How language began: the history of humanity’s greatest invention – EVERETT (FU)

EVERETT, Daniel L. How language began: the history of humanity’s greatest invention. New York: Liveright Publishing Corporation, 2017. Resenha de: BRAGA, Viviane Zarembski.  Nenhuma linguagem é uma ilha: a história da maior invenção humana. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.20, n.3, p.293-297, set./dez., 2019.

No language is an island: the history of humanity’s greatest invention

Erectus societies had culture. From the very first, humans, with their larger brains and new experiences, built up values, knowledge and social roles that allowed them to wander the earth. And from these cultures built more than 60,000 generations ago we emerged. Our debt to Homo erectus is inestimable. They were not cavemen. They were men, women and children, the first humans to speak and to live in culturally linked communities (Everett, 2017, p.290).

Daniel Everett é um linguista estadunidense, e seu último livro, How language began, apresenta resultados de anos de estudos junto à comunidade indígena Pirahã, na Amazônia. O principal objetivo do livro é o de apresentar a linguagem como uma das mais importantes ferramentas utilizadas pelos seres humanos, desenvolvida e aperfeiçoada por mais de um milhão de anos pela espécie humana. Com est a hipótese, Everett quer refutar a teoria chomskyana acerca do surgimento da linguagem, o que o faz est ar em permanente confronto com Chomsky e seus seguidores. Everett iniciou seu trabalho na Amazônia em 1977, como missionário. Seu objetivo inicial era o de catequizar os índios e traduzir a Bíblia para o idioma Pirahã. Para ter acesso à aldeia, contudo, Everett precisou se filiar a uma instituição brasileira e começou um mestrado na Unicamp. Após algum tempo convivendo com os índios – ele mudou-se para a Amazônia com a esposa e três filhos pequenos –, Everett passou a dedicar mais tempo ao estudo da cultura e língua Pirahã e menos tempo à catequização e tradução da Bíblia. Ele abandonou tanto a tarefa missionária quanto a vida religiosa. Hoje, Everett ainda passa boa parte do ano na Amazônia, realizando estudos de campo.

Everett acredita que o idioma Pirahã nos apresenta indícios para refutar a teoria chomskyana e aceitar o fato de que a linguagem, como outras características do Homo sapiens, desenvolveu-se ao longo dos anos, culminando na linguagem complexa que nossas sociedades hoje desenvolveram. Segundo ele, Chomsky ignora a teoria darwiniana e apresenta um argumento circular, não dizendo nada sobre a evolução dos símbolos, gestos e ícones e apresentando uma alteração genética súbita para a capacidade da recursividade. Outro ponto a destacar é que a teoria chomskyana não coloca a comunicação como aspecto principal da linguagem. Os animais se comunicam de diferentes maneiras, mas somente os humanos desenvolveram estruturas dependentes de regras para realizar est a comunicação.

Pesquisas dão evidências da existência da linguagem no Homo neanderthalensis, mas Everett acredita que os neandertais herdaram a linguagem de seus ancestrais. Para ele, a linguagem já é usada há mais de 60 mil gerações, tendo seu início no nosso ancestral Homo erectus, há mais de um milhão de anos. O Homo erectus foi o pioneiro em diversos aspectos humanos além da linguagem, como a cultura e a migração humana. Segundo Everett, o domínio do fogo, as migrações, as ferramentas e os indícios culturais apontados por pesquisas fazem com que se remeta a origem da linguagem ao Homo erectus. A linguagem foi o que possibilitou a troca de informações, planejamento e transmissão de conhecimento para futuras gerações, o diferencial e a vantagem da espécie humana sobre todas as outras espécies da terra.

Aparato vocal: a fala como uma função do corpo inteiro

Um dos aspectos apontados por Everett para sustentar sua hipótese diz respeito ao aparato vocal dos humanos. Não nascemos com um modelo mental para a gramática. As semelhanças entre as diferentes linguagens ocorrem por um processo histórico individual, e não por um gene específico para a linguagem. Além disso, não há “um” órgão humano dedicado à linguagem. Temos diversos órgãos que estão envolvidos no processo de fala, cuja função principal é outra:

There are three basic parts to human speech capabilities that evolution needed to provide us with to enable us to talk and sing as humans do today. These are the lower respiratory tract, which includes the lungs, heart, diaphragm and intercostal muscles, the upper respiratory tract, which includes the larynx, the pharynx, the nasopharynx, the oropharynx, the tongue, the roof of the mouth, the palate, the lips, the teeth and, most importantly by far, the brain (Everett, 2017, p.175).

Como em outros processos evolutivos, a evolução “aproveitou” um órgão já existente e o adaptou para uma nova demanda. Nem mesmo o cérebro possui um local cuja função única seja a linguagem. A única exceção a est a regra pode ser encontrada na forma e posição da língua. Isto parece ser uma evidência de que a linguagem é, antes, uma criação humana, proporcionada pela cultura, do que uma função biológica. A biologia possibilitou que os humanos desenvolvessem est a habilidade, mas não pode ser vista como uma “oferta” biológica aos humanos, já que a linguagem é uma função do corpo todo, incluindo gestos, entonação, aspectos culturais e mesmo aspectos relacionados ao meio ambiente:

[…] each unit of sound is built up from smaller units via natural processes that make it easier to hear and produce sounds of a given language. Our sound structures are also constrained by two other sets of factors. The first is the environment. Sound structures can be significantly constrained by the environmental conditions in which the language arose – average temperatures, humidity, atmospheric pressure and so on. Linguists missed these connections for most of the history of language, though more recent research has now established them clearly. Thus, to understand the evolution of a specific language, one must know something about both its original culture and its ecological circumstances. No language is an island (Everett, 2017, p.211).

Everett acredita que os humanos inventaram a linguagem, motivados por sua forma de vida e interação social. O desenvolvimento do cérebro, obviamente, foi decisivo para tornar possível est a invenção.

Cérebros humanos estão conectados

O grande e denso cérebro dos humanos possibilitou a invenção da linguagem. A combinação entre um cérebro grande e a cultura é o que explica por que só os humanos possuem a capacidade da fala. Everett afirma que os humanos conseguiram desenvolver o cérebro não apenas com uma alteração biológica, mas também com uma alteração cultural, visto que os humanos passaram a cozinhar os alimentos, fazendo com que necessitassem de menos tempo para a digestão, podendo dedicar est e tempo e energia a outras tarefas. Além disso, o tamanho da comunidade à qual um indivíduo pertence afeta o tamanho do cérebro deste indivíduo. Everett (2017, p.131) cita Robin Dunbar e afirma que quanto mais o grupo cresce, mais o córtex humano se desenvolve. Isto ocorre porque os cérebros estão conectados, fazendo com que a cultura “aumente” nosso cérebro. Os cérebros estão não somente conectados com nossos corpos evolutiva e fisiologicamente, mas também conectados com outros cérebros por meio da cultura. Conforme Everett, est e é mais um indício de que a linguagem não pode ser uma característica inata dos indivíduos, mas uma ferramenta desenvolvida e aprendida culturalmente:

Because culture can change the form of the brain, and since there is no knowledge of any cognitive function that is innate to a specific location in all brains, the difficulty of using arguments from cerebral organisation or anatomy for the idea that language is innate is clear. And it is equally implausible to claim that specific regions of the brain are genetically specialised for specific tasks. The brain uses and reuses its various areas in order to accomplish all of the challenges that modern humans confront. Evolution has prepared humans to think more freely than any other creature by giving them a brain capable of learning culturally rather than one that relies on cognitive instincts. From one vantage point, localisation in the brain is trivial. Everything we know is somewhere in our brain. Therefore, finding that this or that kind of knowledge is located in a specific part of the brain is not evidence for innate knowledge (Everett, 2017, p.141).

Esta capacidade de aprendizado presente no cérebro humano nos possibilitou pensar de maneira flexível, preparando-nos para qualquer situação, em contraste com as reações instintivas dos outros animais. Isto tornou os humanos mais aptos à sobrevivência que qualquer outro animal. Esta explicação para o aparecimento da linguagem parece ser, para Everett, mais plausível de ser favorecida pela seleção natural. Os animais que possuíam est a habilidade passaram por um genuíno efeito Baldwin, pois tinham maior capacidade de planejamento e pensamento complexo, facilitando a sobrevivência da espécie e possibilitando o desenvolvimento, no decorrer de anos, de uma linguagem complexa. Uma alteração genética, como um gene para a linguagem, poderia ser tratada pela seleção natural simplesmente como uma mutação neutra, podendo ser alterada ou eliminada por meio do efeito Baldwin, de uma deriva genética ou de um gargalo populacional. Em vez de ser eliminada, a linguagem foi se tornando mais complexa ao longo dos anos, mas sua forma e complexidade podem variar, de acordo com o período ou local em que dada comunidade vive.

Linguagem: holística e multimodal

Para Chomsky, a linguagem necessita de recursividade gramatical. Em seus estudos com a comunidade Pirahã, contudo, Everett observou que a língua Pirahã não utiliza o recurso da recursividade nem uma estrutura gramatical complexa, apesar de suprir todas as necessidades daquela tribo. Por causa disso, ele afirma que a linguagem é uma combinação de vários fatores e a gramática dá forma e estrutura um conjunto de informações, auxiliando para que uma mensagem seja passada, mas não é, por si só, linguagem. Também não é possível estabelecer em qual etapa da evolução linguística a gramática aparece, mas é certo que, antes dela, devem vir os símbolos. Isto porque, para a linguagem humana, o significado deve vir em primeiro lugar e depois a forma. Segundo ele,

[…] all languages come about gradually. Language did not begin with gestures, nor with singing, nor with imitations of animal sounds. Languages began via culturally invented symbols. Humans ordered these initial symbols and formed larger symbols from them. At the same time symbols were accompanied by gestures and pitch modulation of the voice: intonation. Gestures and intonation function together and separately to draw attention to, to render more salient perceptually, some of the symbols in an utterance – the most news-worthy for the hearer. This system of symbols, ordering, gestures and intonation emerged synergistically, each component adding something that led to something more intricate, more effective (Everett, 2017, p.XVII).

Símbolos são, portanto, o ponto central para a compreensão da evolução da linguagem humana. Eles moveram os humanos até as linguagens complexas que utilizamos hoje. A passagem de um ícone a um símbolo, entretanto, é uma passagem “não natural” para Everett:

This step requires human invention. Evolution did not create symbols or grammars. Human creativity and intelligence did. And that is why the story of how language began must also be about invention rather than about evolution alone. Evolution made our brains. And humans took over from there (Everett, 2017, p.18).

Everett destaca que a linguagem é uma convergência de diferentes aspectos: invenção humana, história, evolução física e cognitiva. Por isso deve ser compreendida levando em consideração não somente os aspectos biológicos e fisiológicos, mas também os aspectos culturais e ambientais envolvidos. Ele também afirma que a linguagem é holística e multimodal. Isto significa que

Whatever a language’s grammar is like, language engages the whole person – intellect, emotions, hands, mouth, tongue, brain. And language likewise requires access to cultural information and unspoken knowledge, as we produce sounds, gestures, pitch patterns, facial expression, body movements and postures all together as different aspects of language (Everett, 2017, p.230).

Uma comunicação humana real deve est ar sempre composta por gestos e fala, já que eles formam um sistema integrado. Os gestos facilitam a compreensão da mensagem a ser passada, visto que a fala, por si só, nunca consegue expressar completamente todos os aspectos necessários em um enunciado. O falante sempre precisa se valer de gestos, entonação, expressão facial e de uma série de conhecimentos prévios, bem como pressupor conhecimentos prévios do seu interlocutor. “But something is always left out. The language never expresses everything. The culture fills in the details” (Everett, 2017, p.201).

Língua: serva da cultura

A comunicação é comum a todos os animais. O diferencial da comunicação humana se dá pela qualidade com que ela ocorre, ou seja, por meio da linguagem. É ela que distancia tanto os humanos e os outros animais. E ela só é possível devido à cultura. Para Everett, “Language is the handmaiden of culture” (Everett, 2017, p.XVII).

A cultura também contribuiu para nos libertar da nossa condição puramente biológica. Sociedades que se reconhecem por meio de regras e acordos culturais têm mais chances de perseverar e transmitir seus genes, visto que os indivíduos pertencentes a ela são amparados pelo grupo e não se veem mais pressionados pelas ameaças físicas evolutivas. Um indivíduo mais fraco, que sozinho não teria muitas chances de sobreviver, em uma comunidade que supre suas necessidades biológicas pode prosperar e procriar, transmitindo seus genes a descendentes viáveis. Everett afirma que a seleção natural foi favorável aos humanos, ampliando suas opções cognitivas. Esta liberdade cognitiva nos auxilia no desenvolvimento de habilidades cognitivas e no uso da linguagem. Em diversos momentos do livro, Everett retoma a ideia de que conceitos nunca são inatos, sempre aprendidos. E só podem ser aprendidos porque conceitos fazem parte da cultura, que é uma construção humana. Habilidades perceptivas, por outro lado, são inatas. Ver, ouvir, sentir e algumas emoções são exemplos de habilidades perceptivas inatas que nos auxiliam a apreender conceitos e a interagir com os demais indivíduos. Segundo ele, “Human bodies and brains are enhanced by culture just as culture itself is enhanced by our thinking and language” (Everett, 2017, p.125), o que leva a cultura a afetar não somente nossos comportamentos e inteligência, como também nossa aparência e fenótipo. Por isso,

[…] the most important question about our brains is not ‘What in the brain makes language possible?’ The right question is, ‘How brains, cultures and their interactions work together to produce language?’ The answer is that, over time, each has helped the other to improve. One cannot understand the evolution of language, therefore, without understanding the evolution of culture (Everett, 2017, p.126).

O uso de símbolos, gestos e gramática impulsionou a comunicação humana, mas também sua capacidade cognitiva, possibilitando pensar em conjunto, desenvolver habilidades coletivas e conhecimento sobre o mundo, bem como orientar-se para o futuro.

Todo o comportamento humano est á orientado culturalmente. Os diferentes papéis sociais ocupados pelos indivíduos e reconhecidos por outros são perpassados pela cultura, mesmo aqueles que se consideram universais. Nada do que é compreendido em uma conversação é completamente falado. Nem mesmo os artefatos podem ser compreendidos fora de determinada cultura. Todo o processo do desenvolvimento humano deve ser compreendido levando em consideração o papel da cultura neste processo. No momento da fala, os indivíduos utilizam gestos, entonação, expressão facial e vários outros mecanismos para passar uma informação, contando não somente com toda a sua experiência de vida e conhecimento prévio, mas também contando com que o seu interlocutor se utilize delas para compreender a mensagem. E a mensagem, via de regra, é compreendida prontamente. Isto porque todos dispomos de um conhecimento tácito, chamado por Everett de dark matter.

Dark matter é uma combinação entre cultura e psicologia individual, na qual o indivíduo se utiliza das informações culturais fornecidas para ele, para formar primeiro uma imagem ou percepção de si próprio e, a partir disso, interagir com o mundo. Everett retoma a ideia de dark matter no livro How language began, já que est e conceito é fundamental para compreender a forma como a cultura perpassa a linguagem e constituição dos sujeitos, mas uma definição mais adequada do termo pode ser encontrada no seu livro anterior, Dark matter of the mind:

Dark matter of the mind is any knowledge – how or any knowledge – that that is unspoken in normal circumstances, usually unarticulated even to ourselves. It may be, but is not necessarily, ineffable. It emerges from acting, “languaging,” and “culturing” as we learn conventions and knowledge organization, and adopt value properties and orderings. It is shared and it is personal. It comes via emicization, apperceptions, and memory, and thereby produces our sense of “self” (Everett, 2016, p.26, grifos do autor).

Toda a compreensão humana sobre o mundo é produto da sobreposição de ideias e valores, dark matter. Nossa percepção de nós mesmos, lembranças, posição sexual e nossas ações dentro da comunidade, mas também as leis, arquitetura e todos os objetos feitos e utilizados pelos seres humanos. Apesar de parecer algo estritamente humano, Everett afirma que outros animais, além dos humanos, também possuem o que ele chamou de dark matter. Fez uma comparação com a maneira como os cachorros se comunicam conosco, aprendendo truques, expondo emoções e se comunicando, mesmo sem poder verbalizar est as intenções. Para ele, est a é mais uma prova de que os erectus provavelmente também aprendiam a sua linguagem por meio da interação com outros membros do grupo, principalmente com as mães. Segundo ele,

The relevance of all the above to language evolution is that even Homo erectus, Homo neanderthalensis, Denisovans and Homo sapiens would have – in the gradual construction of relationships, roles and shared knowledge bases – interpreted what people said, from the very first syllable uttered or gesture made, based on their view of the person and their understanding of their context. They would have ‘filled in the blanks’ of speech just as sapiens do. This is all a part of language that many linguists call pragmatics – the cultural constraints on how language is used. And these constraints guide our interpretations of others. They help us, as they helped other Homo species, to resolve the underdeterminacy of speech (Everett, 2017, p.256, grifos do autor).

A linguagem sempre funcionou se valendo da interação com os demais membros do grupo e da sua compreensão mútua acerca dos conceitos. A linguagem só pode ser entendida em conjunto com a cultura e a psicologia, e sua evolução só pode ser explicada levando em consideração est es fatores. Para ele, apesar de muitos cientistas relacionarem o aparecimento da linguagem com a complexidade cerebral e social que o sapiens desenvolveu, é preciso pensar que a linguagem apresenta diferentes níveis de complexidade, que se desenvolve com a complexidade social, mas que continua sendo linguagem mesmo que seja considerada mais “rudimentar”, já que se vale dos mesmos artifícios utilizados por linguagens mais complexas.

Everett nos apresenta uma nova interpretação da evolução da linguagem humana, com alguns indícios que remetem o seu início a um distante ancestral humano. Sua teoria est á em consonância com os estudos atuais e com a compreensão evolutiva que temos acerca dos seres vivos. Por mais que sua explicação pareça mais adequada a uma visão evolutiva do ser humano, ainda faltam provas para validar suas afirmações. O salto de 60 mil gerações apresentado por Everett precisa ser comprovado, já que os indícios apresentados no livro são insuficientes para que possamos conceder também ao Homo erectus a capacidade ou, como sugere Everett, a invenção da linguagem.

Referências

EVERETT, Daniel L. 2016. Dark matter of the mind: the culturally articulated unconscious. Chicago, The University of Chicago Press.

Viviane Zarembski Braga – Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Unisinos – Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo, RS, Brasil. E-mail: [email protected]

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