Memória, patrimônio e democracia / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2018

O Número 32 da Fronteiras: Revista Catarinense de História apresenta o Dossiê Memória, Patrimônio e Democracia, traz textos que se articulam ao conjunto de debates promovidos durante o XVII Encontro Estadual de História, realizado entre os dias 21 e 24 de agosto de 2018, na Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE), em Joinville, Santa Catarina.

Ao propor a combinação dos termos memória, patrimônio e democracia, o Dossiê visa oportunizar o compartilhamento de resultados de pesquisas interessadas em compreender as maneiras pelas quais bens culturais são (re)convertidos em patrimônios por meio do trabalho de agentes sociais de natureza diversa (individuais, coletivos, públicos, privados, entre outros).

À sua maneira, os textos que integram este Número evidenciam que os entrecruzamentos entre patrimônio, memória e democracia precisam ser pensados para além da mera contemplação de ícones considerados valiosos e relevantes para um determinado grupo ou para uma sociedade como um todo. Antes disso, é preciso ter em mente que o patrimônio se inscreve em um campo de lutas e reivindicações sociais mais ou menos democráticas, muitas das quais se utilizam do patrimônio para reforçar ou contestar significados atribuídos a bens que, presumidamente, constituem-se enquanto referências na complexa trama de políticas de memória na contemporaneidade. Em outras palavras, os autores desta edição, a partir de diferentes enfoques e abordagens teórico-metodológicas, problematizam complexidades políticas e culturais que atravessam processos contemporâneos de fabricação, ativação, uso e difusão de patrimônios culturais.

O Dossiê constitui-se de oito artigos, uma tradução e uma resenha. O artigo intitulado A memória fardada: a criação do Museu Histórico Nacional e as relíquias do Contestado, de autoria de Rogério Rosa Rodrigues, investiga o processo de coleta de vestígios materiais por parte de oficiais militares que atuaram na repressão ao movimento do Contestado, vestígios que foram incorporados ao acervo da reserva técnica do Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. No desenvolvimento de suas análises, o autor procura debater a valorização da história militar do Brasil em um período em que tensas disputas foram travadas em torno da reconstrução de uma suposta memória nacional (primeiras décadas do século XX).

No escrito Fortalezas abandonadas, saqueadas, redescobertas, restauradas, patrimonializadas: da democratização à pluralização do patrimônio, Pedro Mülbersted Pereira e Elison Antonio Paim analisam como agentes envolvidos com a gestão das Fortalezas de Anhatomirim, Ratones e Ponta Grossa, situadas em Florianópolis / SC, historicamente envidaram esforços no sentido de elaborar e disseminar uma narrativa palatável acerca do passado dessas edificações. Apoiados em um conjunto diversificado de fontes (bibliografias, entrevistas, reportagens digitais e documentos oficiais), os autores problematizam retóricas patrimoniais que seguem dando força para um “discurso sobre a ruína”, negligenciando, em suas formas de expressão, narrativas de memória que não se afinam à versão glamourizada que certos órgãos encarregados da gestão das Fortalezas procuram manter e propalar.

No escrito Patrimônios difíceis, demanda social e reparação nos Asilos Colônias em São Paulo, Gabriela Lopes Batista aciona a noção de “patrimônios difíceis” para refletir sobre as representações relacionadas ao tombamento de espaços que, no transcurso do século XX, funcionaram como instâncias de isolamento compulsório de pessoas acometidas pela hanseníase.

O artigo Tombamentos, processos, disputas e tensões nas histórias do patrimônio cultural de Joinville – outras questões para o debate público, de Cristiano Viana Abrantes, Dietlinde Clara Rothert e Giane Maria de Souza, constitui-se como um estudo sobre estratégias político-institucionais ligadas à gestão do patrimônio cultural em uma cidade de médio porte (Joinville). No desenvolvimento do texto, os autores procuram refletir sobre tensões que se fazem presente no campo patrimonial do município de Joinville, atentando para o papel exercido por agentes e agências da administração pública encarregados de assessorar, monitorar e acompanhar o cumprimento de requisitos legais que são diretamente relacionados com a patrimonialização ou não de determinado bem cultural.

No artigo intitulado Diálogos arriscados: do direito de participação cidadã na patrimonialização ao direito cidadão de aparecer no patrimônio cultural, o historiador Diego Finder Machado reflete sobre relações tensas e conflituosas que se desdobram de perspectivas divergentes acerca do lugar, da função e dos modos de interação com o patrimônio nas sociedades do presente. A partir da análise de processos de patrimonialização que perpassaram a história de Joinville, o autor discute como cidadãos comuns, de maneira mais ou menos declarada, apropriaram-se do patrimônio cultural para reivindicar espaços de aparecimento na vida pública das cidades contemporâneas.

Em A UNESCO, o patrimônio e o turismo cultural: uma abordagem inicial (1960- 1980), Valéria Fernanda Serpa Steinke, Fernando Cesar Sossai e Ilanil Coelho apresentam um histórico da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), bem como examinam algumas das discussões sobre patrimônio que atravessaram o processo de elaboração da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural (UNESCO, 1972). Em seguida, os autores refletem a respeito de como essa Organização, durante a década de 1970, atuou de maneira a aproximar entre si os termos patrimônio e turismo cultural.

No artigo Desenvolvimentismo, industrialização e ensino superior em Chapecó: bases para a criação de um movimento estudantil, Vinicius de Almeida Peres e Monica Hass problematizam os interesses envolvidos com a oferta do Ensino Superior em Chapecó, bem como discutem como se deu a constituição de um movimento estudantil junto ao Centro de Ensino Superior da Fundação Universitária do Desenvolvimento do Oeste de Santa Catarina. Vale a pena destacar que os autores fazem uso de fontes que integram o acervo do Fundo Documental do Diretório Central dos Estudantes, um acervo custodiado pela equipe técnica do Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina (CEOM / UnoChapecó).

Em Campos entre taipas e aramados: novos olhares sobre a paisagem serrana catarinense, a autora, Cristiane Fortkamp Schuch, busca elaborar uma escrita histórica a respeito de experiências culturais e modos de vida que impactaram a paisagem dos campos de altitude do planalto catarinense. Em seu texto, a autora dispensa atenção à análise da paisagem histórica da região, procurando diferenciar e ampliar o conceito de paisagem para além de sua vertente imagética.

Na seção Resenha, Adriano Denovac explicita algumas das discussões presentes no livro O que pode a biografia, obra organizada pelos historiadores Alexandre de Sá Avelar e Benito Bisso Schimidt. Trata-se de uma obra interessante para o campo da História, uma vez que aprofunda o debate sobre os possíveis lugares da biografia no campo da História, em especial nos domínios da História Pública.

Esta edição da Fronteiras conta ainda com a tradução do texto intitulado A fabricação do patrimônio, de autoria de Nathalie Heinich, socióloga e diretora de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, Paris). Elaborada pelos historiadores Diego Finder Machado e Fernando Cesar Sossai, a tradução é uma contribuição importante para os estudiosos que atuam no campo do patrimônio cultural no Brasil, uma vez que Heinich desenvolve em seu escrito questões bastante espinhosas: como um determinado objeto adentra o conjunto do patrimônio cultural nacional? Sob quais critérios? Sob quais dinâmicas de atribuição de valores? A tradução também é uma oportunidade de conhecer as proposições de Nathalie Heinich para o desenvolvimento de pesquisas mais pragmáticas a respeito do patrimônio cultural.

Esperamos que este Número da Revista Fronteiras seja uma contribuição relevante para os que, assim como nós, procuram investigar as complexidades contemporâneas que emergem dos entrecruzamentos entre Memória, Patrimônio e Democracia.

Boa leitura a todas e a todos!

Fernando Cesar Sossai

Ilanil Coelho

Samira Peruchi Moretto

Organizadores do Dossiê Memória, Patrimônio e Democracia


SOSSAI, Fernando Cesar; COELHO, Ilanil; MORETTO, Samira Peruchi. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.32, 2018. Acessar publicação original [DR]

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