâneo, agregando estudiosos de diferentes parte do país e instituições de ensino.
Currículos, formação de professores, livros didáticos, patrimônio cultural, direitos humanos, diversidade étnico-racial são temas que marcam as reflexões acerca dos lugares do ensino da história entre diferentes territorialidades e limites (sempre em expansão e híbridos).
Em razão da diversidade que constitui o campo e das demandas recebidas para a publicação, a partir da chamada pública lançada em meados de 2015, a temática será contemplada no próximo número da revista, o que evidencia a relevância do tema do Ensino de História para a formação e prática dos historiadores e professores. Leia Mais
Algumas reflexões: formar para pesquisar, pesquisar para formar no ensino de história / Revista Mosaico / 2015
O dossiê que ora apresentamos, intitulado Algumas reflexões: formar para pesquisar, pesquisar para formar no ensino de história, visa estimular as reflexões sobre o Ensino de História, tendo como aspecto central a pesquisa no campo da formação.
As discussões acerca do ensino de história vêm ganhando corpo e densidade nos últimos tempos, a partir de importantes reflexões e pesquisas, fruto do trabalho de estudiosos e pesquisadores. Para isso, reunimos jovens professores-pesquisadores, oriundos de diferentes instituições brasileiras, com suas formações, concepções, práticas e histórias particulares, os quais pesquisam e ensinam na área de metodologias e práticas de ensino. O caráter cooperativo desse dossiê permitirá agregar pesquisadores – conhecedores da articulação entre os saberes históricos e pedagógicos, a didática, a metodologia e as práticas de ensino – em um esforço de superar a fragmentação da produção dos trabalhos em educação, criando condições que contribuam para se pensar a problemática, a partir da realidade regional e local e das suas articulações com a globalidade.
A produção da pesquisa na área do ensino de História, da prática dos docentes e do seu cotidiano escolar nos motivou a elaborar o dossiê. Ao propormos essa temática, queremos não só a compreender, como também avaliar seus avanços, seus impactos e contribuir para a formação teórica e epistemológica dos pesquisadores sobre o ensino de História. Introduzir a discussão sobre a investigação na prática educativa, notadamente na formação do professor de História, consubstancia um desafio e importante esforço para romper com uma discussão apenas afeita ao universo bacharelesco. Nesse sentido, entendemos que a investigação, no interior das formações, ganha relevo, também, na produção de novos conhecimentos. Todavia, a discussão da pesquisa na formação do docente de História ainda é um espaço a se consolidar, um desafio que não podemos dar por concluído.
Em sendo assim, juntamente com a Revista Mosaico, colocamos o atual número à disposição do público interessado em temas ligados ao ensino de História. Os textos apresentados oferecem aos leitores um variado leque de temas que se entrelaçam, permitindo o estabelecimento de conexões de forma articulada e contribuindo com a produção do conhecimento no âmbito do ensino e da formação docente. Para pensarmos a relação pesquisa e ensino é imprescindível que uma e outra estejam estreitamente relacionadas, visto que elas se constituem pilares do fazer docente.
Ana Carla Sabino e Raquel da Silva Alves, no artigo O relatório do estágio supervisionado: diálogos entre a prática de ensino e a formação do historiador que abre o presente dossiê, apresentam-nos as habilidades mobilizadas pelos alunos do curso de licenciatura em História da Universidade Federal do Ceará, na realização da disciplina de Estágio Supervisionado, a partir da utilização das fontes e dos relatórios das práticas docentes desenvolvidas nas escolas de educação básica da cidade de Fortaleza. Para tal, as autoras consideram os saberes docentes e profissionais do professor de História da educação básica – em permanente diálogo com o professor da disciplina / atividade de estágio – e a cultura escolar das instituições onde se situa o ofício do historiador, como fonte e objeto para a pesquisa e a aprendizagem da didática e da prática de ensino de História, dimensionando, socialmente, a escrita sobre os saberes e o seu caráter formativo na escola.
No artigo Por uma Cartografia dos Saberes Docentes: o PARFOR e o agenciamento de novas subjetividades no ensino de História, Andreza de Oliveira Andrade traz uma reflexão em torno da construção de saberes mobilizados para o ensino de História e de sua didática. Busca, por conseguinte, fazer dessa reflexão um exercício de cartografar alguns caminhos que levam à vivência das experiências de ensino e formação de estudantes da graduação em História, na Licenciatura ofertada pelo Plano Nacional de Formação de Professores (PARFOR), em cidades do interior do Rio Grande do Norte, atendidas pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
Angela Ribeiro Ferreira no seu texto convida-nos a pensar A relação teoria e prática nos currículos de formação de professores de História no Brasil, um recorte de sua tese defendida em 2015, em que analisa o discurso expresso nos Projetos Pedagógicos de Cursos (PPC) dos cursos de licenciatura de História de diversas regiões do Brasil, sobre a indissociabilidade entre ensino / pesquisa e teoria / prática, diante da ampliação da carga horária obrigatória de prática de ensino, com a Resolução CNE / CP 2 / 2002. A autora nos alerta, em seu instigante texto, que a Resolução, ao dissociar a prática da formação, reforça nos PPC a dicotomia entre teoria e conteúdo e a prática profissional.
Carlos Augusto Lima Ferreira apresenta, em seu artigo Pesquisa quantitativa e qualitativa: perspectivas para o campo da educação, uma reflexão teórica dos métodos de investigação qualitativos e quantitativos e suas principais problemáticas e, ainda, como esses se apresentam nos campos do conhecimento. Apesar de historicamente ser um tema marcado por debates entre os pesquisadores “quantitativistas” e “qualitativistas”, temos experimentado um crescimento do número de abordagens que se utilizam dos dois métodos para a pesquisa. O autor evidencia as perspectivas de utilização de ambas, nos estudos referentes à educação, especialmente, na área da formação de professores.
Elaine Lourenço, em seu texto Formação e Atuação de Professores: o jogo dos currículos convida- -nos a refletir sobre diferentes currículos de formação de professores do curso de História da Universidade Nove de Julho, no decorrer da primeira década do século XXI, confrontando o percurso formativo de alguns de seus alunos com sua posterior atuação em sala de aula. Para tal, escolheu o caminho da História Oral, como uma metodologia que tem ganhado cada vez mais visibilidade e que permitiu dar voz ao professor, ao mesmo tempo em que proporcionou inúmeras informações relevantes para o entendimento dele como um sujeito, com uma trajetória e modos de vida, facilitando a compreensão de suas experiências vividas.
Juliana Alves de Andrade descortina O fazer-se ao torna-se professor de História: a pesquisa como elemento articulador da prática docente, socializando e problematizando as experiências vivenciadas entre os anos 2014-2015 na disciplina Prática de Ensino de História I, ofertada no Curso de Licenciatura em História da Universidade Federal Rural de Pernambuco. A autora nos apresenta em seu texto as estratégias utilizadas na disciplina, evidenciando a pesquisa, como componente articulador das atividades pedagógicas, assim como o efeito dessas ações sobre a prática pedagógica dos futuros professores de História. Ao partir dessa perspectiva, o texto nos mostra que se tornar professor de História, hoje, só pode ser compreendido pelo processo histórico de como se formar (fazer-se) professor de História no Brasil. Dessa maneira, ao adotar como corpus de análise os relatórios dos estudantes, nas atividades de observação, os documentos oficiais (Projeto Pedagógico de Curso (PPC) do Curso de História), anotações individuais das aulas e os planos de intervenção pedagógica, a autora nos convida a pensar sobre o sentido e o valor da formação de docentes de História.
Lademe Correia de Sousa, por sua vez, no estudo Ensino e Pesquisa: História Local através da produção de Jornal apresenta as atividades desenvolvidas, no Projeto PIBID / História, na Universidade Federal do Oeste do Pará, com a História local associada ao estudo do meio. Para a autora, essas duas estratégias de aprendizagem mantêm relações muito próximas entre si, pois tanto o estudo do meio, quanto a História local objetivam viabilizar um contato direto dos discentes com um contexto e seu passado, num cruzamento entre História, memória e patrimônio cultural. Além desses aspectos, a autora também traz, em seu texto, uma discussão quanto às relações entre o saber acadêmico e o saber escolar, que serviram de inspiração para o desenvolvimento do Projeto PIBID. Para ela, a escola não pode ser vista como um espaço onde o saber ensinado é mera simplificação do saber acadêmico, mas, sim, como um local em que o conhecimento pode ser construído com um saber próprio, lugar portador de uma cultura escolar, não mais como um espaço de reprodução, mas sim de produção de conhecimento.
Marcella Albaine Farias da Costa, com o trabalho Tecnologia, temporalidade e História digital: interpelações ao historiador e ao professor de História busca analisar como as narrativas históricas contemporâneas se veem ampliadas, modificadas e desafiadas pelas tecnologias digitais de informação e comunicação, que influenciam e transformam a forma de ensinar História nos espaços escolares. Assim, a autora busca situar o debate da chamada História digital, aprofundando-se nos estudos sobre temporalidade e tecnologia, pois a problemática da História digital e os desafios dela advindos abarcam questões relativas à produção do conhecimento histórico e à sua recontextualização didática, envolvendo, portanto, os que estão no meio acadêmico e os que militam no espaço escolar. Ao considerar esses aspectos, a pesquisadora nos alerta que tanto a dimensão do ensino, quanto a da pesquisa na referida área estão, perceptivelmente, afetadas e com desafios importantes a enfrentar neste começo de século.
Mônica Martins da Silva trata de questões relevantes acerca da temática afro-indígenas no texto Formação de Professores de História e práticas de pesquisa: experiências de implementação das leis 10639 / 03 e 11645 / 2008 por meio do Estágio Supervisionado. O artigo apresenta reflexões sobre a formação inicial de estudantes de História nas disciplinas de Estágio Supervisionado, incorporando a pesquisa na formação, articulada à produção de materiais didáticos para a educação básica, a partir de novas abordagens sobre a História dos povos africanos, afrodescendentes e indígenas, em diálogos com as leis 10639 / 03 e 11645 / 08, construídos a partir da inter-relação teórica e metodológica entre conhecimento histórico escolar e produção historiográfica. O ensino de História desses povos ganhou um novo impulso com a legislação que definiu a obrigatoriedade desses temas nos currículos da educação básica. Por certo, a temática afro-indígena tem englobado a escola e necessita ser incorporada no e pelo cotidiano escolar nas diferentes disciplinas do currículo, rompendo com as amarras pedagógicas que excluem e, muitas vezes, cerceiam qualquer possibilidade de ser respeitada e valorizada no âmbito escolar. Para a autora, apesar de essa questão ser uma preocupação recorrente, as leis 10639 / 2003 e 11645 / 2008, desde sua promulgação, apresentam normas e orientações que definem o papel dos currículos escolares na inclusão de conteúdos específicos sobre esses grupos, na perspectiva de uma educação afirmativa, propiciando meios para a formação de cidadãos atuantes, democráticos, tolerantes e capazes de lutar pela construção de uma sociedade inclusiva, que valorize as diversidades culturais, as quais nos formam um país multiétnico e pluricultural.
Nadia Gaiofatto Gonçalves envereda pelos caminhos da produção acadêmica sobre a formação de professores de História no Brasil em sua Pesquisa na formação de professores para o ensino de História: produção acadêmica (1970-2014), em que analisa como o ensino de História foi abordado em periódicos acadêmicos de Educação, de Ensino e de História, a partir dos anos de 1970, marco inicial dos Programas de Pós-Graduação, até o ano de 2014. Para a autora, esta pesquisa pode ser compreendida como um estado da arte ou estado do conhecimento. Sua fonte foram periódicos acadêmicos nacionais, constantes no Qualis – CAPES, com classificação mínima entre A1 e B3, das áreas de Educação, História e Ensino. Ao assumir os artigos dos diversos periódicos para o seu trabalho de pesquisa, a autora mostra-nos que o princípio formativo para professores vem se configurando como uma tendência nas proposições, embora ainda de forma tímida, mesmo na produção sobre formação de professores para o ensino de História. E essa tendência decorre e dialoga com referenciais teóricos que vêm ganhando força na produção educacional no Brasil, a partir do final do século XX, relacionados ao professor reflexivo e aos saberes e práticas docentes, bem como se reporta a referências que têm se fortalecido gradativamente no campo do ensino de História, a partir do início do século XX, derivados da Educação Histórica ou da Didática da História.
Por fim, Susane Rodrigues de Oliveira analisa em seu texto A Formação de Professores-Pesquisadores no curso de História da UNB: uma análise da proposta curricular e das atividades de estágio supervisionado, os fundamentos e os modos de efetivação da proposta curricular de formação de professores-pesquisadores no curso de licenciatura em História da Universidade Nacional de Brasília. Para isso, analisou a estrutura curricular estabelecida pelo Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso que vem caminhando, gradativamente, na busca da articulação do ensino e pesquisa na formação de professores. A autora considera que muito ainda precisa ser feito, a fim de que se mude o quadro atual do ensino de História, no Brasil, e, também, para que as atividades de pesquisa no contexto escolar, exercidas por professores em formação inicial e continuada, possam ter ainda mais apoio, estímulo, reconhecimento e suporte adequados, gerando uma aproximação horizontal e transformadora entre a universidade e a escola.
Além desses artigos que compõem o dossiê a Revista Mosaico apresenta três artigos em sua seção temas livres, a saber: Militarização das Escolas Públicas do Estado de Goiás: uma reflexão sob os olhares de Gloria Anzáldua e Michel Foucault de Leandra Augusta de C. M. Cruz em co-autoria com Maria do Espírito Santo Rosa C. Ribeiro; Jogos do Sensível na História da Mídia: o Caso da Rádio Iguaçu- AM 670, de Edgar Cesar Melech e de Albertina Vicentini, Apontamentos sobre o regionalismo em literatura hoje.
De nossa parte, não objetivamos no dossiê resolver toda problemática acerca da formação de professores, bem ao contrário, esperamos que este seja um espaço para pensar, repercutir e levantar questões enfrentadas pelos professores, no âmbito da universidade, da escola e fora dessas instituições visando às mudanças nas práticas docentes.
Esperamos que esses artigos possam ampliar o debate nos campos do Ensino de História, da educação e da formação docente. Dessa forma, convidamos o leitor a se deixar “seduzir” pelos textos aqui apresentados. Excelente leitura!
Carlos Augusto Lima Ferreira – Professor Doutor. Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS
Editor deste número
FERREIRA, Carlos Augusto Lima. Editorial. Revista Mosaico. Goiânia, v.8, n.2, jul. / dez., 2015. Acessar publicação original [DR]
Ensino – pesquisa em história: desafios e perspectivas / História & Perspectivas / 2015
Há três décadas a relação entre ensino e pesquisa em História vem ocupando centralidade nas discussões de muitos de nós historiadores. Com o fim dos Estudos Sociais, das licenciaturas curtas e ou plenas nas Universidades Públicas e Privadas, a extinção de disciplinas, como OSPB e Educação Moral e Cívica; o restabelecimento das áreas de História e Geografia e de outras das Ciências Humanas nos currículos do ensino fundamental e ensino médio, são evidências de mudanças. Se alguns desafios foram vencidos outros ainda permanecem no horizonte das nossas práticas de trabalho. Entre tantos está o de firmar a educação como um direito a ser conquistado enquanto dimensão da cidadania.
Por certo ainda se tem muito que avançar quando o tema é a pouca ênfase das políticas publicas na valorização do trabalho docente e no aprendizado dos estudantes, resultando em um cenário recorrente de baixos salários e pouca carga horária das disciplinas de Humanas nas grades curriculares do ensino básico. Há necessidade de se rediscutir o predomínio do mercado editorial eletrônico e ou impresso no âmbito da circulação dos conhecimentos, incidindo na maioria das vezes em práticas de ensinar que sucumbem à relação com o pensar histórico. Ou melhor dizendo: necessidade de questionarmos a permanência, no “chão” de muitas escolas, de práticas de ensino desarticuladas dos processos vividos, da realidade sociocultural dos estudantes e professores, pautadas em bases hierárquicas, cuja sustentação se dá por meio de discursos das “competências, habilidades e meritocracia”. Reflexões que estiveram no cerne das criticas ainda no final dos anos 1980 e que apontavam para a necessidade de trazer o direito a uma educação articulada ao direito à cultura e à cidadania. (Chauí, M., 1980).
No cerne dessas criticas estava a necessidade de pensar a educação como campo onde a difusão dos conhecimentos, que se requerem “competentes”, seja feita ao lado e em concomitância com as dissonâncias vividas em todas as dimensões da cultura e ou das muitas e outras “falas” produzidas no cotidiano das relações vividas pelos estudantes, professores e trabalhadores técnicos.
Essa é uma critica que permanece como desafio e uma esperança, pois, felizmente, tem rendido muitas discussões e publicações. Essas se apresentam como propostas alternativas para democratizar as relações de ensino / pesquisa na formação dos professores, nas suas práticas de ensinar, como modos de se relacionar, de incorporar e difundir saberes que se fazem nos diálogos com os estudantes, na sala de aula e noutras relações que constituem as escolas uma instituição pública e permanentemente moldada pelos processos de criação, de reflexão, cujas autorias pertencem a todos os agentes, que trabalham e estudam nelas. (Arroyo, M., 2011)
Agora falemos das Perspectivas, outra palavra que compõe o titulo do Dossiê. Vale lembrar que em 1992 a Revista História & Perspectivas deu a sua contribuição para lidar com o ensino como pesquisa histórica na edição de um dossiê cujo tema foi Historia e Historiografia. O número contou com a presença de vários autores entre eles o de Déa Ribeiro Fenelon, que na época era professora do Programa de Pós Graduação da PUC-SP e também diretora do Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de São Paulo. O artigo O Historiador e a Cultura Popular: História de classe ou História do povo? foi originalmente apresentado por ela no VI Encontro Estadual de História de Minas Gerais em 1988. Nele várias questões foram trazidas como críticas e como um “chamado” a pensar a função social do historiador e a produção do conhecimento histórico articulado a procedimentos que firmassem a necessidade de valorizar a disciplina História como um campo de muitos fazedores de história em todos os níveis e concepções.
Com essa perspectiva Déa Fenelon apontou alguns problemas nesta questão do ensino / pesquisa em História, aludindo à responsabilidade, de nós historiadores, nas escolhas teóricas pouco debatidas no interior da academia, ou reduzidas aos Eventos da ANPUH. A autora destaca na sua reflexão o fato destes conhecimentos se colocarem como verdades consagradas e ou sacralizadas nos conteúdos curriculares e elencos programáticos, escudados na idéia de que afinal existe toda uma determinada história da humanidade que nossos alunos, futuros professores, precisam dominar para poder transmitir na escola de 1 e 2 graus. Estabelecem-se os conteúdos e a discussão passa a ser apenas sobre a melhor maneira de transmití-los, partindo–se do suposto da hierarquização dos níveis de aprendizagem e de saber que é preciso consagrar. (Fenelon, Déa, 1992, p.8)
A perspectiva apresentada como crítica pela autora era a de buscar uma concepção de História que convivesse com a noção de um tempo / processo histórico indeterminado, o indefinido, o diferenciado, perseguindo assim procedimentos teórico-metodológicos que incorporassem a diversidade e diferença entre sujeitos e grupos, as mudanças e as permanências, reconhecendo que ninguém tem o monopólio do caminho a percorrer para construir a transformação que queremos ver realizada. (Fenelon, Déa, 1992, p.9)
Desse tempo para cá tivemos muitas discussões sobre essa realidade. Elas inclusive deram vazão a diversas propostas inscritas como parâmetros curriculares nacionais, os PCNs, que trazem o movimento de incorporação dessas críticas, por exemplo, ao elencar como trabalho na formação dos nossos estudantes os procedimentos de lidar com a diversidade de linguagens socioculturais. Também tivemos nos anos 1990 muitas mudanças no âmbito da criação de novos cursos de graduação e pós- graduação em História com a incorporação de novos temas nas diferentes abordagens do pensar histórico e historiográfico; a revisão de concepções tradicionais da História Política e Econômica; a emergência de trabalhos no âmbito da Historia Cultural; ao lado da persistência daqueles, na área da Historia Social, que resistem à idéia de que esse campo de investigação é apenas mais uma especialização.
No âmbito das prerrogativas das mudanças institucionais dos currículos da educação básica estão os desafios de problematizar e produzir conhecimentos sobre “cultura afro brasileira e indígena” que envolvem questões a serem enfrentadas. Por isso este dossiê traz artigos que buscam pontuar para fazer avançar nas reflexões sobre o eixo Ensino / pesquisa em História, pensados ainda como desafios e perspectivas.
No conjunto do Dossiê temos 10 artigos diretamente vinculados ao tema. Começamos com o artigo do historiador Michael Merrill que traz a sua experiência de professor nos Estados Unidos junto aos estudantes das classes trabalhadoras. O texto é instigante, pois retoma questões que ainda precisam ser desnaturalizadas, como as perguntas: “O que os trabalhadores sabem da História? O que a História sabe sobre os trabalhadores? No seu texto essas questões atuam como pontos para a sua argumentação de que a História não é fixa e imutável, mas fluida e em constante transformação. Não é o passado. É uma história que nós contamos sobre o passado.
Outro artigo importante para um pensar retrospectivo e prospectivo sobre o ensino / pesquisa em História é o da historiadora Maria do Rosário da Cunha Peixoto. A autora retoma as discussões sobre as diferenças das propostas curriculares realizadas na rede pública, com professores e também com aqueles que eram responsáveis pelo processo de construção das mesmas com a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, desde 1986. O objetivo do artigo é discutir o ensino como pesquisa, o que implica considerar a pesquisa o eixo organizador dos currículos escolares dos níveis fundamental e médio e das atividades dos professores de História no exercício da docência e não mais como atividade eventual em sala de aula. Propõe assim o deslocamento do debate – atualmente centrado no confronto das tendências historiográficas e suas formas específicas de escolher e articular as informações ou conteúdos a serem ensinados – para a discussão de metodologias científicas de investigação histórica adequadas aos diferentes níveis de escolaridade.
Numa abordagem diferente o autor Fernando Penna, formado na área da Educação, trata de analisar as concepções de tempo e a percepção da possibilidade da agência no ensino de história. Para tanto, o autor usou como fontes textos de estudantes do ensino fundamental produzidos por um professor da turma, visando tratar a problemática da distância entre passado, presente e futuro em sala de aula, tendo como referencial teórico as propostas de Reinhart Koselleck e Hans Ulrich Gumbrecht. Destaca ainda que as concepções de tempo apresentadas pela maioria dos alunos foram extremamente pessimistas e fatalistas, mas a existência de alguns poucos que acreditavam na responsabilidade de mudar o curso dos acontecimentos aponta para considerações importantes para a prática docente dos professores de história.
Álvaro Nonato Franco Ribeiro e Sônia Aparecida Siquelli, também ligados a área da Educação, apresentam análise das propostas curriculares oficiais que afetam atualmente a educação em Minas Gerais. O objetivo do artigo é argumentar que as idéias neoliberais presentes nas Propostas Curriculares Nacionais (PCN) e no Currículo Básico Comum (CBC / MG) propõem, por meio da adoção de práticas típicas da economia de mercado, desenvolver um sistema educacional pautado na qualidade. Para o ensino de História, essas propostas determinam incluir as fontes históricas em sala de aula e priorizar o desenvolvimento de habilidades e competências que preparem o estudante para o mundo do trabalho. A pesquisa, de natureza qualitativa, realizou uma análise descritiva, crítica e documental dos documentos curriculares oficiais por intermédio da construção de protocolos de análises que evidenciaram pontos convergentes e divergentes entre os PCNs e o CBC / MG.
Carmem Zeli de Vargas Gil, também da área de Educação, com referenciais aportados nos estudos da Historia Cultural, traz como proposta examinar a história de jovens nos conteúdos dos livros didáticos, em especial uma coleção de História para o ensino médio aprovada no Programa Nacional em 2012. O diagnóstico é o de que é possível afirmar que há intencionalidades do editor e do autor em dialogar com situações da vida dos jovens na contemporaneidade, mais do que sua presença na História.
Beatriz Boclin Marques dos Santos, da área de Educação, e Thiago Rodrigues Nascimento, historiador, analisam as controvérsias em relação à memória que associa fortemente os Estudos Sociais apenas ao tempo das propostas dos governos militares. Para os autores essas propostas têm como natureza os contextos dos debates sobre educação ainda nos anos 1920, vinculados aos da Escola Nova. Assim o artigo tem como objetivo analisar a trajetória da disciplina escolar Estudos Sociais no currículo das escolas brasileiras entre as décadas de 1930 e 1970. Com base em uma nova perspectiva historiográfica, resultado de pesquisa em fontes documentais (legislação elaborada pelo CFE) e metodologia da História Oral, bem como por meio de entrevistas com personagens que atuaram como formuladores dessa legislação, salienta-se que a adoção dos Estudos Sociais como disciplina no currículo é uma questão eminentemente pedagógica.
Saindo do foco das retrospectivas e proposições sobre o ensino / pesquisa em Historia, os textos a seguir trazem os desafios postos tanto pela crítica à produção historiográfica, como à produção de materiais para o ensino / pesquisa relacionados ao contexto de aprovação da legislação para as problemáticas das Culturas e Histórias Indígenas e Afro Brasileira, no ensino básico e mais recentemente a obrigatoriedade de disciplinas nos currículos da formação superior.
Carlos José Ferreira dos Santos, historiador e ativista das lutas indígenas, traz importante contribuição no sentido de discutir alguns desafios que dificultam a aplicação da Lei 11.645 / 2008, que tornou obrigatória a temática História e Cultura. Santos destaca a necessidade do diálogo entre o ensino das Histórias e Culturas dos Povos Originários, a produção dos conhecimentos acadêmicos e os saberes / vivências indígenas e, por fim, dos compromissos sociais e culturais dos envolvidos no processo educacional e na produção do conhecimento para enfrentar os desafios na implementação dessa lei. Com esse propósito o texto de Santos possibilita refletir sobre alguns entraves que permanecem na vida social e no horizonte da produção historiográfica quando se trata de produzir pesquisas desencontradas das dimensões das culturas / modos de viver destes povos originários. Por exemplo, a permanência de um olhar externo e classificatório sobre as lutas pelos direitos aos seus territórios, ou ainda, quando fortalecem a invisibilidade no social dessas memórias e dos diferentes protagonistas dessas histórias de lutas.
Nesse sentido o artigo de Santos contribui para problematizar a permanência de um olhar que silencia as diferenças étnicas e culturais quando fixa no imaginário social um olhar político / romântico sobre as ações destes agentes. Um olhar fixado num passado distante e articulado aos marcos das conquistas civilizatórias européias tendo como resultante disso o isolamento, tanto no passado como no presente, de suas existências sociais num processo mais amplo de formação histórica da sociedade brasileira. Já que nesse olhar os indígenas emergem ora como heróis exterminados pela violência dos conquistadores, ora como vitimas e remanescentes de uma cultura em extinção.
O artigo de Susane Rodrigues de Oliveira também contribui para pensar os entraves e os desafios para o ensino da Cultura e História Afro-brasileira e Indígena na educação básica. Partindo das prerrogativas das novas leis sobre a obrigatoriedade destes “conteúdos” nos currículos, a autora analisa os resultados de uma pesquisa realizada por estudantes do curso de História da UnB no estágio supervisionado em escolas do Distrito Federal junto à comunidade escolar da rede pública de Brasília. A sua análise apontou para questões que vão desde a falta de formação dos professores, o enraizamento de preconceitos sociais em relação a alguns conteúdos e a ausência de materiais didáticos livre de alguns paradigmas, até a falta de compromisso da Secretaria da Educação. Esses entraves são para ela alguns dos obstáculos a serem enfrentados.
Desta forma, por diferentes caminhos teóricos os autores relacionados trazem os percursos do debate sobre a relação entre ensino / pesquisa, demonstrando o quão fértil é o campo de diálogo e reflexão, não só para os historiadores como para todos os pesquisadores de outras áreas do conhecimento.
Numa secção de artigos fora do dossiê, este número de História & Perspectivas ainda apresenta as contribuições de autores que trazem diferentes questões relacionadas à formação dos professores; os supostos metodológicos no trato com diferentes linguagens; os desafios no ensino sobre estudos de gênero e a critica à produção historiográfica; bem como os estudos firmados na história local, as problemáticas das fontes e das abordagens. Artigos que ajudam a explicitar o campo diverso das propostas, que instigam debates e revelam diferentes abordagens na produção do conhecimento histórico. Todas estas colocações indicam que os desafios para se trabalhar a formação de professores e pesquisadores continuam no centro das nossas preocupações.
Célia Rocha Calvo
CALVO, Célia Rocha. Ensino – Pesquisa em História: desafios e perspectivas. História & Perspectivas, Uberlândia, v.28, n.53, 2015. Acessar publicação original [DR].
Ensino de História e Interdisciplinaridade / Revista do LHISTE / 2015
Com um pequeno dossiê sobre Ensino de História e Interdisciplinaridade, chega ao público o segundo número da Revista do LHISTE. As três contribuições sobre o tema trazem reflexões sobre práticas educativas específicas, mas que apontam para problemas compartilhados em nosso campo. No primeiro artigo, Letícia Ferreira examina algumas experiências do Instituto Federal do Rio Grande do Sul na integração da História a disciplinas técnicas. A seguir, Jezulino Braga analisa possibilidades de ensino através da narrativa visual do Museu de Artes e Ofícios de Belo Horizonte, espaço de memória e linguagem particulares, que exigem do professor uma abordagem atenta a outras áreas do conhecimento. No terceiro texto, Eduardo Ferreira e Samuel da Silva discutem a formação do professor de História, confrontando teoria e prática, em busca de novas didáticas para a sala de aula.
Aproveitando o tema, apresentamos uma novidade: a seção Painel. A partir desta edição, publicaremos notas de profissionais convidados a respeito de assuntos “quentes” da área. São textos curtos, descritivos e / ou de opinião, que, acreditamos, permitem construir um painel de pontos de vista variados. Organizada pelo professor Benito Schmidt, a seção traz contribuições de Valdei Araújo, Itamar Oliveira, Jocelito Zalla e Viviane Gnecco.
Também publicamos neste número dois artigos na seção livre. Jaqueline Zarbato explora as interfaces entre currículo e práticas docentes no tocante à formação do professor de História. Mateus Meireles reflete sobre a temática dos Direitos Humanos no ensino da disciplina, recorrendo à sua experiência de estágio supervisionado.
Na seção Relatos de Práticas, Jefferson da Silva fala do PIBID-História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e Leandro Mayer discute o Projeto História Local Porto Novo, desenvolvido em Itapiranga – Santa Catarina.
Caroline Pacievitch e Amanda Oliveira nos apresentam o livro Peabiru: um caminho, muitas trilhas, organizado pelas professoras Ernesta Zamboni, Maria de Fátima Sabino Dias e Silvia Finocchio, na seção Resenhas. Por fim, Pacievitch introduz um depoimento do professor Jean-Christophe Sanchez, do Lycée Pierre d’Aragon, em Muret (França), e da École Superieure du Professorat et de l’Éducation da Académie de Toulouse, na seção Entrevista.
Com este número, também inauguramos a nova identidade visual da Revista do LHISTE e sua publicação paralela via ISSUU, plataforma que permite a visualização digital da revista conforme a estrutura e as características das edições impressas. Com isso, buscamos qualificar a experiência de leitura e ampliar a circulação dos textos publicados, acreditando ser nosso papel estabelecer um espaço amplo de troca de ideias entre a universidade e a escola.
Equipe Editorial
Equipe Editorial. Editorial. Revista do LHISTE. Porto Alegre, v.2, n.2, jan. / jun., 2015. Acessar publicação original [DR]
Ensino de História e Linguagem: discurso, narrativa e práticas de significação do tempo / História Hoje / 2015
As pesquisas no campo do ensino de História que hoje consideram os referenciais da historiografia e da teoria da História no diálogo com diversos outros campos de conhecimento têm crescido em quantidade e qualidade no Brasil. No entanto, em que pese o avanço teórico evidente e sua importante contribuição para a renovação do ensino dentro e fora da escola, poucos são os investigadores que têm se dedicado às questões concernentes à linguagem destacando, por um lado, a leitura e a escrita como práticas sociais, e, por outro, os gêneros discursivos em sua relação com o ensino e aprendizagem da História.
Destarte, o ensino de História é permeado e impactado pelas questões da Linguagem de forma singular, assemelhando-se e distinguindo-se da historiografia em seu sentido estrito. Nesse diálogo permanente, significantes como narrativa histórica tornam-se elementos centrais das empreitadas analíticas situadas em lugar de fronteira na busca por compreensão dos diferentes processos de significação do tempo presente que tomam lugar no espaço escolar. Articulados, tempo e narrativa, por sua qualidade discursiva compõem o processo de compreensão da existência temporal do ser humano, dado que o espaço do contar é um espaço de compreensão.
Movidas por essa preocupação, procuramos reunir neste dossiê estudos cujas preocupações recaem sobre os diálogos e tensões surgidos nos enfrentamentos e indagações pela aproximação de referenciais provenientes de dois campos: Ensino de História e Linguagem. Nesse sentido, ressaltam, em exercícios e propostas teórico-metodológicas, que a compreensão do tempo é produção linguística e que as operações discursivas envolvidas na narrativa implicam também um processo constitutivo da compreensão do mundo pelo homem, envolvendo, ainda, a constituição do próprio ser. A produção de sentido histórico no ensino de História está, dessa forma, impregnada pelo narrar o tempo e por seus desdobramentos pelos múltiplos e complexos espaços vividos.
Nesse marco analítico, propõe-se o adensamento de questões a princípio triviais e cotidianas da História escolar como os atos de ler o livro, copiar do quadro, escrever no caderno, responder provas, comprar e ler periódicos de divulgação de História e tantos outros aspectos que constituem este universo complexo, múltiplo, híbrido, ambivalente e polissêmico, que desperta muitos questionamentos e possibilidades investigativas.
A seção Dossiê é aberta pelo texto “Potencialidades das ‘narrativas de si’ em narrativas da história escolar”, de Ana Maria Monteiro e Mariana de Oliveira Amorim. As autoras apresentam as bases teórico-metodológicas de uma pesquisa em andamento que busca examinar as potencialidades das “narrativas de si” de professores, em sala de aula, para a construção do saber histórico escolar e, também, para a produção de identidades docentes.
Carmen Teresa Gabriel apresenta “Jogos do tempo e processos de identificação hegemonizados nos textos curriculares de História”, instaurando um diálogo com as teorizações do discurso e os estudos narrativos. Seu objetivo é explorar os jogos do tempo que articulam passado, presente e futuro nas narrativas identitárias hegemonizadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais de História (PCNs) que tem como leitor potencial o professor desta disciplina.
Patricia Bastos de Azevedo em “História Ensinada e Dialogismo: prática de letramento no 6º ano do Ensino Fundamental” empenha-se em compreender a produção de sentido em práticas de letramento na história ensinada que tomam lugar em uma sala de aula de história em uma escola estadual no Rio de Janeiro / Baixada Fluminense.
Marcelo Fronza convida-nos a ler o artigo “As narrativas históricas gráficas como expressão da aprendizagem histórica de jovens estudantes do ensino médio – perspectivas da educação histórica”. O autor enfoca aspectos da expressão da consciência histórica de jovens estudantes de ensino médio tomando como objeto de análise suas narrativas históricas gráficas. No texto, Fronza indaga-se se os conceitos de intersubjetividade e verdade, ligados à identidade histórica dos jovens, interferem na orientação de sentido no tempo.
Em “Práticas de escrita escolar no ensino de História: indícios de significação do tempo em manuscritos escolares”, Maria Lima analisa aspectos expressivos e contextuais de um manuscrito escolar de uma aluna de 6º ano, cuja produção é, socialmente, considerada insuficiente do ponto de vista de uma escrita convencional. A autora privilegia o enfoque dos aspectos expressivos e contextuais com a intenção de identificar as marcas que fortalecem a hipótese de que os sentidos ali instituídos remetem a movimentos de exclusão social apoiados em formações discursivas relacionadas a processos de silenciamento empreendidos por práticas que se utilizam da escrita e da História para doutrinar, mais do que para formar.
Maria Aparecida Leopoldino apresenta-nos o artigo “A leitura de textos literários no ensino de história escolar: entrelaçando percursos metodológicos para o trato com os conceitos de tempo e espaço”. A partir de uma abordagem focada no conceito de tempo e espaço em diálogo com literatura contextualizada no ensino de História nos anos iniciais de escolaridade, a autora realiza um exercício de leitura que se constitui em proposta teórico-metodológica que favorece a desnaturalização dos heróis e a crítica às datas comemorativas.
No artigo “Enseñanza de la Historia y enfoque narrativo”, Virginia Cuesta analisa narrativas históricas produzidas por crianças e jovens do “nível secundário” no contexto de aulas de História em que privilegiou o uso didático da empatia histórica. Sua análise é fundamentada no enfoque narrativo preconizado por Gerome Bruner, e nos aportes de Kieran Egan no concernente às relações entre o poder da imaginação no ensino e o pensamento narrativo. Mobiliza também referenciais da Crítica Literária para pensar o aspecto processual da produção de narrativas históricas pelos alunos, reforçando a ideia de que as práticas de ensino de História pressupõem um trabalho comprometido com a escrita.
Fechando o Dossiê, Ana Zavala aborda em seu texto “Pensar ‘teóricamente’ la práctica de la enseñanza de la Historia” o que significa falar em teorização da prática de ensino. Confronta, para isso, os dois modos de teorização, o acadêmico e o realizado pelos professores na sala de aula da Educação Básica. A autora nega a contradição entre teoria e prática, pensando sua complementaridade e potencialidades, destacando que há uma teoria guiando a prática concebida pelos próprios praticantes, sejam eles os professores, sejam os pesquisadores que investigam as práticas docentes.
Na seção Entrevista, convidamos você leitor a uma conversa instigante com o prof. Dr. Gonzalo de Amézola, docente da Universidade Nacional de La Plata (UNLP). O diálogo norteou-se, inicialmente, pelas reflexões em torno do que chamou de esquizohistoria, termo mobilizado no contexto de suas reflexões sobre as relações entre o conhecimento histórico acadêmico e o escolar em uma perspectiva histórica. Além disso, o prof. Amézola apresenta um panorama histórico do processo de constituição da disciplina escolar de História na Argentina, destacando como uma tradição de memorismo e nacionalismo, que marcam a prática docente naquele país até a atualidade, foi instaurada ao longo dos séculos XIX e XX na História ensinada, em uma perspectiva cada vez mais autoritária.
Na terceira seção, Falando de História Hoje, podemos ler o artigo intitulado “A teoria da história de Jörn Rüsen no Brasil e seus principais comentadores”, escrito por Wilian Carlos Cipriani Barom. Nesse artigo, pautando-se numa revisão da literatura produzida no Brasil, o autor busca identificar as principais contribuições da teoria de Rüsen para a história e seu ensino, de acordo com a opinião de pesquisadores e comentadores nacionais. Utiliza-se de uma amostragem de 34 artigos publicados em revistas e anais eletrônicos de eventos dedicados às áreas de História e Educação.
A quarta seção, E-storia, é composta por dois artigos. No primeiro, intitulado “Ensino de História e tecnologias digitais: trabalhando com oficinas pedagógicas”, Marcella Albaine Farias da Costa discorre sobre possibilidades de trabalho com / sobre tecnologias digitais a partir de sua própria experiência ao desenvolver atividades com oficinas pedagógicas. Reflete sobre as diferenças entre as estratégias propostas e uma atividade dita “tradicional”, defendendo o ponto de vista que as fixam enquanto espaço e tempo de formação e pesquisa
Em seguida, Joelci Mora Silva e Sônia da Cunha Urt, no texto “Professores de História e a internet nas escolas: concepções e caminhos”, discorrem sobre a inserção das redes sociais on-line no fazer docente assumindo como principais objetivos o estudo e a reflexão acerca dos caminhos do ensino de História em sua interlocução com o uso escolar da internet.
Na seção História Hoje na sala de aula somos instigados pelo artigo do professor Décio Gatti Júnior intitulado “Uma experiência de formação de professores em torno do conhecimento histórico-educacional na Universidade Federal de Uberlândia”. O texto traz uma reflexão sobre sua experiência de ensino da disciplina História da Educação em cursos de formação de professores entre 1994 e 2014. Destacando os esforços de construção de um programa disciplinar ajustado aos interesses dos alunos e que se conjugue aos propósitos formativos, o autor fornece subsídios para pensarmos a importância da permanência da disciplina nos cursos de licenciatura.
Na seção Resenha, Isabelle de Lacerda Nascentes e Sérgio Armando Diniz Guerra Filho apresentam-nos o livro Pesquisa em Ensino de História: entre desafios epistemológicos e apostas políticas, organizado por Ana Maria Monteiro, dentre outros autores. Ressaltam que o propósito central das discussões converge para o enfrentamento dos dilemas político-institucionais ligados ao reconhecimento e valorização do potencial da escola pública como lócus privilegiado de difusão e democratização de bens culturais, incluindo o conhecimento científico. Destacam ainda que os autores assumem um desafio epistemológico, articulando campos distintos e mobilizando discursos da historiografia, das teorias do currículo, da didática e da pedagogia que construam sentido e legitimidade para o ensino da disciplina de História.
Célia Santana Silva convida à leitura do livro Ensino de História: usos do passado, memória e mídia, organizado por Helenice Rocha, Marcelo Magalhães, Jaime Ribeiro e Alessandra Ciambarella. De acordo com ela, os autores apresentam reflexões sobre o uso social da História e suas interfaces entre o ensino de história e a circulação social da história nas diversas esferas de produção, além de considerações acerca dos usos do passado em diferentes mídias. Ressalta como os textos contribuem para a ampliação de diálogos e olhares com e para a história pública, ou seja, as histórias que são produzidas para e além dos muros da escola.
Na seção Artigos leremos três textos de caráter distinto.
Maria Aparecida da Silva Cabral é autora do artigo “O Currículo Mínimo, o Ensino de História e o Sistema Estadual de Avaliação no Estado do Rio de Janeiro: reflexões sobre os processos de ensino e aprendizagem na escola básica”. A autora analisa o processo de implementação, a partir de 2012, do Currículo Mínimo proposto pela Secretaria de Educação e Cultura estadual, enfocando o impacto dessa política educacional no cotidiano escolar, especificamente, nas aulas de História do Ensino Fundamental II.
Marta Ferreira, em “Os cadernos diários nos cotidianos do Ilè Aṣé Omi Larè Ìyá Sagbá”, convida-nos a conhecer as redes educativas construídas nesse terreiro de candomblé por meio da leitura dos ìtàn (histórias de òrìṣà) como narrativa histórica que dá sentido à religião, bem como dos cadernos / diários de crianças e adolescentes candomblecistas, que registram por escrito o aprendido nos cotidianos desse terreiro.
Por fim, o texto “Conexões entre escola e universidade: o Pibid e as estratégias de residência docente” assinado pelos professores da área de Ensino de História do Departamento de Ensino e Currículo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – Fernando Seffner, Carla Beatriz Meinerz, Carmem Zeli de Vargas Gil, Caroline Pacievitch e Nilton Mullet Pereira. Os autores apresentam reflexões produzidas no âmbito do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) desenvolvido com alunos do Curso de História da UFRGS.
Os debates tecidos neste volume não se fecham em si, mas abrem possibilidades outras, pois apresentam diferentes questões, algumas em seu processo embrionário e outras com uma trajetória mais consolidada. Nosso desafio, nesse sentido, é provocar no leitor um desassossego e um exercício de contrapalavra. Para isso, lançamos um convite aos graduandos, professores, pesquisadores e a comunidade mais ampla ao exercício de olhar com mais atenção ao comum e cotidiano e ao exótico e excepcional, pois trazemos uma incompletude e um inacabamento estruturante próprio desse processo de diálogo entre dois campos fecundos – ensino de História e Linguagem – que apresentam muitos desafios a serem enfrentados futuramente.
Maria Aparecida Lima dos Santos – Doutora em Educação. Docente do curso de Pedagogia, Centro de Ciências Humanas e Sociais (CCHS), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Membro do Grupo de Pesquisas Oficinas da História, sediado na UERJ. Campo Grande, MS, Brasil. E-mail: maria.lima-santos@ufms.br.
Patrícia Bastos de Azevedo – Doutora em Educação. Professora da área de Ensino de História, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Nova Iguaçu, RJ, Brasil. E- mail: patriciabazev@gmail.com.
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Territórios e Fronteiras do Ensino de História (I) / Fronteiras: Revista de História / 2015
A Fronteiras: Revista de História tem o prazer de apresentar a primeira parte do dossiê sobre Territórios e Fronteiras do Ensino de História. O presente dossiê é um convite a reflexão sobre os territórios do ensino de História no mundo contemporâneo, agregando estudiosos de diferentes parte do país e instituições de ensino.
Currículos, formação de professores, livros didáticos, patrimônio cultural, direitos humanos, diversidade étnico-racial são temas que marcam as reflexões acerca dos lugares do ensino da história entre diferentes territorialidades e limites (sempre em expansão e híbridos). Leia Mais
Ensino de História / Contraponto / 2015
A proposta do dossiê Ensino de Historia da revista Contra Ponto procurou proporcionar um debate no campo da história e da história da educação, entre suas diversas interfaces por meio da publicação dos artigos aqui presentes, o objetivo foi trazer uma ampla reflexão sobre os diversos aspectos da História no âmbito da experiência do fazer docente e o campo da História e da História da Educação.
Por meio do estudo da História podemos entender que houve uma apropriação desta pelo diversos sujeitos, entre eles os educadores, como fonte de formação de uma sociedade com fins a elaborar um ideal de identidade. De igual forma o ensino de História foi sendo continuamente estruturada pelo Estado desde o século XIX com fins a forma igualmente um discurso de Nação.
Desde a criação das primeiras universidades na década de 30, esta passou a ser uma matriz necessária para o desenvolvimento do ensino de História, possibilitando novas atitudes sobre o passado e o presente da sociedade brasileira, esse caminhar da História em grande parte encontra-se permeada pelas diversas tendências que de alguma forma contribuíram para a compreensão da Historia como Ciência e ou Disciplina, no entender de Veyne (1998, p. 11).
Na atualidade a história esta aberta a outras ciências, o que nos faz afirmar que ela não se encerra na própria narrativa, ao contrario ela mantem um amplo compromisso intelectual com a sociedade, é com esse objetivo que os estudos que compõem o presente dossiê se propõem.
Este dossiê de alguma forma procurou privilegiar trabalhos que relatam aquilo que esta sendo realizado sobre o ensino de História no Brasil, os trabalhos aqui presentes propõe também um novo olhar sobre a sociedade.
Os capítulos deste dossiê incluem discussões sobre: Os conceitos meta-históricos; Os novos desafios ao ensino de história; A identidade étnica; A literatura de cordel no ensino de História; E sobre o ensino de história enquanto problema teórico. Por fim os artigos livres com uma gama de trabalhos que perpassa pelos viajantes do Piauí oitocentista; A literatura de Germinal: e a classe trabalhadora francesa; A presença do governo militar no interior do Piauí na década de 70; O choque da presença portuguesa no processo de colonização e por fim; A saga de Maria Firmina na sociedade oitocentista.
Convido a todos para apreciarem os estudos.
Boa Leitura.
Referência
VEYNE, Paul. Como se escreve a história; Foucault revoluciona a história. 4ª ed., Brasília: Editora UNB, 1998.
Johny Santana de Araújo
Editor Chefe
ARAÚJO, Johny Santana de. Apresentação. Contraponto, Teresina, v. 4, n. 1, fev., 2015. Acessar publicação original [DR]
Formação docente e ensino de história: fontes, objetos e categorias / Territórios & Fronteiras / 2015
O dossiê “Formação docente e Ensino de História: fontes, objetos e categorias” traz artigos que expõem diferentes contextos, atravessam os níveis de ensino, e mobilizam categorias que permitem destacar a variedade de abordagens e as possibilidades do trabalho investigativo a partir de fontes diversas que indagam sobre a escrita didática da história, os sujeitos, as políticas, as memórias e as práticas imersas no processo formativo de professores / as de História.
O percurso formativo do / a professora / a de História é um tempo de conhecimento, reflexão, crítica e aperfeiçoamento profissional. Nos cursos superiores entram em contato com os saberes teóricos, com a pesquisa e a preparação pedagógica. A base formativa prévia (origem e inserção cultural e formação escolar anterior) se mescla com a formação continuada e, assim, a socialização dos saberes no interior das escolas e na vida vai se constituindo. Os saberes profissionais, como diz Tardif,1 são datados (temporais), são plurais e heterogêneos, são personalizados e situados, são adquiridos por meio da experiência.
Ao percorrer um caminho escolhido do conhecimento (o currículo), têm-se objetivos em mente e questões que devem indagar sobre qual passado tratamos quando ensinamos aos estudantes e como essas histórias operam sentidos na formação dos sujeitos.
Um dos procedimentos imprescindíveis para o ensino de História é o trabalho com as fontes ou documentos. Também a ampliação da noção de fonte atingiu diretamente o trabalho pedagógico, levando à superação da compreensão do documento como prova do real. As inovações tecnológicas também modificaram a relação com o documento.
Entre os oito artigos que compõem este Dossiê, podemos indagar no trabalho de Ana Carolina Eiras Coelho Soares sobre o conceito de História Visual em Ulpiano Bezerra de Meneses2, entendido como um conjunto de recursos para dar consistência à pesquisa histórica. Alerta ele que o uso da pintura, da fotografia ou do desenho não deve ser feito como mera ilustração do texto. A investigação deve levar ao exercício de reconstrução de redes que falam de quando o autor produziu a obra, do contexto da época, do lugar da produção, das articulações de interesse para quem produziu etc.
Ana Carolina Soares aproveita um episódio alardeado na mídia carioca, no ano de 2009, polemizando a retirada de livros didáticos de História das escolas por acusação de suposto conteúdo nefasto presente em possível interpretação de imagens de Theodore de Bry (século XVI). O fato é utilizado pela autora para refletir sobre as vulnerabilidades a que as escolas se submetem em momentos nos quais são cobradas e vitimadas por ações violentas vindas de toda parte. O incidente serviu também para apontar possíveis caminhos do trabalho pedagógico nas aulas de História e fazer pensar a formação de professores.
Em defesa de um código disciplinar da Didática da História, Ana Claudia Urban foi buscar na análise de ementas de cursos de licenciatura em História de universidades públicas do Paraná os “textos visíveis” para suas argumentações. Também analisou pareceres de 1960 ao ano 2000 que foram dando indicativos de como as preocupações com a Didática caminharam junto com as mudanças de perspectivas para a formação de professores.
Alexandra Lima da Silva apresenta, no exemplo de Rocha Pombo, as subjetividades formativas da docência. Explorando o autodidatismo do poeta, historiador e professor, Alexandra faz um passeio pela atribulada história do fazer-se professor e escritor de livros didáticos – esses últimos ficaram tão presentes no imaginário de estudantes, tanto quanto foram marcantes referências de formação para muitos professores.
Jaqueline Aparecida Zarbato nos brinda com uma reflexão sobre Educação Histórica e sobre como se produz a consciência histórica nas práticas pedagógicas de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Sua análise parte de uma oficina realizada com estudantes de História da Universidade de Mato Grosso do Sul, em Três Lagoas, no ano de 2013.
Buscando refletir sobre o embate entre representações no entorno da formação de professores de História, André Luiz Bis Pirola, ao estudar o Espírito Santo na segunda metade do século XIX, investiga como a História era ensinada na ausência de uma formação específica. Dessa forma, a história da formação de professores de história imbrica-se com a própria história da construção da história como disciplina escolar e pode-se compreender como, em meio às lutas, leis e livros, diferentes profissionais (bacharéis, padres e médicos) buscaram instituir determinadas formas de ser e estar no mundo por meio da construção de um sentido para o saber e o fazer docentes.
João Batista Bueno, Arnaldo Pinto Jr. e Maria de Fátima Guimarães, por sua vez, refletem sobre três conceitos importantes para a formação dos professores de História: a interação, a significação e a identidade. Discutem também quais são as possíveis alternativas e critérios que podem ser mobilizados na definição de atividades de interações significativas que visem conectar questões do passado ao presente do estudante. Além disso, analisam como algumas abordagens atuais do conceito de identidade estão modificando os objetivos do ensino de História.
Já o artigo de Helenice Ciampi tem o objetivo de refletir sobre a questão da formação do educador a partir de sua experiência na PUC-SP, com a Prática de Ensino e Estágio Supervisionado e disciplinas afins. A intenção da autora foi focar as últimas décadas de debates no Brasil, articulando as questões centrais da discussão com os temas que constituíram os planejamentos dos cursos no período. Enfim, sua reflexão visa explicitar as questões canônicas na formação do profissional de História ontem e hoje.
Concluindo o Dossiê, Juciene Ricarte Apolinário traz ao debate um tema ainda pouco discutido na área do ensino de História: a educação indígena. Seu artigo aborda, de forma reflexiva, a criação do Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Educação Indígena, UFCG – Povo Potiguara, especialmente no tocante às experiências das práticas pedagógicas das disciplinas de História do Brasil e História Indígena. O projeto foi produzido coletivamente entre indígenas e professores da UFCG para a elaboração de uma proposta de educação superior intercultural, tendo como destaque a formação do professor indígena na área de História.
Acreditamos que os diferentes trabalhos aqui reunidos poderão contribuir com os debates acerca da formação docente do / a profissional de História e sua relação com a dinamização da produção historiográfica e das reflexões metodológicas. Pensamos que os textos que compõem este Dossiê, ao tratarem de diferentes contextos, atravessam os níveis de ensino e mobilizam categorias que permitem destacar a variedade de abordagens e as possibilidades do trabalho investigativo a partir de fontes, objetos e categorias diversas que indagam sobre a escrita didática da história, os sujeitos, as políticas, as memórias e as práticas imersas no processo formativo em questão. Esse conjunto de textos nos oferece, enfim, um quadro representativo de produções acadêmicas que demonstram a consolidação da área de Ensino de História e a relevância das pesquisas sobre formação docente para a profissão do / a historiador / a. Esperamos que estes textos sejam também inspiradores.
Boa leitura!
As organizadoras
Notas
1 TARDIF, Maurice. Os professores enquanto sujeitos do conhecimento. In: _____. Saberes docentes e formação profissional. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
2 MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Fontes visuais, cultura visual, história visual – balanço provisório, propostas cautelares. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 23, n. 45, 2003.
Ana Maria Marques – Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). E-mail: anamariamarques.ufmt@gmail.com
Juçara Luzia Leite – Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). E-mail: jujuluzialeite@gmail.com
MARQUES, Ana Maria; LEITE, Juçara Luzia. Apresentação. Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v.8, n.1, jan / jun, 2015. Acessar publicação original [DR]
Instituições e ensino de História / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2014
Em 2014, diversos eventos e periódicos direcionaram seus trabalhos aos 50 anos do golpe de Estado de 1964, a Revolução Redentora para os defensores do golpe. Para este número, os editores da Revista Eletrônica História em Reflexão acharam por bem dedicar o dossiê a trabalhos que versassem sobre a temática Instituições e ensino de História, ainda não contemplada pela Revista com um dossiê.
Os trabalhos publicados na área do ensino de História, grosso modo, parecem ter dois objetivos principais: a produção de um conhecimento para contribuir com o enriquecimento teórico-metodológico da formação do professor e, consequentemente, refletir nas aulas de História das escolas brasileiras com um enfoque crítico-propositivo; um conhecimento retrospectivo sobre as formas e funções do conhecimento histórico praticadas pelas instituições de ensino, com um enfoque analítico sobre uma memória, que a própria História institucionalizada ajudou a produzir. Esses dois tipos de trabalhos fizeram-se presentes nos artigos do dossiê Instituições e ensino de História.
A quantidade de dissertações na área de ensino defendidas no âmbito do Programa de Pós-Graduação em História da UFGD é ainda relativamente pequena. Apesar dessa pouca expressividade, as preocupações voltadas ao ensino da história são crescentes nos debates entre professores e pesquisadores. Algumas dissertações e teses que abordaram o ensino em uma perspectiva histórica foram desenvolvidos também nos Programa de Pós-Graduação em Educação da UFGD e da UFMS.
Para este número da Revista, foi recebida uma quantidade expressiva de trabalhos na temática de ensino de História. Os artigos foram encaminhados para pareceristas da área, de diversas regiões do Brasil, e o resultado das avaliações surpreenderam. A grande maioria dos trabalhos foi reprovada, indicando um nível de exigência, maturação e profissionalização da área do ensino de História. Uma exigência comum dos pareceristas foi a necessidade de se contemplar a bibliografia existente sobre o assunto tratado para, a partir daí, ponderar a contribuição do conhecimento produzido.
Em agosto de 2014, durante o XVI Encontro Estadual da ANPUH / MS, realizado em Aquidauana, foi gratificante observarmos a riqueza da produção historiográfica desenvolvida no estado, bem como o alentado intercâmbio que as diversas Instituições de Ensino Superior locais vêm estabelecendo com os diversos programas institucionais, regionais, nacionais e sul-americanos, voltados para a pesquisa e o ensino de história. E, nesse sentido, ganha relevância o avanço no estudo de temas e segmentos sociais definidores de identidades locais, por meio de recortes regionais específicos que, em geral, estão ausentes ou são secundarizados pela historiografia “brasileira”, centrada no eixo São Paulo-Rio de Janeiro.
Essa situação representa, ao mesmo tempo, estímulo e maior responsabilidade para os veículos de divulgação dos trabalhos acadêmicos produzidos, seja no âmbito dos programas acadêmicos ou individualmente, por profissionais, sobretudo da área de História, vinculados à pesquisa e ensino.
O presente número da Revista Eletrônica História em Reflexão assume, mais uma vez, a responsabilidade de dar ao público parte dessa produção. O conjunto de artigos selecionados, contemplando o trabalho de docentes e discentes de pós-graduação (mestrandos e doutorandos) e egressos da graduação, repercute, pelo menos em parte, o atual momento historiográfico vivenciado, sobretudo, no estado de Mato Grosso do Sul.
Os artigos aprovados para o dossiê iniciam-se com a contribuição de José Carlos Ziliani e Rosemeire de Lourdes Monteiro Ziliani, A relação educação e trabalho no sul de Mato Grosso nas formulações de Melo e Silva, que apresenta o resultado de uma pesquisa concluída na interface história e educação. O texto apresenta uma análise sobre a conformação do sujeito para o trabalho moderno, na fronteira sul de Mato Grosso, na primeira metade do século passado, conforme as produções do jurista Melo e Silva. Como operadores de análise, utilizaram-se os conceitos de “processos de subjetivação” e de “dispositivo de escolarização”, inscritos na perspectiva pós-estruturalista. Ao criticar os hábitos, valores e práticas sociais do homem local, os textos tornam visíveis as tecnologias de dominação e as do eu colocadas em jogo. A solução apontada nos textos volta-se à instituição de escolas primárias e pré-vocacionais, onde as crianças, desde a mais tenra idade, seriam compostas e disciplinadas para se fixarem ao aparelho de produção moderno.
O trabalho de Jorge Luiz Veloso da Silva Filho e Ricardo de Aguiar Pacheco, Museu do Mamulengo na sala de aula: proposição de jogos educativos como recurso didático no ensino de História, tem como objetivo a proposição de jogos educativos que utilizam o acervo do Museu do Mamulengo (localizado na cidade de Olinda-PE) como recurso didático para o ensino de História. Para a pesquisa de campo e confecção dos jogos, foram utilizados referenciais teóricos ligados ao ensino de História, ao campo do Patrimônio e da Museologia. No campo da Pedagogia, buscaram-se referências sobre o uso de jogos no meio escolar, além de informações obtidas junto ao setor educativo do Museu e a professores que visitavam a instituição. Neste estudo, concluiu-se que a proposição dos jogos é uma forma de aproximar a instituição escolar do Museu do Mamulengo, pois, quando utilizados nas aulas de História, constituem um instrumento para preparar a visitação e potencializar a experiência pedagógica que ocorre no museu.
O debate sobre a diversidade étnico-racial e o ensino de História foi contemplado no trabalho Reeducação das relações raciais e Ensino de História: reflexões teórico-metodológicas sobre processos de formação docente em lugar de fronteiras, de autoria de Lourival dos Santos e Maria Aparecida Lima dos Santos. A discussão realizada aborda o campo de pesquisas sobre o ensino de História como lugar de fronteira, no qual são articulados instrumentais teóricos da educação e da história, e as questões apontadas pelas investigações em educação étnico-racial que consideram centralmente a incorporação de saberes distintos em currículos adequados às realidades locais. Diante da tarefa de formar professores de História, apresentam-se reflexões tecidas e os saberes construídos no encontro de referenciais de ambos os campos de pesquisa. Conclui-se que a problemática da reeducação étnico-racial pode ser um caminho frutífero para se equacionar o distanciamento entre os eventos do passado e questões do presente, princípio fundamental para a História como disciplina escolar e central para o desenvolvimento do pensamento histórico.
Tiago Alinor Hoissa Benfica apresenta um fragmento de sua pesquisa de doutorado, com o título Elevar a educação: a gestação do campo histórico na Universidade pública em Aquidauana (década de 1970). O texto trata da implantação do campo histórico em Aquidauana na Universidade pública, que ocorreu junto às atividades do curso de Estudos Sociais, a partir da ativação do CPA, unidade da UEMT, no período em que houve a primeira grande expansão do ensino superior em Mato Grosso como parte de um conjunto de obras modernizadoras e, no âmbito nacional, as políticas públicas educacionais do contexto da Lei 5.692 / 71. Os Centros Pedagógicos da UEMT tinham o papel de garantir a existência de um quadro de professores formados dentro da legislação da época. Nesse contexto, o artigo aborda as forças e estratégias utilizadas na criação do CPA, a arregimentação de professores, os avanços e recuos do campo histórico em Aquidauana, tendo em vista o papel iniciativa dos agentes do campo e a relação de dependência do campo histórico com a Instituição.
A seção dos artigos livres inicia-se com o trabalho de Giuslane Francisca da Silva e Sérgio da Silva Machado Júnior, ao abordar O discurso em Michel Foucault, por meio do qual são apresentados e discutidos alguns princípios que envolvem a concepção de discurso em Michel Foucault. Tendo em vista ser o discurso um acontecimento histórico, esboça-se como se dá sua construção dentro desse contexto, sobretudo atrelado às relações de poder que permeiam a sociedade. Considerando que, para Foucault, a produção do discurso não se dá de maneira aleatória, os autores se propõem a refletir sobre a produção discursiva enfatizando os mecanismos que atuam como procedimentos de controle dessa construção, considerando que não são todos os sujeitos que possuem acesso a sua produção.
João Pedro Ribeiro Pereira e Jérri Roberto Marin propuseram-se a analisar os discursos, a militância de José Octávio Guizzo e as suas propostas para a construção da identidade sul-mato-grossense no artigo José Octávio Guizzo e a construção da identidade sul mato-grossense. Guizzo foi um ativista cultural e um político de considerável notoriedade em Mato Grosso e em Mato Grosso do Sul durante as décadas entre 1960 e 1980, sendo o primeiro presidente da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul. O conjunto de sua obra revela a preocupação em criar uma identidade para o novo estado a partir da eleição de elementos comuns que singularizariam a região. Como intelectual, preocupou-se em pesquisar os aspectos culturais, sobretudo a música, o folclore e o cinema. Neste sentido, o objetivo é desconstruir e desmantelar os seus discursos, promovendo o estabelecimento de uma nova forma de dizer e de ver o regional.
Um dos temas mais latentes neste ano entre os historiadores, a ditadura militar, está presente no artigo de Luiz Carlos Pais, Retorno ao golpe militar de 1964 e o caso dos presos políticos de São Sebastião do Paraíso (MG). Este artigo propõe um retorno ao Golpe Militar de 1964 ao tomar como referência o caso da prisão de um grupo de 15 cidadãos de São Sebastião do Paraíso, tradicional polo da cafeicultura do Sudoeste de Minas. O grupo foi transportado em condições desumanas para presídios de Belo Horizonte, distante 500 quilômetros da cidade em que moravam com suas famílias e onde eram conhecidos como trabalhadores honrados. Alguns dos presos haviam pertencido ao então extinto partido comunista, outros eram trabalhistas, socialistas ou simpatizantes dos discursos reformistas do Presidente João Goulart. Os fatos históricos foram produzidos a partir de depoimentos recolhidos, cópias de processos obtidos nos arquivos do Fórum da cidade, jornais da época, documentos disponíveis no acervo do extinto Departamento de Ordem Política e Social de Minas Gerais. Constatou-se que entre os motivos das referidas prisões estão a trajetória de resistência trabalhista, iniciada ainda na Era Vargas, quando houve a fundação de uma federação sindical trabalhista que assustou as velhas oligarquias da cidade, a fundação do comitê local do partido comunista, em 1946, a militância em favor do Movimento da Paz Mundial, em 1952, finalizando com a implacável ação de militares agentes da repressão política que agiram em favor das elites locais.
Roberto Mauro da Silva Fernandes trata das Adstrigências e frinchas entre comerciantes brasileiros e bolivianos numa zona de fronteira: os liames e as desconexões acerca do Estado e do território em Corumbá / MS, com o objetivo de analisar as interações espaciais decorrentes das territorialidades estabelecidas entre os comerciantes bolivianos e brasileiros em Corumbá / MS, que juntamente com Ladário / MS (Brasil) e Puerto Quijarro e Puerto Suarez (Bolívia), compõem a Zona de Fronteira Bolívia / Brasil, no estado de Mato Grosso do Sul. Especificamente, buscamse as relações conflituosas inerentes ao uso de um território dotado de flexibilidades que ultrapassam os “limites” do Estado-nação e as normas jurídicas que estabelecem as “marcas” estatais. Para obtenção do que se propõe a discutir, utiliza-se levantamento bibliográfico sobre áreas de fronteira e realiza-se um trabalho de campo que consistiu em entrevistar aqueles que estão diretamente envolvidos nas atividades de comércio.
Por último, esta edição traz a contribuição de um dos fundadores da Revista Eletrônica História em Reflexão, Leandro Baller. Trata-se da tradução da entrevista feita com Ramón Fogel, denominada Breves perspectivas histórico-sociais nas relações entre Brasil e Paraguai. A entrevista foi produzida no mês de dezembro de 2006 em Assunção-PY, no momento em que Leandro realizava trabalho de campo para a pesquisa em nível de mestrado que desempenhava junto à UFGD.
Com a edição de mais esse volume, a REHR, cumprindo sua precípua tarefa de divulgação acadêmica, espera fomentar, mais e mais, o diálogo entre pesquisadores e demais interessados no conhecimento histórico.
Joana Neves
Tiago Alinor Hoissa Benfica
São Paulo-Aquidauana, janeiro de 2015.
BENFICA, Tiago Alinor Hoissa; NEVES, Joana. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 8, n. 16, jul. / dez., 2014. Acessar publicação original [DR]
Ensino de história e história da educação: caminhos de pesquisa (Parte II) / História e Diversidade / 2014
O dossiê temático “Ensino de história e história da educação: caminhos de pesquisa” (Parte II) apresenta textos que compõem uma diversidade de investigações relativas ao ensino de história e da história da educação. Essas pesquisas são marcadas pela multiplicidade de perspectivas que estruturam a historicidade dos processos educativos no Brasil. Assim como o dossiê “Ensino de história e história da educação: caminhos de pesquisa” (1), o presente é uma continuação organizada por artigos de investigadores de diferentes regiões do país, em momentos distintos da formação acadêmica: são professores doutores, pós-graduandos, professores da educação básica e estudantes de graduação.
Em “Inventariando caminhos de pesquisa: a imprensa periódica como fonte para a escrita da historia da educação de / em Mato Grosso”, Adriana Aparecida Pinto investigou periódicos em circulação em Mato Grosso, (São Luiz de Cáceres, Corumbá e Cuiabá), entre os anos de 1880 a 1910, cujo levantamento, mapeamento, catalogação e análise orientaram-se a partir da abordagem teórico metodológica da História Cultural.
O artigo “A Guerra do Paraguai nas edições do livro didático História do Brasil, de Nelson Piletti”, de autoria de André Mendes Salles, buscou compreender como este autor de manuais didáticos incorporou ou não novas interpretações historiográficas quando abordava as causas desse conflito.
Por seu turno, André Wagner Rodrigues, no ensaio intitulado “O ensino de história em busca de novas referências: considerações sobre o pensamento de Edgar Morin” reflete sobre os resultados de uma pesquisa bibliográfica que objetiva investigar possíveis contribuições do pensamento transdisciplinar de Edgar Morin para as ciências históricas a partir de análises de problemas sociais, políticos, econômicos, culturais, ecológicos, éticos e estéticos que irrompem na vida prática contemporânea.
André Luis Ramos Soares, Andrielli Matos da Rosa, Carolina Bevilacqua Vedoin e Thaise Vanise Corrêa, no artigo “Dinamicidade no ensino formal: resgate histórico através de maquetes”, buscam trabalhar a história através de maquetes como Navio Negreiro, Casa Grande & Senzala e O Cortiço, cada uma representando conceitos referentes ao processo histórico que constituiu a cultura afro-brasileira.
Analisar comparativamente as versões sobre a Guerra do Paraguai presentes nos livros didáticos produzidos durante duas ditaduras é o horizonte do texto “Usos políticos da memória: a história da Guerra do Paraguai nos manuais didáticos durante o regime militar no Brasil e Stroessner no Paraguai”, de Bruna Reis Afonso.
Em “O ensino de história em Mato Grosso: Uma análise das Orientações Curriculares”, Carlos Edinei de Oliveira propõe uma reflexão teórica sobre a interface entre o currículo formal e o currículo real que acontece nas escolas públicas de Mato Grosso.
Já o artigo “Grupos escolares e escolas reunidas: similaridades e diferenças em Mato Grosso (1910-1940)”, de autoria de Elton Castro Rodrigues dos Santos, aborda por meio de fontes documentais como relatórios de presidentes do estado, inspetores de ensino e diretores da instrução pública, disponíveis nos principais acervos de Mato Grosso, expressam as diferenças e semelhanças entre os grupos escolares e escolas reunidas, como modalidades educacionais destinadas na instrução primária neste estado.
“Escola, ensino e historia local: Lei Municipal 283 / 09 na cidade de João Câmara– RN” é o título do ensaio de Iranilson Pereira de Melo, que investiga a perspectiva memorialista presente na disciplina Cultura do Rio Grande do Norte.
Em “Aportes teórico-metodológicos para a seleção de edificações urbanas como fontes históricas primárias: uma proposta pedagógica para a pesquisa em história”, Ivan Ducatti discute como o patrimônio histórico urbano pode ser abordado não apenas pelo seu caráter estético e cultural, mas como resultados de obras humanas, trabalhos concretos, em um conjunto de relações sociais passíveis de serem analisadas pelo historiador.
Por sua vez, José Antonio Gabriel Neto apresenta um balanço da produção acadêmica a partir principais temáticas tratadas sobre o ensino de história nos encontros da Associação Nacional de História (ANPUH) no estado do Ceará, em “Pesquisando sobre ensino de história: a produção historiográfica no Ceará (2006-2012)”.
A autora Josiane Alves da Silveira, em “História da formação de professoras que atuaram no ensino superior da cidade do Rio Grande / RS a partir da década de 1960”, indica importância da História Oral, como apoio teórico-metodológico, e de temas como a memória nas atuais pesquisas em História da Educação.
“Anúncios e educação no jornal A União da Paraíba (1900 – 1930)” é o título do artigo de Kalyne Barbosa Arruda. A autora propõe uma análise investigativa sobre os anúncios que tratam de questões relativas à educação, tendo sido um recurso de divulgação e consolidação das identidades escolares, em que os professores eram apresentados como um elemento de qualidade, constatando, muitas vezes, o sucesso de instituições educacionais e profissionais.
Já Mairon Escorsi Valério, Marciano Bonatti, Vinicius Fruscalso Maciel de Oliveira e Waleska Walesca Beatriz Miola Freitas, no texto intitulado “Projetos Interdisciplinares: espetáculo, resignação e aparência”, questionam o papel dos projetos interdisciplinares nas escolas públicas ao perceberem que necessitam de um repensar dos temas que são repetidamente trabalhados de forma conservadora como uma política de reparo de danos educacionais.
Por sua vez, Marineide de Oliveira da Silva, em “A expansão das escolas isoladas no Estado de Mato Grosso (1910 – 1930)”, analisa a criação e expansão das escolas isoladas mato-grossenses, considerando a legislação educacional oficial da época, as peculiaridades do Estado, bem como a relevância dessa instituição para o cenário educacional mato-grossense.
Em “A disciplina Prática Pedagógica no curso de Pedagogia da UFPR: perspectiva histórica (1980-2010)”, Sandra Guimarães Sagatio, Leilah Santiago Bufrem e Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt propõem, por meio da análise documental das resoluções relativas à estrutura curricular do referido curso, entender como as disciplinas escolares representam determinações históricas e sociais.
Por fim, o artigo “A educação da infância paraense a partir dos discursos de propagandas de colégios do início do século XX”, de Welington da Costa Pinheiro e Laura Maria da Silva Araújo Alves, procura desenvolver algumas reflexões sobre os discursos materializados em propagandas de colégios procurando evidenciar a história da educação da infância no Estado do Pará, deste recorte temporal.
Esse segundo volume do dossiê “Ensino de história e história da educação: caminhos de pesquisa” é resultado da alta quantidade e qualidade de artigos encaminhados pelos colaboradores de diferentes partes do país, respondendo a chama da de artigos iniciada em meados de 2013. Agradecemos a generosidade e o empenho dos autores no envio dos textos para o dossiê. É uma satisfação tê-los conosco nessa empreitada.
Bom proveito!
Alexandra Lima da Silva– Professora doutora (UFMT.)
Marcelo Fronza – Professor doutor (UFMT).
Renilson Rosa Ribeiro – Professor doutor (UFMT).
Os organizadores
SILVA, Alexandra Lima da; FRONZA, Marcelo; RIBEIRO, Renilson Rosa. Apresentação. História e Diversidade. Cáceres, v.5, n.2, 2014. Acessar publicação original [DR]
Ensino de História: ontem e hoje / Revista do LHISTE / 2014
Estamos colocando à disposição de pesquisadores, professores e estudantes um Dossiê que se propõe pensar o ensino de História, do ponto de vista da pesquisa e do ponto de vista das práticas pedagógicas, mas não com a pretensão que criar mais um limite entre a pesquisa e o ensino. Ao contrário, o presente Dossiê apresenta artigos que pensam a pesquisa e a prática pedagógica a uma só vez, problematizando e apresentando alternativas para a sala de aula a partir dos atores que a vivem. Ensejamos que essa reflexão seja a partir da própria sala de aula e de seus atores.
Nesse sentido, esta primeira edição da Revista do Laboratório de Ensino de História e Educação da UFRGS, é resultado de trabalhos de diversos professores, pesquisadores e estudantes de história que assumiram inteiramente o papel de professores-pesquisadores, que realizam a pesquisa sem perder a perspectiva da sala de aula e que ministram aulas de História, sem deixar de exercer a atividade do pensamento.
O LHISTE aposta no debate sobre o ensino de História como forma de qualificar as intervenções pedagógicas em sala de aula, por isso edita a Revista para abrir um espaço novo para pesquisadores, para professores e para estudantes que tenham na escrita e no pensamento a forma e o fundamento da reflexão sobre a aula de História. Esperamos contribuir para a formação dos novos professores e para o contínuo repensar das práticas na Escola Básica.
Equipe Editorial
Revista do LHISTE
Equipe Editorial. Editorial. Revista do LHISTE. Porto Alegre, v.1, n.1, jul. / dez., 2014. Acessar publicação original [DR]
Ensino de história e história da educação: caminhos de pesquisa (Parte I) / História e Diversidade / 2014
O objetivo do dossiê temático “Ensino de história e história da educação: caminhos de pesquisa” (1) é compor um painel de diferentes experiências de investigação em torno das preocupações do ensino de história e da história da educação. A diversidade nos estudos evidencia intensa produção, indicando múltiplos caminhos, tendo como foco a educação, numa perspectiva histórica e o ensino de história. O presente dossiê apresenta textos de pesquisadores de diferentes regiões do país, em momentos distintos da formação acadêmica: são professores doutores, pós-graduandos, professores da educação básica e estudantes de graduação.
O artigo “Diretrizes para o ensino de história e a prática voltada à diversidade: um olhar multicultural”, de autoria de Aldieris Braz Amorim Caprini, propõe explorar como as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino da História Afro-Brasileira e Africana” podem ser pensadas no ensino de História, no sentido de promover a diversidade.
Em “Da resistência docente e discente para com projetos como o PIBID: um estudo do caso através de atividade com maquetes”, os autores André Haiske, André Luís Ramos Soares, Letícia Genron Schio e Luciano Nunes Viçosa de Souza, partem de um ano de experiência do PIBID Historia 2011 UFSM, e a resistência de alguns professores em trabalhar certos temas e questões em sala de aula.
Por seu turno, Astrogildo Fernandes da Silva Júnior e José Josberto Montenegro Sousa, no artigo intitulado “Didática da História: mediadora entre teoria e ensino de História”, refletem sobre a teoria, o ensino e a didática da história enquanto subsídios teórico-metodológicos de um projeto de pesquisa desenvolvido em colaboração com professores e jovens estudantes do ensino médio de uma escola pública estadual localizada na cidade de Ituiutaba, MG, Brasil.
Apresentar algumas reflexões realizadas na pesquisa de mestrado Currículo e Exame Nacional do Ensino Médio: rupturas e permanências na conformação dos saberes históricos escolares, é o horizonte do artigo “Saberes históricos escolares entre o currículo e o Exame Nacional do Ensino Médio (1998-2011)”, de Fabíola Matte Bergamin.
Igor Antonio Marques de Paiva, no artigo intitulado “Sobre provas objetivas e a interpretação da História”, discute o paradoxo posto pela critica epistemológica que afirma a legitimidade da pluralidade de leituras e interpretações nos processos históricos, e o fato das Ciências Humanas lidarem – por opção ou força do mercado educacional – com provas de questões de tipo objetiva em concursos e vestibulares.
Já o artigo “Ensino de História e currículo nos anos iniciais: reflexões sobre as concepções do ensino de História no curso de Pedagogia”, de autoria de Jaqueline Zarbato, aborda as discussões realizadas no curso de pedagogia do Centro Universitário Municipal de São José-USJ, sobre o ensino de História e sua representação, repercussão e importância no percurso do currículo de pedagogia.
Em “Histórias conectadas: apontamentos sobre teorias e metodologias de estudos comparados em educação”, Juliana Pirola da Conceição propõe uma reflexão sobre as opções teóricas e metodológicas que se colocam à investigação comparada de temas educacionais na América Latina, visando esclarecer as distinções entre Educação Comparada, História Comparada e História Comparada da Educação.
Por sua vez, Kênia Hilda Moreira,Eglem de Oliveira Passone e Samara Grativol Neves, apresentam um balanço da produção acadêmica em história da educação no Centro-Oeste, a partir dos trabalhos que utilizaram o livro didático como fonte de pesquisa, em “O livro didático como fonte de pesquisas em História da Educação no Centro-Oeste: entre temas, períodos e métodos”.
“Joaquim Manuel de Macedo e suas Lições de História Geral para o Brasil Império” é o título do artigo de Luís César Castrillon Mendes, que analisa as Lições de História do Brasil de Macedo, manual escrito a partir de anotações de sala de aula e serviram para formar inúmeras gerações de jovens da “boa sociedade”.
Em “A colônia indígena Teresa Cristina e suas fronteiras: uma possibilidade de aplicabilidade da Lei 11.645 / 08”, Marli Auxiliadora de Almeida apresenta fontes de pesquisa sobre a História Indígena de Mato Grosso aos profissionais de História e de áreas afins, que atuam na educação básica, para utilizarem como ferramenta de trabalho, e colocar em prática a Lei 11.645 / 08, de 10 / 03 / 2008.
Já Osvaldo Rodrigues Junior apresenta o estado da arte das pesquisas em manuais de Didática da História destinados a professores no Brasil, em seu artigo intitulado “O estado da arte das pesquisas em manuais de didática da História destinados aos professores no Brasil”.
“Pancrácio no Rio das Cobras: um uso da Literatura no ensino de História” é o título do artigo de Ronyere Ferreira, Francisco Oliveira e Vilmar Aires dos Santos. Os autores realizam uma análise reflexiva sobre o uso da literatura no ensino de História da Educação Básica, a partir de experiências propiciadas pelo Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID / UFPI com estudantes da rede pública de ensino, na realização de projeto de intervenção pedagógica com texto literário (crônicas) em sala de aula.
As autoras Stefânia Rosa Santos e Ronaldo Cardoso Alves, em “História oral, memória e representações sociais: diálogos com a educação de pessoas adultas”, indicam os possíveis diálogos sobre educação e diversidade, por meio da articulação entre memória, história oral e representações sociais e os desdobramentos no processo de alfabetização e letramento de pessoas adultas.
Por fim, o artigo “Protonarrativas e possibilidades de intervenção: práxis e educação histórica em um estudo no IFPR (Campus Curitiba)”, de Thiago Augusto Divardim de Oliveira Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt, procura desenvolver algumas reflexões sobre uma forma específica de se pensar a relação ensino e aprendizagem na didática da História, a educação histórica na perspectiva da práxis. Proponho a partir desse estudo algumas considerações referentes ao campo da epistemologia da práxis do ensinar e aprender História.
Boa Leitura!
Alexandra Lima da Silva– Professora doutora (UFMT.)
Marcelo Fronza – Professor doutor (UFMT).
Renilson Rosa Ribeiro – Professor doutor (UFMT).
Os organizadores
SILVA, Alexandra Lima da; FRONZA, Marcelo; RIBEIRO, Renilson Rosa. Apresentação. História e Diversidade. Cáceres, v.4, n.1, 2014. Acessar publicação original [DR]
Práticas de Memória, Patrimônio e Ensino de História / História Hoje / 2014
Por que seguir pensando, hoje em dia, nas conexões entre práticas de memória, patrimônio e Ensino de História?
Este dossiê propõe – para o público em geral e especialmente para professores e educadores – reflexões orientadas à qualificação do debate acerca dos modos plurais de interpretar, provocar experiências e buscar modos de significação do patrimônio material e imaterial diante da desafiadora tarefa de ensinar História na contemporaneidade. Trata-se de algo que, para nós, suas organizadoras, envolve o enfrentamento de uma discussão crivada pelas práticas de memória que ensejam sentidos múltiplos aos bens culturais no Ensino de História. Partimos, para concebê-lo, de uma aposta teórica central: a de que o saber histórico escolar não se faz só a partir da operação histórica, mas exatamente no espaço limiar, estabelecido por trânsitos e passagens, entre a História e a Memória. Leia Mais
História e Ensino de História / Embornal / 2014
Os textos ora reunidos, apresentam reflexões sobre a formação e a prática da docência em História e revelam a preocupação em discutir os diversos espaços e práticas de formação do historiador professor/pesquisador, em níveis de formação inicial e continuada; aprofundar as discussões entre cultura e formação de professores; potencializar os diálogos entre informação, tecnologia e aprendizagem histórica, mídia, memória e cultura histórica; problematizar a diversidade da prática docente em espaços escolares e não escolares.
Neste sentido, os artigos ora apresentados relatam as experiências desenvolvidas na Universidade – formação docente – e as práticas escolares na Educação Básica. Desta forma, os textos apresentados dissertam sobre a relação teoria e prática no ensino de História.
Os dilemas e desafios na formação do professor-pesquisador são analisados no texto da Profª Drª Fátima Leitão. A reflexão resulta da análise das falas de estudantes do curso de Licenciatura em História da Universidade Estadual do Ceará – UECE, no campus do Itaperi.
As reflexões sobre o estágio e formação inicial do docente de História são apresentadas no texto do Prof. Dr. Halferd Carlos Ribeiro Júnior, que analisou a dinâmica da realidade escolar, a partir da memória dos alunos e relatos dos estagiários, desenvolvidos nas escolas da região do Alto Uruguai, no Rio Grande do Sul.
O livro didático é alvo de discussão no texto da Profª Drª Isaíde Bandeira da Silva, que propõe a reflexão sobre seus usos ou desusos nas aulas de História do Ensino Médio. O texto comunica a pesquisa de campo realizada na escola pública no centro de Quixadá, no Ceará.
O texto da Profª Drª Maria Heloisa Aguiar da Silva, também, apresenta a reflexão sobre a formação de professores. A partir da análise de sua própria trajetória docente, discute à docência universitária e os desafios da formação inicial do professor de História.
Por fim, as práticas desenvolvidas nos diversos Laboratórios de Ensino são apresentadas no texto da Profª Drª Valéria Apª Alves, que relata a experiência desenvolvida no projeto de monitoria, durante o ano de 2014, na Universidade Estadual do Ceará.
Assim, os textos ora apresentados revelam a preocupação com a prática pedagógica e evidenciam a importância da reflexão sobre a ação docente e a necessidade de diálogo entre a Universidade e a Educação Básica, visando contribuir no debate sobre a formação do professor-pesquisador, aquele que é capaz de produzir conhecimento e de ensinar, favorecendo a construção de saberes nos diversos espaços escolares – tanto no âmbito acadêmico, bem como nas salas de aula do ensino fundamental e médio, garantindo a aprendizagem significativa, o desenvolvimento da consciência histórica e a formação cidadã.
Valéria Aparecida Alves (UECE)
Organizadora
Memória e história: diálogos, narrativas e ensino / Aedos / 2014
Embora relativamente recente (em termos de história da historiografia), a questão da memória e sua relação com a narrativa histórica carrega consigo certa urgência. No século XX, frequentemente a questão da memória foi associada ao Holocausto, e o que se seguiu disso foi uma espécie de sensação de estranheza, incompreensão ou perplexidade por conta dos historiadores. Isso se deveu em parte à natureza dos eventos sucedidos – em virtude de suas particularidades –, em parte à mentalidade de uma historiografia tradicional que percebia a memória como avessa ao caráter “científico” da narrativa historiográfica. No Brasil, o ano de 2014 foi marcado pelo cinquentenário do golpe militar que instaurou um período de ditadura civil-militar no país, onde a memória – ou a ausência dela – também faz deste evento um desafio em termos não só teóricos, mas também metodológicos para a possibilidade de representação desse período. Desse modo, convidamos os pesquisadores a debaterem neste número a – essencial – relação entre memória e história, as implicações dessa relação para a narrativa historiográfica, pensadas como fator de possibilidade e / ou de limite para a representação histórica.
O título de nosso dossiê é composto por duas partes que devem direcionar os trabalhos que prtendemos incentivar nesta edição. O termo central é “memória”. Formulada e debatida a partir dos limites da representação histórica, sobretudo quando envolvendo eventos traumáticos, esta questão já teve muitas formas de interpretação. Por vezes, foi vista como indigna ou incompatível – espécie de subjetivismo indesejado. Em outras interpretações, como condição de possibilidade ou mesmo base fundamental para a formulação de qualquer narrativa histórica.
Dentre os tópicos que sugerimos estão: a relação teórica entre a história e a memória; os imperativos da memória para a narrativa historiográfica e sua relação com a imaginação e a retórica; as implicações da memória para o diálogo entre historiadores e / ou público; os desafios para incluir e tratar a questão da memória no ensino de história.
Conselho Editorial. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v.6, n.14, julho, 2014. Acessar publicação original [DR]
Tempo presente: usos na produção e no ensino de história / Aedos / 2014
A História do Tempo Presente tem sido centro de debates na produção historiográfica do século XX. Inicialmente, no momento da construção da História enquanto disciplina científica no século XIX, os acontecimentos recentes foram marginalizados como objeto de uma produção que restringia-se a análise e a narração dos fatos em períodos distantes, a partir de uma documentação escrita oficial, sem riscos de sofrerem influências de testemunhos vivos, que não viesse a ferir o objetivismo pretendido pelos historiadores daquela época.
Os Annales, nos anos 30 do século XX, no interior de uma série de outras modificações, alteraram o estatuto das fontes primárias ampliaram as possibilidades de pesquisa e instituíam a história-problema; no entanto, ainda manteve-se o receio quanto ao presente. Era temeroso enfrentar a fronteira entre a história e a memória, entre o estudo de um passado afastado e silencioso e um presente vivo e ativo.
Os fatos pós-II Guerra Mundial e a intensidade daquilo que Nora (1979) chamou de “produção do acontecimento” proporcionada pelos meios de comunicação de massas levaram a necessidade de rever a questão do presente como objeto entre os historiadores. Ainda que enfrente algumas resistências e não haja consenso quanto a uma definição conceitual, a produção historiográfica que contempla a análise dos fatos recentes e a utilização de testemunhos vivos como método para o estudo da história tem crescido e se legitimado perante os profissionais da história.
Desta forma, convidamos os pesquisadores a estabelecerem neste número um profícuo debate sobre os usos do tempo presente nos trabalhos históricos como objeto e como método de análise histórica, bem como dialogar sobre as possibilidades e limitações da mesma para o ensino de história na educação básica. Portanto, o Tempo Presente – suas questões, suas interpretações e seus usos – é o foco deste dossiê.
Sugerimos como tópicos para este número: o debate historiográfico com relação as possibilidades do tempo presente; usos do tempo presente como método e objeto de pesquisa; história do tempo presente e ensino de história: os desafios e as potencialidades em sala de aula.
Conselho Editorial. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v.6, n.15, 2014. Acessar publicação original [DR]
História 2.0: ensino a distância, redes sociais e recursos educacionais abertos / História Hoje / 2014
O relatório da OECD (Organisation for Economic Co-operation and Development) para o ano de 2011 (OECD, 2010) sobre o ensino superior no Brasil estabelece a qualificação de profissionais da educação como meta central para os próximos anos. No cumprimento dessa meta, espera-se incrementar a economia nacional fornecendo subsídios para a qualificação esperada no mercado de trabalho, sobretudo por meio do uso das novas tecnologias digitais de informação e comunicação, as chamadas TDICs.
Paralelamente, o Relatório Unesco sobre ciência 2010 também aponta o caminho da qualificação docente como demanda sine qua non para o incremento do país, assinalando que “a criação de valor depende cada vez mais de um uso melhor do conhecimento”, o que implicaria “novas tecnologias de produtos e processos domesticamente desenvolvidas, ou a reutilização e modos inovadores de combinar conhecimentos desenvolvidos em outros lugares” (Unesco, 2010, p.6). Leia Mais
História, ensino e fontes / Revista Trilhas da História / 2014
Apresentar este Dossiê é um prazer, pois traz questões fundamentais para repensarmos interfaces entre a História, o Ensino e as Fontes. Os temas abordados nos artigos, ensaio de graduação e na seção fontes evidenciam o quanto é profícuo este debate e quão necessárias são as abordagens aqui apresentadas, uma vez que contribuem para a divulgação de estudos e pesquisas, bem como favorecem a reflexão epistemológica.
Na esteira dos números anteriores, a Revista Trilhas inova por dar continuidade a um diálogo entre questões que se entrelaçam e são basilares para a produção do conhecimento histórico, já que apontam as diferentes concepções e perspectivas teórico-metodológicas em cada artigo apresentado. Neste sentido, é importante apresentar brevemente os textos que dão conta de enunciar este cenário da produção acadêmica, assim como a maturidade e a diversidade de temas.
O texto “A narrativa da fada Brasiléia como Instrumento Pedagógico nas aulas de História do Brasil nos anos 1940”, das autoras Andréa Giordianna Araujo da Silva, Lilian Bárbara Cavalcanti Cardoso e Roseane Maria de Amorim, apresenta a história do ensino de História, tendo como fonte central o livro “A fada Brasiléia”, visto como recurso para a crítica ao processo civilizador que se desejava instaurar na construção da disciplina de História no ensino primário dos anos 1940. Esta abordagem favorece a percepção da dinâmica do campo da História e do ensino de História. Povos indígenas e negros, como afirmam as autoras, praticamente desapareceram desta narrativa e nas poucas situações em que são apresentados figuram como “vítimas” ou “coitados”. Na contramão desta interpretação as autoras possibilitam olhar para outras histórias em que povos originários e negros são agentes centrais.
O artigo “Ensinar e aprender história de Santa Catarina: o uso da Revista Histórica Catarina em sala de aula como recurso fonte da aprendizagem histórica significativa”, de Tânia Cordova, analisa a Revista “História Catarina” como fonte para apreender a história de Santa Catarina. Entendida como um recurso ao trabalho docente, a autora ressalta a necessidade de que o ensino de História opere com novas ferramentas numa relação de ensino-aprendizagem e interação professor-aluno. Assim, a Revista é apresentada como instrumento fundamental para a escrita da História que privilegie a diversidade étnica, com ênfase na cultura indígena, africana e afrodescendente. A autora também observa a contribuição desta fonte para o estudo dos saberes local e regional e a sua relação com a macro-história.
Outro artigo a abordar o ensino de História intitula-se “Os parâmetros curriculares nacionais de História e os saberes do docente: reflexões sobre a produção do conhecimento histórico”, de autoria de Jaqueline Aparecida Martins Zarbato. Neste texto, a autora discute o significado dos PCNs e de que modo conceitos como memória, identidade e nação são tomados como elementos centrais para a construção do conhecimento histórico. Nesta perspectiva, a autora aborda a relação entre História e currículo para pensar os PCNs e o seu lugar no cotidiano escolar. Por meio de relatos de professoras evidencia a concepção destas agentes sociais na construção do ensino de História. “Velhos problemas”, a partir de “novos olhares”, vêm à tona propiciando a compreensão da dinamicidade nas diferentes concepções da disciplina História.
No texto “História & Representação: um olhar conquistador no cinema”, Pepita de Souza Afiune discute o cinema e a sua relação com o ensino de História, apontando para o quanto os filmes criam estereótipos que precisam ser problematizados pelo professor e o aluno, a fim de que esta ferramenta didática tão fundamental para a produção da história possa ser utilizada em sua plenitude, contribuindo para o senso crítico e para a humanização da relação docente e discente. Aliado à base teórica, o texto se fundamenta em pesquisas de campo realizadas com estudantes e mestres em escolas de redes privada e pública de Anápolis, Goiás.
O artigo “A Universidade Pública em Três Lagoas-MS e as titubeações do campo histórico”, de Tiago Alinor Hoissa Benfica, traz uma importante contribuição para a análise da constituição da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) em seus anos iniciais. O campo da História como disciplina no sul de Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul, é privilegiado, possibilitando o entendimento das artimanhas do poder vigente quando da implantação da Universidade e o desejo de constituir um “projeto do estado Nacional”, a fim de integrar o estado “ao corpo da nação”. Objetivava-se ainda, com a implantação da Universidade, “trazer a cultura” para os três-lagoenses. Somando-se a esta discussão, Benfica contribui para o conhecimento de parte importante da história do curso de História em Três Lagoas.
O artigo “Evasão na licenciatura: estudo de caso”, de Camila Carvalho e de Vitor Wagner Neto de Oliveira possibilita entendermos parte significativa dos motivos que fizeram com que os acadêmicos tenham abandonado a Licenciatura em História, no curso de Três Lagoas, no período de 2009 a 2013. Por meio de questionários aplicados aos alunos evadidos, os autores observam que este é um fenômeno que não se limita ao curso de História e nem mesmo às Licenciaturas em Mato Grosso do Sul, já que são múltiplos os fatores, entre eles o descrédito do querer ser professor, somando-se à carga de atividades atribuída no curso, entre outras situações. Na construção do texto, os autores, por meio de dados quantitativos, mostram que não existe uma única resposta para a evasão, mas afirmam ser necessário problematizá-la, já que se trata de uma questão latente em todo o cenário nacional, em especial no que diz respeito às Licenciaturas.
O artigo “Algumas perspectivas do Cavaleiro Medieval na obra de Georges Duby”, de Leandro Hecko, num bom exercício de análise das fontes, dá a sua contribuição para a abordagem e escrita da História, ao apontar para o longo processo de constituição da figura do cavaleiro como herói em algumas obras de Georges Duby. Em sua discussão, o autor destaca o binômio cavaleiro / guerreiro na construção de suas personagens imersas na história medieval, mas finaliza ressaltando que o cavaleiro medieval foi uma “mescla de tudo o que representou a Idade Média”. Daí a sua importância como objeto da história e a sua contribuição para o trabalho com as fontes, no caso, com a produção historiográfica deste renomado medievalista.
Jhonatan Uilly e Paulo Fernando de Souza Campos, no artigo “Pérolas Negras: a participação de mulheres negras na Revolução Constitucionalista de 1932”, a partir de análise de jornais paulistas, enfatizam o papel das mulheres negras e suas formas de organização no cenário da guerra paulista, em especial a formação de um corpo de combatentes feminino e negro. Os autores, ao estudar a ação das mulheres negras voluntárias na Legião Negra, como enfermeiras, entre outras atividades, também evidenciam o peso do racismo no interior da elite paulista, numa tentativa de invisibilizar estas mulheres naquele momento histórico.
O texto “„O povo tem mil olhos e mil ouvidos para ver e para ouvir‟: O comício de 18 de março de 1942 em Curitiba sob a ótica da Análise do Discurso”, de Márcio José Pereira, ao ter como fonte central uma crônica publicada na Gazeta do Povo, em Curitiba-PR, utilizando-se da Análise do Discurso (AD), possibilita-nos ver o peso das palavras na referência aos alemães residentes no Brasil e às suas ações em pleno cenário da Segunda Guerra Mundial. Segundo o autor, construía-se, por meio da crônica, uma imagem negativa dos indivíduos de origem alemã e daqueles que pudessem se assemelhar aos germânicos. Desta maneira, ao defender a depredação de prédios ocorrida dias anteriores em Curitiba, à publicação da crônica, o discurso do jornalista Rodrigo de Freitas está alinhavado, conforme o autor, ao da grande política do Estado Novo e encontraria terreno fértil para proliferar, mas, ao ser desconstruído por Márcio Pereira, revela também as potencialidades da escrita da História e a inversão do arbítrio.
O artigo “Maternidade e feminismo: notas sobre uma relação plural”, de Georgiane Vásquez, apresenta a construção da figura materna e da mulher ao longo do século XX. O texto é elaborado de modo a demonstrar a dinamicidade do debate envolvendo maternidade e feminismo e a percepção de que a história das mulheres e de seus movimentos possibilita-nos fazer uma história mais plural, ao sugerir que os espaços de luta, seja na dimensão dos valores ou da conquista de direitos, são delineados por práticas e representações sociais. Ao abordar o discurso religioso e o médico sobre as mulheres o texto faz o leitor atentar para várias expressões do feminismo na sociedade, com seus limites e suas ânsias.
O Ensaio de Graduação “Em lugar de pena, taco de sinuca; em lugar de uísque, garrafa de cerveja: a contracultura na poesia marginal no Brasil no período da ditadura civil-militar por meio da obra 26 poetas hoje (1976)”, de Alexandre Vinicius Gonçalves do Nascimento, é uma análise da poesia marginal no Brasil no cenário da ditadura civilmilitar. Tendo a poesia marginal como fonte, o autor tece as formas de resistência forjadas nos anos de chumbo em meio ao movimento de contracultura. Pelo deboche, ironia e humor, conforme Nascimento, a poesia marginal questionou a ordem vigente, fundamentada na repressão e no arbítrio. Escrita em guardanapos, pedaços de papeis, em paredes, mimeografada, esta poesia ocupava as margens e ao mesmo tempo denunciava o interior. A antologia “26 poetas hoje”, de Heloisa Buarque de Holanda, publicada em 1976, é a fonte primordial para a análise, deslindando a criatividade de quem viveu e produziu marginalmente a poesia naquele momento histórico.
Na resenha sobre a obra de Thiago Moratelli, “Os trabalhadores da construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil: experiências operárias em um sistema de trabalho de grande empreitada (São Paulo e Mato Grosso, 1905-1914)”, Caio Vinicius dos Santos adentra o mundo do desenvolvimento industrial e da expansão do “progresso” pelo interior brasileiro das primeiras décadas do século XX. No texto, nos deparamos com o contar das margens de uma sociedade comandada pelo seu centro elitizado, mas também nos confrontamos com o seu reverso, ao encontrar, nas linhas do texto, conforme Santos, a tonicidade e o desejo de dar vozes aos sujeitos marginalizados, silenciados pela história dos grandes nomes.
O livro “Cristianismos. Questões e debates metodológicos”, de André Leonard Cheviratese, resenhado por Juliana B. Cavalcanti, traz um debate acerca da memória coletiva, dos testemunhos bíblicos e da imagem iconográfica da mãe e o filho personificados nas páginas da Bíblia. A resenha apresenta uma construção importante para a análise do diálogo entre a memória e os sujeitos da história, tendo respaldo em suas coletividades, parábolas, entre vários outros exemplos.
Na seção fontes, apresentamos o texto de Daniel Rincon Caires, intitulado “Aquarelas de Joaquino Cândido Guillobel produzidas no Maranhão entre 1820 e 1822” que trata das pinturas do português Cândido Guillobel, feitas no Maranhão de 1820. Caires indica a dissertação de mestrado de Eneida Maria Mercadante Sela para um aprofundamento na biografia de Cândido Guillobel. Nas imagens apresentadas de Guillobel, as personagens são retratadas de modo a se observar cada detalhe, indo desde o ambiente, passando pelas vestimentas e chegando a estrutura corporal, ao mostrar hábitos e costumes do fim da colônia pelo olhar português. A leitura deste texto é primordial para a compreensão da importância das pinturas como fontes históricas.
Maria Celma Borges Bruno
Cezar Bio Augusto
Inverno de 2014
BORGES, Maria Celma; AUGUSTO, Bruno Cezar Bio. Apresentação. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.3, n.6, jan. / jun., 2014. Acessar publicação original [DR]
Tempo Presente e Ensino de História / Boletim do Tempo Presente / 2014
É com grande contentamento que apresentamos um dossiê sobre a relação ensino de história e tempo presente. Não porque seja o primeiro no Brasil e, realmente não é. Nossa co-irmã, a Revista Tempo e Argumento (v. 5, n. 9, 2013), inaugurou a empreitada recentemente, e a História Hoje tem conjunto de artigos aguardando publicação, desde o ano passado. O dossiê também não introduz o tema neste periódico, pois a Revista Eletrônica Tempo Presente já divulgou trabalhos sobre currículos da educação básica no Brasil e nos Estados Unidos, entre outros textos. Nos Cadernos do Tempo Presente, da mesma forma, foram abertos espaços para a análise de conteúdo nos livros didáticos de história, usos da internet na aprendizagem de história medieval. A mesma atitude tomou a História Agora ao publicar, por exemplo, resultados de investigação sobre os usos da vivência indígena e da Rebelião dos Malês em sala de aula. Isso tudo sem falar nas revistas não especializadas que veiculam textos sobre história do tempo presente, hoje pioneiros, desde meados da década passada.
Mesmo assim, entre os mais de 600 artigos publicados nos periódicos que têm como escopo o “tempo presente”, desde 2007, o ensino de história ocupa modestos 3%. Qual então o motivo de tanto regozijo? Ora, o que nos dá maior prazer no anúncio do conjunto de artigos deste volume é a concretização de um projeto incomum: reunir autores que se debruçaram sobre o mesmo conjunto de questões-chave, abordando os usos do presente no ensino de história e não apenas sobre o ensino de história no presente: como se ensina a experiência recente? Quais mecanismos a interditam? Quais as disputas que se apresentam? Que atores a produzem? Como os alunos a percebem? Como essa experiência é organizada de modo a fazer sentido para os não historiadores? Enfim, que presentes são dados a ler nos programas e livros didáticos de história de países de culturas tão diferentes situadas na América do Sul, Europa, Ásia e Oceania?
Os artigos aqui reunidos, portanto, colocam-nos em sintonia com as disputas políticas e de memória sobre o que ensinar às crianças e adolescentes na Argentina, Brasil, França, Austrália e Japão. Paralelamente, provocam reflexões sobre a incorporação e funções de temáticas do presente no ensino e aprendizagem escolar em nossa contemporaneidade, bem como de suas relações com a historiografia acadêmica.
Os textos de Gonzalo de Amézola, de Marina Silva, Luis Cerri e Felipe Soares evidenciam a complexidade do tratamento de acontecimentos traumáticos na produção de prescrições didáticas nas quais se superpõem questões referentes à memória, usos do passado e soberania nacional.
No primeiro caso, o acontecimento destacado é a Guerra das Malvinas, ocorrida em 1982, entre Argentina e Inglaterra. Ao colocar em relação a produção historiográfica das três últimas décadas do século XX e princípio do XXI sobre esse acontecimento, as reformas curriculares e os manuais escolares, Amézola destaca as “dificuldades e contradições” que envolvem o ensino dessa guerra na educação “Polimodal” e “Secundária Superior”. Ele afirma que, apesar dos avanços vivenciados pela historiografia argentina, sobrevive uma abordagem marcadamente patriótica do conflito em que se entrelaçam memória coletiva (gestada, em grande medida, na escola) e interesses governamentais, atravancando a sua ressignificação histórica no âmbito escolar. A partir da experiência argentina, o autor polemiza a relação entre ciência, história e a abordagem do passado recente no ensino histórico e levanta a hipótese de que a função social do ensino de história está, secularmente, conectada à necessidade de “perpetuação do grupo”, resultando em dificuldades para a incorporação de inovações acadêmicas no que se refere a passados traumáticos.
O artigo de Marina Silva, por sua vez, analisa as representações de memórias sobre a Segunda Guerra Mundial, presentes em livros didáticos japoneses, produzidos entre 1993 e 2002. Motivada pelas críticas lançadas ao Japão em 2001 por países como China e Coréia do Sul (sobre a abordagem dos avanços militares a seus territórios), e a partir de alguns acontecimentos-chave dessa polêmica (a tomada da cidade de Nanquim, o ataque a Pearl Harbor, o bombardeio a Hiroshima e Nagasaki e a rendição japonesa), a autora evidencia a estreita relação entre experiências traumáticas e a produção de uma memória coletiva promovida e sustentada pelo governo. Os livros didáticos de história no Japão, incluindo os mais recentes, não apenas reproduzem uma narrativa cristalizada sobre a guerra como omitem informações, controlando a transmissão de memórias que se expressam pelas ideias de pacifismo e nacionalismo. Como no caso argentino, fica demonstrada a complexidade das relações entre história recente e ensino de história no que se refere a conflitos não apaziguados.
Os autores Luis Cerri e Felipe Soares, por seu turno, colocam em discussão a abordagem da ditadura militar presente no livro didático História do Brasil: Império e República (2006), editado pela Biblioteca do Exército e utilizado nos colégios militares do Brasil. O artigo ressalta e denuncia a contrariedade entre a preocupação governamental em garantir um ensino de qualidade (a partir da elaboração de políticas públicas, como o PNLD) e o consentimento, por parte desse mesmo governo, no uso de um material que se distancia do estado atual da epistemologia da história, das produções acadêmicas sobre o golpe. Essa omissão de informações, temporariamente consensuais, convida-nos também a refletir sobre as disputas memoriais em torno dos acontecimentos recentes e seu ensino escolar. Do mesmo modo, conduz-nos a pensar sobre a importância do engajamento dos historiadores nas discussões que se referem ao ensino da história do tempo presente na educação básica.
Partindo para o contexto europeu, Itamar Freitas aborda a incorporação da história do tempo presente nos programas de história para os colégios franceses, entre os anos 1998 e 2008. Esse trabalho, fruto das primeiras pesquisas que o historiador vem realizando sobre o ensino da história do tempo presente no Brasil, Estados Unidos e França, põe em relevo suas finalidades, a natureza dos conteúdos históricos e sua distribuição/progressão ao longo dos anos escolares daquele país. Dessa maneira, e somando-se aos outros artigos desse dossiê, contribui para a ampliação de questionamentos no que diz respeito às relações entre ensino, ciência história, tempo presente e formação cidadã na educação histórica escolar. Também oferece elementos para pensarmos as demandas sociais e relações de poder na contemporaneidade que perpassam a elaboração de propostas curriculares com esse teor.
Por fim, examinando o currículo nacional de história para a escolarização básica da Austrália, Jane Semeão identifica os diferentes presentes prescritos em um currículo recentemente citado como modelo para o Brasil e, na própria Austrália, acusado de alinhar-se, ao mesmo tempo, às demandas ideológicas de esquerda e de direita. Além disso, descreve as indicações de conteúdos substantivos e as sugestões de finalidades para o ensino da experiência australiana recente. Neste ponto, principalmente, seu artigo estimula-nos a pensar na arbitrariedade dos usos de termos, como “antigo”, “moderno” e “contemporâneo”, bem como das justificativas para a adoção de eventos clássicos como a Segunda Guerra Mundial para como abertura e/ou fechamento de determinados períodos. Ainda, sob a responsabilidade de Jane Semeão, está a resenha da obra Tempo presente e usos do passado (FGV, 2012), organizado por Flávia Varella, Helena Miranda Mollo, Matheus Henrique de Faria Pereira e Sérgio Da Mata.
Convidamos também o leitor a consultar o perfil de um autor que vêm provocando incômodo, por um lado, e euforia, por outro, dado que a sua teoria da história incorpora, inclusive, os usos escolares da história como um dos argumentos para a racionalidade e, por que não dizer, cientificidade da história acadêmica. Jörn Rüsen, o personagem deste número, é apresentado pelo jovem Rodrigo Yuri Gomes Teixeira.
Por fim, sob a responsabilidade de Andreza Maynard, apresentamos a resenha de um velho e conhecido filme – A Onda – comentada sob um novo regime de historicidade, haja vista que a película foi lançada no distante 1981. Que novos elementos essa representação sobre o ensino do autoritarismo no chão da escola pode nos trazer?
Esperamos, então, que a publicação desse número possa contribuir para a discussão, ainda tímida (entre os historiadores), sobre a dimensão escolar da história do tempo presente e, ainda, que estimule os pesquisadores brasileiros a empreenderem estudos em escala transnacional. Velha lição dos bancos da graduação, não é irrelevante repetir, temos muito a aprender sobre “nós”, observando os “outros” aparentemente distantes.
Margarida Maria Dias de Oliveira – Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Dilton Cândido S. Maynard – Universidade Federal de Sergipe.
Formação de Professores de História | Revista Latino-Americana de História | 2013
Esta Edição Especial foi organizada com os artigos referentes à XIX Jornada de Ensino de História e Educação, ocorrida na Universidade Federal de Santa Maria, em agosto, de 2013. O conjunto de artigos é resultados das apresentações de Mesas, Conferências e Oficinas, bem como, das Comunicações realizadas durante o evento.
O evento acontece anualmente e é promovido pelo Grupo de Trabalho (GT) de Ensino de História e Educação, da ANPUH-RS, desde 1996, com o objetivo de socializar a produção de professores e pesquisadores da área do ensino da história e construir um espaço de reflexão acerca das relações entre História e Educação. Para a realização do evento uma instituição de ensino superior é escolhida a partir de reuniões de trabalho com as coordenações e representantes do GT, com o objetivo de promover e sediar a jornada. Neste ano, o evento ocorreu no mês de agosto, tendo como instituição anfitriã a Universidade Federal de Santa Maria. Leia Mais
História e ensino / Antíteses / 2013
Nesta edição, a revista disponibiliza para seus leitores um dossiê intitulado História e Ensino. Composto por sete artigos, o dossiê permite vislumbrar as problemáticas teóricas que dizem respeito ao ensino de História em amplas dimensões contemplando análises amplas acerca das políticas publicas para a área e abordagens mais específicas da construção do saber histórico em sala de aula.
Obs.: Não disponibiliza apresentação do dossiê.
[DR]O ensino de História e o tempo presente / História Hoje / 2013
A noção de que História é sinônimo de passado faz parte do senso comum há muito tempo. A noção de que passado é um tempo muito antigo, um tempo que já passou e que está, digamos assim, “morto”, também faz parte desse mesmo senso comum. E isso continua ocorrendo, a despeito de os historiadores profissionais terem integrado a seu campo de reflexão, de maneira forte e irreversível, o tempo no qual eles próprios vivem e participam, bem como o tempo que vivem “indiretamente”, na medida em que são inúmeras as “testemunhas” que, muito vivas, a ele se referem. Portanto, cada vez mais, os historiadores recebem demandas da sociedade para refletir sobre um tempo que “ainda não passou”, cujos atores sociais estão vivos e opinando, com a autoridade de quem “viu e viveu” aquilo que aconteceu. Crescentemente e internacionalmente, esse tempo que está “próximo” e mobiliza em variados sentidos – políticos, jurídicos, sociais, emocionais – as sociedades ganha lugar na narrativa histórica. Leia Mais
Democracias Ameaçadas: ditadura, gênero, e ensino de história / Aedos / 2013
Neste décimo terceiro número da revista AEDOS três peculiaridades merecem atenção desde o início deste editorial; 1- Não apresentamos uma entrevista, algo que ocorreu em todos os números que não centraram-se em apresentação dos anais de eventos; 2- No entanto a falta de entrevista decorre da promoção do primeiro evento organizado pelos editores da revista em consonância com o tema do dossiê temático deste número; 3- Recebemos mais de setenta artigos e resenhas para apreciação dos avaliadores, um recorde nestes treze número de nossa revista.
Nossa felicidade em sermos prestigiados com tantos pesquisadores interessados em publicar na AEDOS nos deixou com um desafio. Decidimos que manteríamos parte destes textos para o número atual e os textos não avaliados então seriam avaliados para o décimo quarto número, que virá no início de 2014.
O dossiê temático intitulado “Democracias Ameaçadas”, inspirado na proximidade dos 50 anos do golpe militar que levou à Ditadura Civil-Militar no Brasil, tinha o intuito de permitir o debate abrangente sobre qualquer situação de exceção em que a democracia se encontrasse ameaçada. Os temas dos diversos artigos submetidos a esta seção estavam centrados nos diversos aspectos de memória e resistência nas ditaduras do Cone Sul. Janaina Vedoin Lopes e Glaucia Vieira Ramos Konrad abrem o dossiê com seu artigo “Arquivos da Repressão e Leis de Acesso à Informação: Os Casos Brasileiro e Argentino na Construção do Direito a Memória e a Verdade”; Carolina Sinhorelli apresenta em seu artigo “Situação crítica: proposições de Frederico Morais nos anos 1960 e 1970“ um debate sobre a arte, a crítica de arte e seus meandros com a Ditadura Civil-Militar brasileira; Patricia da Costa Machado enfatiza o tema da justiça em seu artigo “Transições pactuadas e transições por ruptura: a manutenção do legado autoritário no Brasil e sua influência no processo de justiça transicional”; Mauro Eustáquio Costa Teixeira em seu artigo “A democracia fardada: imaginário político e negação do dissenso durante a transição brasileira (1979-1988)” trata do papel das Forças Armadas na transição à democracia desde a revogação dos Atos Institucionais, e ainda debate a anistia relacionada às violências perpetradas no período; Tiago Francisco Monteiro de certo modo aprofunda o mesmo debate tratando das divisões políticas no cerne das Forças Armadas em “As propostas de defesa da democracia apresentadas pelas facções castrenses do Exército na Nova República do Brasil (1985-89)”; Dayane Guarnieri centra seu trabalho na análise do Jornal do Brasil e as interpretações dadas ao regime de exceção em suas páginas com seu artigo “Ideias políticas em torno das finalidades democráticas do regime de exceção entre (1964-1968) no Jornal do Brasil”; fechando esta ampla seção de dossiê temático Cristina Scheibe Wolff apresenta o tema de gênero e ditadura militar em “Eu só queria embalar meu filho. Gênero e maternidade no discurso dos movimentos de resistência contra as ditaduras no Cone Sul, América do Sul”.
Com estes temas presentes o conselho editorial da AEDOS organizou o evento “Ditadura, Gênero e Ensino de História”. Este é o motivo do título desta edição que traz o tema do dossiê e em seu subtítulo o tema do evento inspirado pelos artigos enviados para o dossiê. O evento ocorreu entre os dias 18, 19 e 20 de Novembro de 2013 contando com mesas compostas de apresentações de artigos e de depoimentos com membros da Comissão da Verdade do estado de São Paulo Rubens Paiva e da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. O lançamento do livro “Da Guerrilha à imprensa feminista: a construção do feminismo pós luta armada no Brasil (1975-1980)” abriu tal evento e o pré-lançamento deste número da revista AEDOS, com a divulgação dos artigos aceitos para compor o dossiê temático, e o lançamento do livro “Cone Sul em tempos de Ditadura: Reflexões e debates sobre a História recente” fecharam os debates do evento.
Os artigos para a seção de artigos livres apresentam temas sobre justiça medieval, leituras historiográficas e cinematográficas sobre a Idade Média, imagética assíria, o fórum romano de Augusto, historiografia acerca dos estudos dos movimentos sociais no início do século XX no Rio de Janeiro, estudos sobre reis espartanos embasados em Focault, gênero e História da Arte, História da educação no Brasil, Comunistas Brasileiros e o dia de ação de graças nos EUA. Isto apresenta não apenas a diversidade de temas mas de pesquisadores advindos de diversas partes do país para se encontrarem em um debate acadêmico nas páginas digitais da AEDOS. Esta diversidade de temas dentro da História em nossas páginas exige um contato amplo com doutores de inúmeras instituições para a possibilidade de uma avaliação adequada de cada um destes temas. A Revista AEDOS só tem a agradecer por esta variedade pois seus editores crescem com o contato com os autores e avaliadores e a revista cresce com a qualificação e amplitude de pesquisadores envolvidos nos trabalhos do processo editorial que permitem a publicação deste periódico.
Com este número encerra-se a participação de nossa gestão. Como de praxe um novo concelho editorial se forma dentre os alunos do PPG-Hist da UFRGS para administrar a editoração deste periódico. Desejamos uma ótima gestão para os editores vindouros e para os autores a serem agraciados com a relação avaliador-editor-autor que o processo editorial proporciona.
Conselho editorial
Gestão 2012-2013
Conselho Editorial. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v.5, n.13, ago / dez, 2013. Acessar publicação original [DR]
Ensino de história e historiografia / Territórios & Fronteiras / 2013
Viajamos não só para eludir problemas constringentes da vida pessoal, nacional ou universal, mas para tentar uma identificação com o mundo, uma nova leitura de ambientes diversos. [1]
É com grande satisfação que apresentamos aos leitores de Territórios & Fronteiras o dossiê intitulado Ensino de História e Historiografia, que congrega o esforço de tematizar a relevância da história como disciplina escolar, focalizando suas potencialidades (e dificuldades) para a formação da consciência histórica das crianças e jovens, no diálogo com a historiografia e com os diversos agentes situados no cenário político, econômico, sociocultural, educacional.
Em sociedades complexas, plurais, diversas e divergentes, como estas em que vivemos na contemporaneidade, é sempre pertinente perguntarmo-nos sobre o sentido de ensinar e aprender história. Dito de outra forma, necessário é identificar em que aspectos fundamentais residem as potencialidades formativas da história ensinada em contextos escolares. Para cumprir esse propósito, partimos do pressuposto de que os conteúdos escolares se constituem nos processos de decodificação da cultura disponível na sociedade. Essa cultura selecionada (e privilegiada) está distribuída em torno de uma dúzia de disciplinas escolares que, grosso modo, resultam do consenso possível (sempre tenso e conflituoso) sobre o que as sociedades de cada época consideram conhecimento para todos [2].
Ainda, no processo de constituição dos conteúdos escolares ocorre a descontextualização do conhecimento em relação ao locus original da produção sociocultural e da área / ciência de referência, e a recontextualização em cenários escolares. Nesse percurso de descontextualização / recontextualização atuam inúmeros agentes [3], que vão desde aqueles mais externos à escola, como as políticas educacionais públicas, a sociedade civil, a cultura dominante, o mercado editorial, como aqueles elementos / atores que incidem diretamente dentro da escola, a exemplo de assessores pedagógicos, famílias, professores, alunos, materiais didáticos, dentre outros.
Com base em tais pressupostos, precisamos saber justificar por quais razões o conhecimento histórico foi privilegiado no seleto rol de conhecimento para todos e por que a história se encontra no elenco dessas cerca de doze disciplinas escolares da educação básica. Para cumprir esse propósito, trazemos aqui alguns argumentos sumários em torno das potencialidades formativas da história escolar na atualidade [4].
Ao debruçar-se sobre as experiências das diferentes sociedades em outros tempos e espaços, a história escolar dá a conhecer as chaves de funcionamento social do passado, constituindo-se assim uma espécie de laboratório para realizar exercícios de análise dos problemas enfrentados pelos sujeitos e grupos que nos antecederam. Nessa apropriação das chaves de funcionamento do passado, os jovens se capacitam, em maior ou menor medida, para compreender a complexidade dos fenômenos atuais, para dar inteligibilidade ao tempo presente e para melhor se situar na complexidade da vida contemporânea.
Existem noções e conceitos, verdadeiras categorias de análise do mundo social, que não são tratados com centralidade por nenhuma outra disciplina escolar além da História, como, por exemplo: pensamento histórico, consciência histórica, evidência, empatia, causalidade, multicausalidade, tempo, acontecimento, contexto, processo, dentre outros. Tais noções e conceitos são essenciais para a formação dos jovens, como chaves de leitura da experiência histórica que permitem aprender que todos os fenômenos pertencem à temporalidade, que há linhas de continuidade e semelhanças, mas também há rupturas, diferenças, mudanças.
A formação para a cidadania constitui uma das finalidades primordiais dos sistemas educativos contemporâneos. A história escolar traz contribuição fundamental neste intento, na medida em que coloca os jovens em contato com outras culturas, fazendo-os dialogar com as diversas maneiras com que os homens de outras épocas e lugares responderam aos desafios do seu próprio tempo, desenvolvendo sensibilidade social e estética, além de critérios para o pensamento crítico.
Nos limites dessa apresentação, não nos é permitido seguir tematizando as finalidades e potencialidades da história nos contextos escolares, ainda que esse breve anúncio não tenha conseguido dar conta do ambicioso propósito. De tal modo, para finalizar, concedemos a palavra aos autores que trazem suas contribuições a este dossiê.
O artigo Historiografia didática e prescrições estatais sobre conteúdos históricos em nível nacional (1938-2012), de Margarida Maria Dias de Oliveira e Itamar Freitas, inaugura o dossiê. Com a indagação “o que tem a ver o Estado com a elaboração dos conteúdos dos livros didáticos de História?”, os autores perscrutam os dispositivos normatizadores da produção, avaliação, circulação e usos do livro didático ao longo de grande parte do período republicano. Adotando acurada análise documental, Margarida e Itamar disponibilizam aos leitores elementos para compreender a eficácia do “sujeito Estado no trabalho da escrita didática da História”, no recorte temporal estabelecido, mas não deixam de apontar os espaços de manobra que podem ser aproveitados pelos autores, quando produzem textos didáticos para uso na história escolar.
Na sequência, Alexsandro Donato de Carvalho e Luís Alberto Marques Alves oferecem aos leitores o artigo intitulado A cidadania e a política educacional do governo Fernando Henrique Cardoso, no qual procuram demonstrar como o conceito de cidadania se instituiu na história brasileira, em suas articulações com as políticas educacionais recentes e com a história acadêmica e escolar. Concluem os autores que os documentos orientadores da educação brasileira no período estudado contemplaram a cidadania como meta a ser alcançada em diversas propostas curriculares e disciplinas, o que não significa que a mesma tenha realmente sido efetivada nas práticas escolares cotidianas.
Mairon Escorsi Valério e Renilson Rosa Ribeiro, com o artigo Para que serve a história ensinada? A guerra de narrativas, a celebração das identidades e a morte da política, convidam os leitores a refletirem sobre as implicações subjacentes aos atuais processos de deslocamento de um viés de ensino de história atrelado ao culto do Estado-nação, para uma perspectiva que exalta as memórias biográficas das pequenas comunidades. Num tom provocativo, os autores questionam se tal deslocamento não significaria a reprodução “da mesma lógica de fazer da história um discurso produtor de identidades essencialistas”, que negam a alteridade e terminam por fomentar a “desconstrução contínua e ininterrupta da esfera pública, o que representa por fim a morte da política”.
A narrativa histórica nos livros didáticos, entre a unidade e a dispersão, de autoria de Helenice Rocha, focaliza a discursividade que consubstancia os textos dos livros didáticos de história como um dos principais fatores de complexidade deste suporte cultural. Tomando como campo de análise o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e uma coleção aprovada em seu âmbito, a autora investiga os meios e recursos mobilizados pelos produtores de livros didáticos para fazer dialogar o texto principal e os textos complementares, concluindo que suas estratégias estão predominantemente relacionadas à manutenção da unidade da narrativa histórica.
Seguindo, Flávia Eloisa Caimi e Fabiano Barcellos Teixeira apresentam o artigo O passado é imprevisível! Controvérsias historiográficas acerca da Guerra do Paraguai no livro didático de História (1910-2010), que resulta de uma pesquisa diacrônica e longitudinal, onde se cotejaram as principais interpretações historiográficas sobre a Guerra do Paraguai, com as abordagens presentes nos livros didáticos ao longo de onze décadas. Partindo do propósito de identificar mudanças, permanências, tensões e diálogos que se estabelecem nas relações entre a produção historiográfica e a produção didática, os autores apontam uma aproximação bastante sensível entre esses dois universos, colocando sob suspeita a ideia comum de que existe um abismo temporal entre eles.
No artigo de Mauro Cezar Coelho e Wilma de Nazaré Baía Coelho sob o instigante título “Jogando verde e colhendo maduro”. Historiografia e saber histórico escolar no ensino de História da África e da Cultura Afro-Brasileira, os leitores encontram uma discussão sobre o lugar da historiografia na conformação do saber histórico em projetos escolares orientados pela instituição da Lei 10.639 / 2003. Os autores indicam como principais desafios aos professores de História, o tratamento historiográfico do tema para promover uma consciência que resulte da crítica à memória, bem como a reflexão sobre um tipo de saber histórico escolar que ultrapasse visões eurocêntricas, sem promover outros mitos, cujos desdobramentos possam ser igualmente danosos.
Por fim, Ernesta Zamboni e Sandra Regina Ferreira de Oliveira trazem o artigo Resposta para uma aluna: são muitas as possibilidades para a escola pública. As autoras adentram as especificidades do espaço da escola por meio de um projeto de pesquisa em que buscam conhecer / problematizar o que os atores que lá estão entendem por histórias de sucesso escolar. Tomando para análise um rico material empírico, Ernesta e Sandra “discorrem sobre minúcias do cotidiano escolar que interessam a professores e pesquisadores de todas as áreas de conhecimento” defendendo que, a despeito da complexidade dos problemas que emergem dos espaços escolares, existem “muitas possibilidades para se fazer da escola um lugar melhor”.
O conjunto dos artigos do presente dossiê congrega pesquisadores da área de diferentes instituições de ensino das cinco regiões do Brasil e de Portugal. A diversidade das abordagens e temáticas apresentadas aqui traduz o universo amplo e rico de estudos em desenvolvimento nos territórios do Ensino de História no país, sempre expandindo e ressignificando suas fronteiras, construindo novas formas de pensar, ensinar e pesquisar o nosso fazer na interface entre a História e a Educação.
No lugar da fronteira, onde nos encontramos, podemos vivenciar, trocar e compartilhar saberes e práticas, mas também historiar os caminhos percorridos pela historiografia do Ensino de História, evidenciando escolhas de temas, teorias, metodologias e fontes de um campo de pesquisa em permanente diálogo com ensino e vice-versa.
Para a construção do presente dossiê se constituiu uma rede de interlocutores de diferente moradas com afinidades intelectuais e afetivas – que desfrutam, conforme propõe Jacques Derrida [5], de uma hospitalidade sem propriedade.
Notas
1. MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995, p. 1071.
2. Categoria apresentada por Javier Marrero Acosta, no artigo “O currículo interpretado: o que as escolas, os professores e as professoras ensinam?” In: SACRISTÁN, José Gimeno (Org.). Saberes e incertezas sobre o currículo. Porto Alegre: Penso, 2013, p. 188-208.
3. Ibidem. p. 190.
4. Essa breve sistematização está amparada especialmente nos estudos de Joaquín Prats, a partir das seguintes referências: PRATS, Joaquin. Ensinar história no contexto das ciências sociais: princípios básicos. Educar. Curitiba, n. esp., 2006, p. 191-218; PRATS, Joaquín (coord.). Geografía e Historia: investigación, innovación y buenas prácticas. Barcelona: Editorial Graò, 2011; PRATS, Joaquín e SANTACANA, Juan. Por qué y para qué enseñar Historia? In: GUTIÉRREZ, Leopoldo F. R.; GARCÍA, Noemí G. Enseñanza y aprendizaje de la Historia en la Educación Básica. Cuauhtémoc, México, D.F: Secretaría de Educación Pública, 2011.
5. DERRIDA, Jacques. Anne Dufourmantelle convida Jacques Derrida a falar da Hospitalidade. São Paulo: Escuta, 2003.
Flávia Eloisa Caimi – Universidade de Passo Fundo – UPF. E-mail: caimi@upf.br
Renilson Rosa Ribeiro – Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. E-mail: rrrenilson@yahoo.com
CAIMI, Flávia Eloisa; RIBEIRO, Renilson Rosa. Apresentação. Territórios & Fronteiras, Cuiabá, número especial, v.6, n.3, dez, 2013. Acessar publicação original [DR]
Ensino de História / Tempo e Argumento / 2012
Ensinar História no tempo presente. Este é um desafio que está no centro das experiências e perspectivas de profissionais e educadores que pretendem produzir e refletir o conhecimento histórico na sala de aula. O volume 4, número 2 (2012) da revista Tempo e Argumento, intitulado “Ensino de História”, apresenta resultados de pesquisas e análises que tomam a produção historiográfica em sua dimensão de saber escolar, como um processo em que estão envolvidos diferentes atores sociais: docentes, discentes, representantes do Estado, editoras, etc.
A seção Dossiê deste número da revista Tempo e Argumento é composta por sete artigos. No artigo intitulado “A campanha presidencial televisiva de Lula em 2006 revista desde a Didática da História”, Luis Fernando Cerri discute o lugar ocupado pela propaganda televisiva no ensino-aprendizagem da História no tempo presente. O autor apresenta uma reflexão sobre as questões epistemológicas que norteiam a disciplina Didática da História com destaque para o proposto por Klaus Bergmann, Jörn Rüsen e Christian Laville. A partir desses referenciais e de um conjunto de representações sociais evocadas pela História política brasileira, o historiador analisa a campanha televisa presidencial de 2006 feita pelo candidato Lula.
Os historiadores João Batista Gonçalves Bueno, Arnaldo Pinto Junior e Maria de Fátima Guimarães, no artigo “Livros didáticos de História: entrecruzando leituras de imagens e orientações editoriais nas décadas de 1970 e 1980”, procuraram conhecer as permanências e rupturas relativas às formas de editoração dos textos escritos e imagens presentes nos livros didáticos da área da História. Para os autores, estes procedimentos implementados num momento de modernização do campo editorial nortearam em grande parte as obras de caráter didático, bem como as formas de leitura vindouras.
O livro didático no tempo presente também é o tema do artigo de Clarícia Otto e Geane Kantovitz denominado “Livros didáticos da rede Salesiana de escolas: prescrições e usos”. As autoras analisam, por um lado, as prescrições presentes nestas obras e, por outro, como um grupo de docentes e discentes utilizam este material no cotidiano escolar. As autoras enfatizam que, apesar das prescrições relativas ao saber histórico presentes nas obras, é a mediação didática que estabelece os rumos do ensino-aprendizagem.
O historiador Ricardo de Aguiar Pacheco, no artigo “O museu na sala de aula: propostas para o planejamento de visitas aos museus”, apresenta uma metodologia composta por três fases para o uso didático do museu pelos docentes da área da História. Para o autor, as vistas aos museus devem constituir-se em ações educativas que envolvam o binômio ensino e pesquisa.
O educador Roper Pires de Carvalho Filho, no artigo “Ensino de História: políticas curriculares, cultura escolar, saberes e práticas docentes”, discute, a partir de um estudo de caráter etnográfico, a complexa relação entre as prescrições vigente nos currículos da área de História, a cultura escolar e as práticas docentes.
O mercado editorial e o ensino de História é o tema também do artigo de Jeferson Rodrigo da Silva. O historiador, no artigo intitulado “De anônimo a best seller: digressão sobre o Projeto Araribá – História no PNLD de 2008”, buscou compreender como se processou o sucesso editorial da referida coleção publicada pela Editora Moderna. Segundo ao autor, este êxito está associado a um conjunto de fatores, entre os quais destacas as políticas públicas que visavam a melhoria do ensino e os interesses comerciais.
As pesquisadoras Raquel Alvarenga Sena Venera e Juliana Pirola da Conceição, no artigo “Tensões curriculares e narrativas: o ensino de História da América”, a partir dos referenciais dos Estudos Culturais, analisam a relação entre as práticas curriculares e construção de identificações sobre a América Latina por estudantes da rede pública de ensino.
Na seção Artigos temos duas contribuições. A historiadora Geni Rosa Duarte e o historiador Emilio Gonzalez, no estudo “Visões sobre a conquista da América Hispânica pela música popular” buscaram compreender como canções das décadas de 1970, 1980 e 1990 abordaram o tema da conquista da América pelos espanhóis, sob uma perspectiva da chamada História dos vencidos. A historiadora Marlise Regina Meyrer, por sua vez, volta seu olhar para a História política do Brasil. No artigo denominado “A vassoura, a simpatia e a espada: imagens da democracia brasileira nos anos 50”, a autora investiga as representações sociais presentes na revista O Cruzeiro sobre a cena política da década de 1950, assim como acerca de personagens de destaque, tais como Jânio Quadros, Juscelino Kubitscheck e Henrique Teixeira Lott que aturam na naquele contexto histórico.
A seção Resenhas é composta por três contribuições. As historiadoras Lara Rodrigues Pereira e Caroline Antunes Martins Alamino apresentam uma reflexão sobre a obra “Ver História: o ensino vai aos filmes”, organizada por Marcos Silva e Alcides Freire Ramos. De acordo com as autoras, a obra descortina para os leitores as várias possibilidades metodológicas de utilizar as produções cinematográficas em sala de aula.
Júlio César Virgínio Costa, por sua vez, analisou a obra autobiográfica de Chil Rajchman, intitulada “Eu sou o último judeu: Treblinka (1942-1943)”, publicada pela editora Zahar, em 2010. Para o historiador, a obra demonstra o quão complexa é a relação entre o rememorar e o esquecer como operações da produção da memória, sobretudo, quando está em jogo a construção de representações sociais individuais e coletivas de processos históricos, tal como a denominada “solução final”.
Já o historiador Geraldo Magella de Menezes Neto, apresenta uma reflexão sobre o livro “Arcanos do verso: trajetória da literatura de cordel”, de autoria de Rosilene Alves de Melo, que recebeu o prêmio “Silvio Romero” de melhor monografia sobre cultura popular em 2003. A obra tem como foco a análise do repertório presente nos folhetos de cordel produzidos entre 1932 e 1982, pela tipografia São Francisco, localizada na cidade de Juazeiro do Norte (CE).
Por fim, a seção Entrevistas apresenta uma entrevista realizada pela historiadora Cristiani Bereta da Silva com o professor Peter J. Lee, que trabalhou na Unidade de Educação Histórica do Instituto de Educação da University of London. A entrevista intitulada “O ensino de Historia – algumas reflexões do Reino Unido” além de historiar a trajetória das pesquisas do entrevistado, aborda o importante debate vigente no campo epistemológico sobre os processos de ensino aprendizagem na área da História.
Desejamos, a todos e todas, uma boa leitura.
Os Editores
Comitê editorial. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.4, n.2, 2012. Acessar publicação original [DR]
Ensino de História / Em Tempos de História / 2012
Os desafios que envolvem, contemporaneamente, pensar a história e seu ensino constituem o nexo em torno do qual foi organizado o presente dossiê “O Ensino de História” da Revista “Em Tempo de Histórias”, com artigos de pesquisadores de instituições do Brasil e de Portugal.
A concepção de que a história é plural, assim, como o passado que narra, e de que não é possível reduzi-lo a uma única forma e conteúdo, tampouco seu ensino, norteou a concepção do dossiê. Os artigos que integram são leituras produzidas por historiadores/as de diferentes lugares de fala e encerram, naquilo que incluem e excluem, uma localização e um modo de inteligibilidade diante do tema ensino de história. Objeto, esse, que apesar e por conta de sua permanente e familiar presença em nosso fazer cotidiano, sempre nos escapa. Com efeito, tal como uma indecifrável esfinge que nos afronta e nos confronta, somos por ele cotidianamente interpelados e convocados, por um “dever de ofício”, a pensar e repensar nossas práticas docentes no esforço de responder a três questões primeiras: por que ensinar história? quais histórias ensinar? como ensiná-las?
Em interessante exercício de reflexão investigativa acerca de “como a história é percebida pelos alunos” um grupo de pesquisadores da Universidade de Porto – Luís Alberto Marques Alves, Cláudia Pinto Ribeiro, Renato Magalhães Oliveira e Laura Castro Moreira – procura resposta e indica alguns caminhos, possibilidades, para aquelas questões. No artigo “Ideias de alunos sobre o ‘seu’ passado doloroso: a Guerra Colonial Portuguesa”, seus autores, ao relatar sua pesquisa e seus resultados, ressaltam a importância de um ensino de história que fomente nos jovens a “reflexão e o espírito crítico”. Para eles, estas seriam competências indispensáveis a serem buscadas no ensino da disciplina, pois permitem “abrir-lhes a porta da consciência histórica, potenciar a compreensão do presente e garantir que o futuro não será fruto de uma visão monolítica”.
Em “História e sociedade: da política e da cidadania como molas vitais para o fazer histórico”, Manoel Santos Mota faz uma instigante e politizada reflexão acerca das relações entre cidadania, educação e ensino de história. Ao analisar a “história na sala de aula”, o autor aposta no potencial transformador da disciplina e de seu ensino no projeto contemporâneo de “humanização do ser humano”. Investe, assim, na ideia do ato educativo como ação que deveria estar orientada para a construção da cidadania e da democracia, concepções e práticas políticas indissociáveis e em constante (re)elaboração.
Uma proposta de ensino centrada em metodologias que estimulem e possibilitem o protagonismo dos/as alunos/as na aprendizagem dos conteúdos históricos, tendo como ponto de partida o reconhecimento de sua localização na história, é o que nos apresenta Jorge Artur Caetano Lopes dos Santos. Em seu artigo “Recanto de Memórias: estudo de representações do Recanto das Emas”, ele nos mostra que é possível “ampliar as práticas de ensino da história e ensinar diferentes modos de refletir historicamente”, descartando o reducionismo de uma única abordagem teórica e metodológica da história e de seu ensino.
A Guerra do Paraguai foi o tema priorizado por André Mendes Salles na análise comparativa de duas edições do livro didático “História Global: Brasil e Geral” (1999 e 2005), de Gilberto Cotrim. O estudo feito evidencia que, contrariamente ao reiterado no senso comum, ocorre uma efetiva aproximação entre o saber acadêmico e o saber escolar. Como explicita o autor, no que tange à Guerra do Paraguai, houve uma incorporação atualizada das discussões e reflexões historiográficas na revisão feita por Cotrim para a edição de seu livro, em 2005.
Na direção oposta reflete Rogério Lustosa Victor, ao expor a invisibilidade e mesmo ausência da perspectiva da diversidade e igualdade étnico-racial nas narrativas didáticas sobre a sociedade brasileira. No artigo de sua autoria, “Ensino de História: o livro didático e a questão do outro”, ele questiona as possibilidades de formação de uma consciência histórica democrática em meio a um ensino de história e de livros didáticos que ignoram a “questão do outro”, que constroem um silêncio em torno da questão da diversidade e da diferença.
No artigo “Ensino de História e a temática indígena: o uso do cinema na sala de aula.”, sua autora – Laís Alves Sanchez – propõe justamente o contrário: visibilidade do outro, respeito às diferenças e à diversidade na história e em seu ensino. Como o próprio título indica, a autora ressalta o potencial didático dos filmes, percebidos como narrativas plenas de possibilidades. A novidade apresentada pela autora é a de pensar, a partir da linguagem cinemática, que constrói/descontrói nossos valores, idéias, representações e significações, “o lugar e o papel que os povos indígenas ocupam na história do Brasil”.
Finalmente, mas não menos importante, o último artigo do dossiê, de autoria de Claudia Regina dos Santos. Sob o título “Novas abordagens do ensino de História: as linguagens artísticas na sala-de-aula”, ela propõe e defende um aprofundamento dos diálogos entre história e linguagens artísticas, particularmente o teatro e a música, como orientações para as práticas didáticas cotidianas. A autora valoriza a perspectiva interdisciplinar, ao ressaltar que esta permite acessar “vivências e dilemas políticos e sociais de uma determinada época da história do Brasil”. O manuseio que o/a aluno/a faz de linguagens peculiares facilita a aprendizagem dos conteúdos históricos e sobretudo a compreensão da historicidade da sociedade e da cultura, localizando-se também, ele/ela, na história.
Ao sublinhar a singularidade de cada análise, estou também, como os autores e autoras, questionando o unívoco na história e investindo na pluralidade, no entendimento da história e de seu ensino como campos de múltiplas possibilidades. Convidamos você, leitor(a), para também enfrentar esse desafio.
Diva de Couto Gontijo Muniz1
Universidade de Brasília
Ensino de História e formação de professores / Historiae / 2012
Prosseguindo em sua caminhada de difundir os saberes relacionados à ciência histórica, abordando temas específicos, ao reunir especialistas para promover o debate em torno de um determinado fio condutor, com a apresentação de variados enfoques, a Historiae publica em seu primeiro número do volume três o Dossiê “Ensino de História e formação de professores”. Até algum tempo atrás o Ensino da História vinha sendo de certo modo negligenciado ou ao menos menoscabado no campo da pesquisa histórica, mas tal situação tem sido cada vez mais contornada e / ou sobrepujada, de modo que ele vem progressivamente ganhando um fértil terreno. Essa retomada tem se dado através de estudos amplos em torno de temáticas como a renovação das fontes para promover tal ensino, a ampliação e o aprofundamento das interfaces e inter-relações entre a pesquisa realizada nos meios acadêmico-universitários e as práticas de ensino na educação escolar, a necessidade da pesquisa histórica para fundamentar as aulas a respeito de tal ciência, a introdução de novas tecnologias para promover o ensino da História, a ação das políticas governamentais, entre tantos outros.
Muitos desses enfoques se encontram presentes direta / indiretamente neste Dossiê que traz pontos de intersecção variados com o Ensino da História, através de trabalhos versando acerca de concepção do tempo, fontes, ação docente, políticas públicas, material didático, relações de ensino-aprendizagem e formação de professores. A temática livre não foi deixada de lado, mantendo a Revista sua característica de divulgar produções científicas a respeito das mais variadas investigações de cunho histórico, por meio de artigos e entrevista envolvendo a História Política, o Patrimônio Histórico, a História Ambiental e a Teoria e a Metodologia da História.
Através desse conjunto de trabalhos, a Historiae – Revista de História da Universidade Federal do Rio Grande prossegue em sua trajetória com o sempre presente objetivo de promover a difusão das pesquisas de natureza histórica, por meio de um intercâmbio continuamente crescente.
Francisco das Neves Alves – Presidente do Corpo Editorial
ALVES, Francisco das Neves. Apresentação. Historiae, Rio Grande- RS, v. 3, n. 1, 2012. Acessar publicação original [DR]
Ensino de História: teorias e práticas / Escritas / 2012
Está superada a compreensão tradicional de que a área de História pode ser dividida entre aqueles que pesquisam e aqueles que a ensinam. Mais superada ainda está a velha ideia de que o profissional da área se forma a partir de uma “história pura”, deixando do lado de fora do labor do historiador o ato de ensinar o que se pesquisa. A História refletida em bases teóricas e epistemológicas não pode ser desprovida de uma didática. Logo, o ato de ensinar História é parte constitutiva do trabalho do profissional de História. Aprender, descrever, compreender, comparar e relacionar as práticas e as didáticas de uma sala de aula, seja no Ensino Superior, seja na Educação Básica, são condições mínimas de existência e sobrevivência da disciplina História. Se não se sabe como se aprende e como se ensina História, os debates necessários envolvendo questões do campo das teorias e dos métodos históricos se tornam inócuos, sem lugar de experiências, sem possibilidade de retorno. É nessa perspectiva que apresentamos o IV Volume da Escritas, Revista do Colegiado de História da Universidade Federal do Tocantins – UFT, Campus de Araguaína. Como tem sido prática da revista, dividimos o volume entre um dossiê, voltado para o ensino e aprendizado em História e uma seção livre.
Em um momento em que o ensino de história parece se inserir definitivamente no campo de interesse de historiadores e, por conseguinte, dos programas de pós-graduação em História, em que se enfatiza a importância estratégica do ensino, da aprendizagem e da relação produção e reprodução do conhecimento histórico, o dossiê do presente volume busca reunir trabalhos que reflitam sobre as teorias, métodos e práticas relativas às políticas de ensino; à formação do professor; às articulações entre conhecimento acadêmico e conhecimento escolar; aos meios de produção e difusão do conhecimento histórico; às relações de poder envolvendo as questões do ensino. Busca também contribuir para a consolidação do ensino de história como objeto de análise e crítica histórica com base na compreensão de que pesquisa e ensino se completam e, em igual medida, contribuem para a formação de cidadãos capazes de se posicionarem criticamente em relação à produção social da história, da memória e das identidades.
É com essa preocupação que o artigo Ensino de História e Identidade Nacional no Brasil, de Leonardo N. Bourguignon, traz a baila como o Ensino de História foi utilizado enquanto ferramenta importante na construção da identidade nacional nos séculos XIX e XX. Nessa linha de pensamento, Jacqueline A. M. Zarbato, em Ensino de História, Diversidade Cultural e Currículo, apresenta reflexões significativas acerca do currículo escolar das práticas de ensino na constituição de uma sociedade marcada pela diversidade.
Um profícuo debate sobre a ação docente e o Ensino de História é proposto nesse dossiê. Nesse sentido, Norma L. da Silva, em O lugar do Ensino de História no espaço acadêmico: os desafios de uma área de fronteira analisa o distanciamento existente entre a produção acadêmica e o Ensino de História, buscando-se refletir sobre as razões pelas quais os temas ligados à educação em geral e ao ensino de História, em particular, não têm estado no foco das atenções dos profissionais da História. Esse debate também está proposto em Perspectivas da Educação Histórica na visão de professores: narrativas como expressão do pensamento histórico e possibilidades de humanismo no horizonte de transformações, de Thiago A. D. de Oliveira, artigo no qual o autor procura “identificar como os professores entendem e detectam a aprendizagem histórica”.
Quanto às abordagens sobre teorias e métodos nas práticas de Ensino de História em sala de aula, temos dois relevantes textos. No primeiro, O uso do cinema no Ensino de História: propostas recorrentes, dimensões teóricas e perspectivas da Educação Histórica, Éder C. de Souza evidencia as questões teóricas e os caminhos de investigação em aberto quando se trata das reflexões sobre a relação entre cinema, conhecimento histórico e Ensino de História. No segundo, Bruna M. V. Roriz, Henrique R. de P. Goulart, Thaís L. Junqueira e Luiz C. Villalta, em História, Cinema e Escola: três experiências de ensino, relatam experiências de ensino realizadas em escolas da rede pública de Belo Horizonte, utilizando, para tanto, a exposição do filme Harry Potter e a Pedra Filosofal. Os conflitos envolvendo infraestrutura escolar, formação de professores e relações de poderes emergem nessa significativa abordagem.
O artigo Educação e novos paradigmas: os caminhos da aprendizagem no século XXI, de Ana B. C. Baiocchi e Douglas S. dos Santos fecham o dossiê. Nele, os autores apresentam um importante debate sobre os parâmetros hegemônicos da educação na atualidade “tendo em vista a flexibilização de visões e conceitos imprescindíveis às próprias teorias educacionais”.
A seção livre traz o artigo A problemática do ensino, formação e instrução da Polícia Militar no Norte de Goiás (1930-1964), no qual Mariseti C. S. Lunckes informa que, após o movimento de 1930, as legislações aprovadas impuseram, por parte do Estado brasileiro, um controle sobre as polícias estaduais e a exigência de instrução e formação de policiais profissionais e alfabetizados executadas pelos departamentos de instrução militar. A autora busca apresentar a efetivação dos projetos de formação e instrução da Polícia Militar no norte de Goiás. Finalizando o volume, temos a resenha do livro Ensino de História e Games: o uso de jogos digitais na aprendizagem de História, elaboradas por Caroline A. M. Alamino e Lara R. Pereira, na qual se esclarece o que a obra tem a contribuir quando se trata de ensinar História em sala de aula.
Os editores
[DR]Ensino de História / Cadernos de História / 2011
Ampliar os espaços para divulgação sobre o ensino de História em publicações vinculadas ao campo da História representa importante conquista para a historiografia e para os historiadores interessados na associação ensino e pesquisa. Assim, o dossiê “Ensino de História”, no presente número dos Cadernos de História PUC Minas, contribui para o aprofundamento dos debates sobre ensino de História em diferentes níveis. A diversidade de temas e de aportes teórico-metodológicos encontrados nos oito textos incluídos neste dossiê refletem algumas tendências atuais das pesquisas sobre o ensino de História, evidenciando a profícua relação entre os interesses dos pesquisadores e as demandas que emergem da prática social, com especial atenção para o contexto escolar e a prática pedagógica.
Uma dessas importantes demandas, referente aos estudos de história e cultura africana e afro-brasileira – tornados conteúdos obrigatórios da Educação Básica pela atual legislação educacional brasileira, sobretudo as Leis 10.639/03 e 11.645/08 – é tema de dois artigos. Em “A Lei 10.639/03 e o movimento negro: aspectos da luta pela ‘reavaliação do papel do negro na história do Brasil’”, Amilcar Araújo Pereira mostra evidências de como a questão da educação e do reconhecimento do protagonismo negro na história do Brasil fez parte da pauta de reivindicações das organizações negras no século XX. Para ele, a publicização desse fato, além de favorecer a compreensão do processo que resulta na promulgação da Lei 10.639/03, pode contribuir para sua efetiva implementação por aqueles que seriam os “agentes da lei”: as escolas e seus professores. No artigo “Ensino de História e a Lei 10.639/03: diálogos entre campos de conhecimento, diretrizes curriculares e os desafios da prática”, Lorene dos Santos se propõe a elucidar aspectos da interface entre a produção acadêmica, a referida Lei, suas Diretrizes Curriculares correlatas e o ensino de história, procurando situar a complexa variedade de temas, questões, conceitos e polêmicas que têm permeado as diferentes instâncias de produção, tornando o processo de recepção à Lei 10.639/03 extremamente desafiador, exigindo especial atenção aos processos de formação docente.
Também exigindo novos esforços de pesquisa no campo do ensino de História é a relação de professores e estudantes com as chamadas “Tecnologias de informação e comunicação” – TIC. O artigo “Colaboração em ambientes de comunicação assíncrona: uma estratégia para o desenvolvimento profissional de professores de História”, de Andreia Assis, analisa o processo de formação e consolidação de um grupo colaborativo, de professores de história de uma escola da rede pública, mediado por estas tecnologias. A autora reúne evidências de como o desenvolvimento profissional desses professores pode ser potencializado por meio dessa estratégia. Abordando tema similar, o trabalho de Frederico Assis Cardoso e Marina Amorim, “A História a um clique: as tecnologias da informação e da comunicação, os documentos em suporte não-convencionais e o ensino de história”, analisa certos impactos das TIC em diferentes esferas da vida social, incluindo as escolas e seus professores, e destacando a contribuição que podem ter no desenvolvimento das aprendizagens escolares em História.
Em sintonia com novas tendências da pesquisa historiográfica, as investigações sobre o ensino de História têm se pautado, ainda, pela ampliação dos diálogos interdisciplinares. No artigo de Luiza Teixeira, vemos incluída a vertente sociocultural articulada à teoria da enunciação de Bakhtin, dando suporte à análise das interações discursivas em uma aula de História e procurando evidenciar como o discurso e a interação em sala de aula são peça chave para a compreensão do processo ensino-aprendizagem entre uma professora e os alunos. Já no estudo de Marco Antônio Silva acerca da relação entre ensino de História e as práticas de leitura e letramento, o autor chama atenção para uma nova realidade escolar, que tem exigido fortes investimentos no ensino da leitura e escrita ao longo de toda a escolaridade, o que impacta diretamente o trabalho dos professores de História nos anos finais do Ensino Fundamental, convocados a assumir responsabilidades com essa prática.
O ensino de História nos anos iniciais do Ensino Fundamental é o tema abordado por Araci Coelho Rodrigues, que analisa os usos e apropriações do livro didático de história pelas professoras. Por meio de diálogos entre os campos do Ensino de História e da Sociologia da Educação, utilizando-se da categoria analítica “saberes e práticas docentes”, a autora busca traçar um perfil pessoal e profissional das professoras investigadas. No artigo “Saberes escolares, arte e narrativas nas escritas dos vestibulandos”, Silvia Rachi apresenta análises sobre as narrativas construídas por vestibulandos a partir de duas representações iconográficas da figura de Tiradentes, apresentadas no vestibular da UFMG, buscando compreender como o processo de educação escolar participa da construção de uma “memória histórica oficial”.
Ao apontar para a complexidade das questões sobre o ensino de história, este dossiê reafirma o compromisso da História e dos historiadores com a História que se produz e se faz circular em diferentes espaços da vida social, incluindo as escolas de educação básica.
Lorene dos Santos – Doutora Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC Minas.
SANTOS, Lorene dos. Editorial. Cadernos de História, Belo Horizonte, v.12, n.17, 2011. Acessar publicação original [DR]
Ensino de História / Cadernos de História / 2011
Ampliar os espaços para divulgação sobre o ensino de História em publicações vinculadas ao campo da História representa importante conquista para a historiografia e para os historiadores interessados na associação ensino e pesquisa. Assim, o dossiê “Ensino de História”, no presente número dos Cadernos de História PUC Minas, contribui para o aprofundamento dos debates sobre ensino de História em diferentes níveis. A diversidade de temas e de aportes teórico-metodológicos encontrados nos oito textos incluídos neste dossiê refletem algumas tendências atuais das pesquisas sobre o ensino de História, evidenciando a profícua relação entre os interesses dos pesquisadores e as demandas que emergem da prática social, com especial atenção para o contexto escolar e a prática pedagógica.
Uma dessas importantes demandas, referente aos estudos de história e cultura africana e afro-brasileira – tornados conteúdos obrigatórios da Educação Básica pela atual legislação educacional brasileira, sobretudo as Leis 10.639 / 03 e 11.645 / 08 – é tema de dois artigos. Em “A Lei 10.639 / 03 e o movimento negro: aspectos da luta pela ‘reavaliação do papel do negro na história do Brasil’”, Amilcar Araújo Pereira mostra evidências de como a questão da educação e do reconhecimento do protagonismo negro na história do Brasil fez parte da pauta de reivindicações das organizações negras no século XX. Para ele, a publicização desse fato, além de favorecer a compreensão do processo que resulta na promulgação da Lei 10.639 / 03, pode contribuir para sua efetiva implementação por aqueles que seriam os “agentes da lei”: as escolas e seus professores. No artigo “Ensino de História e a Lei 10.639 / 03: diálogos entre campos de conhecimento, diretrizes curriculares e os desafios da prática”, Lorene dos Santos se propõe a elucidar aspectos da interface entre a produção acadêmica, a referida Lei, suas Diretrizes Curriculares correlatas e o ensino de história, procurando situar a complexa variedade de temas, questões, conceitos e polêmicas que têm permeado as diferentes instâncias de produção, tornando o processo de recepção à Lei 10.639 / 03 extremamente desafiador, exigindo especial atenção aos processos de formação docente.
Também exigindo novos esforços de pesquisa no campo do ensino de História é a relação de professores e estudantes com as chamadas “Tecnologias de informação e comunicação” – TIC. O artigo “Colaboração em ambientes de comunicação assíncrona: uma estratégia para o desenvolvimento profissional de professores de História”, de Andreia Assis, analisa o processo de formação e consolidação de um grupo colaborativo, de professores de história de uma escola da rede pública, mediado por estas tecnologias. A autora reúne evidências de como o desenvolvimento profissional desses professores pode ser potencializado por meio dessa estratégia. Abordando tema similar, o trabalho de Frederico Assis Cardoso e Marina Amorim, “A História a um clique: as tecnologias da informação e da comunicação, os documentos em suporte não-convencionais e o ensino de história”, analisa certos impactos das TIC em diferentes esferas da vida social, incluindo as escolas e seus professores, e destacando a contribuição que podem ter no desenvolvimento das aprendizagens escolares em História.
Em sintonia com novas tendências da pesquisa historiográfica, as investigações sobre o ensino de História têm se pautado, ainda, pela ampliação dos diálogos interdisciplinares. No artigo de Luiza Teixeira, vemos incluída a vertente sociocultural articulada à teoria da enunciação de Bakhtin, dando suporte à análise das interações discursivas em uma aula de História e procurando evidenciar como o discurso e a interação em sala de aula são peça chave para a compreensão do processo ensino-aprendizagem entre uma professora e os alunos. Já no estudo de Marco Antônio Silva acerca da relação entre ensino de História e as práticas de leitura e letramento, o autor chama atenção para uma nova realidade escolar, que tem exigido fortes investimentos no ensino da leitura e escrita ao longo de toda a escolaridade, o que impacta diretamente o trabalho dos professores de História nos anos finais do Ensino Fundamental, convocados a assumir responsabilidades com essa prática.
O ensino de História nos anos iniciais do Ensino Fundamental é o tema abordado por Araci Coelho Rodrigues, que analisa os usos e apropriações do livro didático de história pelas professoras. Por meio de diálogos entre os campos do Ensino de História e da Sociologia da Educação, utilizando-se da categoria analítica “saberes e práticas docentes”, a autora busca traçar um perfil pessoal e profissional das professoras investigadas. No artigo “Saberes escolares, arte e narrativas nas escritas dos vestibulandos”, Silvia Rachi apresenta análises sobre as narrativas construídas por vestibulandos a partir de duas representações iconográficas da figura de Tiradentes, apresentadas no vestibular da UFMG, buscando compreender como o processo de educação escolar participa da construção de uma “memória histórica oficial”.
Ao apontar para a complexidade das questões sobre o ensino de história, este dossiê reafirma o compromisso da História e dos historiadores com a História que se produz e se faz circular em diferentes espaços da vida social, incluindo as escolas de educação básica.
Lorene dos Santos – Doutora Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC Minas.
SANTOS, Lorene dos. Editorial. Cadernos de História. Belo Horizonte, v.12, n.17, 2011. Acessar publicação original [DR]
Ensino de História / Revista de História / 2011
Este número da Revista de História traz um dossiê de artigos dedicados ao ensino de História, escritos por autores de diferentes localidades brasileiras e uma variedade de temas que expressam campos distintos de estudos acadêmicos, mas que se encontram em um lugar comum entre a universidade e a escola. Os dois anos necessários para produzi-lo indicam o fato de que hoje, e cada vez mais, há espaços para publicação dos trabalhos dos pesquisadores envolvidos com o ensino de História, criando demandas para os profissionais que transitam entre a história da educação, as metodologias de ensino e as produções historiográficas. Este dossiê é, assim, um entre muitos dossiês lançados recentemente que delimitam um profícuo campo de estudo e pesquisa. Este tem sua contribuição. Divulga alguns importantes percursos de estudos que sinalizam lugares teóricos comuns, distintos e complementares de trajetórias construídas nas últimas décadas. Autores e temáticas de procedências diversas nele dialogam e convidam também o leitor a se unir às suas diligências.
O universo da história da educação, envolvendo políticas públicas e preservação de arquivos educacionais, constitui a temática do primeiro artigo escrito por duas professoras e uma pesquisadora ligadas ao Centro de Memória da Educação da Faculdade de Educação da USP – Maria Cecília Cortez C. de Souza, Carmen Sylvia Vidigal Moraes e Iomar Zaia. O texto apresenta as mudanças nas orientações políticas de preservação da memória histórica escolar no Brasil, que só passou a ser mais recentemente valorizada a partir de referências teóricas da história social, junto com o reconhecimento de que a história da educação vai muito além das ações políticas do Estado, e que fundamentalmente envolve a história da diversidade social presente no cotidiano da escola e na sociedade brasileira. Com isso, segundo as autoras, foram intensificadas, nas duas últimas décadas, as iniciativas de “preservação do patrimônio histórico escolar – arquitetônico, iconográfico, textual e museológico – favorecendo a potencialidade das fontes documentais como geradoras de pesquisas”. O texto apresenta, nessa perspectiva, a trajetória histórica dos entraves das políticas públicas voltadas para esses fins, e as recentes iniciativas de pesquisa envolvendo os arquivos escolares das escolas públicas paulistas.
A importância da documentação dos centros de memória educacional pode ser percebida no segundo artigo, escrito por André Coura Rodrigues, pesquisador do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da USP, que analisa as estratégias de imposição de uma a cultura escolar em Minas Gerais, nos primeiros anos de vigência da Reforma João Pinheiro (1906-1911). Baseado no conceito de cultura escolar, enunciado por Dominique Juliá, o autor procura revelar a escola enquanto prática, redirecionando o olhar para seu funcionamento interno, mesmo utilizando uma documentação oficial. Avalia como as escolas mineiras passaram por transformações pela ação dos republicanos, a partir de projetos de modernidade nos moldes europeus. Analisa a substituição das escolas “isoladas” pelos grupos escolares, no contexto de institucionalização de “uma nova cultura, com tempo, espaço e métodos de ensino regulamentados, previamente definidos”, homogeneizando padrões para alunos, professores, conteúdos, disciplinas escolares e livros didáticos. Amplia ainda a análise apresentando as relações descompassadas entre compradores oficiais e editoras, interferindo nos percursos imprevisíveis dos livros didáticos e no projeto de implantação de uma nova pedagogia pretendida pelo Estado.
O vídeo, como trabalho experimental em arqueologia e como material didático para o uso no ensino de história, é o tema do terceiro artigo, escrito por Silvio Luiz Cordeiro, pesquisador do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. Partindo de reflexões a respeito da paisagem urbana atual da cidade de São Paulo e na perspectiva de cineasta que vê o mundo através de imagens e seus movimentos, o autor discute o patrimônio histórico urbano, buscando vestígios arqueológicos possíveis de serem captados em registros documentais fílmicos, como expressões de relações temporais que os objetos e as construções estabelecem no espaço da cidade. Como explica o autor, o vídeo é “mais que uma via de difusão de conteúdos da arqueologia urbana: é também um meio propício para se desenvolver e exercitar uma leitura do espaço, uma leitura do habitat, de suas temporalidades, por um olhar prospectivo, indagador, que compreenda os remanescentes históricos urbanos, interpretando-se a história ali inscrita, ali atuante, presente”. O artigo apresenta especialmente o contexto de produção do vídeo Siracusa – Cidade antiga, decorrente dos trabalhos de pesquisadores do Laboratório de Estudos sobre a Cidade Antiga – Labeca, do MAE / USP.
Maria do Céu de Melo e Margarida Durães, professoras e pesquisadoras da Universidade do Minho / Portugal, são as autoras do quarto artigo que apresenta proposições de ensino de História na universidade, com base em reflexões críticas e envolvendo questionamentos de biografias e fotobiografias. A proposta contempla o trabalho metodológico do historiador no contexto de ensino, através da análise de documentos na sala de aula. Nessa linha, o ensino de história avança, em suas proposições, na medida em que o texto apresenta a importância em considerar os conhecimentos prévios de alunos e de professores, as diferentes dimensões possíveis de questionamentos dirigidos às fontes documentais e a necessária atenção a ser dada ao gênero e à linguagem da narrativa histórica analisada.
O quinto texto desse dossiê é de autoria de Arlette Medeiros Gasparello, professora da Universidade Federal Fluminense, que analisa a historicidade de um intelectual brasileiro do século XIX, Joaquim Manuel de Macedo, que se tornou romancista, médico e professor de História do Colégio de Pedro II, e autor de uma importante obra didática para o ensino de história, Lições da história do Brasil, publicada em 1861. No texto, a autora procura entender os “atores coletivos – os intelectuais como professores / autores – e aos processos que emergem das relações sociais, como circulação de saberes e sociabilidade”, em um contexto específico. E, assim, busca as relações entre o contexto social e cultural do Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX, a história pessoal e intelectual de Macedo, a conjuntura que desencadeou a elaboração das primeiras obras didáticas de História do Brasil e a obra em si como uma construção que “tornou pública uma história nacional e orientou um método para o ensino e a aprendizagem em História”.
Entre variadas temáticas de pesquisa, os estudos da história do livro didático têm sido ampliados nas últimas décadas. E esse é o recorte da autora do sexto artigo, Circe Maria Fernandes Bittencourt, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. O artigo faz um balanço das pesquisas sobre o livro didático de História, de 1980 à primeira década do século XXI, a partir do levantamento de teses, dissertações e publicações no Brasil. Esse balanço possibilita reflexões históricas das tendências predominantes ao longo dos últimos trinta anos sobre o tema, recuperando a relação entre os contextos históricos da educação brasileira e as abordagens desenvolvidas nos estudos sobre livros didáticos. O esforço da autora foi de apresentar uma história de conflitos entre tendências de análises e, ao mesmo tempo, de avanços na complexidade e abrangência na compreensão do objeto de estudo que passou a ser o livro didático de História. De uma perspectiva de análise quase exclusivamente de valores e ideologias de conteúdo, e de uma dependência da produção historiográfica, os livros didáticos de História, sob a ótica de novos conceitos e análises educacionais e históricas, passaram a ser entendidos, pelos pesquisadores, a partir de suas mais variadas dimensões, usos, inserções, funções e relações sociais.
O conjunto dos trabalhos desse dossiê demonstra como o ensino de História não prescinde de sua relação com a história da educação e nem do diálogo necessário e fundamental com as reflexões historiográficas. E demonstra como um longo percurso já foi percorrido na consolidação desse campo de conhecimento alimentado pelos múltiplos diálogos e temáticas.
Antonia Terra de Calazans Fernandes
FERNANDES, Antonia Terra de Calazans. Apresentação. Revista de História, São Paulo, n. 164, 2011. Acessar publicação original [DR]
Lugares do fazer: instituições de pesquisa e / ou ensino de história / Aedos / 2010
É com imensa satisfação que apresentamos a edição n° 6 da Revista Aedos. Este número ganha um significado especial para esta revista e para a presente gestão, já que é a última edição apresentada pela gestão 2009-2010, marcando a passagem para o terceiro grupo de discentes. Este modelo de trabalho, adotado até o momento, mostrou-se capaz de manter a qualidade da revista ao mesmo tempo em que propicia aos jovens pesquisadores um campo de atuação, tanto na divulgação de suas pesquisas como no trabalho administrativo de editoração da revista eletrônica. Alegra-nos sobremaneira esse momento, mantendo assim o caráter de trabalho em equipe e atuação dos discentes deste PPG.
No nosso dossiê “Lugares do fazer: instituições de pesquisa e / ou ensino de história”, apresentamos dois artigos que versam sobre instituições de ensino e memória histórica. No primeiro deles intitulado “O papel dos cursos de graduação em História – uma discussão sobre a formação dos profissionais de História”, Aryana Lima Costa retoma, através de um trajeto que percorre os 70 anos do ensino de História em nível superior, uma discussão atual sobre a formação do historiador, por vezes compartimentada entre as tarefas de ensinar ou pesquisar. Em nosso segundo artigo, “Memória e história do ensino superior comunitário no Rio Grande do Sul – o Centro Universitário Feevale”, de autoria de Claudia Schemes, Cristina Ennes da Silva e Cleber Cristiano Prodanov, identificamos a preocupação com a reconstrução da memória de uma entidade comunitária de ensino superior. Nele, convergem o uso de diferentes vestígios do passado, como a história oral, a documentação da instituição e a memória dos agentes ligados à trajetória do estabelecimento de ensino, elementos caros ao debate histórico contemporâneo. Lamentamos somente que a temática proposta no nosso edital não tenha recebido nenhuma contribuição, a saber, os 90 anos do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRS).
A seção de artigos diversos conta com sete publicações, das mais variadas temáticas e debates historiográficos. Daniel Oliveira, em seu texto “Entre Prazeres e Doenças: enfermos venéreos na sociedade porto-alegrense de fins do século XIX”, apresenta parte dos resultados de uma pesquisa que buscou identificar o perfil dos enfermos acometidos por doenças venéreas que receberam assistência médica na Santa Casa de Misericórdia e no Hospital da Sociedade de Beneficência Portuguesa, ambos de Porto Alegre, durante os anos de 1881 a 1892. O artigo “Sobre os trilhos do progresso: Porto Alegre despede-se dos bondes (1970)”, de Renata Andreoni, contribui para a discussão de um tema ainda pouco discutido em termos de historiografia, a história do transporte e sua relação com a cidade. Através da análise dos textos presentes no jornal Correio do Povo, a autora se propõe a demonstrar algumas das representações do bonde presentes na memória dos porto-alegrenses. Hugo Duarte, através de seu artigo “Em busca da Revolução Brasileira: um debate crítico sobre as teses históricas e a linha política do PCB” procura realizar uma leitura crítica das matrizes teóricas fundamentais para a construção do Partido Comunista no Brasil. Esta análise ocorre por meio da interpretação da linha teórica do partido, assim como da Declaração de Março de 1958, elementos fundamentais que embasariam, posteriormente, as ações dos militantes do partido.
Rafael Kasper, em seu estudo “Conquistando corações e mentes: um estudo da repercussão do „Dia de Anchieta‟ na mídia impressa (1965-1968)” busca analisar a repercussão que o “Dia de Anchieta”, instituído em 1965, teve na grande imprensa brasileira dos anos de 1965 a 1968, percebendo em tal celebração a busca dos católicos por apoio dos militares no poder. O artigo “Construção e afirmação da identidade nacional palestina: da consciência de nação à luta pelo Estado”, de Luiz Salgado Neto, analisa, no quadro das transformações pelas quais passou o Oriente Médio durante o século XX, a construção da identidade nacional palestina, como reação ao movimento sionista e como processo de diferenciação da comunidade palestina em relação ao mundo árabe. Leno José Barata Souza, em “A “Cidade Flutuante” de Manaus: rediscutindo conceitos”, busca repensar alguns conceitos sobre o tema “cidade”, focando sua análise na experiência cultural, urbana e econômica da “cidade flutuante” de Manaus. O último texto dessa seção, apresentado por André Fertig e Tassiana Saccol, ”A Guerra do Paraguai nos livros didáticos de história do Brasil: uma análise de obras publicadas entre 1900-1960”, elabora uma relação pertinente entre a abordagem de livros didáticos e as posições historiográficas sobre a Guerra do Paraguai. Para a próxima edição são aguardados comentários críticos sobre o artigo de André Fertig e Tassiana Saccol, com o objetivo de estimular o debate acadêmico, visando à discussão sobre as contribuições trazidas pelo mesmo.
Na seção Mesa Redonda desta edição, apresentamos o debate travado em torno do texto de Vicente Neves da Silva Ribeiro, Mestre em História pela UFRGS e professor da UFFS, “Populismo radical e processo bolivariano: o conceito de populismo de Ernesto Laclau e as análises da Venezuela contemporânea”. O artigo retoma a discussão acerca do conceito de populismo, pensando a sua aplicação no caso da Venezuela contemporânea. Participaram como comentadores o Prof. Dr. Dagmar Manieri, da UFT, o Prof. Dr. Rafael Rossotto Ioris, da University Of Denver, e a Prof. Drª Lívia Cotrim, do Centro Universitário Fundação Santo André. Por fim, Vicente apresenta sua resposta aos apontamentos produzidos pelos especialistas convidados.
Na seção das resenhas, José Knust trata da obra de Aldo Schiavone, “Uma História Rompida: Roma Antiga e Ocidente Moderno”, que é inserida nas discussões sobre o declínio do Império Romano, voltando-se fundamentalmente para as análises de viés econômico e social. Já nas resenhas de clássicos, Carlos Eduardo da Costa Campos, à luz da análise de Certeau da História enquanto prática social, discute questões teóricas e implicações institucionais sobre a historiografia contidas no capítulo “Operação Historiográfica”, que compõe a obra “A Escrita da História”
Finalizando nossa edição, apresentamos a entrevista com a historiadora Mônica Pimenta Velloso, pesquisadora da área de História Cultural que realiza estágio de pós-doutorado na EHESS, sob a direção de Jacques Lenhardt. A autora dedica-se à temática dos modernismos no final do século XIX e início do século XX, pesquisando as percepções do moderno entre 1890-1914, a partir da ligação entre intelectuais franceses e brasileiros. Em uma conversa com Igor Salomão Teixeira (membro da primeira gestão da Revista Aedos), Mônica falou sobre suas percepções de Paris, suas pesquisas, a relação com a professora Sandra Pesavento, bem como sua trajetória e até mesmo sobre a regulamentação da profissão do historiador.
Por fim, estendemos nossos agradecimentos a todos aqueles que contribuíram com nossos trabalhos ao longo deste ano: autores, pareceristas, funcionários e professores do PPG, equipe da Propesq / UFRGS e todos aqueles que colaboraram de alguma forma com nossas atividades. Este período, de trabalho intenso, porém gratificante, nos estimula a desejar o melhor à nova gestão, e que os colegas possam fazer deste espaço um lugar cada vez mais qualificado para a discussão historiográfica.
Boa Leitura a todos!
Conselho Editorial
Gestão 2009-2010
Conselho Editorial. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v.3, n.6, janeiro-junho, 2010. Acessar publicação original [DR]
História e Ensino. A Produção de Conhecimento / Antíteses / 2009
Tudo o tempo leva.
A própria vida não dura.
Com sabedoria
colhe a alegria de agora
para a saudade futura.
Helena Kolody
Na década de 80 do século XX, pode-se dizer que ocorreu uma ruptura no debate filosófico do ensino de história. Tal ruptura deveu-se ao fato de alçar como sujeitos o professor e o estudante no fazer escolar. Estava posto, nesse contexto, o debate sobre o conhecimento histórico produzido em todos os níveis escolares, e o alicerce para o entendimento de que na escola básica e média seria produzido saber na nossa disciplina. A questão polêmica constitui campo de reflexão sobre o conhecimento em geral e específico.
Entende-se aqui por saber histórico, apesar da polêmica ainda contemporânea daí advinda, o conhecimento produzido na reflexão educacional onde professores e alunos dialogam diversamente com as tradições e fontes históricas disponíveis. O fortalecimento do debate acerca das relações entre História e Ensino amplia este campo de investigação traduzido no expressivo resultado de pesquisas apresentadas nos grandes encontros da área (Encontro Nacional de Pesquisadores de Ensino de História e Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História), bem como, nos simpósios regionais e nacionais de História (ANPUH).
Tal adensamento reflete-se na abertura dos debates acerca dos novos suportes, fontes e abordagens para o ensino de história, incluindo outras formas de constituição de consciência histórica, fora do ambiente escolar, e as relações que são travadas entre estes meios e a sociedade (BARCA, LEE, DICKINSON, ASHBY).
Saberes docentes, formação de professores, formação de consciência histórica pelos jovens, metodologias de ensino e pesquisa a partir do espaço da sala de aula, currículos e práticas pedagógicas em todos os níveis, e políticas públicas e ensino de história, além de outros, são exemplos de linhas investigativas em curso que a cada dia mais ocupam espaço nos programas de pós graduação, em obras e periódicos científicos da área.
Este debate está inserido de forma exemplar em sua historicidade, especialmente, na transição política brasileira e é reflexo das novas teorias e abordagens da historiografia. As concepções historiográficas contemporâneas – que articulam reflexão sobre a cultura, a política, a economia e o social– serão também as matrizes norteadoras das grandes guinadas e da ampliação das discussões acerca do ensino de história.
Nas reflexões sobre o ensino de história deságuam as contradições, proximidades e equacionamentos da historiografia contemporânea, sendo, portanto, o debate teórico-metodológico objeto privilegiado de investigação.
Reflexões sobre o lugar da História da Educação, assim como o reconhecimento, na produção historiográfica brasileira e nas atividades dos historiadores por todo o país, da necessidade de constituição de um espaço próprio para as questões relacionadas ao ensino de História constituíram parte das justificativas para a inclusão de História e Ensino como linha de pesquisa no Programa de Pós- Graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina. Deve-se acrescentar que, além dessa demanda por uma reflexão embasada por questões teóricas e metodológicas próprias à área, é possível amalgamar às reflexões sobre o Ensino de História, a História das instituições e políticas públicas educacionais. Este debate coloca em evidência a necessidade de constituição de um campo de investigação historiográfica, não somente do ensino de História no ambiente escolar, mas também as relações entre essa cultura escolar e outros meios que as sociedades dispõem para elaboração e reelaboração do passado.
De tal forma que, para alguns autores, não se pode separar, atualmente, o debate sobre o ensino de História do contexto no qual este é produzido. Ou seja, das relações de poder e saber, em especial das relações entre universidades, indústria cultural e ensino fundamental e médio (FONSECA, 2003).
Nas últimas décadas do século XX, além do Estado e do mercado editorial, a mídia também se fez presente na discussão sobre o que ensinar aos jovens. Assim, como salienta a autora mencionada, discutir o ensino de História hoje, significa pensar outros espaços e formas de se educar cidadãos, principalmente numa sociedade marcada pelas diferenças e desigualdades. Uma sociedade que vive um tempo de mudanças e incertezas, de relativismos e neoliberalismos, no qual a mudança tomou um valor enquanto tal, isto é, o homem de hoje carrega em si próprio a ruptura como um desejo.
Nesta perspectiva, uma questão que se coloca é o que ensinar e preservar em relação ao passado numa sociedade que faz uma apologia à mudança? (FONSECA; FORQUIN). Tentativas como as realizadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), no Brasil, pretenderam dar uma resposta para essa questão: o que da nossa cultura, da nossa memória seria mais adequado transmitir às novas gerações. Entretanto, não se deve esquecer que o currículo é uma “invenção da tradição” como bem indica (GOODSON). Ou seja, é um discurso que atende interesses e, portanto, age no pensamento dos professores, na burocracia escolar e na indústria cultural.
Todavia, também deve-se levar em conta que o currículo formal é apenas um aspecto que opera e faz uma seleção cultural, igualmente o currículo real que é feito a partir da cultura escolar e da vida cotidiana dos alunos são dimensões que se tem que tomar como parâmetros (FONSECA; PERRENOUD; FORQUIN). Refletir sobre tais questões, inclusive sobre a nova LDB e os PCNs, nos remetem a reexaminar qual é a função e o papel da escola com relação aos saberes históricos nela transmitidos.
Diferentemente das décadas de 1970 e 1980, quando a escola era vista como um aparelho de reprodução dos valores e idéias da “classe dominante” e a História como um veículo de reprodução da memória do vencedor, nas décadas seguintes, ela é repensada como um lugar social que deve ser analisado de diferentes formas (APPLE). Não se trata apenas de um “reflexo” do funcionamento da sociedade, mas um local de conflitos de classes e de formas culturais outras, bem como um lugar de produção do conhecimento (FONSECA).
Segundo André Chervel, é inconcebível como não se percebeu durante tanto tempo o poder criativo que a escola detém e desempenha, pois ela forma não apenas os indivíduos, mas também uma cultura que pode penetrar, moldar e modificar a cultura da sociedade global. (CHERVEL). Isso não significa que a escola deve ser vista como “um império dentro do império”, mas é necessário reconhecer a sua autonomia relativa em relação às outras dinâmicas que coexistem no campo social. (FONSECA; FORQUIN; SACRISTÁN). Dessa forma, a escola pode ser vista como dotada de uma dinâmica própria, possuidora de saberes, hábitos, valores, modos de pensar, estratégias de dominação e resistências, critérios de seleção que fazem parte daquilo que se chama “cultura escolar”.
Nesse contexto, o professor de História pode fazer emergir o plural (a memória e projetos de diferenciados sujeitos sociais) ou pode perpetuar uma memória dominante. Talvez a reposta mais comum encontrada nos últimos anos para esse dilema, tanto no ensino público quanto no privado, seja a concepção do ensino temático e multicultural, como pode ser constatado nos textos dos PCNs, por exemplo. Para Selva Fonseca, essa constatação nos remete a repensar pelo menos três aspectos. Primeiro, não basta introduzir novos temas nos currículos multiculturais, se na prática, nas relações cotidianas se promove a exclusão através de brincadeiras, jogos ou formas de avaliação. Segundo, devese reconhecer que o professor não opera no vazio. Existem outros espaços educativos atuando nas concepções dos alunos como, por exemplo, a televisão, os quadrinhos ou os acontecimentos cotidianos. E terceiro, a perspectiva do ensino temático e multicultural deve vir acompanhada de uma mudança na formação dos professores: postura crítica e reflexiva, cultivo à tolerância e respeito à diversidade e às diferenças.
Podemos dizer igualmente que, na atualidade, parte das pesquisas se volta para a compreensão da lógica da História, nomeadamente no que diz respeito ao pensamento dos alunos, em especial nos trabalhos de ingleses e portugueses (LEE; BARCA) assumiu um objetivo central procurando encontrar os vários componentes dessa lógica através da produção filosófica da História, da Psicologia, em especial das teorias construtivistas do conhecimento, focalizando o seu labor investigativo no pensamento histórico dos alunos através de uma sólida fundamentação empírica, centrada, sobretudo em idéias chave como as de mudança, desenvolvimento, causa, efeito, entre outros.
Por outro lado, autores como Rüsen, entre outros, afirmam a existência de um domínio específico do conhecimento que denominam de Didática da História, nas interfaces da investigação entre a própria epistemologia da História, tomada como referência para a construção de categorias e metodologias de análise, e seu diálogo com as outras ciências, situado naquilo que Prats denomina de encruzilhada de diversas ciências humanas, as que se ocupam tradicionalmente da aprendizagem e as que constituem a base do conhecimento que se pretende ensinar.
Entre as mudanças paradigmáticas que ocorreram no campo da história e do ensino de história a partir da década de 1980, que ampliaram as perspectivas de pesquisa, estão as propostas de investigar os processos de constituição da consciência histórica, aqui tendo como referencia epistemológica as investigações de Rüsen e Laville sobre a constituição de um pensamento sobre a história e um pensar histórico necessários para a vida prática dos seres humanos, que se levanta como um dos grandes debates atuais das investigações no campo do ensino de história.
As idéias anteriormente apresentadas constituíram o alicerce e os pilares das reflexões que foram construídas pelos membros da Área de Ensino de História do Departamento de História da UEL para a proposição da Linha de Pesquisa denominada “História e Ensino” do seu Programa de Pós-graduação em História Social, que entre outras iniciativas promoveu a edição de uma revista, Antíteses, que apresenta seu primeiro número sobre as temáticas relacionadas a esta área de conhecimento.
O título “História e Ensino. A Produção de Conhecimento” deste dossiê teve a intenção de abarcar e sublinhar os marcos do debate sobre a já superada, no sentido de não restar dúvida, discussão sobre a possibilidade de produção de conhecimento –hoje conhecido como conhecimento histórico escolar– que se constrói no fazer dos professores e estudantes no âmbito do ensino fundamental e médio, mas também, a produção das reflexões sobre ensino, instituições e políticas públicas, no meio acadêmico.
Para fazer jus a tal proposição, nosso autor convidado, Marcos Silva, que nos oferece uma contundente reflexão sobre o historiador e seu tempo, representa aqui uma geração de historiadores que ousaram trazer à baila o debate sobre o ensino de história nos moldes em que se deu a partir da década de oitenta do século XX. O historiador organizou a obra “Repensando a História” que concentrou naquele momento as principais referências do debate que depois muito se ampliou. Mesmo com os limites que são peculiares a uma publicação como a que aqui apresentamos, podemos visualizar, a partir dela, a grandiosidade do alcance e da perspectiva de tal ampliação.
Por último, especialmente, pela importância do ato, a primeira publicação da Linha de Pesquisa de História e Ensino deste Programa, que traz a notícia de suas primeiras dissertações defendidas na área, deve ser oferecida à memória da Professora Mariana Josefa de Carvalho Almeida, nossa pioneira e precursora na longa e trabalhosa trajetória que construiu a possibilidade de hoje nos constituirmos uma das linhas de pesquisa que contribuem para sua edificação. Para lembrar e homenagear a doçura e sabedoria que representava a prazerosa convivência com nossa queridíssima colega Mariana encontramos na obra “Sinfonia da Vida”, da grande poetisa paranaense Helena Kolody, um poema intitulado “Sabedoria” (1993) o epígrafe que expressa de maneira ímpar a felicidade e tesouro que significou para nós o convívio com o jeito de ser dessa pessoa maravilhosa.
Cristiano Biazzo Simon – Coodenador do Dossiê.
Londrina, junho de 2009
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[DR]
Ensino de História / História Revista / 2009
Neste número apresentamos ao público o dossiê temático: Ensino de História organizado pelas professoras Maria da Conceição Silva, da UFG, e Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt, da UFPR. A proposta de um dossiê com este tema surgiu de preocupações debatidas nas últimas décadas entre professores da área de Ensino de História no interior de suas Instituições de Ensino e Pesquisa. O objetivo dos textos que compõem este dossiê é o de somarem-se as discussões sobre o Ensino de História e às temáticas já publicadas neste periódico desde o ano de 1996. Diante disso, pretende-se mostrar o significado das questões ensinadas e pesquisadas e, ao mesmo tempo, incentivar investigações nos cursos de licenciaturas, pois várias são as abordagens – pluralidades – possíveis de análises. E ainda propiciar o diálogo entre Universidade e Escola, entre professores-pesquisadores e professores de educação básica. Nesse sentido, vale ressaltar que a área – Ensino de História – já foi tema de vários periódicos de História, além do intenso debate no GT: Ensino de História e Educação-ANPUH e no Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História. Em 2008, criaram a Associação de Pesquisadores do Ensino de História, quando especialistas se reuniram na UFRN, em Natal. Nesses eventos, pesquisadores preocupados com a trajetória do Ensino de História no Brasil destacaram as pesquisas e os debates em encontros realizados em várias cidades; o debate avançou pelo mérito dos que se debruçam sobre problemáticas pertinentes as teorias, as metodologias e aos materiais didáticos, às temáticas ligadas à Educação e a Formação de professores de História. Assim os congressos e simpósios em Instituições brasileiras e internacionais constituem-se lugar de profícuo diálogo e embates que, muitas vezes, resultam em projetos e publicações valorosas.
Daí observa-se pesquisas como história da África, que a partir da lei 10.639, passou a ser disciplina obrigatória no currículo escolar. É possível notar que os estudos deixaram de abordar apenas enfoques da escravidão para constituir-se num campo mais amplo e específico com fontes de diversas naturezas sobre o afro-descendente –a fronteira como espaço da alteridade–. Além dos estudos desta temática há também as pesquisas sobre a formação de professores, bem como a política de estágio da licenciatura em História, da educação patrimonial, das teorias e metodologias e de uso das fontes históricas em sala de aula, considerando a relevância dos recortes espaciais-temporais para a compreensão do processo histórico. Diante disso, pode-se afirmar que os grupos de estudos existentes em Secretarias Estaduais e Municipais propiciam a revisão das concepções de aprendizagens e das propostas curriculares aos PCNs de História e de temas transversais de 1998.
Dessa maneira, o ensino e o aprender a história centram-se no uso de fontes de pesquisas, da especificidade da disciplina História no currículo da Escola e das diretrizes curriculares, que se constituem num veio de políticas públicas inseridas em contextos matizados no interior da história do Brasil. É mister dizer que as pesquisas sobre (e nos) manuais didáticos de História tornaram-se fundamentais, pois o livro didático de ensino fundamental a partir da década de 1990 passou a ser objeto de políticas do governo federal por meio de avaliações realizadas pelo MEC, pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).
Diante do exposto, os estudos e as pesquisas que integram o dossiê deste número representam variadas temáticas, abordagens, linguagens e materiais do Ensino de História, que, nas últimas décadas, conquistaram espaço na historiografia, compondo, assim, as análises dos textos (artigos) como se podem acompanhar a forma em que os autores percorreram tal campo.
O artigo “Olhares sobre a África: abordagens da história contemporânea da África nos livros didáticos brasileiros”, de Anderson Ribeiro Oliva, tem como fio condutor o tratamento outorgado à história da África Contemporânea em livros didáticos das 6ª a 8ª séries (7º ao 9º). Para tanto, investiga-se a existência de análises superficiais a respeito das trajetórias recentes dos países e sociedades africanas, destaca as representações, os estereótipos sobre a África no ocidente.
O artigo “Oficina de ensino, formação e estágio no fazer do estudante de história”, de Carlos Augusto Lima Ferreira, constitui-se em um relato do estágio de estudantes de História em três escolas públicas da cidade de Salvador/ BA e também no Arquivo Público da Bahia.
O artigo “Educação patrimonial e as interfaces com o ensino de história: os museus de rua em São Paulo”, de Cláudia Engler Cury, é uma abordagem das experiências com os Museus de Rua/Museus de Bairro do final dos anos de 1970 e no final dos anos de 1990, mostra a construção dos processos simbólicos como constituição de memórias e identidades entre os gestores públicos e as comunidades. A autora considerou-se, ainda, os projetos escolares de ensino da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo.
O artigo “Formações “humanistas” e percursos estudantis: o caso das Universidades de Paris I, Cambridge, Amsterdam, 1988-1998”, de Cendrine Paul-Guers, é uma investigação que traz à luz a análise da natureza de um saber disciplinar e as ferramentas deste saber para a inserção no mundo do trabalho. O objetivo é compreender a utilidade social da história, o modo como as representações influenciam as aprendizagens, e os acessos ao mercado de trabalho. O eixo principal da pesquisa são alguns estudantes da Sorbonne, de Cambridge e da Universiteit van Amsterdam.
O artigo “Aspectos teórico-metodológicos, fontes e historiografia da história do ensino de História no Brasil (1990-2008)”, de Décio Gatti Júnior, trata-se de algumas reflexões elaboradas da análise da produção histórico-educacional vinculada à temática da História das Disciplinas Escolares no Brasil entre os anos de 90 e 2008 do século XXI. O autor investiga o conteúdo de algumas fontes para concluir que, na história das disciplinas escolares, existe fertilidade na utilização de evidências a respeito de bibliografia variada, documentos impressos e manuscritos, depoimentos orais e iconografia.
O artigo “O espaço e o tempo no processo de ensinar e aprender história na sala de aula”, de Ernesta Zamboni e Sandra Regina Ferreira de Oliveira, apresenta reflexões sobre a organização do espaço e a utilização do tempo por professoras e alunos, considerando as relações, implicações e possibilidades que podem ser estabelecidas com o ensino de História; utilizaram dados empíricos coletados em duas salas de 3ª. série do ensino fundamental.
O artigo “A educação dos sentidos na leitura do Almanach-Album de São Carlos de 1916-1917”, de José Evaldo de Mello Doin, Arrovani Luiz Fonceca, Humberto Perinelli Neto e Rafael Cardoso de Melo, explora o universo da leitura fotográfica no Almanach-Album de 1916-1917, de São Carlos, mostrando à luz da “educação dos sentidos” como o leitor interage com os ditames da belle epoque cafeeira.
O artigo “Autonomia do docente de história em grupos de estudo”, de Luis Fernando Cerri e Maria Antônia Marçal, investiga a atuação de professores de História em seus movimentos de autonomia e heteronomia em grupos de estudos de professores. O primeiro grupo como proposta de “capacitação” da Secretaria de Educação do Paraná, o segundo como laboratório vinculado ao projeto de pesquisa dos autores. A metodologia abordada envolveu pesquisa-ação, observação etnográfica e pesquisa documental.
O artigo “A formação do professor universitário de História”, de Luiz Fernando Silva Prado, é uma reflexão sobre a problemática da formação do professor universitário de História, no Brasil, centrada na bipolaridade ensino e pesquisa como “ethos acadêmico”, que sustenta a idéia de Universidade.
O artigo “A construção de referenciais para o ensino de história: limites e avanços, de Margarida Maria Dias de Oliveira, mostra que existe no mínimo cinqüenta profissionais brasileiros discutindo os referenciais que devem nortear o ensino de História. Utiliza-se no artigo textos de Emília Viotti da Costa escritos entre 1957 e 1963 sobre os elementos de um debate pautado em algumas ocasiões pelos profissionais de História, todavia, a autora ressalta que, ainda, não se enfrentou e não dialogou a respeito dos referenciais que devem nortear a seleção de conteúdos e objetivos do ensino no currículo.
O artigo “Concepções de aprendizagem histórica presentes em propostas curriculares brasileiras”, de Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt, é resultado de uma pesquisa mais ampla que traz à luz à análise de documentos curriculares referentes aos Parâmetros Curriculares Nacionais de História para o ensino fundamental e médio (1997; 1998). A metodologia adotada é a de investigação qualitativa de estudo de caso e a perspectiva da investigação bibliográfica e documental.
Para fechar o dossiê, o artigo “Ensinar e aprender a ensinar história”, de Thiago Fernando Sant’Anna, apresenta a descrição de experiências docente em Didática e Prática de Ensino em História e Estágio Supervisionado em História na UFG (Goiânia) e UCG. O autor discorre sobre as propostas da historiografia do ensino de história nos últimos anos, como a distância entre Universidade e Escola, a produção de conhecimento, o livro didático, o eixo temático e o uso de diferentes linguagens no ensino de história. É importante ater-se à pesquisa apresentada pelo autor, uma vez que se aborda o campo “Ensinar e aprender história” na licenciatura da UFG-Goiânia e da UCG, das experiências de trabalhos de campo (estágios) realizadas no curso de História. Nos últimos anos a área –Ensino de História– investe em trabalhos interdisciplinares, considerando o diálogo Universidade-escola (campo de estágio), o que contribui para enriquecer a formação dos alunos (professores). Estes apontam suas experiências em salas de aulas, nas escolas como propício do debate e ressaltam a relevância da pesquisa, sobretudo, ao se efetivar a proposta de criação do Laboratório de Ensino de História (LEHIS). O objetivo deste laboratório é desenvolver pesquisas e solidificar o diálogo com a Escola –Educação Básica- publicando e divulgando o resultado desses estudos em oficinas, eventos e, por fim, elaborado materiais didáticos.
Neste número da História Revista ainda há três artigos entre os quais “Festividades mestiças na Amazônia”, de Carmem Izabel Rodrigues, que é uma análise de duas festividades em Belém, no século XIX. A autora mostra 13 motivos da proibição e o desaparecimento dessas festividades, sobretudo pelos fluxos culturais, hierarquias e poderes da Amazônia urbana.
Outro artigo “Impactos da romanização em Alexandria: alguns debates bibliográficos”, de Joana Campos Clímaco, apresenta uma discussão bibliográfica sobre Alexandria quando foi sujeita ao poder romano em 31 a.C. que deixou de ser a sede do reino ptolomaico.
Por último o artigo “A presença francesa no Piauí do Século XIX”, de Leandro Mendes Rocha e Gercinair Silvério Gandara, é uma investigação do Piauí e Maranhão, onde os portugueses encontraram-se firmas britânicas e francesas que repetiram métodos e processos empregados em suas colônias, inclusive estimulando o transporte marítimo e fluvial de mercadorias. Há, ainda, a resenha escrita por Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd do livro de OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de; CAINELLI, Marlene Rosa; OLIVEIRA, Almir, Félix Batista de. (Orgs.). Ensino de História: múltiplos ensinos em múltiplos espaços. Natal/ RN: Editora da UFRN, 2008. Integra também neste número o artigo traduzido por Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt “Arquivos Simulados e Didática da pesquisa histórica: para um sistema educacional integrado entre arquivos e escolas”, autorizado pelo autor Ivo Mattozzi. O texto remete o leitor à reflexão de arquivos escolares a partir de experiências didáticas que se baseiam na relação entre professores e fontes de arquivologia, que podem distinguir-se esquematicamente em importantes eixos como –expe