Caminhos da Historiografia / Estudos Históricos / 1988

Por uma Revista de História

Enquanto as ciências sociais têm pretendido desnudar a previsão e a regularidade nos fatos sociais, a história vem recentemente refletindo sobre a indeterminação e O acaso na vida humana. A história quer nos falar da ação humana na construção de fatos, instituições e sociedades: do reino da liberdade. As ciências sociais têm usualmente pesquisado as determinações e os limites de ação, ou seja, o reino da necessidade. Sabemos que a liberdade e a necessidade se fazem presentes na vida do ser humano. O espaço da liberdade não é tão grande quanto possa supor uma história que não busque causalidades, – mas, ao mesmo tempo, a ação humana não é completamente limitada. As utopias tiveram, têm e terão lugar no universo do homem.

Apostamos em uma visão integrada desses dois saberes que lidam com o universo humano. A visão da história como uma espécie de laboratório das ciências sociais ou a proposta de análises que distinguem, não sem hierarquizar, uma dimensão sincrônica e diacrônica mantêm a separação formal entre os campos da história e das ciências sociais. Queremos agrupar compreensão histórica e explicação. Entendemos que história é an6lise e enquanto tal não restabelece as coisas “tais quais elas se passaram”. O encadeamento de eventos só ganha importância na medida em que temos conceitos nos informando sobre sua relevância. Isto é tão importante quanto nos lembrarmos da historicidade das teorias.

A historiografia no Brasil tem s6lida tradição de análise em dupla direção. Ou se afirma que nada muda neste país, ou se afirma cada momento como novo. Vivemos como se o novo não existisse ou como se o novo brotasse do zero. Mas em ambos os casos vivemos um profundo preconceito contra as origens, já que “o passado nos condena.” Nem a idolatria do passado, nem a negação total das origens nos ajudam a entender o presente e a construir um futuro. A amnésia é um castigo e um recurso de poder, pois esquecer significa ser obrigado a criar do nada. É também uma falsidade, pois, proibido de entrar pela porta da frente, o passado faz sua entrada pelos fundos. Recordação e esquecimento são igualmente importantes para a sociedade continuar a existir. A memória, composta do que se retém e do que se abandona, funda a identidade pessoal e coletiva, e é através dela que se pode comparar e avaliar as experiências particulares e sociais.

Dentro desta perspectiva, queremos ser um veículo onde se apresentem, se analisem e se debatam diferentes maneiras de compreender o Brasil. Entendemos que o momento presente nos coloca diante de perguntas cujas respostas podem e devem ser buscadas também em momentos passados. Uma história dos eventos, das culturas, das políticas nos ajuda a entender o Brasil em perspectiva.

Nossa proposta é a de reunir em uma revista todos os profissionais interessados em participar da análise do Brasil sob uma perspectiva histórica. Não queremos fazer uma revista de historiadores, ou de sociólogos, ou de cientistas políticos. Queremos sim que ela seja um órgão de divulgação de uma perspectiva multidisciplinar voltada para a história do Brasil. Queremos enfim ser o instrumento da divulgação de um saber que considera irrelevante o traçado de certas fronteiras acadêmicas e entende o conhecimento da história de um país não como um objetivo exclusivamente erudito e sim como uma preocupação fundamental para a vivência cotidiana de seus cidadãos.

Os editores.

Os editores. Apresentação. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.1, n.1, jan. / jun. 1988. Acessar publicação original [DR]

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