Assessoria pedagógica na universidade: (con)formando o trabalho docente – BROILO (EA)

BROILO, Cecília Luiza. Assessoria pedagógica na universidade: (con)formando o trabalho docente. Araraquara, SP: Junqueira & Marin, 2015. 264 p. Resenha de: AZEVEDO, Maria Antonia Ramos de: CARRASCO, Ligia Bueno Zangali. Inovação na universidade e o papel da assessoria pedagógica. Em Aberto, Brasília, v. 32, n. 106, p. 185-190, set/dez. 2019.

O livro Assessoria pedagógica na universidade: (con)formando o trabalho docente, escrito por Cecília Luiza Broilo, trata da tese de doutorado da autora, que realizou sua pesquisa por meio da análise da atuação pedagógica das assessorias junto ao trabalho de docentes universitários em três países. A referida obra produziu uma poderosa reflexão acerca da formação pedagógica do docente universitário e da atuação do assessor pedagógico como coparticipante da dinâmica formativa nos espaços institucionais.

Com apresentação de Denise Leite (orientadora da tese) e prefácio de Isabel Alarcão (orientadora de Cecília em Portugal), o livro apresenta uma pergunta central: a ação de assessoria dentro das universidades qualifica e/ou (con)forma o trabalho docente? Denise Leite indica, em sua apresentação, que a pesquisa foi realizada na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), do Brasil, na Universidad de La República (Udelar), do Uruguai, e na Universidade de Aveiro (UA), de Portugal.

Explica, ainda, que a autora possui larga experiência na área, pois atuou profissionalmente como assessora pedagógica.

Já Isabel Alarcão, ex-vice-reitora da UA, traz um breve panorama das transformações na universidade que ocorreram por diversos fatores, entre eles a grande expansão que, em sua opinião, apesar de ser algo positivo, trouxe novas realidades, as quais exigem adaptação. Explica que, como as universidades são instituições por natureza conservadoras, acabam alimentando resistência às mudanças.

Ao explicitar o motivo da escolha do título da pesquisa, a professora Isabel destaca que o foco foi causar reflexão e questionamento sobre o entendimento acerca do ato de formar professores. Para a autora, essa reflexão é fundamental, pois manifesta a urgência de que as universidades criem espaços de ressignificação docente para atuação no ensino, na pesquisa e na extensão, bem como na gestão acadêmica.

Sob a perspectiva de análise do contexto universitário e da correlação com o âmbito pedagógico, é palpável a ideia de que a competência profissional na área de atuação do professor universitário é algo importante e de grande valor, mesmo que seja determinada institucionalmente a exigência de pós-graduação nos níveis de mestrado e doutorado.

É nessa direção que a ideia de profissão e profissionalização da docência toma força e acaba por ser, para a autora, o rumo da pesquisa que se dá no contexto do trabalho docente, pensando mais especificamente na formação pedagógica. Nesse sentido, as ações institucionais que vêm acontecendo, tanto no contexto brasileiro quanto no internacional, devem ter como pilar a busca da construção identitária dos professores que precisam constantemente ressignificar suas ações pedagógicas mediante um processo de desenvolvimento profissional, via assessorias.

Broilo (2015) menciona no texto que, em 1991, em um congresso na Espanha denominado Formación Pedagógica del Professorado Universitário y Calidad de la Educación, houve um grande debate acerca da formação pedagógica do docente universitário. Além de discutir as concepções de docência e de formação desse profissional, Dalceggio (1993 apud Broilo, 2015, p. 37) afirmou que identificou na Universidade de Montreal um importante trabalho de formação e aperfeiçoamento pedagógico do docente. Nessa experiência, as ações estavam atreladas à avaliação institucional como uma “consequência lógica da avaliação do ensino”. No entanto, conclui que as experiências demonstram que “as atividades de avaliação do ensino não serão verdadeiramente eficazes se não forem acompanhadas por medidas, especialmente de valorização do ensino e de aperfeiçoamento pedagógico dos professores” (Broilo, 2015, p. 37).

Em nosso País, com apoio em Masetto (1998), a autora afirma que “os cursos de Ensino Superior no Brasil vêm se caracterizando cada vez mais pela fragmentação do saber e das qualificações profissionais, concentrando-se na formação específica de seus profissionais” (Broilo, 2015, p. 38). Ressalta o fato de que ainda é problemática, no contexto brasileiro, a correlação entre a avaliação de ensino e o trabalho docente de qualidade, no ato educativo de saber ensinar.

Cecilia Broilo segue pontuando diversos estudos – Cunha e Leite (1996); Cunha (1997); Cunha (1998); Scheibe (1987); Bernstein (1990) –, que mostram que os conhecimentos e saberes pedagógicos são pouco valorizados pela docência universitária e que o currículo é visto de maneira enviesada, colocando a imensa inquietação no sentido de buscar uma tomada de consciência de que “ser professor universitário significa antes de tudo ser professor, e ser professor significa relacionarse e envolver-se de forma pedagógica com o ensino” (Broilo, 2015, p. 42).

Por outro lado, a autora alerta que, apesar de não ter delimitada a formação para a docência legítima, o professor universitário muitas vezes valoriza seu status profissional na área em que se formou (médico, engenheiro, bioquímico), desconsiderando a necessária aprendizagem que deve vivenciar para se tornar um docente qualificado. É pertinente que procuremos problematizar a reflexão sobre o papel dos assessores, que necessitam urgentemente buscar igualmente sua identidade como profissionais que devem possuir carga teórica e metodológica de peso nas diferentes áreas de conhecimento para conseguirem, de fato, auxiliar os professores na ressignificação de suas práticas.

A autora analisou os processos formativos das universidades pesquisadas a partir das avaliações externas pelas quais essas universidades passaram.

No Brasil, com o início dessas avaliações por meio do “Provão”, foi possível detectar a necessidade de melhorar os processos formativos junto aos professores.

Já em Portugal, os fatores que têm desencadeado uma maior preocupação com a formação do docente universitário, além da avaliação, são: o financiamento, o processo de acreditação dos cursos e as orientações da Declaração de Bolonha. Em todas as universidades pesquisadas, há o fato da expansão de vagas, o que muda o perfil dos estudantes nesses locais. Assim, é fundamental repensar os processos de ensino e de aprendizagem na universidade.

No Uruguai, na Universidad de La República, a autora teve a oportunidade de acompanhar a Comissão Setorial de Ensino, que desencadeava ações pedagógicas e acompanhava o trabalho docente e que muito contribuiu para melhorar a formação do professor.

Em Portugal, na Universidade de Aveiro, mesmo não havendo um setor específico de assessoria pedagógica, há o Departamento de Didática e Tecnologia Educativa e o de Ciências da Educação, os quais promovem programas e projetos para atender às necessidades formativas. Dessa forma, há investimento institucional para a organização de projetos pedagógicos.

A autora acredita que deva acontecer na universidade forte investimento no setor de assessoramento pedagógico, levando-se em consideração as especificidades dos diferentes campos de conhecimento e o envolvimento das propostas formativas com as capacidades humanas e técnico-profissionais específicas. Retoma a tentativa de Boaventura Souza Santos (1975) de repensar a universidade, onde ele destaca a importância da democratização pedagógica e administrativa para que a instituição realmente possibilite “a produção de conhecimento, a formação de profissionais e o desenvolvimento de novos pesquisadores” (Broilo, 2015, p. 53-54).

A obra retoma a questão da pedagogia universitária, lembrando que não há uma pedagogia, mas diversas pedagogias e que é por meio desse campo de conhecimento que se pode desenvolver um novo olhar para o processo de ensinar e de aprender. Assim, o estudo analisa a atuação das assessorias pedagógicas como meio de qualificar o ensinar e o aprender na universidade, pontuando que no Brasil há várias universidades que possuem setores pedagógicos para acompanhamento dos processos voltados ao ensino na instituição.

Explicando sua metodologia de pesquisa, a autora afirma que seu estudo foi desenvolvido sob a perspectiva qualitativa e que se baseou em Franco (1998) para elaborar as categorias de análise, elaboração essa efetuada a priori e a posteriori, de acordo com o referencial teórico e com sua experiência profissional na área pedagógica. Em seguida, incluiu outros elementos a partir das entrevistas e das leituras realizadas no decorrer da coleta de dados. Assim, as dimensões de análise foram definidas: a) professores universitários – quem são e o que fazem em seus espaços institucionais; b) saberes profissionais – pedagógicos, formação profissional, curricular e experiência; c) inovação pedagógica como prática de construção de conhecimento; d) atuação pedagógica.

A partir dessas dimensões, a autora levanta sete categorias que nos levam a uma reflexão importante:

1) Professores como intelectuais públicos e formativos – a reflexão sobre o docente como sujeito público, comprometido com os aspectos sociais e com os paradigmas emancipatórios, destaca-se nessa categoria. Nela também se expressa a necessidade de que as assessorias pedagógicas institucionais invistam fortemente no empoderamento de seus professores como docentes intelectuais historicamente situados.

2) Construção dos conhecimentos e dos saberes pedagógicos dos professores – essa perspectiva se direciona à constituição dos saberes e à construção do conhecimento dos docentes sobre a prática pedagógica. Entretanto, a autora salienta que essa construção se dará, de fato, quando os professores exercerem plenamente sua autonomia nas trajetórias profissionais. Para tal, é papel dos assessores pedagógicos subsidiarem os docentes com aportes teórico-conceituais e pedagógicos.

3) Inovação pedagógica na educação universitária – nesse caso, a inovação é compreendida como “um processo descontínuo de ruptura com os paradigmas tradicionais vigentes na educação, no ensino e na aprendizagem ou como uma transição paradigmática, em que ocorre uma reconfiguração de saberes e poderes” (Leite, 2002, p. 49 apud Broilo, 2015, p. 87). A inovação pedagógica deve estar fortemente vinculada à proposta formativa dos cursos nos quais os professores estão envolvidos, exigindo que sejam protagonistas ao pensar e ao executar tais propostas.

4) Interdisciplinaridade como possibilidade para inovação pedagógica – essa categoria traz reflexões sobre a interdisciplinaridade como um exercício epistemológico e uma alternativa de inovação educativa. A interdisciplinaridade deve ser compreendida nas diferentes áreas de conhecimento, assim como nas práticas docentes (metodologia interdisciplinar) ao serem desencadeadas.

5) Sala de aula como espaço de ruptura com o ensino tradicional – nessa categoria, há um olhar sobre as relações existentes dentro e fora desse espaço. Há pertinência nessa colocação, entendendo o espaço de aula como um território de intervenção do pensar e do fazer cidadão.

6) Autoinvestigação em uma abordagem reflexiva e construtiva – fundamentando-se em Schön (1992) e Zeichner (1993), traz a ideia do professor como um profissional prático-reflexivo que constrói seus conhecimentos e saberes docentes a partir da reflexão sobre a ação. Tem o intuito claro de ressignificação de suas práticas e de seus saberes.

7) Reconceituação da supervisão de atuação pedagógica na universidade – a concepção de supervisão deve ser entendida como um ato propulsor de ideias e ações docentes e não como um olhar punitivo ou fiscalizador por parte dos assessores. Não basta importar a ideia da supervisão contida no âmbito da educação básica para o ensino superior. É preciso reconhecer as especificidades da formação acadêmica e organizar os espaços institucionais de formação continuada, levando sempre em conta os desafios, dilemas e superações que emergem no exercício profissional de quem está frente a frente com os alunos, com a realidade, com o conhecimento e com o mundo do trabalho.

A autora traz, a partir das análises das entrevistas realizadas nas três universidades e contando com sua vasta experiência no campo da formação docente pedagógica, as seguintes considerações:

−− Muitas instituições têm realizado ações pedagógicas inovadoras, buscando novos caminhos de atuação no sentido de romper com o ensino tradicional e tornar a educação mais significativa. No entanto, ainda existe muita dificuldade de compreensão acerca da importância do trabalho pedagógico na universidade, seus espaços institucionais de formação continuada e principalmente sobre a concepção e atuação profissional que os assessores precisam assumir para que possam efetivamente contribuir com a qualificação do trabalho pedagógico.

−− É fundamental a existência de um setor pedagógico nas universidades que trabalhe na direção da formação docente, como apoio, parceria. Para que “haja inovação efetivamente como prática de construção de conhecimento, a fim de recuperar a prática centrada na aprendizagem […] rompendo com a repetição e a reprodução dos conhecimentos” (p. 238).

É possível concluir que as inovações pedagógicas podem ressignificar a ação do professor desde que existam mudanças paradigmáticas em relação à compreensão de conhecimento que impacta sua profissionalidade docente. Também as inovações podem impactar a forma como os professores se apropriam de suas experiências, sempre que suas intervenções teórico-metodológicas estiverem acompanhadas de reflexões e significâncias. Nesse caso, as assessorias pedagógicas representam um papel importante no trabalho conjunto e de respeito às singularidades e sincronicidades inerentes às diferentes áreas de conhecimento.

Referências

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ZEICHNER, K. A formação reflexiva de professores: ideias e práticas. Lisboa, Portugal: Educa Professores, 1993.

Maria Antonia Ramos de Azevedo – Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutora em Pedagogia Universitária na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), é vice-diretora do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro, onde é professora na área de Didática. É líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Pedagogia Universitária (Geppu/Unesp). E-mail: [email protected].

Ligia Bueno Zangali Carrasco – Mestra em Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro e doutoranda em Educação na mesma universidade, é diretora de escola na rede municipal de ensino de Rio Claro e membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Pedagogia Universitária (Geppu/Unesp). E-mail: [email protected].

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