Usos do passado, ética e negacionismos/Fronteiras – Revista Catarinense de História/2023

Introdução

A questão dos usos públicos e políticos do passado, a dimensão ética do discurso histórico e a proliferação dos negacionismos históricos são temas que vêm ocupando cada vez mais espaço na agenda de investigação no campo historiográfico contemporâneo. A maior atenção dada a essas temáticas é motivada por fatores diversos e interligados. A digitalização da vida social, que favorece a apropriação episódica de elementos do passado (em detrimento de abordagens mais processuais que caracterizam a historiografia disciplinar), somada ao acirramento das guerras culturais (ROCHA, 2021) que são alimentadas, em larga medida, pela disseminação de narrativas históricas que contestam consensos estabelecidos em nome da defesa de posições político-ideológicas, tem produzido efeitos cada vez mais sensíveis na vida social e política no Brasil e em outros países do globo. Leia Mais

A História Global e as fronteiras na Antiguidade | Fronteiras – Revista Catarinense de História | 2022

Detalhe da Estela de um mercenario em Patiris 2134–2040 a.C. Imagem Wikipedia
Detalhe da Estela de um mercenário em Pátiris (2134–2040 a.C.) | Imagem: Wikipédia

Entre as grandes rupturas culturais do final do século XX, a crise do eurocentrismo – entendido como a cosmovisão que situa a modernidade ocidental como modelo e destino da história universal – foi a que teve mais efeitos no campo historiográfico global. As diferentes áreas do campo reagiram de modos particulares: enquanto a História Econômica e comparada reviu a centralidade da Europa na história mundial (revisão exemplificada na corrente intelectual do ReOrient), a História Social buscou ressaltar a imbricação entre estruturas e agência dos grupos subalternos tanto nas sociedades, quanto nas memórias ocidentais. A História Cultural, por sua vez, ressaltou as tensões implicadas na construção de identidades e representações sociais tais como “civilizado” ou “colonial” (como nas abordagens pós- e decolonial), e a História Ambiental reelaborou as relações entre sociedade e ambiente para além do discurso da “conquista da natureza” ou do “lamento da degradação”.

Neste contexto, novas áreas emergiram, como a História Global, cuja missão de criticar o eurocentrismo e o internalismo metodológico orienta os mais diversos estudos, das macro comparações ao estudo das “micro globalizações”, das redes aos sistemas-mundo, dos impérios em contato aos viajantes, dos processos transnacionais aos fenômenos ambientais globais. Central no projeto da História Global é a crítica das fronteiras projetadas pelas sociedades contemporâneas sobre o passado, sob o efeito dos estados nacionais e suas comunidades imaginadas, o que desvinculou as sociedades de seus contextos concretos. A História Antiga dialogou com estas perspectivas, resultando na promoção de três abordagens significativas: a história dos grupos subalternos antigos, a história da recepção e usos da Antiguidade no mundo contemporâneo, e a história das conexões e contatos entre as várias sociedades antigas em seus contextos mais amplos. Nestas três abordagens, o problema das fronteiras é central e se desdobra em múltiplos aspectos, fronteiras sociais e espaciais, internas e externas, trazendo a necessidade de se revisitar conceitos e metodologias que tomavam este termo como dado. Assim, é preciso refletir como definir as fronteiras entre grupos sociais, como dominantes e subalternos, por exemplo, ou entre segmentos de grupos subalternos. De que maneira Antiguidade foi utilizada em contextos de fronteira no Ocidente, como a América Latina contemporânea? Em relação à História Global, fronteiras como “mundo romano”, “Egito”, “mundo grego”, “África”, estão além da projeção dos estados nacionais sobre o passado antigo, mas de que maneira podemos entender esses limites tendo em vista uma visão êmica de fronteira? Quais eram os contextos nos quais as sociedades se interagiam? Qual era a relação entre fronteiras internas e externas às sociedades? A integração a contextos maiores potencialmente eliminava as fronteiras? O objetivo deste dossiê é refletir sobre os problemas associados aos conceitos de fronteira na Antiguidade. Leia Mais

História Ambiental, Migrações e Globalidades | Fronteiras – Revista catarinense de História | 2022

Há séculos as sociedades estão vivenciando problemas socioambientais, como doenças, epidemias, pandemias, mudanças climáticas, enchentes, tornados, entre outros – que foram catalisados por atos de degradação e não preservação/conservação dos recursos naturais. Tais problemas ocorreram e ocorrem de forma inter-relacionada e em escala global. Como exemplo, podemos citar o mês de janeiro de 2022 – em meio à pandemia de covid-19, durante o aumento considerável no número de casos em todo o mundo por conta da dispersão da variante ômicron – o Brasil foi acometido por enchentes, queimadas e deslizamentos. E também foi assim, perante o cenário do caos e de eminentes crises ambientais, que foi fomentada a necessidade de trazer o meio ambiente para as discussões da disciplina de História. Na década de 1970, surge a História Ambiental, que trouxe uma premissa revisionista tornando a disciplina da História muito mais inclusiva nas suas narrativas do que ela tinha tradicionalmente se apresentado.

O estudo do meio natural pelo viés da História Ambiental Global tem sua relevância redimensionada por questões transversais como: as fronteiras e seus espaços de conflitos; a biodiversidade; o patrimônio que resulta das múltiplas relações entre natureza e cultura; entre outros. Também é importante relacionar estas questões com os estudos sobre os movimentos migratórios humanos e da flora e fauna, os estudos dos aspectos históricos, demográficos e ambientais – presentes na formação dos territórios. Desta forma, através de estudos e discussões que tangenciam os aspectos aqui apresentados, os textos que compõem o Dossiê História Ambiental, Migrações e Globalidades legitimam a necessidade de discutirmos o meio ambiente dentro da História e em escala global. Leia Mais

Infâncias, Direitos e Vulnerabilidades | Fronteiras – Revista catarinense de História | 2021

Sobre os Direitos Humanos ou ainda sobre João, Bilú e tantas outras crianças…

Nas Ciências Humanas, quando levantamos a bandeira dos Direitos Humanos, em diversas oportunidades, no tempo presente, estamos convencidos e convencidas de que nossos pares, que são também em parte nossos interlocutores, compreendem perfeitamente do que estamos falando. Direitos Humanos são direitos inerentes à vida humana, gestados a partir da noção de inviolabilidade de um corpo que é único, provido de uma dignidade que não pode ser alijada do ser a qual pertence, de um sentimento de empatia de um ser, a outro, que é o seu igual. Estes sentimentos que nos unem como gênero humano, e que foram construídos, nunca é demais dizer, trouxeram junto ao ideal de igualdade o seu oposto, que não é, paradoxalmente, a sua negação: a noção de diferente, cuja promoção à igualdade consiste num dos pilares daqueles Direitos Humanos em que acreditamos. A História dirá se essa noção, tão cara a nós, corresponderá a uma conquista permanente.

Ao narrar a história dos Direitos Humanos, a história de como foram “inventados” ao longo dos 150 anos que separam a Declaração de Direitos dos Estados Unidos da América (1776), e a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1948), Lynn Hunt1 assim definiu sua trajetória: uma cascata. De uma concepção limitada de cidadão, gestada no curso do Iluminismo francês, o que era do âmbito dos Direitos Humanos não deixou de ampliar-se: aos homens não católicos, aos não proprietários, aos não livres. Depois, abrangeu os (ainda) não capazes, como as crianças e os jovens, e finalmente, os não homens, as mulheres. Como se sabe, as demandas de grupos sociais por sua incorporação à lógica dos Direitos Humanos (do direito à diferença entre iguais) não cessou com a inclusão das crianças, dos jovens e das mulheres na perspectiva da cidadania. Continua, por exemplo, nas reivindicações das populações negras periféricas, ou naquelas oriundas do público LGBTQIA+, cujos direitos são sistemática e cotidianamente violados. Leia Mais

Ensino de História em tempos de pandemia | Fronteiras – Revista catarinense de História | 2021

Em junho de 2021 enquanto trabalhávamos no referido dossiê, o Brasil ultrapassou a devastadora marca de 540 mil pessoas mortas em decorrência da Covid 19. Um cenário desolador, marcado por ações de uma necropolítica, que causaram sentimentos de muita dor e revolta. A soma dessas mortes evidencia um contexto assustador iniciado em março de 2020, quando os primeiros casos de contaminação pelo novo coronavírus começaram a ser contabilizados no país. De lá pra cá temos somados perdas e indignação, seja pelo negacionismo que pautou a política do governo federal em relação às medidas protetivas ou pela demora na compra das vacinas.

Entre as muitas ausências que temos enfrentado é preciso relacionar aquelas relativas à educação. Esse novo contexto causou mudanças profundas no complexo cenário educacional, trazendo claramente prejuízos, principalmente no que tange a prática docente e a vida do estudante, sejam pelas abruptas condições nas quais a grande parcela de professores e professoras foram lançados, com aulas no formato remoto, com horários síncronas e assíncronas, precisando se adequar a plataformas digitais, alterando as rotinas e experiências docentes e discentes, acarretando adversidades na aprendizagem.

Diante do novo panorama a partir da conjuntura pandêmica, diversas áreas das ciências humanas buscam interpretar o momento vivido pela sociedade através de produções acadêmicas, em especial a História. Nesse sentido, historicizar essa experiência, como o que pretendemos neste dossiê, é registrar os momentos vividos, ouvir os sujeitos que dela participam, sendo um compromisso social e importante. Assim, temos aqui na Fronteiras: Revista Catarinense de História, um espaço que se articula a função social da História e dos historiadores e historiadoras.

O presente número da Revista Fronteiras é composto por 12 artigos, 1 entrevista, 2 resenhas, 1 relato e 1 texto complementar. O dossiê número 37, intitulado Ensino de História em tempos de pandemia é composto por 7 artigos, uma entrevista e um texto complementar. A seguir trazemos algumas reflexões empreendidas por alguns historiadores e historiadoras desse denominado novo “normal”, que foge de qualquer referência à normalidade pré-pandemia vivenciada por gerações, que a partir das suas vivências diárias, em sociedade, diante dos novos formatos das salas de aulas explicitam desejos, visibilizam preconceitos existentes, reforçam a importância dos direitos conquistados, marcam as suas impressões a partir do seu lugar de fala: O ser professor(e) (a).

O artigo que abre o dossiê é assinado por Flávia Eloisa Caimi, Letícia Mistura, Pedro Alcides Trindade de Mello e tem como título uma questão fundamental: Aprendizagem histórica em contexto de pandemia: o que pode ser e conter uma aula de História? A discussão parte do contexto de suspensão das atividades presenciais em instituições educativas e consequente instalação do ensino remoto para problematizar os impactos no processo de construção e realização da aula de História.

E eu, professor?! O ensino remoto de história e o cenário de inclusão deficitária em áreas rurais e periféricas do Estado do Pará é assinado por Catarina da Silva Moreira. O artigo traz os resultados de uma pesquisa qualitativa desenvolvida na Escola Estadual de Ensino Médio Dr. Pádua Costa, em Santa Bárbara do Pará e onde se buscava dados para a percepção da experiência de ensino de História no referido contexto.

Derick Douglas Domiciano, Ilisabet Pradi Krames, Sabrina Silva Campos, Marcel Oliveira de Souza trazem a questão do negacionismo e do revisionismo no texto O ensino de História diante dos discursos negacionistas e revisionistas no contexto da pandemia: desafios e possibilidades. O texto traz reflexões sobre as implicações que os discursos negacionistas e revisionistas trazem para o processo de ensino de História. Os autores abordam a polarização presente nos discursos negacionistas e revisionistas considerando que os mesmos têm grande impacto na formação de jovens estudantes. E defendem que o ensino de História seja espaço para construção de mais sensibilidade e alteridade, sentimentos esses necessários para a sedimentação de uma sociedade mais humanizada.

O sujeito histórico negro para além do epistemicídio é de autoria de Luiz Gustavo Mendel Souza e apresenta os resultados de uma pesquisa que buscou investigar livros didáticos da rede municipal de Campos dos Goytacazes/RJ e sua abordagem sobre a Lei nº 10.639/03. Pautando nos pressupostos da literatura decolonial o autor faz uma pergunta chave: a História da África e da cultura afro-brasileira seria retratada apenas pela ótica da escravidão nas páginas dos livros didáticos?

A ausência do ‘olho no olho’, do abraço espontâneo e das brincadeiras: Desafios dos professores de História em tempos de pandemia no Espírito Santo é o artigo assinado por Esdra Erlacher, Bruna Mozini Subtil, Brunna Terra Marcelino, Miriã Lúcia Luiz. Neste artigo são analisados os dados de uma pesquisa que buscou a experiência de 33 professores atuando em ensino remoto durante a pandemia de Covid-19. Os dados da pesquisa levam a discussão sobre temas como a precarização do trabalho docente e o adoecimento dos profissionais.

Ainda partindo da experiência escolar, Silvia Vitorassi apresenta o texto Experiência pandêmica em um ano histórico. A autora apresenta um relato onde tem espaço para seus questionamentos e angústias frente ao trabalho remoto desenvolvido a partir do momento de estabelecimento das medidas de isolamento por conta da pandemia. A narrativa aborda questões relevantes tais como: a romantização do papel docente, os abusos cometidos pelo governo ao não estruturar um planejamento mínimo para as condições de trabalho frente à pandemia e os limites estabelecidos entre pessoa e profissional.

O texto de Odair Souza e Patrícia de Freitas Ensino de História e temas sensíveis em tempos de pandemia traz questões resultantes de uma pesquisa realizada com estudantes da educação básica e ensino médio da Escola de Educação Básica Prof.ª Maria do Carmo de Souza localizada em Palhoça/SC. A pesquisa em questão buscou conhecer a situação desses estudantes frente ao ensino de História em situação de aulas remotas. E além disso priorizou também conhecer os limites do processo de aprendizagem frente aos chamados temas sensíveis.

Na Entrevista com o professor Fernando de Araujo Penna observamos de uma forma ampla o pensar do professor sobre diversos temas presentes da contemporaneidade, principalmente os articulados à profissão do Historiador e da Historiadora, reforçando ainda qual o papel dos professores na sala de aula. Destaca a partir das suas impressões sua trajetória na luta pelo ensino de história na educação básica e na formação de professores de História. Além disso, reflete sobre as funções sociais e éticas dos profissionais de História na sociedade. Recentemente Fernando Penna vem participando da comissão de compromissos éticos do exercício da docência no ensino história da ABEH. Concluindo, aborda os impactos da pandemia na formação inicial dos futuros professores de História.

Para encerrar os textos que compõem o dossiê temos um texto complementar, de autoria de nosso entrevistado: Fernando de Araujo Penna. O texto denominado “Escola Sem Partido” como ameaça à Educação Democrática: fabricando o ódio aos professores e destruindo o potencial educacional da escola, foi publicado anteriormente, em 2017, na obra “Golpes na História e na Escola: o Brasil e a América Latina nos séculos XX e XXI”1. O texto serve como uma contextualização da entrevista – que é inédita, por analisar a sua concepção de escolarização no Brasil. No texto, são apresentadas as representações de alunos e de professor, assim como as finalidades da escola, apresentadas nos discursos dos líderes e defensores da Escola Sem Partido. Mostrando como tais lideranças são desprendidas do contexto escolar e trazem discursos modulados pelo ódio ao professor.

Na atual edição contamos também com 5 artigos, 1 relato e 2 resenhas. Escrita da História e sexualidade: Cassandra Rios, ausência e invisibilidade, por sua vez, é a discussão proposta por Flávia Mantovani. A autora traz à cena a importância de uma escrita da História que aborda questões relativas à História das Mulheres. No caso, a discussão apresentada se volta para a produção literária de Cassandra Rios (1932-2002), conhecida como “a escritora mais proibida do Brasil”. A pesquisa desenvolvida pela autora permite perceber nos escritos da referida autora a possibilidade de uma escrita da História que dê visibilidade a outros sujeitos e suas sexualidades.

As narrativas da cinematografia soviética do período pós-guerra e início da Guerra Fria tornaram-se objeto de reflexão do artigo de Gelise Cristine Ponce Martins e Moisés Wagner Franciscon intitulado Os Estados Unidos e a Inglaterra vistos pelo cinema soviético do stalinismo tardio: a Guerra da Crimeia e os mares, no qual tanto o texto quanto as imagens permitem aos leitores olhares de como o investimento na guerra de narrativas a respeito das versões das histórias e de suas mensagens de união nacional soviética objetivou disseminar a circulação da narrativa do inimigo externo.

No texto de autoria de Wagner Cavalheiro, Roberta Barros Meira e Mariluci Neis Carelli, nomeado de A cristalização do açúcar e da ciência na segunda metade do século XIX: o engenho da fazenda Pirabeiraba e a racionalização da agricultura, realizaram uma operação historiográfica interdisciplinar com uso combinado teórico-metodológico da geografia e da história enfocando o humano habitante da paisagem para escreverem um artigo da história agrária. Os pesquisadores lançaram luz às mudanças do campo científico no século XIX para compreender alguns grupos joinvilenses em relação ao trabalho e à produção rural vinculada ao Engenho.

Cacique Orides: um retrato da resistência indígena no oeste de Santa Catarina escrito por Angelo José Franciosi de Souza, Jaisson Teixeira Lino, Fábio Araújo e Gustavo Andre Glienke Feyh denotou a força da resistência indígena em se apropriar dos dispositivos de poder da cultura política não indígena. Generoso artigo enfoca em que medida a atuação do cacique Kaingang Orides Belino Correia da Silva na posição de vice-prefeito e prefeito de Ipuaçu-SC implementou melhorias para a comunidade nativa da região.

Horizontes do ensino de história na América Latina escrito por Felipe Ziotti Narita realiza conexões teóricas com recortes temáticos levando em consideração outras demandas pelo conhecimento histórico. Artigo denso ao abordar três aspectos do ensino de história em escala decolonial da América latina, quais sejam, primeiro sobre a “produção das identidades latino-americanas”; o segundo “as relações entre ensino de história e as funções do conhecimento histórico”; por fim, a dimensão de digitalização do ensino de história com seus públicos. Problemáticas de como realizar o ensino não eurocêntrico em países latinos ao trazer o fontes e reflexões pertinentes do Chile, Argentina, Brasil, Venezuela, México e Colômbia. Vale a leitura.

O relato O Programa de Pós-Graduação em História da UFFS: algumas Memórias, de Antonio Marcos Myskiw, conta a trajetória do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em História da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus Chapecó/SC, que completou 5 anos de efetivo funcionamento neste mês. O texto vem para celebrar a data de fundação do PPGH/UFFS, narrando as lutas e o ensejo para sua aprovação enquanto curso reconhecido pela CAPES. O relato compartilha algumas experiências vivenciadas no PPGH/UFFS, assim como, faz conexões com o cenário da Pós-graduação no Brasil.

A resenha de Wellen Pereira Augusto atuando no campo jurídico ofereceu o título sugestivo desta, qual seja: A história do Brasil é brasileira? Duelo entre presente e passado, no qual destaca as múltiplas dimensões da obra reflexiva da antropóloga Lilian Moritz Schwarcz. O tema sobre o autoritarismo brasileiro não é novo no cenário historiográfico, todavia é uma obra necessária para leitores preocupados com os rumos do Brasil e dos brasileiros, sobretudo em situação de vulnerabilidade.

A resenha A Canção Latino-Americana em Questão, de Igor Lemos Moreira, analisa a obra Do folclore à Militância: A canção latino-americana no século XX, da historiadora Tânia da Costa Garcia. O autor mostra o texto resenhado é uma referência fundamental a todos/as historiadores/as que decidam se envolver não somente no campo da música latino-americana, mas apresenta uma possibilidade metodológica ímpar aos estudos da História da Canção em perspectiva comparada.

Assim, mesmo com as incertezas de tempos pandêmicos, esperamos levar para os leitores textos provocativos e densos, ou pelo menos, que possamos através deles, dividir nossas angústias e desafios. Desejamos uma boa leitura!

Nota

1 MACHADO, André Roberto de A.; TOLEDO, Maria Rita de Almeida (Orgs.). Golpes na História e na Escola: Brasil e a América Latina nos séculos XX e XXI. São Paulo: Cortez Editora: ANPUH SP, 2017.


Organizadores

Cintia Régia Rodrigues

Nucia Alexandra Silva De Oliveira

Yomara Feitosa Caetano de Oliveira Fagionato


Referências desta apresentação

RODRIGUES, Cintia Régia; DE OLIVEIRA, Nucia Alexandra Silva; FAGIONATO, Yomara Feitosa Caetano de Oliveira; MORETTO, Samira Peruchi. Apresentação. Fronteiras – Revista catarinense de História, n. 37, p. 3-8, jul./dez. 2021. Acessar publicação original [DR]

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Direitos humanos, sensibilidades e resistências / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2020

A história como ciência, desde há muito tempo, é alvo de disputas políticas e intelectuais que colocam em xeque um discurso amplamente difundido, que sustentava a existência de uma suposta imparcialidade no ofício do historiador e da historiadora. No entanto, ao se aproximar de diversas áreas que compõem as Ciências Humanas e Sociais, com intuito de pluralizar seus sujeitos e objetos, a história, e, portanto, a própria historiografia, viram-se envoltas em problemáticas que as questionavam como campo discursivo neutro, impelindo-as à produção de um tipo de conhecimento marcado pelas posições políticas e ideológicas, que por sua vez, possuem uma forte ancoragem em processos socioculturais do presente que transbordam em subjetividades.

Desta intersecção entre história, novos sujeitos, objetos multifacetados e pluralização dos discursos sobre o passado, a temática dos direitos humanos, surge como um campo que convoca historiadores e historiadoras a pensar a produção de sujeitos, os processos de violação e as diversas formas de existência, em seu atravessamento por questões da interculturalidade, identidades, igualdade, equidade, justiça social e representatividade, entre outras, que constroem as concepções atuais de dignidade humana e respeito a diversidade.

Este Dossiê, n. 36, intitulado Direitos humanos, sensibilidades e resistências, que se apresenta com caráter multi, trans e interdisciplinar, é constituído por dez artigos, uma entrevista, um texto composto por relatos e duas resenhas. Os trabalhos aqui apresentados, versaram sobre as relações da história com os direitos humanos, as sensibilidades e os processos de resistência.

O historiador Reinaldo Lindolfo Lohn no artigo intitulado A utopia dos direitos humanos na cidade: o direito à cidade, reformas urbanas e projeções sociais em Florianópolis (SC) – entre a ditadura e a democracia (1964-2004) discutiu os conflitos gerados pela imposição de reformas urbanas em Florianópolis (SC), ao longo da ditadura militar, com desdobramentos no período democrático. Tomando o acesso à cidade como uma das dimensões dos direitos humanos, o autor discute a constituição do espaço urbano como um elemento de disputa entre as camadas médias e os grupos populares urbanos.

Ernani Soares Rocha e Sueli Siqueira no artigo, Percepção dos jovens sobre o novo território 10 anos depois da desterritorialização: o caso de Itueta, abordaram, por meio de entrevistas, a percepção dos jovens do município Itueta que vivenciaram, entre os anos de 2000 e 2006, o processo de realocação de sua sede em função da instalação da Usina Hidrelétrica Eliezer Batista. Ao centrar suas análises em entrevistas, as autoras buscaram compreender os efeitos dessa Territorialização, Desterritorialização e Reterritorialização, nas trajetórias de vida de jovens e adolescentes que habitavam até então a sede do referido munícipio

O artigo A educação no município de Xaxim: dimensões históricas e políticas da universalização da educação básica (1910-2020), de Paulo Roberto Da Silva e Joviles Vitório Trevisol, analisou a trajetória da educação no município de Xaxim (SC) no período entre 1920 e 2020. Enfatiza que o direito à educação para todas as crianças em idade escolar do Ensino Fundamental tornou-se realidade apenas no final do século XX, demonstrando a existência das desigualdades regionais que estruturam o Brasil no campo das políticas públicas.

Natalia Ferreira, com o artigo Os desafios do tempo presente e a colonialidade da natureza: intersecções para pensar novas sociabilidades, intenciona discutir sobre a colonialidade a partir de seus aspectos, demonstrando as sobreposições das opressões da Matriz Colonial do Poder a partir da análise de linguagens e hábitos recorrentes que são naturalizados por nossa sociedade.

No artigo Ilha da Magia seletiva: religiões de matrizes africanas e a intolerância religiosa em Florianópolis, Hilton Fernando da Silva Pinheiro evidencia os desafios que as comunidades religiosas de matrizes africanas enfrentam, no que se refere aos direitos de fruição ao espaço público. As reflexões partiram da análise de um ato de intolerância religiosa ocorrido em setembro de 2019, na cidade de Florianópolis – SC, que visibilizou os conflitos existentes em torno de símbolos, monumentos, sujeitos e manifestações religiosas de matriz africana.

Com o artigo intitulado Dignidade humana: o desaparecimento do preto velho Jeronymo – Palmas / PR, meados do século XX, os historiadores Renilda Vicenzi e Carlos Eduardo Cardoso, por meio de um inquérito e de um processo crime, do início do século XX, na Comarca de Palmas / PR, buscam compreender as estruturas de racialização e exclusão social, conferidos a população negra, que marcaram de forma profunda a organização sociojurídica do Estado brasileiro.

Susana Cesco, no artigo O que, como e por que censurar: o trabalho de censura da Polícia Federal na década de 1970, analisou o trabalho de censores, autoridades policiais e a própria reestruturação e atuação da Polícia Federal nas décadas de 1960 e 1970 que passou a atuar como órgão responsável pela censura no país. A autora descreve os caminhos percorridos pela política de controle estatal, especialmente no que diz respeito às normas e critérios adotados para proibir e cercear a livre circulação de ideias.

A historiadora Marlene de Fáveri no artigo Violência política em tempo de guerra: a Exposição de Material Nazista: a Exposição de Material Nazista tratou da Exposição de Material Nazista organizada pelo Departamento de Ordem Política e Social de Santa Catarina nos anos de 1942 e 1943, quando o Brasil declarava guerra aos países do Eixo, durante a Segunda Guerra Mundial. Ao se debruçar sobre tal processo histórico, a autora visa analisar o papel da Polícia Política na repressão e perseguição de populações originárias da Itália e Alemanha, destacando a atuação de tal instituição na construção de discursos políticos que fomentavam o medo e a repulsa pelo outro entre a população catarinense.

O artigo Marcelino Chiarello: um defensor dos direitos humanos, de Cesar Capitanio e de José Carlos Radin, evidenciou a formação e a militância do vereador Marcelino Chiarello, de Chapecó-SC, sobretudo, o seu envolvimento na defesa dos direitos humanos, relacionandoa com uma formação sociopolítica alicerçada na vertente religiosa da Teologia da Libertação e da influência do Bispo Dom José Gomes. Os autores destacam sua atuação junto aos movimentos sociais e sindicatos, em um projeto que visava radicalizar o campo da política formal.

Com o artigo Rezar, lutar, lavrar: missionários, militares e indígenas na composição das fronteiras da Província do Amazonas (1851 – 1852), Paulo de Oliveira Nascimento abordou o projeto de construção das fronteiras da / na Província do Amazonas, num momento em que as autoridades imperiais (1851 – 1852) buscavam nortear a ação política e administrativa para modernizar a região. Através da expansão da fronteira, pretendiam implementar o projeto geopolítico de “civilização” dos indígenas e modernização da economia naqueles rincões do Império do Brasil, na tentativa de integrá-los a um projeto modernizador da sociedade brasileira

A atual edição de Fronteiras conta ainda com uma entrevista realizada por Kelly Caroline Noll da Silva que dialogou com a professora Solange Ramos Andrade sobre a temática da religião e da religiosidade católica no Brasil Contemporâneo.

Este número da revista traz uma proposta inovadora, com publicação de um texto composto a partir dos relatos das professoras Andréa Vicente, Adriana Fraga Vieira, Adriana Signori, Elandia S. Thiago e Karla Andrezza Vieira. Os textos foram agrupados e denominado Vozes docentes: lugar de escuta em tempos de pandemia. As professoras participaram da mesa redonda “Lugares de escuta: ensinar História em tempos de pandemia” que compunha a programação do XVIII Encontro de História da ANPUH / SC. Além dos tocantes relatos, o texto é introduzido pelo historiador Rogério Rosa Rodrigues, idealizador da mesa e diretor da ANPUH-SC (2018-2020). Os relatos voltam as luzes às professoras da rede básica de ensino e são traduzidos por Rogério Rosa como narrativas contundentes, sensíveis e engajadas.

Finalizando o número, duas obras compõem a seção resenha. A primeira, realizada por José Antônio Fernandes, analisa as discussões presentes no livro Peronismo: como explicar lo inexplicable, obra organizada por Santiago Farrell, que apresenta uma pluralidade de interpretações sobre o Peronismo, observando que tal temática é ainda bastante controversa e pouco homogênea. A segunda, de Kauê Pisetta Garcia, trata-se do livro intitulado Como será o passado? História, historiadores e a Comissão Nacional da Verdade, de Caroline Silveira Bauer. A obra se constitui a partir do resultado de uma pesquisa realizada pela autora sobre os usos políticos do passado através dos debates em torno da Comissão Nacional da Verdade.

Neste ano conturbado, em meio a uma pandemia – que nos marcou por muitas perdas, a Fronteiras: Revista Catarinense de História reúne textos sensíveis a diversas causas. São artigos, entrevista e relatos envoltos de sensibilidades e que narraram processos de resistências.

Desejamos uma boa leitura!

Ismael Gonçalves Alves (UNESC)

João Henrique Zanelatto (UNESC)

Michele Gonçalves Cardoso (UNESC)

Organizadores do Dossiê Direitos Humanos, Sensibilidades e Resistências

Samira Peruchi Moretto (UFFS)

Editora da Fronteiras: Revista Catarinense de História


ALVES, Ismael Gonçalves; Cardoso, Michele Gonçalves; MORETTO, Samira Peruchi; ZANELATTO, João Henrique. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.36, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Fronteiras, Migrações e Identidades nos mundos pré-modernos / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2020

A Ciência da História está interessada em compreender como as sociedades, nas mais distintas temporalidades, produziram para si e para os outros, diferentes formas de orientação e sentido no tempo, tanto para ações individuais quanto para as coletivas. Trabalhando com os indícios documentais e diversas historiografias disponíveis, o historiador consegue propor análises e reflexões que objetivam compreender, entre tantas possibilidades, os mecanismos de identificação, regulamentação social, processos conflituosos ou diplomáticos entre diferentes grupos sociais ou sociedades distintas. Em tempos de interações e conexões entre o local e o global, as ciências humanas tem se dedicado cada vez mais aos estudos das fronteiras, processos migratórios e identidades, de modo a discutir como estes fenômenos relacionam-se com a produção de orientação e sentido no tempo.

O dossiê Fronteiras, Migrações e Identidades nos mundos pré-modernos, proposto pelos professores Dominique Vieira Coelho dos Santos (FURB / Blumenau) e Renato Viana Boy (UFFS / Chapecó), abre espaço para questões dessa natureza, contemplando reflexões interdisciplinares que debatam as complexas relações entre fronteiras, migrações e identidades nos mundos pré-modernos. Reunimos aqui um grupo de seis artigos de pesquisadores e pesquisadoras que se dedicam ao estudo de temáticas situadas cronologicamente antes do período que chamamos de Modernidade, além de uma entrevista com o professor de História da África da Universidade Federal do Paraná, Otávio Luiz Vieira Pinto.

Dois artigos escolheram abordar a temática das sociedades pré-modernas enfatizando Roma Antiga. O primeiro deles, As trocas de correspondências entre Tibério César e a aristocracia senatorial durante seu afastamento para Capri (26 – 37 d.C.): uma análise dos crimes de traição nos Anais de Tácito, escrito por Rafael da Costa Campos, teve como objetivo expor a importância das trocas de correspondências como fundamental ferramenta política e administrativa do Principado. A análise ficou concentrada no período em que Tibério César se afastou de Roma e residiu na ilha de Capri (26 – 37 d.C.). O afastamento do princeps foi um marco de inflexão política em seu governo, e as trocas de correspondências apresentadas por Tácito em seus Anais expõem o seu impacto sob a aristocracia mediante a intensificação dos casos de acusações e condenações pelo crime de traição (maiestas). O segundo artigo, intitulado Uma República degradada: breve estudo da guerra de Jugurta de Caio Salústio Crispo, de Alice Maria de Souza, por sua vez, analisa a obra Guerra de Jugurta, de Caio Salústio Crispo, escrita durante o Segundo Triunvirato. Considerando os elementos exteriores ao texto em si – tais como contexto, objetivos do autor e gênero – interpreta o referido documento não somente como produto de apropriações do passado, mas, também como produtor de novas representações, servindo como veículo de transmissão e ressignificação da memória. Vemos, então, uma problemática envolvendo História e Memória. É o que faz Erick Carvalho de Mello, mas, agora, abordando a temática do celtismo e da celticidade. Sua reflexão, proposta no artigo O Mito e a cultura de memória Celtas: Uma convergência de imaginários, parte do campo da Memória Social, não da Ciência da História, mas, em um constante diálogo interdisciplinar, aborda o papel das diferentes apropriações do que se entende por “cultura celta” na formação das identidades nacionais de grupos como irlandeses, escoceses e bretões franceses. O autor procurou identificar como o mito do celtismo é construído na História recente e como a partir deste mito uma cultura de memória é formada e nos possibilita ter uma compreensão mais aprofundada sobre os conflitos históricos que esses grupos enfrentam hoje, sem deixar de dialogar com a forma como a temática tem sido tratada quando o foco são as populações prémodernas, se decidirmos denominá-las de “celtas” ou não.

O artigo Multiculturalidade e a Christiana Civilitas na Britannia de Guildas (s. VI), escrito a quatro mãos por Helena Schütz Leite e Renan Frighetto, se propõe a discutir sobre as transformações observadas no século VI na Britannia do século VI não sob o prisma da decadência e destruição do mundo romano no Ocidente europeu, visão muito presente na tradição historiográfica sobre o período. Diferente disso, os autores propõem, através do estudo da obra De Excidio Britanniae, de Gildas, perceber a pluralidade cultural que é possível observar ali, e a busca por uma identificação que aproximasse dos diferentes reinos da Britannia na Antiguidade Tardia.

Outro artigo que também lida com a questão das identidades e historiografia é A fronteira entre cristãos e muçulmanos: uma terra de ninguém?, escrito por Márcio Felipe Almeida. Entretanto, o ponto central das análises do autor está no espaço de fronteira disputado por populações cristãs e islâmicas no século XIII. Vale ressaltar que a fronteira, neste caso, não é uma linha divisória entre dois territórios, como se pode pensar à primeira vista. Diferente disso, neste artigo, Márcio Almeida discute a fronteira como sendo, ela mesma, um território pretendido pelos dois grupos em questão.

O último artigo deste dossiê é aquele que avança mais próximo do fim do período chamado de pré-moderno, intitulado A Colonização Oriental e os Processos de Reformulação Rural em Brandemburgo (séculos XII–XIV). Neste artigo, Álvaro Mendes Ferreira se dedicou a analisar o processo de transformações no espaço rural do Europa oriental, ocorridas no período assinalado, em virtude do processo de consolidação do regime senhorial. Tendo os processos na Marca de Brandemburgo como estudo de caso, o autor busca compreender como os vilórios eslavos se enquadravam neste cenário de transformações.

Por fim, apresentamos ainda uma entrevista com o professor Dr. Otávio Luiz Vieira Pinto, que tem dedicado suas pesquisas ao mundo persa e às trocas culturais entre os grupos da costa Suaíli, na África, e os grupos árabes e iranianos do Oriente Médio, entre os séculos VI e XI. Atualmente, Otávio Vieira Pinto é professor de História da África da Universidade Federal do Paraná, pesquisador do Middle Persian Studies (MPS) e do NEMED (Núcleo de Estudos Mediterrânicos), além de colaborador do projeto internacional Networks and Neighbours.

Além dos textos que compõem o dossiê, este número traz também dois artigos e duas resenhas. O artigo de Darlan Damasceno e Gilmar Arruda, intitulado Religiosidade e Natureza: imigrantes ucranianos e a transformação do meio ambiente (Paraná 1890-1915), aborda como a religiosidade dos imigrantes ucranianos atuou no processo de ressignificação e transformação do meio ambiente entre os anos 1890 e 1915, na região centro-sul do Estado do Paraná. As fontes utilizadas pelos autores, indicam que a religiosidade dos imigrantes foi fundamental no processo de (re)construção da realidade social nas colônias, e para moldar o modo de vida dos indivíduos através de esquemas de percepção inscritos em suas ações.

No texto de Cássila Cavaler Pessoa de Mello, De estrangeiro a cidadão: o processo de naturalização instaurado em 1832 e seus limites, a autora discute o processo de naturalização instaurado no Império do Brasil a partir da Lei de 23 de outubro de 1823. Aponta os motivos que estimularam os estrangeiros a buscarem o título de cidadão brasileiro e expõe os trâmites e as dificuldades enfrentadas por aqueles que optavam por se tornar cidadãos. O texto explora tanto a perspectiva estatal, quanto a dos indivíduos neste percurso.

Na seção resenha, temos dois instigantes textos. Um novo estudo sobre a vida de Marx, uma resenha de Daniel de Souza Lemos, trata da obra Karl Marx: uma biografia dialética, publicada no Brasil em 2019, de autoria de Angelo Segrillo, professor de História Contemporânea e coordenador do Laboratório de Estudos da Ásia do Departamento de História, na USP. O texto de Isabel Schapuis Wendling, intitulado Modelando Condutas: uma resenha da obra sobre os poderes nas escolas católicas masculinas no Brasil, resenha a obra Modelando Condutas: educação católica em escolas masculinas de Roseli Boschilia, publicada pelo museu Paranaense em 2018.

Este dossiê e os demais artigos que compõem o número 35 da Fronteiras: Revista Catarinense de História estão fundamentados na proposta de uma história plural, que dispõe de espaço às múltiplas possibilidades de análises históricas de populações, personagens e acontecimentos em tempos recuados, definidos aqui como pré-modernos até a atualidade mais recente, focos dos textos que se enquadram fora do nosso dossiê. Afinal, se a História é a Ciência dos seres humanos no tempo e quem faz História é como o ogro da lenda, que, ao farejar carne humana, vê ali sua caça, para lembrarmos uma célebre reflexão do medievalista francês March Bloch, não é possível nos contentarmos com qualquer narrativa supostamente historiográfica que deixe de contemplar estas outras dinâmicas espaço-temporais tão importantes para compreendermos nossa própria historicidade.

Desejamos uma proveitosa leitura!

Dominique Vieira Coelho dos Santos (FURB)

Renato Viana Boy (UFFS)

Organizadores do Dossiê

Samira Peruchi Moretto (UFFS) Editora


SANTOS, Dominique Vieira Coelho dos; BOY, Renato Viana; MORETTO, Samira Peruchi. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.35, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Ensino de história e relações étnico-raciais: diálogos afro-indo-latinos / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2019

Outros tempos, outros ensinos, outras histórias

Vivemos num tempo de golpes contra a democracia – Brasil, Equador, Bolívia, Chile, para enumerar os mais recentes – em que emergem projetos de Lei que criminalizam a prática docente; num tempo de uma base nacional curricular comum para o ensino centrada numa visão europocêntrica e que enfraquece a formação humana; num tempo da retirada da disciplina de História do Ensino Médio; num tempo de um poder judiciário que assume posições tendenciosas; num tempo de extermínio de direitos trabalhistas e previdenciários; num tempo de governantes que acabam com os planos de carreira do magistério e tantos outros trabalhadores; num tempo em que setores sociais e governamentais colocam sob litígio conquistas históricas como as leis que instituem o ensino de história e cultura dos povos de matriz africana e indígena; num tempo de extermínio de jovens negros; num tempo de assassinatos quase quotidianos de indígenas; num tempo de incêndios e destruição de florestas; num tempo de ódio ao saberes científicos, enfim num tempo de ódios e obscurantismos, especialmente contra negros e indígenas.

Apesar de tudo ser feito para calar as vozes daquelxs que se rebelam e rebelarão buscando viver num outro tempo aquele de busca, de esperanças, de lutas, de sonhos com e por outros ensinos de Histórias outras, de outras relações étnico-raciais pautadas no respeito, na igualdade e na diferença.

Na busca desses outros tempos construímos o dossiê Ensino de história e relações étnico raciais: diálogos afro-indo-latinos composto por 12 artigos e uma resenha, os quais de forma mais ou menos direta relacionam-se com a temática proposta. São produções que buscam amplificar o debate sobre a Educação das Relações Étnico Raciais, demarcando o campo do Ensino de História em que professores e estudantes / pesquisadores engajados nos estudos e pesquisas em pauta propuseram artigos e uma resenha que focam o diálogo intercultural pelo viés das experiências de ensino / pesquisa evidenciando a diversidade e complexidade que envolvem tais relações educativas no Brasil e Colômbia.

No artigo Etnoeducação, etnização afro-colombiana e forças decoloniais de autoria de Santiago Arboleda Quiñonez apresenta como um campo de gestão e produção de alteridade, bem como auto-representação positiva, no processo de um projeto de transformação e, até certo ponto, uma ruptura com o paradigma monocultural que prevalece na educação colombiana e em geral em nossos países da América Latina. O autor defende que o projeto etno-educacional estabelece propósitos abertamente decoloniais e libertadores, baseados na experiência e pensamento dos povos indígenas e afrocolombianos

Em Memória / identidade Xokó e a decolonização do ensino de História, os autores Lucas Wendell de Oliveira Barreto, Valéria Maria Santana Oliveira e Ilka Miglio de Mesquita propõe contribuir para o ensino de História indígena por lentes decoloniais. Para tal, utilizam como fontes de pesquisa as músicas autorais do povo Xokó, habitantes da cidade de Porto da Folha / Sergipe, reunidas e digitalizadas por meio do projeto extensionista “A aldeia vai à cidade”, desenvolvido na Universidade Tiradentes, em Aracaju.

No artigo Problematizando o eurocentrismo e desconstruindo o racismo por meio de práticas pedagógicas decoloniais e interculturais os autores Odair de Souza e Elison Antonio Paim problematizam o eurocentrismo derivado da colonialidade do poder, do saber e do ser como gerador do racismo estrutural e institucional. Apresentam o resultado da pesquisa “A educação para as relações étnicorraciais no ensino de história: memórias e experiências de professoras da educação básica” desenvolvida no âmbito do Mestrado Profissional em Ensino de História- Profhistória da Universidade Federal de Santa Catarina. Dialogamos com narrativas de professoras coletadas na forma de entrevistas orais gravadas e depois organizadas na perspectiva metodológica de Walter Benjamin construindo mônadas.

Os autores Antonio Dyego Vasconcelos Garcia e Edson Silva no artigo Discutindo os protagonismos indígenas na aula de História: diálogos sobre o povo Xukuru do Ororubá em Pesqueira / PE apresentam reflexões sobre uma experiência de protagonismo indígena nas aulas de história. Partindo dos diálogos com a participação de representantes do povo indígena em sala de aula. Evidencia-se que o ensino foi para além do livro didático, enfatizando suas mobilizações para a conquista e garantias de direitos, especificamente às terras onde habitam, para afirmação da identidade nas relações de convivência com os não índios.

Em Que História Pública é contada sobre os povos africanos no Museu Egípcio Itinerante? Cyntia Simioni França narra uma ação educativa desenvolvida em um Museu Egípcio Itinerante, na cidade de Londrina, no norte do estado do Paraná, com estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental. O museu é compreendido como lugar de trânsito, deslocamentos, transfigurações e ultrapassagens em que afloram relações dinâmicas e intricadas entre os sujeitos na experiência de aprender e sentir os enovelamentos temporais. Procurou conceber ações educativas que provocassem o estranhamento dos sentidos históricos propostos nos museus como uma prática de leitura a contrapelo do museu Egípcio.

No artigo O ensino da temática indígena nas escolas da Rede Pública de Ponta Porã – MS, Elizabeth Vieira Macena e Beatriz dos Santos Landa apresentam o resultado de pesquisa realizada com estudantes do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Buscaram compreender e avaliar como a Lei 11.645 / 2008 que estabelece a inclusão no currículo da História e cultura indígena vem sendo ou não implementada pelos / as docentes de História nas escolas selecionadas da rede pública da Educação básica do município de Ponta Porã / MS. Apoiadas nos estudos do grupo Modernidade / Colonialidade analisam como esta temática pode construir espaços interculturais e práticas decoloniais ao posicionar a História destes povos em igualdade de posição à História eurocentrada.

O PIBID / História na UNEB e as demandas identitárias do tempo presente, artigo de Adriana Silva Teles Boudoux analisa os subprojetos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência executados entre 2014 e 2017 pelas Licenciaturas em História da Universidade do Estado da Bahia. Para tanto, expõe o debate travado nos campos da História do Tempo do Presente e do Ensino de História sobre as relações destes com as demandas sociais. Na sequência, faz uma apresentação dos subprojetos selecionados para estudo, inserindo-os no cenário brasileiro, onde políticas foram sendo adotadas nos últimos quinze anos.

Em A presença ausente dos indígenas e dos negros nas histórias das fortalezas catarinenses e o ensino de História Pedro Mülbersted Pereira e Jéssica Lícia da Assumpção propõe evidenciar a presença ausente de indígenas e negros no processo de patrimonialização da Fortaleza de Anhatomirim. O processo de patrimonialização é compreendido em três movimentos: discursos, restauro, usos. Apresentam as narrativas provenientes de uma dada historiografia catarinense, marcadamente eurocêntrica, que privilegia as contribuições dos colonizadores europeus em detrimento dos povos indígenas, africanos e afrodescendentes para a formação social, econômica e cultural de Santa Catarina.

O artigo Narrativas sobre a Diáspora Africana: um site educativo para a construção do conhecimento histórico a partir da trajetória de africanos em sala de aula de autoria de Carolina Corbellini Rovaris apresenta uma proposta didática resultante da pesquisa intitulada “Narrativas sobre a Diáspora Africana no Ensino de História: trajetórias de africanos em Desterro / SC no século XIX”. Procura debater a construção do conhecimento histórico por meio da produção de narrativas sobre populações de origem africana em Desterro / SC no século XIX, possibilitando aos estudantes evidenciarem e conhecerem a agência destes sujeitos ao longo dos processos históricos. O artigo apresenta o desenvolvimento do site e suas possibilidades de trabalho em sala de aula.

Melina Kleinert Perussatto, Fábio Araújo e Taíse Staudt no artigo Por um ensino de História antirracista registra uma experiência de formação de professores / as ocorrida em uma disciplina optativa de um curso de Licenciatura em História, trazendo ganhos e desafios de um ensino de história antirracista. Visa contribuir para a descolonização curricular e a implementação dos marcos legais em torno do ensino de história e cultura africana, afro-brasileira e indígena e da educação das relações etnicorraciais no Brasil.

O artigo A História no Currículo Base do Território Catarinense de Núcia Alexandra Silva de Oliveira, Helena Alpini Rosa, Denize Aparecida da Silva apresenta o processo de escrita do componente curricular História no Currículo Base da Educação Infantil e Ensino Fundamental do Território Catarinense. Publiciza alguns dos movimentos que resultaram no texto como o processo de redação do texto; a revisão realizada com o grupo de profissionais de História; a estrutura apresentada para o Componente Curricular e, por fim, uma discussão sobre os limites e as possibilidades do texto redigido.

Em Intelectuais, ditadura e modernização em Santa Catarina, Michel Goulart da Silva debate a ideia de modernização elaborada por uma parcela dos intelectuais durante a ditadura civil-militar (1964-1985). Analisa a produção dos intelectuais Alcides Abreu e Nereu do Valle Pereira, vinculados aos governos de cunho militar. Evidencia-se a produção de uma cultura política compartilhada por escritores, professores e outros intelectuais, que colaboraram com a construção de um discurso de legitimação do regime ditatorial.

Na seção resenha Tatiana Oliveira Santana apresenta o livro Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico organizado pelos autores decoloniais Joaze Bernardino-Costa, Nelson Maldonado-Torres e Ramón Grosfoguel, publicado pela Editora Autêntica em 2019. A escrita da autora pauta-se em problematizações como Quais são as nossas contribuições num mundo afrodiaspórico? Como podemos escrever o livro de nossas vidas e nos libertar das amarras processuais de colonização do conhecimento iniciadas no período colonial? Como apreender com as resistências negras e indígenas sem deixar de invisibilizar os lócus de enunciação? Quem tem o direito de viver e quem não tem? O privilégio de conhecimento de uns tem como indução a negação ou a afirmação de um corpo-política do conhecimento?

Em tempos de golpes e múltiplos retrocessos, como explicitamos no início desta apresentação, faz-se necessário pesquisar, debater, ensinar, problematizar nas escolas, nas universidades, nas ruas, igrejas, terreiros, aldeias, nos mais diversos lugares, as temáticas relativas aos povos afro-indo-latinos. Para tanto, não basta a existência de Leis antirracistas se não houver vontade política institucional e de cada sujeito, especialmente professores(as), diretores(as), estudantes ou dirigentes governamentais no combate à discriminação racial, silenciamento ou apagamento de memórias que não são daqueles que a mais de 500 anos estão no poder em nossa afrolatinoamérica.

Elison Antonio Paim

Mônica Martins da Silva

Organizadores do Dossiê Ensino de história e relações étnico raciais


PAIM, Elison Antonio; SILVA, Mônica Martins da. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.34, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Gênero, Democracia e Direitos Humanos / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2019

O presente dossiê Gênero, Democracia e Direitos Humanos, edição Número 33 da Fronteiras: Revista Catarinense de História, foi construído a partir dos debates realizados no XVII Encontro Estadual de História, realizado entre os dias 21 e 24 de agosto de 2018, na Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE), em Joinville, Santa Catarina. As problemáticas colocadas nesse encontro nortearam a reflexão acerca dos desafios e possibilidade envolvendo as pesquisas e práticas relacionadas as questões de gênero articuladas à democracia e aos direitos humanos.

Estamos vivenciando, no Brasil, movimentos ultraconservadores que desqualificam e demonizam o feminismo e o gênero, palavras tidas como proibidas, e que tem brutalizado corações e mentes. Ambas, se tem gerado discussões acaloradas, é porque estão no âmbito do político. Projetos inconstitucionais, que aviltam a democracia e os direitos humanos, são apresentados com intuito de eliminar o gênero como categoria de análise nas relações sociais e culturais, bem com destruir políticas públicas arduamente conquistadas e caras a emancipação dos sujeitos históricos. Neste sentido, este dossiê visa refletir e aprofundar pesquisas e debates que abordem o gênero, com enfoque nos direitos humanos, cidadania, emancipação, liberdade, educação, feminismos, preconceitos e violências, promovendo o conhecimento para mudanças de práticas discriminatórias, reconhecendo as mulheres de diferentes gerações, raça, etnia, gênero, orientação sexual como sujeitos de direitos.

O Dossiê é formado sete artigos e duas resenhas. O primeiro artigo, intitulado A televisão como campo de memória e representação social: Documento Especial: Televisão Verdade (1989 – 1995) de Lucas Braga Rangel Villela, procura problematizar as disputas pela memória e de representação a respeito da realidade brasileira após Ditadura Civil-militar. O autor discute, através programa telejornalístico “Documento Especial: Televisão Verdade” da emissora de televisão Rede Manchete, o papel da televisão como instrumento de representação social e de construção de memória coletiva no Brasil no período da redemocratização.

No artigo Mulherio na Constituinte (1985-1987), Cintia Lima Crescêncio e Renata Cavazzana da Silva analisam como o jornal Mulherio (1981-1988) pautou em suas páginas a campanha do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres no período de debates sobre a Constituinte, especificamente nos anos entre 1985-1987. O jornal procurou atuar na tentativa de garantir os direitos e a cidadania das mulheres em meio as disputas políticas e das limitações dos movimentos sociais com o Estado.

O artigo intitulado A luta pela expansão da democracia em Pernambuco nos anos de 1930: o movimento feminista como protagonista, escrito por Emelly Sueny Fekete Facundes e Alcileide Cabral do Nascimento, analisa a atuação da Federação Pernambucana pelo Progresso Feminino (FPPF) na luta pela expansão dos ideais democráticos de igualdade civil, direito ao trabalho e a educação para mulheres na década de 1930. Através de periódicos recifenses que circulavam na época e de relatórios de atividades da FPPF enviado à sua matriz, no Rio de Janeiro, as autoras procuram compreender a importância do movimento feminista na conquista de direitos sociais e na luta pela consolidação da democracia no Brasil.

Em Saúde sexual e saúde reprodutiva no cárcere: uma discussão necessária para garantia de direitos das mulheres privadas de liberdade, Camila Azevedo dos Reis e Luciana Patrícia Zucco, a partir de uma perspectiva interseccional, abordam o acesso à saúde sexual e reprodutiva das mulheres em privação de liberdade no Presídio Feminino de Florianópolis, a partir dos direitos sexuais e direitos reprodutivos. Procurando dar destaque às narrativas das mulheres e profissionais da Instituição o trabalho evidencia como as mulheres presas são tratadas, as violações aos seus direitos e as lutas por condições dignas que atendam as especificidades destas sujeitas.

Já Neide Cardoso de Moura, no artigo intitulado Da educação do campo ao PNLD / campo: do anúncio educacional a denúncia social, apresenta os resultados relativos à pesquisa realizada no ano de 2016, intitulada “Análise das imagens de livros didáticos do Programa Nacional do Livro Didático para a educação do campo, na perspectiva de gênero”. O artigo procura reconhecer os avanços relativos à educação no campo sem deixar de ressaltar os desafios que ainda se colocam para as políticas e os programas educacionais que orientam os rumos da educação brasileira.

No artigo Debates e disputas sobre a legalização do aborto no Brasil: a laicidade na corda bamba, Emilly Joyce Oliveira Lopes Silva e Luciana Patrícia Zucco analisam o processo de legalização do aborto no Brasil a partir da categoria laicidade, com dados coletados na audiência pública do Supremo Tribunal Federal acerca da ADPF442. As autoras partem da discussão sobre aborto e laicidade, analisam os argumentos da audiência pública já citada e discutem as possibilidades da categoria de laicidade para o avanço dos debates sobre a descriminalização do aborto no Brasil.

Por fim, tratando de memórias sobre a primeira fase de escolarização, o artigo Ensino Primário e infância, de Elaine Prochnow Pires, versa sobre memórias de ginasianas do Alto Vale do Itajaí – Santa Catarina, acerca de seu percurso escolar no ensino primário nos tempos dos exames de admissão ao ginásio. Através de entrevistas, a autora evidencia práticas da vida escolar num tempo em que aos alunos e as alunas era aplicada uma prova para prosseguirem seus estudos ginasiais, seleção obrigatória entre os anos de 1931 a 1971. São narrativas que trazem elementos para análise, destacando-se a frequência dos elementos de sentido e a forma como isso reverberou nas narrativas orais e escrita dos sujeitos da pesquisa.

Na Seção Resenha dois trabalhos compõem esta edição. O primeiro é de Isadora Muniz Vieira apresentando o livro do historiador François Hartog, Crer em História, lançado em 2017 no Brasil pela Editora Autêntica. E o segundo trabalho é de Diego José Baccin, tratando do livro Tierras, leyes, história: estudios sobre “La gran obra de la propiedad”, da pesquisadora Rosa Congost. Este livro foi publicado em 2007, pela editora Crítica, em Barcelona, e se encontra em língua espanhola, ainda sem tradução para o português.

No momento em que se fecha este Dossiê, é orquestrado por parte de quem governa o Brasil um acintoso movimento de destruição das conquistas que levaram décadas para se concretizarem, como vários direitos das mulheres, das populações indígenas, quilombolas, populações LGBTI+; bem como a retiradas de direitos trabalhistas e previdenciários. Além desses infortúnios, que recaem sobre as populações mais pobres, violentando-as e negando sua cidadania, os ataques ao ensino público com o contingenciamento de verbas para seu funcionamento são crimes contra o direito dos jovens de terem um futuro menos árduo. A educação pública é direito constitucional garantida na Constituição Cidadã, como o é o direito das crianças e jovens de aprender a refletir e a posicionar-se como sujeito neste mundo e suas relações, reflexões que advém das disciplinas das Ciências Humanas, tão vilipendiadas atualmente. A destruição da pesquisa evidencia retrocessos nunca vistos; a destruição do ambiente é criminosa, dentre outros ataques à democracia, são fatores que contribuem para eliminar o Brasil dentre os países confiáveis para investimentos. Lastimável. As violências contra as mulheres, especialmente as negras, indígenas e pobres, tem-se se exacerbado como práticas de abusos e feminicídios – a liberação do porte de armas trará mais tragédias, e as mulheres são, e serão, as principais vítimas. Não desistiremos das lutas de salvar vidas que importam.

Marlene de Fáveri

Fernanda Arno

Organizadoras do Dossiê Gênero, Democracia e Direitos Humanos


FÁVERI, Marlene de; ARNO, Fernanda. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.33, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Memória, patrimônio e democracia / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2018

O Número 32 da Fronteiras: Revista Catarinense de História apresenta o Dossiê Memória, Patrimônio e Democracia, traz textos que se articulam ao conjunto de debates promovidos durante o XVII Encontro Estadual de História, realizado entre os dias 21 e 24 de agosto de 2018, na Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE), em Joinville, Santa Catarina.

Ao propor a combinação dos termos memória, patrimônio e democracia, o Dossiê visa oportunizar o compartilhamento de resultados de pesquisas interessadas em compreender as maneiras pelas quais bens culturais são (re)convertidos em patrimônios por meio do trabalho de agentes sociais de natureza diversa (individuais, coletivos, públicos, privados, entre outros).

À sua maneira, os textos que integram este Número evidenciam que os entrecruzamentos entre patrimônio, memória e democracia precisam ser pensados para além da mera contemplação de ícones considerados valiosos e relevantes para um determinado grupo ou para uma sociedade como um todo. Antes disso, é preciso ter em mente que o patrimônio se inscreve em um campo de lutas e reivindicações sociais mais ou menos democráticas, muitas das quais se utilizam do patrimônio para reforçar ou contestar significados atribuídos a bens que, presumidamente, constituem-se enquanto referências na complexa trama de políticas de memória na contemporaneidade. Em outras palavras, os autores desta edição, a partir de diferentes enfoques e abordagens teórico-metodológicas, problematizam complexidades políticas e culturais que atravessam processos contemporâneos de fabricação, ativação, uso e difusão de patrimônios culturais.

O Dossiê constitui-se de oito artigos, uma tradução e uma resenha. O artigo intitulado A memória fardada: a criação do Museu Histórico Nacional e as relíquias do Contestado, de autoria de Rogério Rosa Rodrigues, investiga o processo de coleta de vestígios materiais por parte de oficiais militares que atuaram na repressão ao movimento do Contestado, vestígios que foram incorporados ao acervo da reserva técnica do Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. No desenvolvimento de suas análises, o autor procura debater a valorização da história militar do Brasil em um período em que tensas disputas foram travadas em torno da reconstrução de uma suposta memória nacional (primeiras décadas do século XX).

No escrito Fortalezas abandonadas, saqueadas, redescobertas, restauradas, patrimonializadas: da democratização à pluralização do patrimônio, Pedro Mülbersted Pereira e Elison Antonio Paim analisam como agentes envolvidos com a gestão das Fortalezas de Anhatomirim, Ratones e Ponta Grossa, situadas em Florianópolis / SC, historicamente envidaram esforços no sentido de elaborar e disseminar uma narrativa palatável acerca do passado dessas edificações. Apoiados em um conjunto diversificado de fontes (bibliografias, entrevistas, reportagens digitais e documentos oficiais), os autores problematizam retóricas patrimoniais que seguem dando força para um “discurso sobre a ruína”, negligenciando, em suas formas de expressão, narrativas de memória que não se afinam à versão glamourizada que certos órgãos encarregados da gestão das Fortalezas procuram manter e propalar.

No escrito Patrimônios difíceis, demanda social e reparação nos Asilos Colônias em São Paulo, Gabriela Lopes Batista aciona a noção de “patrimônios difíceis” para refletir sobre as representações relacionadas ao tombamento de espaços que, no transcurso do século XX, funcionaram como instâncias de isolamento compulsório de pessoas acometidas pela hanseníase.

O artigo Tombamentos, processos, disputas e tensões nas histórias do patrimônio cultural de Joinville – outras questões para o debate público, de Cristiano Viana Abrantes, Dietlinde Clara Rothert e Giane Maria de Souza, constitui-se como um estudo sobre estratégias político-institucionais ligadas à gestão do patrimônio cultural em uma cidade de médio porte (Joinville). No desenvolvimento do texto, os autores procuram refletir sobre tensões que se fazem presente no campo patrimonial do município de Joinville, atentando para o papel exercido por agentes e agências da administração pública encarregados de assessorar, monitorar e acompanhar o cumprimento de requisitos legais que são diretamente relacionados com a patrimonialização ou não de determinado bem cultural.

No artigo intitulado Diálogos arriscados: do direito de participação cidadã na patrimonialização ao direito cidadão de aparecer no patrimônio cultural, o historiador Diego Finder Machado reflete sobre relações tensas e conflituosas que se desdobram de perspectivas divergentes acerca do lugar, da função e dos modos de interação com o patrimônio nas sociedades do presente. A partir da análise de processos de patrimonialização que perpassaram a história de Joinville, o autor discute como cidadãos comuns, de maneira mais ou menos declarada, apropriaram-se do patrimônio cultural para reivindicar espaços de aparecimento na vida pública das cidades contemporâneas.

Em A UNESCO, o patrimônio e o turismo cultural: uma abordagem inicial (1960- 1980), Valéria Fernanda Serpa Steinke, Fernando Cesar Sossai e Ilanil Coelho apresentam um histórico da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), bem como examinam algumas das discussões sobre patrimônio que atravessaram o processo de elaboração da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural (UNESCO, 1972). Em seguida, os autores refletem a respeito de como essa Organização, durante a década de 1970, atuou de maneira a aproximar entre si os termos patrimônio e turismo cultural.

No artigo Desenvolvimentismo, industrialização e ensino superior em Chapecó: bases para a criação de um movimento estudantil, Vinicius de Almeida Peres e Monica Hass problematizam os interesses envolvidos com a oferta do Ensino Superior em Chapecó, bem como discutem como se deu a constituição de um movimento estudantil junto ao Centro de Ensino Superior da Fundação Universitária do Desenvolvimento do Oeste de Santa Catarina. Vale a pena destacar que os autores fazem uso de fontes que integram o acervo do Fundo Documental do Diretório Central dos Estudantes, um acervo custodiado pela equipe técnica do Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina (CEOM / UnoChapecó).

Em Campos entre taipas e aramados: novos olhares sobre a paisagem serrana catarinense, a autora, Cristiane Fortkamp Schuch, busca elaborar uma escrita histórica a respeito de experiências culturais e modos de vida que impactaram a paisagem dos campos de altitude do planalto catarinense. Em seu texto, a autora dispensa atenção à análise da paisagem histórica da região, procurando diferenciar e ampliar o conceito de paisagem para além de sua vertente imagética.

Na seção Resenha, Adriano Denovac explicita algumas das discussões presentes no livro O que pode a biografia, obra organizada pelos historiadores Alexandre de Sá Avelar e Benito Bisso Schimidt. Trata-se de uma obra interessante para o campo da História, uma vez que aprofunda o debate sobre os possíveis lugares da biografia no campo da História, em especial nos domínios da História Pública.

Esta edição da Fronteiras conta ainda com a tradução do texto intitulado A fabricação do patrimônio, de autoria de Nathalie Heinich, socióloga e diretora de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, Paris). Elaborada pelos historiadores Diego Finder Machado e Fernando Cesar Sossai, a tradução é uma contribuição importante para os estudiosos que atuam no campo do patrimônio cultural no Brasil, uma vez que Heinich desenvolve em seu escrito questões bastante espinhosas: como um determinado objeto adentra o conjunto do patrimônio cultural nacional? Sob quais critérios? Sob quais dinâmicas de atribuição de valores? A tradução também é uma oportunidade de conhecer as proposições de Nathalie Heinich para o desenvolvimento de pesquisas mais pragmáticas a respeito do patrimônio cultural.

Esperamos que este Número da Revista Fronteiras seja uma contribuição relevante para os que, assim como nós, procuram investigar as complexidades contemporâneas que emergem dos entrecruzamentos entre Memória, Patrimônio e Democracia.

Boa leitura a todas e a todos!

Fernando Cesar Sossai

Ilanil Coelho

Samira Peruchi Moretto

Organizadores do Dossiê Memória, Patrimônio e Democracia


SOSSAI, Fernando Cesar; COELHO, Ilanil; MORETTO, Samira Peruchi. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.32, 2018. Acessar publicação original [DR]

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História Indígena e estudos decoloniais / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2018

Os debates em torno da história indígena ganharam relevância nas últimas décadas e continuam a provocar novas elaborações teóricas e conceituais. O alargamento da reflexão sobre a temática indígena coloca cada vez mais em cena histórias e culturas singulares e diversas, em diferentes épocas e lugares. Apesar dos avanços, a história indígena ainda enfrenta obstáculos para ser reconhecida. É, por vezes, tolerada apenas na sua versão étnica (nossa representação historiográfica do indígena) e não histórica êmica (a representação historiográfica dos próprios indígenas). É necessário, portanto, o questionamento da concepção eurocêntrica / colonial sobre o mundo que resulta no epistemicídio, ou seja, na invisibilidade e exclusão de saberes e histórias dos povos originários. É verdade que a academia estava de costas para esses povos e indivíduos, apenas nos últimos anos passou a incorporar os indígenas nas universidades; não apagados como acontecia no passado, mas trazendo consigo sua bagagem cultural, seus saberes e pedagogias e fundamentalmente outra forma de ver e narrar a história.

Nessa perspectiva é imprescindível perpetuar um posicionamento epistemológico e político de valorização das teorias e epistemologias do sul, que pensam com e a partir de corpos e lugares étnico-raciais / sexuais subalternizados pelo processo histórico da colonialidade. Nesse sentido, os estudos decoloniais promovem uma profunda crítica a colonialidade (do poder, do saber e do ser) no combate à violência epistêmica. A construção de uma interpretação decolonizada acerca das experiências de diferentes sujeitos sociais perpassa pela interdisciplinaridade entre campos do conhecimento como a antropologia e arqueologia e pela análise de fontes diversas; escritas, visuais e orais. O dossiê História Indígena e estudos decoloniais revela, justamente, o desafio em questão. Temos avançado, não sem dificuldade, e temos muito ainda a prosseguir. O caminho é longo, apenas iniciamos a jornada.

A Lei Federal 11.645 / 08, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura indígenas nas escolas brasileiras, foi promulgada há dez anos. Para sua efetiva implementação, é necessário que haja mudanças no âmbito escolar e no ensino superior. Em ambos espaços, é fundamental que se reflita a partir do que os próprios indígenas produzem de conhecimento para a construção de uma educação verdadeiramente intercultural. As narrativas mitológicas ameríndias, nesse sentido, são importantes para o estudo da temática indígena, como nos alerta Renata Carvalho Silva no artigo “Mito e o ensino de história e cultura indígena em perspectiva decolonial”. Além de nos instigar a questionar dicotomias eurocentradas como natureza X humanidade / cultura e racionalidade X subjetividade, a mitologia têm o potencial de gerar empatia com sujeitos e visões de mundo outras. Como a própria autora adverte, o texto aponta “para uma dimensão rica e diversificada dos complexos de conhecimento e apreensão da existência humana e que o parâmetro universalizante da mesma nunca ultrapassou a linha de suas matrizes teóricas originais”. Suas reflexões destacam múltiplos desafios, mas também apontam para as inúmeras possibilidades de construir novos referenciais para estudo da história e cultura indígena.

Nas universidades, por sua vez, o ingresso crescente de estudantes indígenas e da luta por políticas efetivas de permanência estão transformando instituições ainda coloniais através da diversidade de corpos, vivências e conhecimentos. Elison Antonio Paim e Tatiana de Oliveira Santana apresentam algumas das memórias e das experiências trazidas e vivenciadas para e na universidade por mulheres Guajajara e Akrãtikatêjê no artigo “Mônadas sobre mulheres indígenas na universidade”. As dificuldades são evidentes, assim como a existência / resistência dessas acadêmicas indígenas. Em que pesem as dificuldades, os autores apontam para o novo, em que “os conflitos e tensões no âmbito acadêmico (…) contribuem para a construção de um futuro mais dialógico e respeitoso dentro do espaço acadêmico em relação à experiência de quem vive a universidade e tem o que falar sobre esse espaço, revelando as violências e tensões que se fazem presentes em seus corpos e em suas experiências”. Esse novo, segundo os autores, perpassa uma série de elementos fundamentais, como o acesso e a permanência, mas fundamentalmente a produção de novos saberes, ou seja, deixar as portas das universidades abertas para as experiências múltiplas que dão sentido a vida.

A presença indígena é revelada também a partir de artigos resultantes de pesquisas históricas referentes aos períodos pré-colonial e colonial. O sítio arqueológico AP.CG.1, localizado nas margens do rio Apuaê, Rio Grande do Sul, remete a uma ocupação guarani ancestral investigada no artigo “Arqueologia nas margens do rio Apuaê: um estudo de caso sobre a história pré-colonial do Alto Uruguai”. Fabricio José Nazzari Vicroski e Ânderson Marcelo Schmitt analisam vestígios arqueológicos desse povoamento pré-colonial, a saber: material lítico com indícios de ação antrópica e fragmentos de recipientes cerâmicos relacionados à indústria oleira dos horticultores Guarani. O estudo auxilia na construção da história do povoamento da região, majoritariamente indígena, inclusive de presença pluriétnica, ou seja, não exclusiva das populações Jê meridionais que tiveram seu território alterado após a chegada dos europeus no século XIX. Dois elementos, portanto, se sobressaem nesse estudo: o primeiro, que o povo Guarani também ocupou a região; o segundo, que as “pesquisas arqueológicas desenvolvidas nas margens do rio Apuaê também podem ser integrados às discussões acerca das disputas fundiárias entre indígenas a agricultores no Alto Uruguai, auxiliando assim na composição de um panorama geral acerca do povoamento da região”.

Essas pesquisas inseridas sobretudo no campo da Nova História Indígena enfocam na agência de sujeitos e povos indígenas, diante de realidades diversas, ao longo da história do Brasil. O texto de André Luís Bezerra Ferreira ““Mães das Liberdades”: os processos de mulheres indígenas no tribunal da Junta das Missões na Capitania do Maranhão (1720-1757)” revela a luta de mulheres indígenas pelas suas liberdades através da análise de processos instaurados no tribunal da Junta das Missões do Maranhão. São histórias incríveis de mães como Inácia e Margarida, que acionaram a justiça durante o período colonial e escravista na luta por melhores condições de vida. O autor conclui que “diante dos casos apresentados, podemos evidenciar a eminente agência de mulheres indígenas em prol de sua liberdade e a de seus filhos na Junta das Missões. Mães solteiras que empreendiam ações para o sustento de sua prole e que lutavam para que suas famílias permanecessem reunidas em um mesmo local.”

A história da capitania de Mato Grosso, por sua vez, é abordada no artigo de Gilian Evaristo França Silva intitulado “No século XVIII, uma encruzilhada de povos: os indígenas na formação da capitania de Mato Grosso”. O autor revela a significativa presença e trabalho dos povos indígenas e de origem africana através, sobretudo, da análise de dados demográficos presentes em documentação do Arquivo Histórico Ultramarino, situado em Lisboa. Conclui informando que “os indígenas (…) tiveram sua força de trabalho amplamente utilizada no cotidiano colonial matogrossense. Suas marcas estão visíveis na composição social dessa capitania, nos traços físicos, nas formas de uso do espaço, bem como nas práticas culturais carregadas de sincretismos”.

No século seguinte, criou-se na província do Paraná uma visão estereotipada sobre os Xokleng, como demonstra Soeli Regina Lima no texto “Do imaginário coletivo em torno dos indígenas na região de Rio Negro-PR: um estudo dos relatórios de governo (1853 – 1890)”. Os discursos pejorativos acerca dos “bugres” presentes nos relatórios governamentais, vale ressaltar, eram bastante comuns em toda a região Sul do Brasil no século XIX. Infelizmente, além de incitarem ações violentas, ainda têm ressonância no tempo presente. A autora concluiu que “a desumanização do indígena, a inferiorização do sujeito em comparação com a sociedade ocidental dominante acabou por legitimar a implementação de leis e as narrativas do governo imperial”.

Como resposta à uma história de exclusão, o movimento indígena e as pautas identitárias têm se fortalecido. Os indígenas Kaingang estão em luta pela finalização do processo de demarcação da Terra Indígena Toldo Pinhal, localizada no município de Seara, oeste de Santa Catarina. O artigo “Lugares de memória e ressignificação cultural na Terra Indígena Toldo Pinhal”, escrito por Jaisson Teixeira Lino e Jéssica Alberti Giaretta, revela a vivência contemporânea de aspectos culturais do “ser Kaingang” pela referida comunidade. Num processo de reafirmação étnica, os indígenas acionam lugares de memória e organizam evento cultural que atestam a necessidade do uso de sua terra coletiva e sagrada. Observam os autores que “a concepção sobre a formação da Terra Indígena Toldo Pinhal, (…) se configura também como uma forma de expressão da vontade contida na população indígena de reviver sobre seu território e novamente desfrutar da cultura Kaingang”.

A Revista Catarinense de História Fronteiras traz também nesta edição uma resenha e um artigo recebido em fluxo contínuo, portanto, não pertencentes ao dossiê História Indígena e estudos decoloniais. Andréia Amorim da Silva resenhou o livro de Olivier Dumoulin, “Reflexões sobre o papel social do historiador”, publicado em português pela Editora Autêntica em 2017, quatorze anos após a edição original. A reflexão, com enfoque em países europeus (sobretudo a França) e América do Norte, abarca desde o final do século XIX até a contemporaneidade, quando crescem as demandas pela atuação do historiador em espaços públicos para além da universidade. Antonio Marcos Myskiw e Guilherme Luís Adamczyk revelam a história dos “Grupos dos Onze” no Paraná, fronteira com a Argentina, através da análise dos arquivos da Delegacia de Ordem e Política Social do Paraná. O artigo “O Sudoeste do Paraná nos arquivos da DOPS / PR (1963-1970): os Grupos dos Onze” possibilita uma reflexão urgente e necessária sobre os movimentos de resistência à ditadura militar no Brasil.

Por fim, destacamos com satisfação a entrevista realizada com Ariel Ortega, cineasta Mbyá-Guarani que dirigiu, entre outros, os filmes Mokoi Tekoá Petei Jeguatá – Duas Aldeias, uma caminhada (2008), Bicicletas de Nhanderú (2011), Desterro Guarani (2011) e Tava, a casa de pedra (2012). A conversa inspirada com os entrevistadores nos permite adentrar no fazer cinematográfico indígena, especificamente guarani: “Hoje em dia já não podemos mais, para defender nossas terras, lutar com arco e flecha. Eu estou usando a câmera de outra forma, como luta. É uma ferramenta ocidental, mas que eu estou usando para me defender e para contar outra história. Por isso eu sempre digo que quando pego a câmera dentro da aldeia ela se transforma como um ser da aldeia também. (…) Os povos indígenas têm uma contribuição enorme para construir uma sociedade melhor”.

Desejamos a todos / as uma excelente leitura!

Clovis Antonio Brighenti

Luisa Tombini Wittmann


BRIGHENTI, Clovis Antonio; WITTMANN, Luisa Tombini. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.31, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Rússia revolucionária: repercussões, inspirações, ressonâncias e atualidade / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2017

Com a aproximação do centenário das revoluções russas de fevereiro e de outubro de 1917, multiplicaram-se as iniciativas acadêmicas e editoriais voltadas para a reflexão sobre seu lugar histórico (em especial, sobre o lugar ocupado pela revolução que marcou a vitória do projeto bolchevique). A magnitude daquele processo revolucionário forçosamente desencadeou, desde sua eclosão, análises e balanços, tanto positivos como negativos, de variados matizes. Mas constata-se que, em 2017, a distância temporal e, sobretudo, os desdobramentos pós-1989, esfriaram o calor apaixonado que marcou o debate sobre o movimento responsável por levar um país predominante agrário ao topo do socialismo internacional, convertendo-o em referência central, para o bem ou para o mal, de todo movimento de esquerda, em escala planetária. Outubro de 1917 desalojou a Comuna de Paris do posto de inspiração revolucionária fundamental para as esquerdas, em nível internacional; nas décadas seguintes, os olhares fervorosos daqueles que desejavam “assaltar os céus” voltaram-se para o leste. Pois ali forjava-se um “novo mundo” e emergiam práticas sociais inusitadas, novas tramas de sociabilidade, uma nova linguagem – enfim, um novo homem e uma nova mulher, para um futuro solidário de igualdade social, econômica e política. “Ouvir a música da revolução”, aconselhou o poeta Aleksandr Blok, sugerindo tratar-se de muitos timbres e vozes. Os desafios eram imensos. As possibilidades, ainda maiores…

Passados cem anos, muitos se lançam a apontar acertos e a repartir equívocos por vários ombros, mas principalmente a humanizar personagens e processos, compreendendo-os na contingência da ação. Num certo sentido, um século pode parecer tempo suficiente para se repensar um fenômeno histórico tão marcante. Todavia, não é a distância temporal que nos garante a escolha dos pontos “certos” de observação. Como indicou Walter Benjamim, em uma de suas teses sobre o conceito de História: “Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo ‘como ele de fato foi’. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo.”

Mais do que simplesmente realizar o registro de uma efeméride, o dossiê Rússia revolucionária: repercussões, inspirações, ressonâncias e atualidade, ao ser proposto, pretendeu, de um lado, estimular pesquisadores do campo da História e de áreas afins a se debruçar sobre a história e as memórias dos projetos revolucionários que se espraiaram pela Rússia de 1917 e a partir dela; de outro lado, debater o papel cumprido pela derrubada do regime czarista e pela tomada do poder pelos bolcheviques no imaginário e nas lutas dos movimentos sociais de vários países, ao longo de cem anos. Quais os sentidos daquele momento histórico em um presente fortemente atravessado por intolerâncias, exclusões, discriminações e ódios de classe, de gênero, étnicos e religiosos? Qual o significado do processo revolucionário russo de 1917, na atualidade, para a configuração do pensamento de esquerda e, mesmo, de direita? Ele ainda pode atuar como motor das utopias de transformação social? Ou, como parte da esquerda sugere, seria necessário esquecê-lo e superá-lo, para tornar possível a reconstrução da utopia de uma sociedade justa e igualitária?

A Rússia revolucionária que problematizamos hoje é aquela que ainda pode dizer algo sobre o nosso tempo, sobre nós mesmos e nossos dilemas. Nesse sentido, o dossiê tem a Revolução Russa como referência, mas certamente vista de um país periférico, do sul do mundo, neste ano da graça de 2017 que nos coloca frente às angústias, incertezas e ambiguidades de um novo golpe contra a democracia, gerador, em curto período, de um retrocesso de décadas. Talvez seja essa a chave que torne particularmente importante, atual e necessária, a leitura dos artigos e resenhas do dossiê.

No artigo Rastros do Realismo Socialista na América: trajetórias e conflitos na primeira metade do século XX, Tiago da Silva Coelho foca nossa atenção no papel social da arte, ao dar destaque para os debates latino-americanos e os desdobramentos do realismo socialista no muralismo mexicano, nos trabalhos de Diego Rivera, David Siqueiros e José Orozco, bem como na obra do brasileiro Candido Portinari.

Os ventos do leste movem moinhos: o impulso revolucionário de 1917 na criação do PCB, artigo de Rodrigo Lima, problematiza as influências da Revolução de Outubro de 1917 no contexto histórico latino-americano e no brasileiro, em especial, tornando-se o impulso decisivo para a criação do PCB em 1922. Caso único na história da criação de partidos comunistas, o PCB originou-se não de um agrupamento de socialistas de esquerda insatisfeitos com suas políticas de conciliação, mas das insuficiências que foram vislumbradas no anarquismo, incapaz de manter, pela força das leis, as conquistas obtidas com uma sofisticada rede de solidariedade e organização.

O artigo Fascínio e desencanto: apontamentos acerca de uma narrativa de viagem à URSS, de Edison Lucas Fabrício, nos leva a refletir acerca da relação entre viagem, memória e narrativa, com base no livro Lágrimas na chuva – uma aventura na URSS, de Sérgio Faraco. Embora a experiência de viagem tenha ocorrido na década de 1960, o relato de Faraco foi publicado primeiramente apenas em 2002, na forma de capítulos, na imprensa no Rio Grande do Sul. Essa distância temporal deveu-se à prisão do autor, em 1965, e aos “anos de chumbo”, que tornavam no mínimo imprudente quem se aventurasse a um relato como esse, que tece considerações sobre o cotidiano da União Soviética, em meados da década de 1960, e sobre as relações estabelecidas com os militantes do Partido Comunista Brasileiro (partido ao qual Faraco se filiou quando residia no município catarinense de Blumenau).

Três resenhas dialogam fortemente com os artigos do dossiê, referindo-se a publicações feitas no Brasil, em 2017, que sintomaticamente dão ênfase à divulgação de materiais produzidos na Rússia revolucionária, na sua maior parte até então inéditos em português. Fabrício Leal de Souza comenta a coletânea organizada por Daniel Aarão Reis Filho, Manifestos vermelhos e outros textos históricos da Revolução Russa; Jorge Luiz Zaluski apresenta o livro A revolução das mulheres: emancipação feminina na Rússia soviética – artigos, atas, panfletos, ensaios, organizado por Graziela Schneider Urso; Camila Zucon Ramos de Siqueira e Frederico Alves Lopes tratam do livro A construção da Pedagogia Socialista: escritos selecionados, com textos de Nadezhda Krupskaya. Livros que agregam novos elementos às reflexões sobre o marco revolucionário de 1917, também elas centenárias.

Além dos textos e resenhas que compõem o Dossiê, neste número trazemos os artigos: A regeneração, pela ordem, contra a anarquia: o léxico político da criação da província Cisplatina (1821-1823), cujo autor é Murillo Dias Winter; História ambiental da Capitania de Goiás: mineração e transformação agroecológica da terra (1726-1822), por Fabíula Sevilha; Notas sobre a história ambiental e sua trajetória na Itália, escrito por Gil Karlo Ferri e José Carlos Radin; Breve análise de requerimentos de compra de terras devolutas do termo de Lages: interface entre história política e história agrária, por Flávia Paula Darossi.

Vpered! – em russo, avante! Boa leitura!

Adriano Luiz Duarte (UFSC)

Janice Gonçalves (UDESC)


DUARTE, Adriano Luiz; GONÇALVES, Janice. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.30, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Ensino, gênero e diversidade / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2017

Pesquisas recentes no campo da História da Educação e História do Ensino de História indicam que a escola é um espaço político. Tal característica, ainda que não seja exclusiva do tempo presente, tem sido objeto de disputas bastante acirradas. Práticas docentes, conteúdos ministrados e mesmo a função de uma formação cidadã emergem como passíveis de questionamentos e judicialização por parte de setores conservadores da sociedade, inclusive por meio de projetos de lei apresentados por iniciativas como “Escola sem Partido”, que visam, entre outras questões, o cerceamento da autonomia docente e a retirada de referências à identidade de gênero, diversidade e orientação sexual dos Planos Estaduais e Municipais de Educação. Nesse sentido, O número 29 da revista Fronteiras, a Revista Catarinense de História, traz o Dossiê – Ensino, Gênero e Diversidade: embates contemporâneos, cujo objetivo é promover espaço para os debates contemporâneos a respeito das questões políticas, de gênero, sexualidade e das relações étnico-raciais em suas diferentes possibilidades de articulação com o espaço escolar.

Em Ditadura militar e relações de gênero: problematizando o ensino de História por meio das ideias históricas de estudantes do Ensino Médio, Elaine Prochnow Pires e Cristiani Bereta da Silva analisam as ideias históricas de jovens estudantes do ensino médio de uma escola estadual de Santa Catarina a respeito dos conteúdos sobre a ditadura militar brasileira (1964-1985) com o objetivo de discutir as representações das mulheres e das relações de gênero no ensino de história do Brasil. As autoras propõem uma sequência didática que problematiza as narrativas construídas pelos(as) estudantes sobre o tema, visando refinar sensibilidades e desenvolver olhares mais críticos sobre questões de gênero, feminismos e história das mulheres.

Vanderlei Machado e Carla Simone Rodeghero apresentam Os Livros didáticos e a História da participação das mulheres no Movimento Estudantil, artigo no qual analisam a maneira como onze livros didáticos de história (distribuídos pelo PNLEM / 2008) abordam, por meio de textos e imagens, a participação feminina no movimento estudantil brasileiro entre os anos de 1964 e 1968. Para os autores, o número de pesquisas que abordam participação feminina no movimento estudantil no Brasil cresce, no entanto, referências veiculadas nos livros didáticos ainda são poucas.

Em Da teoria à prática: gênero, saberes docentes e desafios contemporâneos, Cintia Lima Crescêncio discute as contradições de nosso tempo presente marcado, por um lado, pelo fortalecimento dos estudos de gênero e consequente conquista de espaços no campo do ensino, especialmente por meio da formação de professores e, por outro, pela ascensão de projetos de lei com características conservadoras, inspirados em programas como o Escola sem Partido.

Ana Maria Marques, por intermédio da análise de duas telas históricas de Moacyr Freitas, apresenta debates referentes às questões de gênero e étnico-raciais em Havia uma Rosa e uma Vitória na representação pictórica da História de Mato Grosso. A autora propõe a desconstrução de violências, dentre as quais as de gênero, ao analisar as duas únicas telas do acervo do autor em questão que trazem mulheres como protagonistas.

Ainda alinhado a proposta deste dossiê, apresentamos a tradução do artigo “Não ensinamos mais a história da França na escola!” Mas ensinamos o que então?, de Henry Rousso. Neste, o autor posiciona-se diante de uma querela ocorrida na primavera francesa de 2015 a respeito de novos programas de História que deveriam nortear o ensino escolar da disciplina. Tal texto possibilita-nos pensar acerca de questões como as potencialidades do ensino de história e, consequentemente, de seus diversos usos políticos.

Na seção Artigos, Thiago Reisdorfer, em Uni-la: O processo de construção de uma universidade intercultural para a integração latino-americana, assume a instituição universitária e suas diferentes dimensões como objeto de pesquisa e analisa a formação da Universidade Federal da Integração Latino-Americana, percebendo-a pelo viés da integração intercultural.

Daniela Queiroz Campos, em Garotas de papel: a arte gráfica e os traços de Alceu Penna trata da produção gráfica de Alceu Penna. Através da análise meticulosa de colunas e daquilo que as caracteriza – diagramação, cores, imagens, traços, qualidade de impressão – apresenta um panorama sobre a arte gráfica brasileira no século XX e problematiza elementos concernentes ao reconhecimento e / ou possibilidade de enquadramento de Penna como designer.

O artigo Transformações urbanas na cidade de Florianópolis (1989-2011): a derrubada do Bar do Chico no bairro Campeche, de Carolina do Amarante e Luciana Rossato, discute as mudanças na cidade de Florianópolis, desde a década de 1980, a partir da análise dos discursos veiculados nos jornais. Para as autoras, os textos jornalísticos promovem e defendem a necessidade de preservar a identidade e a cultura açoriana, ao mesmo tempo em que a cidade e seus bairros costeiros como, por exemplo, o Campeche, passam por transformações devido ao crescimento populacional decorrente do desenvolvimento do turismo. O caso do Bar do Chico, construído na década de 1980 e demolido vinte anos depois, torna-se exemplificativo para a análise em questão.

Karla Simone Willemann Schütz, em “Uma incursão estranha”: a história oral na UFSC e as entrevistas de Simão Willemann (década de 1970), examina aspectos da criação e da trajetória do Laboratório de História Oral da Universidade Federal de Santa Catarina e mapeia alguns dos pressupostos que orientaram seu estabelecimento. Para tanto, parte de um estudo realizado sobre as pesquisas desenvolvidas pelo historiador catarinense Simão Willemann durante a década de 1970, em diálogo com publicações brasileiras sobre história oral, editadas no país entre as décadas de 1970 e 1990.

Na seção Resenhas, Natan Alves David realiza uma análise de Um país impresso: História do Tempo Presente e revistas semanais no Brasil, publicação de 2014 organizada por Silvia Maria Favero Arend. Ana Terra de Leon resenha Vigiar e Medicar: estratégias de medicalização da infância, livro organizado por Sandra Caponi, Marua Fernanda Vásquez-Valencia e Marta Verdi, publicado em 2016.

Agradecemos a todas e a todos que colaboraram com este número. Boa leitura!

Caroline Jaques Cubas

Joana Vieira Borges

Organizadoras


CUBAS, Caroline Jaques; BORGES, Joana Vieira. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.29, 2017. Acessar dossiê [DR]

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História e movimentos sociais / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2016

A expressão “movimento social”, como afirma Peter Burke, passou a ser empregada a partir da década de 1950 por sociólogos americanos e entrou para o campo da História com Eric Hobsbawm na obra Rebeldes e Primitivos, de 1959. Desencadeou, a partir daí, uma série de estudos envolvendo antropólogos, sociólogos e historiadores. [1]

O XVI Encontro Estadual de História promovido pela ANPUH-SC ocorreu no mês de junho de 2016, na cidade de Chapecó, no Campus da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS. A universidade foi criada em 2010 após uma grande mobilização dos movimentos sociais da região. A ANPUH-SC, para homenagear esses movimentos, decidiu como tema para o XVI Encontro: “História e Movimentos Sociais”. A temática acabou atraindo vários pesquisadores que estão dedicando seus estudos sobre o assunto, muitos militantes dos movimentos sociais, principalmente ligados ao campo, que também participaram efetivamente do evento. Destaca-se a participação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com apresentação musical fruto de um projeto de extensão desenvolvido pela UFFS junto ao movimento.

O Encontro de História ocorreu em meio a uma grande efervescência política e social no país, como a luta contra o golpe jurídico parlamentar, a luta contra a perda de direitos, desenvolvida pela a mais vasta gama de movimentos sociais. Desta forma, a temática “História e Movimentos Sociais” acabou ganhando ainda mais relevância. Nesse sentido, optamos em desenvolver esse número da revista Fronteiras com o Dossiê História e Movimentos Sociais, aproveitando assim a emergência do tema para a atualidade em que nos encontramos.

O presente número inicia com o artigo de Paulo Pinheiro Machado “História e movimentos sociais: a vida, a História e a Democracia” – que foi a conferência de abertura do evento – e destaca os movimentos camponeses no sul do Brasil, relacionando com os aspectos da democracia brasileira e como esses temas são tratados no campo da História. Alexandre Assis Tomporoski contextualiza o movimento do Contestado com a concentração fundiária na região. Esta tem sua origem no século XIX e permanece até os dias atuais. A expansão colonizadora na região oeste de Santa Catarina e a relação com os povos indígenas é analisada por Wilmar R. D’Angelis. A atuação de Vitorino Condá, o Indio Condá, (hoje na memória da cidade de Chapecó, com nome de rua, rádio e estádio de futebol), demonstra como elementos indígenas se envolveram no processo.

A guerra civil ocorrida entre 1835 e 1845 no Sul do Brasil, que ganhou o nome de Revolução Farroupilha, é tratada no artigo de Anderson Marcelo Schmitt. O autor analisa, a partir de uma exaustiva pesquisa documental, as relações cotidianas no período pensando a maneira especial de comportamento das pessoas comuns em meio ao conflito.

Mateus Gamba Torres, no artigo “Movimento estudantil e resistência: Recurso ordinário criminal, AI-5 e a luta dos estudantes da Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu-SP”, analisa como os julgados da época, 1970, pretendiam um discurso de neutralidade jurídica sob o regime de exceção da ditadura militar após a implementação do Ato Institucional número 5.

“O preto feiticeiro Sete Cabeças: a circularidade de crenças e religiosidades na sociedade escravista do século XIX” é o artigo de Paulo Roberto Ataudt Moreira. Estuda o cotidiano da sociedade portoalegrense do século XIX utilizando os processos criminais como fonte. Para o autor, “os autos de corpo de delito podem fornecer-nos aspectos da cultura religiosa em sua materialidade”.

Este número ainda conta com uma entrevista com o historiador José Augusto Pádua, nome de referência nos estudos de História Ambiental, dentro e fora do país. Na entrevista, Pádua conta sua trajetória acadêmica, sua atuação junto ao Greenpeace, assim como aponta questões latentes sobre a importância dos estudos sobre o meio natural.

Por fim, este número da revista é encerrado com a resenha “Uma Martinha vale uma Lucrécia?”, onde Fernando Vorjniak aponta como Raquel Campos traz uma abordagem inovadora, acerca de Machado de Assis, das interpretações sociais dos historiadores e críticos literários que subordinaram a especificidade da literatura machadiana a um princípio de identidade nacional.

Desejamos aos todos uma excelente e produtiva leitura.

Nota

1 BURKE, Peter. História e Teoria Social, 2ªed. São Paulo, UNESP, 2012. Pag. 142.

Antônio Luiz Miranda

Samira Peruchi Moretto


MIRANDA, Antônio Luiz; MORETTO, Samira Peruchi. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.28, 2016. Acessar publicação original [DR]

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História das Ciências e Tecnologias / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2016

A ampla área conhecida como História das Ciências nasceu no período entre as duas grandes guerras mundiais. Enquanto as noções de 1civilização, progresso e a ciência enfrentavam um turbilhão de questionamentos na Europa, os Estados Unidos observavam que os fundamentos da modernidade poderiam ainda ser úteis frente aos desafios da sociedade industrial. Naquela época, em Harvard, o cientista belga Georges Sarton fundou um dos pilares que estruturaram o ensino e a pesquisa ao estabelecer um curso de História das Ciências. De influência comtiana, Sarton considerava, nas palavras de Antônio Augusto Passos Videira, “a ideia de progresso linear, cumulativo e direcionado para um determinado ponto de fuga; a saber: a verdade.” Na perspectiva de Sarton, “a ciência conheceria antecipadamente o seu ponto de chegada. O progresso, no domínio da ciência, seria principalmente teórico, de natureza cognitiva e dependente da genialidade de grandes homens, considerados como gênios da ciência [1] ”.

Tal projeto intelectual, no entanto, não resistiu à Segunda Guerra Mundial e a renovação da historiografia das ciências, pautadas principalmente pela influência de Thomas Kuhn, em 1962 – com a publicação de “As estruturas das revoluções científicas”. Mesmo com os questionamentos às noções de paradigma propostas por Kuhn, já a partir da década de 1970, é importante mencionar que cada vez mais o projeto intelectual reunido sob o campo amplamente vasto que é a História das Ciências, afastou-se da construção de uma ideia de reconhecimento dos chamados “gênios da ciência” e de seus “feitos revolucionários”. Como pontua Stephen Shapin, a ciência ao longo do século XX tornou-se parte da indústria, e cada vez mais as inovações científicas aconteceram dentro deste processo e foram realizadas por equipes de “anônimos”, aos quais o grande público desconhece. [2]

Em outro ponto, mesmo em suas primeiras formulações à moda comtiana, a História das Ciências tornou-se um campo interdisciplinar por excelência. Se aos Annales coube propor, após 1929, um diálogo com outras ciências, a História das Ciências já nascia dentro de uma perspectiva interdisciplinar, como também incluindo pesquisadores de diversas áreas. Em resumo, a História das Ciências, durante longo período, não foi um projeto intelectual restrito aos historiadores. Físicos, químicos, matemáticos, entre outros, e à sua maneira, estabeleceram uma produção voltada a demonstrar como chegou-se a determinado conhecimento, a determinada “descoberta” científica. Aos poucos, historiadores e sociólogos, principalmente, construíram uma agenda de pesquisa e exerceram uma considerável influência acerca do tema, acompanhando as renovações propostas pela historiografia e pela teoria social, e sem excluir os historiadores não profissionais. Desta forma, se por um lado a ideia de renovação de métodos, experimentação, formulação de novas teorias ou revisionismo das “descobertas”- que influenciaram a sociedade moderna, iniciaram o debate, por outro, os historiadores e sociólogos da ciência trouxeram conceitos que renovaram em muito as pesquisas na área.[3] Surgiram novos temas e novas abordagens: gênero, poder, impactos sociais, questões ambientais, sem contar os inúmeros questionamentos sobre determinadas noções de método e verdade.

Também, os estudos em História das Ciências popularizaram-se desde a Inglaterra, o berço da Revolução Industrial, Itália, França e Estados Unidos, para os países que até recentemente eram considerados enquanto periferia – outro conceito muito questionado pela historiografia recente. No Brasil, existem cursos de Pós-Graduação, como a Casa de Oswaldo Cruz (COC / Fiocruz), a Universidade Federal de Minas Gerais e outras universidades e instituições voltadas à formação de mestres e doutores na área, assim como uma associação – a Sociedade Brasileira de História das Ciências (SBHC). Em outras palavras, a pesquisa em História das Ciências no Brasil está consolidada, integrada internacionalmente e pronta para novos desafios.

Buscando contribuir para este debate, este número da Revista Fronteiras apresenta o dossiê “História das Ciências”, reunindo trabalhos de diversos pesquisadores nacionais e estrangeiros.

Stuart McCook que trabalha desde 2003 na University of Guelph, Ontário, Canadá foi o entrevistado desta edição, professor e pesquisador canadense falou sobre sua trajetória e as perspectivas de pesquisa que relacionam ciência e ambiente. O historiador norte-americano Paul Josephson também contribui com um artigo original para este volume de Fronteiras. Josephson é professor de História no Colby College, no estado do Maine, Estados Unidos e da Universidade Estatal de Tomsk, na Rússia. Tem mestrado pela Harvard University e doutorado pelo Massachusets Institute of Technology (MIT). Autor do clássico Industrialized Nature: Brute Force Technology and the Transformation of the Natural World. No artigo “Big Science e tecnologia no século XX” propõe pensar histórias da ciência e da tecnologia no século XX como constructos humanos de larga escala; nunca como objetos em si, mas sim grandes sistemas de instituições políticas, econômicas, sociais e de engenharia. Com isto, abre-se um importante campo conceitual para a renovação de pesquisa em temas já abordados pela historiografia brasileira, como as usinas hidrelétricas, e outras formas de big science, presentes no Brasil.

O número conta com trabalhos de pesquisadores brasileiros que exploraram uma grande quantidade de temas e abordagens, demonstrando os impactos sociais e ambientais de saberes científicos e trazendo novas questões. Jó Klanovicz contribuiu com o artigo “Tecnologia de Força Bruta e história da tecnologia: uma leitura historiográfica”, onde aborda a historiografia de um conceito pouco difundido no Brasil, mas importante para o debate entre ciência e tecnologia, já exposto acima: Brute Force Technology ou a “tecnologia de força bruta”. Entendida por Paul Josephson como “os modos pelos quais a ciência, a engenharia, a política, as finanças agem de maneira conjunta para dar ímpeto a sistemas tecnológicos de larga escala que usamos para manejar recursos naturais”. Na esteira deste debate, o artigo “a difusão dos agrotóxicos como tecnologia benéfica ao agricultor: o papel das cooperativas agropecuárias”, de Elisandra Forneck e João Klug, demonstra como uma determinada ideia de que a “boa utilização” de agrotóxicos poderia beneficiar o agricultor catarinense. Por outro lado, o artigo demonstra as relações propostas por Josephson em seu conceito de “tecnologia de força bruta”, quando as cooperativas receberam apoio do Estado para difundir a modernização agrícola e constituíram-se enquanto importantes parceiras comerciais de multinacionais, que distribuem os agrotóxicos no Brasil.

O artigo de Vanessa Pereira da Silva e Mello e Dominichi Miranda de Sá, “O ‘agricultor progressista’: ciência e proteção à natureza em A Lavoura (1909-1930)” observa a divulgação científica em um período anterior à Revolução Verde, objetivando a promoção da aplicação de conhecimentos científicos no campo e da conservação da natureza brasileira pelo Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (MAIC) entre 1909 e 1930. A pasta visava expandir a consciência da importância da modernização da agricultura e da diversificação da produção. Se a produção agrícola e a relação com o ambiente foram a tônica dos artigos mencionados até o momento, o texto do professor João Klug, “Entre ciência e aventura: considerações em torno da Expedição RooseveltRondon” nos traz outra perspectiva sobre a ciência: o avanço aos sertões e a possibilidade de transferir espécies. Plantas e animais oriundos do pantanal de Mato Grosso e da Amazônia, foram aclimatados nos Estados Unidos, visando a posterior utilização econômica. Também, o texto “O ato de coletar espécimes silvestres e a legislação brasileira”, de Aline Maisa Lubenow e Magali Romero Sá, explora parte da vida e obra do coletor e colecionador alemão Fritz Plaumann. Radicado no Brasil, mais especificamente em Nova Teutônia, Santa Catarina, desde 1924, Plaumann tornou-se conhecido nacional e internacionalmente pelas suas coleções construídas, em sua maioria, com espécimes oriundas da região Oeste de Santa Catarina e de seus sertões. O artigo aborda o impacto causado ao trabalho de Plaumann a partir das modificações na legislação ambiental brasileira na década de 1960, e como essa nova lei afetou o ato de coletar e comercializar espécimes silvestres.

“Uma geometria de linhas claras: técnica e ciência como ideologia no pensamento político de Colombo Salles (1971-1975)”, de Ricardo Duwe, traz à tona a questão da ciência e técnica como projeto de governo. De acordo com o autor, o pensamento político de Colombo Machado Salles durante a sua gestão enquanto governador do Estado de Santa Catarina esteve ligada a uma ideia de defesa e propagação da técnica e da ciência enquanto uma ideologia. E neste sentido, o artigo demonstra como tais ideais foram bem recepcionados por parte da elite política catarinense.

O presente número é composto ainda, por dois artigos e duas resenhas. Abordando a relação entre História e Memória: em “As outras margens do Rio”, de Maria de Fátima Oliveira e Ademir Luiz da Silva, os autores debatem aspectos da cultura e cotidiano da vida ribeirinha nas longas viagens fluviais das cidades localizadas no Alto Tocantins até o porto de Belém. E em “A república que não nos pariu”, José Bento Rosa da Silva observa, através da leitura de processos crimes, a trajetória de dois ex-escravizados africanos nos primeiros anos do regime republicano, na então província de Santa Catarina. O autor aponta as dificuldades destes ex-escravizados no período, mas adverte que esta narrativa não é de submissão: “eles criaram suas estratégias de sobrevivências em meio às mudanças em curso. ” Isadora Muniz Vieira resenhou a obra de Jean-François Sirinelli, “Abrir a História: novos olhares sobre o século XX francês” e Jaine Menoncin o livro “Vastos Sertões: História e Natureza na Ciência e na Literatura”, as autoras elucidam as temáticas apontadas em cada obra e despertam a curiosidade do leitor aos livro resenhados.

Por fim, os organizadores agradecem a todos que colaboraram neste número de Fronteiras com a certeza de que a edição abordou questões das mais relevantes para os estudos de História da Ciência, quais sejam: as relações entre local e global (Stuart McCook) na América Latina, a “Tecnologia de Força Bruta” (Paul Josephson e Jó Klanovicz) e os agrotóxicos (Elisandra Forneck e João Klug), produção agrícola e divulgação científica (Vanessa Pereira da Silva e Mello e Dominichi Miranda de Sá), transferência de plantas e animais, expedições científicas (João Klug), coleções e legislação ambiental (Aline Maysa Lubenow e Magali Romero Sá), assim como a ciência e a técnica enquanto projeto de governo. Oferecendo temas e abordagens variadas, esperamos que todos façam uma boa leitura.

Chapecó, julho de 2016.

Notas

1. VIDEIRA, Antônio Augusto Passos. História e historiografia da ciência. In: Escritos, ano 1, n.1, 2007. p. 132.

2. SHAPIN, Stephen. Nunca pura. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013. Ver especialmente a parte I, intitulada “Métodos e Máximas”.

3. Idem. Ibidem.

Claiton Marcio da Silva

Samira Peruchi Moretto

Organizadores


SILVA, Claiton Marcio da; MORETTO, Samira Peruchi. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.27, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Segunda Guerra Mundial e o Brasil: 70 anos depois / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2015

Compreender os processos políticos, econômicos, sociais e culturais que envolveram o Brasil na Segunda Guerra Mundial, remete a novas possibilidades interpretativas para a História do Brasil Contemporâneo, pois, como enfatizou Elizabeth Cancelli em entrevista recente, é imprescindível conhecer mais a fundo a violência política nos processos históricos enveredados pelo país no século XX. Afinal, indicou ela, os anos Vargas e a ditadura militar “deixaram uma herança muito grande em nossa cultura política, infelizmente. Houve, entretanto, rupturas e continuidades. São dois períodos ditatoriais que se utilizaram da violência em seus projetos políticos de poder.” (CANCELLI, 2013:12).[1]

A polícia, na Era Vargas, utilizava costumeiramente a violência como instrumento de manutenção da ordem e controle social e, portanto, como parte de uma concepção de mundo, com todas as suas implicações e repercussões no conjunto da sociedade. Em particular, as contingências do período autoritário caracterizado pelo Estado Novo, entre 1937 e 1945, marcaram significativamente a vida de grupos étnicos no Brasil e reverberaram tanto no âmbito das políticas institucionais, quanto na questão da família, da língua, etc.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os aparatos repressivos incidiram de forma abrupta sobre populações ítalo-germânicas e nipônicas, culminando com processos no Tribunal de Segurança Nacional, organismo que se tornou uma espécie de ‘tribunal do medo’. Por isso, em muitas localidades do interior do país falar da guerra ainda é um tabu, traduzido em rancores e silêncios. Nesse sentido, organizar e publicar o Dossiê Segunda Guerra Mundial e o Brasil: 70 anos depois, com artigos de diferentes enfoques sobre a memória, as intolerâncias e preconceitos, o Integralismo, as relações interacionais, a economia, a repressão, possui toda uma atualidade para uma compreensão mais ampla e profunda do papel da violência na cultura política brasileira e catarinense.

Nessa perspectiva, João Fábio Bertonha discute a suposta “naturalidade” na formatação das duas alianças chave da Segunda Guerra Mundial: os Aliados e o Eixo, observando os interesses geopolíticos, econômicos, de poder e ideológicos na composição e desses dois blocos em luta. Dennison de Oliveira apresenta pesquisa sobre a política de Defesa Hemisférica desenvolvida durante a Segunda Guerra Mundial pelos Estados Unidos da América (EUA) em aliança com o Brasil e o enfrentamento das ameaças (reais ou supostas) dos países do Eixo ao continente; problematizando a forma como ela era entendida pelas autoridades militares brasileiras e estadunidenses. Ludolf Waldmann Júnior procura entender o papel da Marinha do Brasil no processo de alinhamento do país aos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, destacando o apoio daquela arma a tal alinhamento.

Andrea Helena Petry Rahmeier aborda questões relacionadas ao corte das relações diplomáticas entre Brasil e Alemanha em janeiro de 1942 e à declaração de guerra, em agosto do mesmo ano, analisando documentação militar e diplomática alemã. Já Méri Frotscher busca memórias de pessoas que emigraram para a Alemanha em 1938, explorando histórias de vida, a repressão ao partido nazista no Sul do Brasil, a emigração, a vida em meio ao conflito, e a repatriação ao Brasil, em 1946 / 7.

Moisés Wagner Franciscon explora textos jornalísticos de jornais do PCB sobre a produção cinematográfica soviética voltada para a Segunda Guerra, e as formas como se dava esse contato através de jornais do PCB, buscando apreender seu alcance e conteúdo. Marcos Dalcatagne estuda a conjuntura econômica brasileira dos anos de 1942 a 1945, período de intensa produção do medo da escassez que afligia a população, tentando compreender como variados seguimentos da população vivenciaram esta situação.

Bibiana Werle analisa memórias de descendentes de imigrantes alemães de um município do Rio Grande do Sul trazendo à tona lembranças de um tempo marcado por proibições em relação a suas representações de caráter étnico, setenta anos após o fim do Estado Novo e da Segunda Guerra Mundial. Leandro Mayer mostra a repressão sofrida pelos moradores de Itapiranga (SC) durante o Estado Novo de Vargas, visto que ali se concentrava um núcleo relativamente homogêneo de alemães católicos, afetando fortemente a história regional e remodelando a sociedade local. Por fim, Gustavo Tiengo Pontes trata de notícias e seções relacionadas com a temática das Forças Armadas que foram publicadas no jornal integralista “Flamma Verde” editado em Florianópolis entre 1936-1938; procurando contribuir para um melhor entendimento das relações dos chamados “camisas-verdes” com as Forças Armadas.

Por seu turno, na sessão Traduções, Carlo Romeo, integrante da Associação Nacional dos Partisans da Itália (Associazione Nazionale Partigiani d’Italia) apresenta o texto A Resistência italiana no Alto Ádige e a questão sul-tirolesa, fruto de apresentação no Colóquio “Resistência e Autonomia, em ocasião do Dia da Autonomia”, em setembro de 2015com uma interpretação da resistência italiana durante a Segunda Guerra Mundial

Na sessão Resenhas, Juliano Benatti Machado Paz apresenta o livro Tempos diferentes, discursos iguais: a construção do corpo feminino na história, de Ana Maria Colling; e Yomara Feitosa C. de Oliveira Fagionato resenha a obra Histórias na ditadura: Santa Catarina (1964-1985), organizada por Ana Brancher e Reinaldo Lindolfo Lohn.

Nota

1. CANCELLI, Elizabeth. VIOLÊNCIA NA VIDA POLÍTICA BRASILEIRA E A URGÊNCIA DE NOVAS PESQUISAS HISTÓRICAS. Entrevista. Revista NUPEM, Campo Mourão, v. 5, n. 9, jul. / dez. 2013.

Luiz Felipe Falcão

Marlene de Fáveri

Editores


FALCÃO, Luiz Felipe; FÁVERI, Marlene de. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.26, 2015. Acessar publicação original [DR]

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Ensino de História / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2015

O número 25 da revista Fronteiras, a Revista Catarinense de História, traz o Dossiê Ensino de História como um convite à reflexão de profissionais dos diferentes níveis de ensino e acadêmcios que acreditam, buscam e fazem do seu oficio uma luta constante por formas diferenciadas de apreneder e ensinar História para além das velhas formas canômicas.

Neste número apresentamos artigos que tratam deste tema produzidos por graduandos / as em História a professores / as que possuem larga experiência como docentes tanto no ensino básico como no superior.

No artigo Educar para o “são patriotismo”: o ensino de História e a Educação Primária catarinense nas décadas de 1910-1930 as autoras de Luiza Pinheiro Ferber e Cristiani Bereta da Silva discutem “a seleção de saberes históricos para a Educação Primária catarinense nas primeiras décadas do século XX, destacando-se seus usos e atribuições de finalidades para a conformação de sujeitos patrióticos”. A partir da análise dos programas de ensino e relatórios das primeiras décadas do século XX problematizou-se os saberes selecionados para serem estudados nos Grupos Escolares e nas Escolas Isoladas. Segundo as autoras estes materiais “serão analisados como documentos / monumentos, percebidos como instrumentos de poder, cujos discursos não têm relação direta com as práticas que designa, mas que informam representações de práticas que possuíam razões, códigos, finalidades e destinatários específicos que dão a ler e interpretar as marcas e interesses sociais de um determinado tempo”.

O segundo artigo também trata da história no ensino inicial, só que na atualidade e em uma escola na cidade de Parintins / Amazonas. Maria Aparecida Batista Pereira e Clarice Bianchezzi no artigo intitulado O Ensino de História nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: desafios e possibilidades em uma escola municipal de Parintins / Amazonas apresentam o resultado de uma pesquisa desenvolvida na Escola Municipal “Santa Luzia” do Macurany – Parintins-AM, no qual tinham como objetivo identificar como o Ensino de História nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental está sendo desenvolvido.

Jean Carlos Moreno e Sabrina Felício de Souza contribuem para este dossiê com o artigo Consciência histórica: uma proposta a partir das representações da identidade afro-brasileira na produção teatral no qual traz uma proposta de utilização, na aprendizagem escolar da História, de peças teatrais que colocaram em evidência a questão afro-brasileira no século XX. A partir das peças teatrais Sortilégio II: mistério negro de Zumbi redivivo (1951; 1979) e Arena Conta Zumbi (1965) é discutido questões referentes a Didática da História, a subjetividade dos estudantes e a ressignificação dos discursos identitários brasileiros.

O artigo Forma escolar e os manuais de didática da História no Brasil de Osvaldo Rodrigues Junior “discute as aproximações entre a forma escolar e os manuais de Didática da História destinados a professores no Brasil.” A partir da discussão desenvolvida por Vincent, Lahire e Thin (2001) o autor buscou “identificar a relação entre a constituição da disciplina de História e os manuais de Didática da História no Brasil.”

Lara Rodrigues Pereira no seu artigo Cinema e ensino de História: notas sobre formação, rotinas e práticas de professores aprofunda a discussão sobre o uso de filmes em sala de aula. Após pesquisa feita com professores da rede Municipal de ensino de Florianópolis em 2011 a autora desenvolvu sua análise a fim de “compreender o lugar ocupado pelo cinema na formação acadêmica dos entrevistados e, os usos que estes fazem de filmes em sua prática docente.”

Carolina Corbellini Rovaris e Jéssica Cristina Back Gamba contribuíram com o artigo O ensino de História no Noturno: especificidades, desafios e perspectivas. A partir da experiência de estágio em uma turma de 1º Ano, desenvolvido como parte da formação das autoras no Curso de História da UDESC, as autoras tem como “objetivo discutir as especificidades do ensino de História no ensino médio noturno, através da, apontando os desafios desta trajetória e perspectivas de um ensino que considere suas características singulares e contribua para a aprendizagem histórica do aluno.”

Além dos artigos, o dossiê é composto pela resenha Campanha de Nacionalização, Ensino de História e História da Educação, de autoria de Rosiane Ribeiro Bechler. A autora comenta o livro “Educar para Nação: cultura política, nacionalização e ensino de História nas décadas de 1930 e 1940”, uma coletânea composta artigos que problematiza as interseções entre a Campanha de Nacionalização promovida nos governos de Getúlio Vargas (1930-1945), a História da Educação, o Ensino de História e a narrativa histórica sobre o estado de Santa Catarina no referido período.

Apresentamos este Dossiê com agradecimentos a todos os colaboradores para sua realização. Entendemos que ao socializarmos essas produções, resultado de estudos e pesquisas, tenhamos contribuído com os questionamentos, novas formas, problematização e interlocução entre os professores e acadêmicos que militam em prol de um Ensino de História aberto a novas possibilidades.

Esperamos que a leitura dos artigos aqui publicizados inspirem o leitor a outras leituras, escrituras e práticas.

Boa leitura!

Elison Antonio Paim

Luciana Rossato

Organizadores do Dossiê


PAIM, Elison Antonio; ROSSATO, Luciana. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.25, 2015. Acessar publicação original [DR]

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1964-2014: Memórias, testemunho e Estado / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2014

O número 24 da revista Fronteiras, a Revista Catarinense de História, traz o Dossiê – 1964-2014: memórias, testemunho e Estado, com discussões produzidas a partir do XV Encontro Estadual de História da ANPUH-SC – “1964-2014: Memórias, Testemunhos e Estado”, ocorrido em agosto de 2014, em Florianópolis. Neste volume, o dossiê apresenta artigos de autores e autoras que se debruçaram, em diferentes perspectivas e enfoques, na temática que envolveu o período militar no Brasil, especialmente no Estado de Santa Catarina; e um relato da Comissão da Verdade em Santa Catarina. Também apresenta artigos de fluxo contínuo e resenhas.

Caroline Jacques Cubas apresenta o artigo Igreja Católica em tempo de ditadura militar: do diálogo à subversão em páginas impressas, onde problematiza os posicionamentos desta instituição religiosa em relação ao regime militar; as representações sociais e políticas observadas em periódicos nacionais entre 1968 e 1979. Reinaldo Lindolfo Lohn, no artigo intitulado Santa Catarina e a ditadura empresarial: o caso da política agrária, nos mostra como a política agrária dos setores vinculados à agropecuária empresarial em Santa Catarina, encontrou meios para impor diretrizes e interesses com a instauração do golpe militar; e analisa o aparelho estatal ao longo das décadas de 1950 e 1960.

O documentário “Que bom te ver viva” é tema de estudos de Arielle Rosa Rodrigues e Mariana Cristina Silva. As autoras analisam questões relacionadas com as memórias de mulheres ex-militantes da esquerda revolucionária brasileira, sobreviventes da tortura física e psicológica sofridas nas prisões da ditadura, entre as décadas de 1960 e 1970; refletem sobre a relação entre história e memória e as experiências traumáticas vividas por mulheres. Segue o tema das mulheres com o artigo Novembrada: as mulheres, o cárcere e as solidariedades, de Marlene de Fáveri. A autora recupera memórias de mulheres que participaram do evento contestatório ao regime militar ocorrido em Florianópolis, em novembro de 1979; mostra parte do cotidiano da prisão, os atos de solidariedade e as resistências, observando as relações de poder e gênero.

Em seguida, o artigo de Luiz Felipe Falcão que traz o título Alegorias da verdade: esboços nas conexões entre História Oral e História do Tempo Presente sobre a resistência à ditadura e o processo de democratização no Brasil nas últimas décadas do século XX. O autor analisa depoimentos de ex-militantes e ativistas das esquerdas brasileiras acerca de suas atividades de resistência ao regime militar, e o processo de democratização; aborda versões dos acontecimentos e reflexões historiográficas para formulações de uma história do Tempo Presente.

Derlei Catarina de Luca apresenta um relato dos trabalhos da Comissão Estadual da Verdade de Santa Catarina, criada para auxiliar a Comissão Nacional da Verdade; o intuito era de examinar e esclarecer as violações de direitos humanos praticadas por motivação exclusivamente política, ocorridas entre 1946 e 1988, no Estado de Santa Catarina. Esta Comissão foi criada por decreto governamental em março de 2013, com o objetivo de efetivar o direito à memória e à verdade histórica. Neste relato, que se intitula A Busca da Verdade, a autora historiciza os trabalhos da Comissão; seus resultados; publiciza nomes de pessoas que estiveram sob a mira do aparato repressivo; as resistências; assassinatos; torturas; e conclui que é “Para que nunca se esqueça. Para que nunca mais aconteça.” Derlei Catarina de Luca é membro da Comissão Estadual da Verdade e militante do Coletivo Catarinense Memória, Verdade, Justiça.

Na seção Artigos, André Souza Martinello e Marcos Fábio Freire Montysuma apresentam o texto intitulado Experiências e percepções ambientais de migrantes japoneses no sul do Brasil nos anos de 1950 a 197; observam, através das memórias destes migrantes, o contato com diferentes configurações geográficas, climáticas e culturais; as adaptações e as diferenciações em relação aos espaços de terra trabalhados. Noutro artigo, com o título “Não deixe o Canto do Morcego acabar”: embates entre preservacionistas e investidores na Praia Brava – Itajaí (SC), Gloria Alejandra Guarnizo Luna mostra as denúncias sobre a ocupação de forma desordenada e a consequente destruição da orla marítima no município de Itajaí, analisando discursos das mídias contemporâneas e os movimentos de resistência da população.

Na seção Resenhas, Waldir José Rampinelli faz uma análise sobre a trilogia de Elio Gaspari, que trata da ditadura militar brasileira: A ditadura envergonhada: as ilusões armadas; A ditadura escancarada: as ilusões armadas, e A ditadura derrotada: o sacerdote e o feiticeiro. Heloísia Nunes dos Santos resenha o livro de Derlei Catarina de Luca, No corpo e na alma; e Daniele Beatriz Manfrini apresenta a obra de Margareth Rago, A aventura de contar-se.

Marlene de Fáveri

Janine Gomes da Silva

Samira Moretto Peruchi

Organizadoras do Dossiê


FÁVERI, Marlene de; SILVA, Janine Gomes da; PERUCHI, Samira Moretto. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.24, 2014. Acessar publicação original [DR]

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História Ambiental e Migrações / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2014

Por muito tempo a História foi vista como uma disciplina que enfocava as correlações sociais, políticas e econômicas, sobrepujando outras categorias de análise. No entanto, esta premissa foi superada e outras relações passaram a ser vistas como fundamentais para a compreensão da própria disciplina da História. Segundo o historiador Donald Hughes, a História Ambiental pode adicionar bases e perspectivas a conceitos tradicionais dos historiadores: guerra, diplomacia, política e economia, revelando relações entre esses conceitos e o mundo físico [1].

Partindo deste mesmo pressuposto, o Dossiê de História Ambiental e Migrações, número 23 de Fronteiras, a Revista Catarinense de História, visa analisar a problemática ambiental com enfoques distintos em sua relação com a sociedade.

Marlon Brandt, em Agricultura e urbanização na paisagem do município de São José-SC (Séculos XVIII a XX), procura analisar as transformações da paisagem do município de São José, SC, partindo da ocupação açoriana no século XVIII, até a intensificação do crescimento urbano e adensamento demográfico na década de 1970, que foram modificando espaços que antes assumiam uma feição caracteristicamente rural em bairros densamente povoados.

Sandro Dutra e Silva busca identificar a postura de enfrentamento à natureza presente nos discursos da Marcha para Oeste, no artigo O desbravador do Oeste e as narrativas do enfrentamento e devastação da natureza na construção da Rodovia Belém-Brasília. Com a finalidade de identificar as representações do desbravador do Oeste, por meio da criação da imagem heroica de Bernardo Sayão, o texto procura se fundamentar nos pressupostos teóricos-metodológicos da História Ambiental, e baseia-se em diferentes fontes e documentos para caracterizar as representações da natureza no imaginário social brasileiro das décadas de 1940 a 1950.

Dando enfoque nas migrações contemporâneas, Emerson César de Campos e Michele Gonçalves Cardoso, em Migrações internacionais e família: experiências de migrantes criciumenses em configuração transnacional, analisam como o município de Criciúma tem se destacado pelo elevado número migrantes que partem da cidade rumo aos Estados Unidos ou para a Europa, em especial a Itália. Esses processos migratórios promoveram novos arranjos familiares e desempenham um importante papel na manutenção do projeto migratório e das novas configurações familiares. Soeli Regina Lima, também aborda a temática de migração no artigo Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico. A autora analisa a trajetória de Luís Szczerbowski numa perspectiva bibliográfica, para entender o desenvolvimento econômico na cidade de Três Barras, em Santa Catarina.

Roberta Barros Meira procura comparar a importância recíproca entre natureza, imigração e agricultura, nos discursos dos diferentes atores ligados diretamente a questões como a ocupação e defesa do território e a transição da mão de obra escrava para a livre em Entre a experiência e a fantasia: natureza, agricultura e imigração no Brasil do Império.

Em História Ambiental do(s) Agreste(s) de Pernambuco: As ações humanas no ambiente natural sob a ótica dos indígenas e dos estudos acadêmicos (Séculos XIX – XX), Edmundo Monte aborda as mudanças ocorridas no ambiente natural do atual Agreste pernambucano, como consequência das ações humanas na região, sobretudo entre os séculos XIX e XX, para atender os ideais de progresso da nação.

Jackson Peres analisa como se deu a exploração dos recursos naturais na região da Baixada do Maciambú, no artigo A exploração dos recursos naturais no Porto dos Patos entre os séculos XVI e XIX. O autor mostra como os navegadores, desde o século XVI, usufruíram dos recursos naturais, especialmente de água, lenha e caça, bem como dos alimentos produzidos pelos indígenas que viviam na região.

Em Discussões acerca da necessidade de instalação de colônias agrícolas no sul de Mato Grosso (1889-1920), foi feita uma análise com base na colônia de Terenos, sobre a primeira experiência de colonização pública naquele estado. No artigo, Vinicius Rajão da Fonseca faz uma discussão entre a configuração da fronteira no sul de Mato Grosso, nas décadas finais do século XIX, e os discursos sobre a necessidade da colonização do estado, através da instalação de núcleos coloniais agrícolas.

Simoni Mendes de Paula, em A utilização dos recursos energéticos no rio Itajaí-Açú (SC), analisa os projetos para a produção de energia elétrica no rio Itajaí-Açú, em Santa Catarina. No último quartel do século XIX, indústrias como a Hering e a Karsten iniciaram sua produção utilizando-se da energia hidráulica produzida na região do Testo Salto. Nas décadas seguintes, empresas como a Empresa Eletricidade do Salto e a Empresa Força e Luz ratificaram o potencial hidrelétrico do vale do Itajaí com a construção de usinas hidrelétricas.

A mandioca e os carros de boi: ruralidades de uma Ilha ao Sul do Brasil, de Giovana Callado Ferreira, discute as mudanças produzidas pelo processo de urbanização na Ilha de Santa Catarina nos espaços outrora considerados “rurais”. Através da prática do cultivo da mandioca, da produção da farinha e da reemergência dos encontros dos donos de carros de boi, o texto mostra que apesar dos discursos vigentes apontarem para o esvaziamento das práticas de ruralidade, as trocas promovidas entre o “rural” e o “urbano” permitem perceber um universo sócio cultural muito mais complexo do que supunha a velha dicotomia entre o campo e a cidade.

Misael Costa Corrêa, em Alectoromaquia: Os galos de briga dentro da história ambiental, traz aspectos historiográficos da espécie gallus gallus e aponta vestígios de sua provável origem na Ásia, onde, desde muito cedo, a antropização possibilitou sua domesticação e posteriormente sua difusão pelo mundo. Mostra, também, aspectos que tangem à prática das brigas de galos, seus aspectos legais e morais.

Em Ciência e Natureza nas páginas da Revista da Escola de Engenharia de Porto Alegre (1914-1930), Fabiano Quadros Rückert aborda as relações entre a Escola de Engenharia de Porto Alegre e o governo do Partido Republicano Rio-Grandense, e mostra como esta oferece subsídios para compreensão do perfil editorial da EGATEA, destacando questões referentes ao uso da Ciência para exploração da Natureza e o processo de modernização das atividades agrárias no Rio Grande do Sul da Primeira República.

Este número traz ainda a seção de Resenhas, com a resenha da obra Vidal, Vidais: textos de Geografia Humana, Regional e Política, apresentada por Carlos Alberto Menarin.

Esperamos que os leitores possam fazer um ótimo proveito dos mais variados textos apresentados neste número.

Nota

1. HUGHES, Donald. Environmental History and Older History. In: GANDARA, Gercinair Silvério (orgs). Natureza e Cidades: viver entre águas doces e salgadas. Goiânia: PUC / UNIEVANGÉLICA Goiás, 2012. p. 25.

Samira Peruchi Moretto

Eunice Sueli Nodari

Organizadoras do Dossiê de História Ambiental e Migrações


MORETTO, Samira Peruchi; NODARI, Eunice Sueli. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.23, 2014. Acessar publicação original [DR]

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História e Imprensa / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2013

O número 22 da revista Fronteiras, a Revista Catarinense de História, com o dossiê História e Imprensa, apresenta discussões produzidas por pesquisadores e pesquisadoras de diferentes formações e de distintos lugares. Em comum um tema, ou ainda um objeto de estudo: a imprensa. Objeto de investigação complexo e instigante, a imprensa tem feito parte da agenda de pesquisa e análise da historiografia bem como de diversas áreas do conhecimento, e tem recebido notável destaque. Neste volume, apresentamos artigos cujos autores se debruçaram sobre jornais de grande circulação, jornais locais, bem como sobre jornais clandestinos. Assim, temos notícias do cotidiano, de política, de arte, de movimentos sociais, de turismo, dentre outros, analisados à luz dos instrumentos da interpretação histórica.

O artigo de autoria de Luciana Rossato e Mariane Martins, cujo título é “Um pedacinho de terra perdido no mar”: um novo destino turístico em construção, apresenta a discussão através de notícias publicadas no jornal catarinense O Estado na década de 1980. Em meio ao interesse político de impulsionar o turismo na cidade de Florianópolis, este jornal teve papel importante colocando em evidência temas que acionavam o passado da cidade para referenda-la como “destino turístico”.

A mídia catarinense é também discutida no texto de Rafaela Duarte, A euforia na imprensa: o movimento Diretas Já visto pelos jornais catarinenses, no qual a autora procura compreender o papel da imprensa como “ator social” durante o movimento Diretas Já. Tem como fontes textos e fotografias dos jornais O Estado, Jornal de Santa Catarina e A Notícia, todos de circulação em Santa Catarina.

Douglas Satírio da Rocha e Vicente Neves da Silva Ribeiro também de debruçaram sobre a mídia catarinense, e apresentam o artigo com o título Ocupando os editoriais: representações do MST no Jornal Diário da Manhã no Oeste Catarinense (1985 – 1989). Os autores analisam as representações sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) a partir da análise do jornal Diário da Manhã, publicado entre os anos de 1985 e 1989 no Oeste catarinense, e percebem que questões relacionadas ao MST estão presentes no citado jornal em editoriais marcados por opiniões e interesses.

Outro texto sobre a mídia catarinense é apresentado por Anelise Rodrigues Machado de Araujo, As crianças estão nos noticiários: a imprensa escrita periódica na construção da História da Infância (Jornal Diário Catarinense, 1986-1990). Este artigo propõe reflexões relativas à História da Infância a partir de pesquisa realizada no Jornal Diário Catarinense (edições entre 1986 e 1990).

A exposição de notícias em jornais clandestinos do Brasil e do Uruguai, que denunciavam violências cometidas contra mulheres militantes contrárias às ditaduras desses países, é tema do artigo Miriam Alves do Nascimento, Os discursos nas denúncias de violência: Brasil e Uruguai. A pesquisadora utiliza os estudos de Gênero, além da História Comparada e da História Oral, buscando perceber se as autorias de tais jornais se utilizavam de prescrições de Gênero para estabelecer algum tipo de sensibilização junto aos seus leitores.

Crimes que se tornam “sensação” na imprensa carioca do século XIX são discutidos por Marilia Rodrigues de Oliveira, em Quando os crimes se tornam “sensação”: narrativas da imprensa, ciência e moral no Rio de Janeiro da Primeira República. Tais crimes eram apresentados relatando os problemas vividos pelos cidadãos-leitores e também de modo a suscitir o extraordinário ente eles. A autora parte de um caso especifico do caso da “Tragédia da rua Januzzi” para analisar porque determinados crimes mereciam tal espaço na mídia em detrimento de outros.

Completando a revista, na seção Artigos, temos o texto Nasce uma estrela: os primeiros anos da trajetória musical de Elis Regina, onde Andrea Maria Vizzotto Alcântara Lopes estuda a carreia musical da cantora e a recepção à sua obra, bem como a relação desta com a indústria fonográfica e meios de comunicação brasileiros.

Conectando-se com a História: a oficina “A História em diálogo com as NTICs e com o mundo virtual: o saber, o fazer e o ensinar histórico de Marcella Albaine Farias da Costa é outro texto da seção. A pesquisadora traz uma discussão sobre a ampliação da noção de fonte histórica a partir das novas linguagens midiáticas. Mais especificamente trata-se de uma investigação sob a ótica especifica de professores de História em formação inicial que vivem o desafio de pensar o ensino de História a partir das NTICs.

Na seção Resenha, a obra Mujeres peruanas. El otro lado de la Historia, de Sara Beatriz Guardia é apresentada por Edda O. Samudio, com ênfase na historiografia feminina e na historiografia latinoamericana. Temos também a resenha de Luisa Rita Cardoso feita para o livro de Gabriel Felipe Jacomel cujo título é Falar de si, falar de nós: o teatro feminista em tempos de ditadura.

Marlene de Fáveri

Nucia Alexandra Silva de Oliveira

Editoras de Fronteiras – Revista Catarinense de História


FÁVERI, Marlene de; OLIVEIRA, Núcia Alexandra de. Editorial. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.22, 2013. Acessar publicação original [DR]

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História e Linguagens Midiáticas / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2013

O presente número da revista Fronteiras, a Revista Catarinense de História, dossiê História e Linguagens Midiáticas, traz um conjunto de textos resultantes de pesquisas que abordam diferentes linguagens midiáticas contemporâneas como fontes para a escrita da História, bem como a sua aplicabilidade no campo do ensino. Temas e fontes como a internet, as mídias corporativas, mídias impressas, mídias televisivas, filmes, documentários, arte contemporânea, novas tecnologias da informação e da comunicação, analisam os usos destas fontes, suas apropriações e representações em sincronia com as demandas e experiências inseridas na História do Tempo Presente.

O artigo intitulado Internet, História e Esquecimento: sobre pensar o passado escrito no universo virtual, de Sonia Meneses, problematiza relações entre história Internet na produção de memória e artefatos históricos no universo virtual. Antero Maximiliano dos Reis, em Mídias Corporativas e Sociais entre Práticas e Discursos: Trabalhadores Juvenis e fast-foods, observa o processo de comunicação interna das corporações de fast-foods, percebendo a complexa linguagem midiática corporativa através da análise sites, revistas empresariais, e folders de programas de incentivo e competição.

As mídias de comunicação são instituições que produzem e distribuem informações, e isto é analisado num estudo de caso por Sonia Wanderley, no artigo Cultura histórica e as mídias de comunicação. Através do olhar para o telejornal Jornal Nacional, autora percebe relações de poder e capacidade na fabricação de representações que forjam significados e afirmam memórias individuais e coletivas quando invasão militar da Companhia Siderúrgica Nacional, durante uma greve de metalúrgicos, em 1988.

Carlos Eduardo P. de Pinto, em História, sexo e risos: quem tem medo de Xica da Silva?, aborda as relações entre o cinema e a história, através da análise do filme Xica da Silva (Cacá Diegues, 1976), para refletir sobre as formas como os sentidos históricos podem ser transformados pela linguagem cinematográfica, identificando o humor como uma estratégia de politização.

Tendo como fonte a arte contemporânea, o texto Construindo novos sentidos para os palestinos: narrativas visuais de Manal Deeb, de Carolina Ferreira de Figueiredo, analisa como Manal Deeb utiliza sua arte para veicular outros tipos de informações acerca da Palestina que não as das mídias ocidentais, e apresenta outras histórias dos sujeitos desta região. Ao problematizar identidades, Manal se apropria dos sentidos de positividade em relação ao palestino, e a partir de sua própria trajetória, desafia as notícias midiáticas homogeneizadoras.

Já Rafael Rosa Hagemeyer, no artigo Reencenando o drama do passado: a greve no documentário Os queixadas (1978), de Rogério Corrêa, analisa os desdobramentos da ação sindical após o golpe militar de 1964. O filme evidencia as contradições e mudanças do contexto político da abertura, antecipando o que viria ser chamado “cinema de intervenção”. Através da análise da produção do filme e de sua proposta narrativa, interpretada através de críticas, reportagens e entrevista com o autor do documentário, pode-se perceber o alcance e os limites dessa proposta de reconstituição histórica.

Estabelecendo a relação entre História e linguagens midiáticas, Marcella Albaine Farias da Costa, em Conectando-se com a História: a oficina “A História em diálogo com as NTICs e com o mundo virtual: o saber, o fazer e o ensinar histórico”, problematiza como as novas tecnologias da informação e da comunicação ampliam a noção de fonte histórica, modificam as concepções de tempo e espaço, alteram o conceito de arquivo, patrimônio e memória e abrem novas possibilidades à pesquisa e ao ensino de História.

José Antonio Ferreira da Silva Júnior e Natália Ayo Schmiedecke, com o artigo Esquerdas latino-americanas e discursos identitários nos anos 1960 / 70: os casos da revista Casa de las Américas e da Nova Canção Chilena, observam as expressões culturais de artistas e escritores contidas em uma revista e num movimento musical, analisando o engajamento político e intelectual identificado com o imaginário político da época.

Ainda, dois artigos de demanda contínua: de Silvia Maria Fávero Arend, intitulado Ainda vivemos como nossos pais? Notas sobre mudanças nas famílias brasileiras das classes médias urbanas (1980-2000), onde o autor faz uma narrativa histórica, de caráter ensaístico, analisando as principais mudanças que se operaram nas famílias brasileiras das classes médias urbanas, entre 1980 e 2000; e, o de Denilma Santos Figueiredo, As senhoras e as donas nas vilas de Bragança e de Ourém (Pará, Brasil) no século XIX, com análises de testamentos de testamentos e inventários post-mortem das Vilas de Bragança e Ourém do século XIX, onde observa mulheres na sociedade rural daquele contexto, na posse e manutenção do patrimônio familiar herdado, superando o estereótipo de mulher branca frágil e submissa.

Assim, são oito artigos que conduzem leituras para interpretações, reapropriações e reflexos acerca de História e Linguagens Midiáticas, nas suas diversas fontes e olhares. Somados aos artigos da revista, apresentamos a resenha do livro O corpo nas expressões gráficas de humor: Dilma Rousseff e a política brasileira contemporânea, de Michele Bete Petry, apresentada por Michelle Carreirão Gonçalves.

Marlene de Fáveri

Núcia Alexandra de Oliveira

Editoras de Fronteiras – Revista Catarinense de História


FÁVERI, Marlene de; OLIVEIRA, Núcia Alexandra de. Editorial. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.21, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Cotidiano e política in memorian: Americo Augusto da Costa Souto / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2011

O Brasil republicano tem espaço destacado no número 19 de Fronteiras – Revista Catarinense de História, cuja capa apresenta trabalho fotográfico de Mariana Rotili da Silveira intitulado “Fé cega, faca amolada”, elaborado a partir de registro feito no centro de Florianópolis em abril de 2010.

No dossiê “Cotidiano e Política”, a Primeira República é enfocada em dois dos quatro artigos, os demais concentrando-se em duas décadas do período posterior – a de 1940 e a de 1970. As aproximações e os distanciamentos entre cotidiano e política são tratados com ênfases e perspectivas distintas nestes trabalhos, que apresentam experiências históricas marcantes em localidades do norte, nordeste e sudeste do país, atravessadas por dimensões dos mundos do trabalho, movimentos migratórios, trocas econômicas e culturais, projetos e ações políticas, atividades jornalísticas e circulação de impressos.

O primeiro artigo do dossiê, de autoria de Helder Remígio de Amorim, põe em destaque a cidade de Arcoverde, ponto nevrálgico de caminhos pelos quais circularam e circulam mercadorias no sertão pernambucano. Buscando examinar mais detidamente o comércio popular de alimentos nos anos 1970, o artigo fundamenta-se principalmente em fontes orais, salientando trajetórias de vida de bodegueiros que pontuam outros momentos históricos e diferentes espaços geográficos.

As transformações da cidade de Manaus na Primeira República, de modo a implantar uma “ordem burguesa”, são destacadas por Luciano Everton Costa Teles, que também examina a presença dos operários, além das representações e ações que com eles se ocuparam na Manaus republicana. Daí, também, a análise dos registros a este respeito contidos no periódico Vida Operária.

Geraldo Magella de Menezes Neto aborda em seu artigo as relações entre jornais e folhetos de cordel, tomando como referência crime ocorrido em 1942 (o “crime da praça da República”), na capital do Pará. Os fatos cotidianos e, em especial, os fait divers cobertos pela imprensa são examinados em sua passagem para a literatura popular, que no caso estudado foi feita pelo poeta Arinos de Belém. Trata-se de um estudo interessante sobre leituras e representações de aspectos do cotidiano feitos por impressos de perfil bastante diferenciado.

Fechando o dossiê, artigo de Luciana da Silva Santos mostra como eram estreitas as relações entre redes de abastecimento (em especial, de carne) e a vida político-partidária no Rio de Janeiro dos inícios republicanos. Põe em destaque um grupo político atuante na área rural da capital republicana (o “Triângulo”), que buscava apoiar sua linha de ação no controle da administração do Matadouro de Santa Cruz e na defesa do abastecimento regular de carne verde, sem escassez ou carestia.

Nas resenhas, quatro livros são colocados em destaque. Julia Uzun apresenta livro organizado por Adrián Ascolani e Diana Gonçalves Vidal, que focaliza projetos educacionais elaborados e desenvolvidos no Brasil e na Argentina nos séculos XIX e XX, em um exercício de história comparada. Já Adelson André Brüggemann detém-se em livro de Peter Beattie (Tributo de sangue) que aborda a trajetória do Exército brasileiro entre 1864 e 1945. Na resenha de Daniela Pistorello são tratadas as relações entre preservação e turismo em Angra dos Reis e Paraty, a partir do livro Entre ilhas e correntes, de Aline Vieira de Carvalho. Na última resenha, Felipe Matos põe em destaque o relato biográfico de Rubens Borba de Moraes registrado em Testemunha ocular (recordações).

Entre os artigos do dossiê e as resenhas, foi reservado espaço para homenagear o Prof. Américo Augusto da Costa Souto, historiador que foi professor na Universidade Federal de Santa Catarina por vários anos, tendo também atuado no então Núcleo Regional de Santa Catarina da Associação Nacional de História, e que faleceu em 9 de agosto de 2011, poucos meses antes de completar 80 anos.

Antecedido por texto de Norberto Dallabrida que apresenta brevemente o historiador catarinense Américo Augusto da Costa Souto, é republicado nessa homenagem, em edição revisada, o artigo Estudos: os vários ritmos da evolução histórica (modelo didático baseado nas teorias de F. Braudel), originalmente editado no primeiro número da Revista Educação e Ensino de Santa Catarina, de julho de 1972. Trata-se de artigo que sistematiza a interpretação do Prof. Américo acerca das ideias braudelianas sobre o tempo histórico, propondo uma aplicação para o ensino de História Moderna e História Contemporânea na graduação em História.

Aos autores, nossos agradecimentos por colaborarem com a revista. Aos leitores, nossos votos de uma boa e proveitosa leitura.

Janice Gonçalves – Editora de Fronteiras – Revista Catarinense de História


GONÇALVES, Janice. Editorial. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.19, 2011. Acessar publicação original [DR]

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História e Cinema / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2010

O número 18 de Fronteiras – Revista Catarinense de História é o primeiro a ser publicado de forma exclusivamente digital, através da World Wide Web, no sítio eletrônico da ANPUH-Seção SC. Esperamos com isso ganhar mais agilidade na produção e na disseminação da revista e alcançar um número maior de leitores!

A publicação on line está também associada ao projeto RCH Digital, desenvolvido pela Diretoria da ANPUH-Seção SC (Gestão 2010- 2012), e que objetiva disponibilizar na rede mundial de computadores, no sítio eletrônico da entidade, todas as edições do periódico, desde 1990. Cada edição da revista registra, a sua maneira, debates, percepções, fazeres e perspectivas do campo historiográfico. Ao procurar garantir o acesso à totalidade dos números editados da Revista Catarinense de História (em 1998 transformada em Fronteiras – Revista Catarinense de História), a Diretoria da ANPUH-Seção SC quer contribuir para uma melhor avaliação das propostas e dos projetos delineados na publicação, ao longo de sua trajetória, através de diferentes sujeitos e a partir de distintos lugares de fala. Em suma, a análise de rupturas e permanências, balanço ao qual os historiadores costumeiramente se entregam e que merece ser efetuado também em relação a esse periódico teimosamente editado há 20 anos.

Neste número 18, que é relativo a 2010 mas que, lamentavelmente, pôde ser editado apenas em 2011, os anos 1960 e 1970 estão significativamente presentes, em todas as seções da revista.

No dossiê História e Cinema, aquele período histórico é abordado em três artigos: “Travessuras em superoito milímetros: o cinema em liberdade de Torquato Neto”, de Edwar de Alencar Castelo Branco; “O terceiro cinema em Florianópolis: duas ficções e um documentário experimentais (1968 a 1976)”, de Sissi Valente Pereira; e “Imagens e história da industrialização no Brasil: a pesquisa histórica e a produção do documentário Libertários”, de Lauro Escorel Filho (1976), de Rafael Rosa Hagemeyer.

As “travessuras” torquateanas são remetidas a dois filmes em superoito, feitos em Teresina, que Torquato Neto roteirizou, dirigiu e nos quais atuou: O Terror da Vermelha e Adão e Eva do Paraíso ao consumo. Através de Torquato Neto, busca-se pensar percepções e ações de uma geração de jovens que, em vários locais do país, interrogavam seu mundo e, em especial, sua relação com a linguagem. Temas que são discutidos em livro organizado pelo autor do artigo e que é, aliás, objeto de uma das resenhas que compõem este número 18, elaborada por Fábio Leonardo Castelo Branco Brito. Sissi Valente Pereira aborda três filmes de curta-metragem que, entre 1968 e 1976, em Florianópolis, dialogaram com o cinema experimental, revelando preocupações estéticas, filosóficas e políticas peculiares, bem como novos olhares sobre a cidade. Já o artigo de Rafael Rosa Hagemeyer convida à reflexão sobre as interações entre Cinema e História a partir de um instigante relato sobre as condições de produção do documentário Libertários. Problematiza as relações do filme com os temas e os materiais de arquivo nele enfocados (relativos à experiência anarquista brasileira do início do século XX) e com o próprio momento histórico em que foi produzido.

Debruçando-se sobre outro período, Bianca Melyna Filgueira, em “A mise-en-scène do Estado Novo e os filmes premiados pelo DIP: reflexões metodológicas para uma análise”, ensaia a análise do filme Pureza, de 1940, premiado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP.

Em um dossiê onde predominam experiências cinematográficas no Brasil (enfocadas em quatro dos cinco artigos), José Luis de Oliveira e Silva se diferencia por trazer reflexões acerca de uma produção estadunidense, Atividade paranormal, de 2009. O autor concentra-se na análise dos elementos próprios à construção da narrativa de terror mobilizados no filme, dando destaque para a forma com que são nele agenciadas as categorias de tempo e espaço. Note-se que o artigo também dialoga com questões abordadas em outros textos do dossiê, como os limites tensos e tênues entre o documental e o ficcional cinematográficos.

Mesmo fora do dossiê, dois outros artigos continuam a tematizar manifestações artísticas. Em “Entre imagem e história – Lindonéia”, Mara Rúbia Sant’Anna e Monike Meurer propõem reflexões sobre o contexto político e cultural brasileiro na segunda metade dos anos 1960 a partir da personagem “Lindonéia”, presente em obra pictórica de Rubens Gerchman e em canção de Caetano Veloso interpretada por Nara Leão. Já em “Sinais em trânsito: Roadsworth e a arte de asfalto”, Daniel Pereira Xavier de Mendonça destaca as obras de artista canadense contemporâneo que relê os signos urbanos, desafiando sua banalidade ao propor conexões inesperadas e desenhos inusitados no asfalto pisado pelos passantes – intervenções que desestabilizam os olhares sem negar a transitoriedade de sua presença.

O último artigo apresentado é justamente aquele que foi primeiramente enviado para este número da revista, ainda em fevereiro de 2010. Augusto da Silva e Adenilson da Rosa, em “Antes do Oeste Catarinense: aspectos da vida econômica e social de uma região”, problematizam, sobretudo a partir de inventários post mortem, aspectos econômicos e sociais, entre o final do século XIX e 1930, da região que ficaria conhecida como “Oeste Catarinense”, oferecendo preciosos elementos de reflexão acerca de sua história.

A propósito do centenário da morte de Joaquim Nabuco, comemorado em janeiro de 2010, fecha o número da revista a resenha de Ademir Luiz da Silva, sobre o livro O encontro de Joaquim Nabuco com a política: as desventuras do liberalismo, de Marco Aurélio Nogueira. Aos autores, nossos agradecimentos por colaborarem com a revista.

Aos leitores, nossos votos de uma boa e proveitosa leitura.

Janice Gonçalves


GONÇALVES, Janice. Editorial. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.18, 2010. Acessar publicação original [DR]

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Campos da História / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2009

Uma paisagem árida cujo horizonte anuncia sua monótona continuidade. Ausentes pessoas, animais, vegetação. Entre as pedras do solo, próximas à estrada, protuberâncias arredondadas são percebidas, mas sua identificação não é imediata nem certa: seriam balas de canhão? Neste cenário inóspito da Crimeia, em 1855, Roger Fenton realizou dois registros fotográficos. O título que ambos receberam − O vale da sombra da morte – empresta dramaticidade ao território, tornando-o emblema de desolação ao remeter às mortes geradas por muitas batalhas. Os próprios combatentes britânicos da Guerra da Crimeia teriam passado a reconhecer o local como “vale da morte”, e o título dado por Fenton, ao combinar essa percepção a uma passagem bíblica, busca ganhar ainda mais força junto aos receptores da imagem.

Fenton fotografou episódios da Guerra da Crimeia sem registrar combates nem cadáveres – de um lado, porque os próprios meios técnicos dos quais dispunha exigiam longo período de exposição do material fotográfico para captação da imagem desejada; de outro, porque as autoridades britânicas que autorizaram sua presença na região do conflito não aprovavam imagens de mortos e mutilados. As fotos daquele “vale da morte”, porém, passariam a aludir às perdas e às dores humanas na guerra sem que a exibição de corpos sem vida ou agonizantes fosse necessária.

A capa de Fronteiras estampa o que foi provavelmente o primeiro dos dois registros fotográficos de Roger Fenton naquele local. Mas a questão é polêmica, pois o outro registro, diferentemente da imagem da capa, mostra várias balas de canhão distribuídas harmoniosamente ao longo da mesma estrada (a comparação das duas imagens pode ser feita, aliás, na página final deste número da revista). Como explicar a diferença? Teria Fenton interferido no cenário, alterando a disposição das balas de canhão que já se encontravam ali? Teria acrescentando outras? Se houve a redistribuição espacial das balas, poderia ela ser explicada pela ação de combatentes, interessados em facilitar sua remoção e reutilização? O registro fotográfico de Fenton, afinal, atestaria uma dada situação – a ele poderia ser atribuído valor documental? Ou seria intervenção criativa, reelaboração ficcional do fotógrafo a partir do real, de modo a torná-lo mais eloquente?

Do ponto de vista da História, as imagens produzidas por Fenton põem em causa a relação estabelecida pelos sujeitos históricos com seu próprio presente, bem como os elementos materiais que nascem dessa relação, interpretados pelos historiadores como evidências do real, vestígios de práticas e experiências a problematizar. Testemunhas e testemunhos, intenções de verdade, tramas ficcionais, tensões entre passado, presente e futuro são elementos continuamente considerados no fazer historiográfico. Não sem razão, portanto, tais elementos são discutidos nos textos deste número da revista, em especial nos artigos do dossiê “Campos da História”.

Sete artigos compõem o dossiê, que é aberto por texto de Fernando Gil Portela Vieira sobre as relações entre história e literatura, no qual a ficção é apresentada mais como traço de união do que de separação entre as duas áreas. Recuperando elementos fundamentais dessa discussão no debate historiográfico, o autor se atém particularmente às questões trazidas no bojo da “virada lingüística” e da emergência de uma historiografia pós-moderna.

A escrita da história ocupa também lugar privilegiado no artigo de Rogério Chaves da Silva, que valoriza a contribuição teórica de Jörn Rüsen. Destaca-se como, nas reflexões de Rüsen, a história tem suas especificidades disciplinares definidas tanto pelos procedimentos metodológicos adotados como por sua estreita ligação aos interesses e demandas da vida prática, que articulam sentidos para a produção do conhecimento histórico.

Na linha de uma “história da história”, Arnaldo Haas Júnior trata especificamente do lugar dos estudos de história local na historiografia contemporânea, bem como problematiza os perfis diversos daqueles que compartilham com os historiadores a tarefa de escrever textos de caráter histórico. No horizonte das considerações do autor estão as relações da historiografia catarinense com a história local, tal como praticada, no pós1945, por diferentes “produtores de história”.

Tiago de Melo Gomes examina a presença da política, da diplomacia e da guerra em obras de autores vinculados às diferentes gerações dos Annales, como Bloch, Braudel, Duby e Le Roy Ladurie. Busca demonstrar que, apesar das críticas do movimento dos Annales a uma história tradicional ou “historizante” (como a denominou Febvre), tais autores não conseguiram com ela romper ao enfrentar aqueles temas.

O imbricar de memória e narrativa na percepção e na recepção de registros fotográficos é tema do artigo de Tati Lourenço da Costa, cujo título traz a marca indelével da inspiração proustiana, entre outras influências significativas, como Roland Barthes e Ecléa Bosi. As imagens fotográficas aparecem aqui na plenitude de sua condição de vetores de sensações e sentimentos.

Das imagens apropriadas pelos processos de memória caminha-se para aquelas que buscam prioritariamente provocar o riso: no artigo de Michele Bete Petry e Emerson César de Campos são problematizadas as dimensões gráficas do humor (caricaturas, charges, cartuns).

Fecha o dossiê artigo de Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho, voltado para os desafios que se colocam à produção de caráter histórico que toma para si a empreitada de pensar, em especial, o tempo presente.

Embora não diretamente relacionados ao dossiê, são também instigantes para pensar os campos da História os quatro artigos e as duas resenhas que compõem o restante deste número da revista Fronteiras.

Primeiramente, o artigo de Ana Paula Pruner de Siqueira, que deveria ter integrado o número anterior da revista (como, aliás, assinalava a contracapa daquela edição). O número 17 de Fronteiras corrige o equívoco e apresenta o texto da autora, resultante de suas pesquisas em nível de mestrado relativas à escravidão nas atividades pecuaristas em Palmas, no Paraná, durante a segunda metade do século XIX.

Mas, como são vários os “mundos do trabalho”, das considerações sobre o trabalho escravo na Província do Paraná o leitor poderá seguir para as reflexões de Juçara da Silva Barbosa de Mello sobre as relações entre trabalho fabril, cultura operária e futebol no Distrito de Santo Aleixo, em Magé, Rio de Janeiro.

Iuri Cavlak, abordando o período desenvolvimentista, permite repensar as relações diplomáticas entre Brasil e Argentina com base em documentos por ele consultados no arquivo pessoal do político argentino Arturo Frondizi, há pouco tempo disponibilizados à pesquisa.

Religiosidade e patrimônio cultural mesclam-se no artigo de Patrícia Ferreira dos Santos, que apresenta a peculiar trajetória do templo em devoção a Sant’Ana, em Mariana, e sua história de afastamento e reaproximação em relação à comunidade do Gogô.

As duas resenhas contidas neste número de Fronteiras contemplam publicações efetuadas em 2007. Cristiane Cecchin aborda o livro Tecnologia e estética do racismo: ciência e arte na política da beleza, coletânea que reúne textos da historiadora Maria Bernardete Ramos Flores sobre a imbricação, no Brasil de inícios do século XX, de perspectivas nacionalistas, modernizadoras e racistas que convergiram para a modelagem de um brasileiro ideal. Belo e perfeito em sua adequação aos moldes europeus, tal brasileiro imaginário tentaria ser alcançado por meio de ações diversas que articularam arte e ciência. Sandor Fernando Bringmann, por sua vez, resenha o livro de Luísa Tombini Wittmann sobre as tensões e trocas culturais entre os grupos Xokleng e os indivíduos envolvidos nos empreendimentos de colonização do Vale do Itajaí, entre 1850 e 1926.

Cada uma das três seções da revista – relativas ao dossiê, aos demais artigos e às resenhas – tem, em sua página de abertura, uma imagem fotográfica produzida por Mariana Rotili da Silveira, graduanda em História na Universidade do Estado de Santa Catarina. Os trabalhos fotográficos aqui apresentados são cenas captadas em 2009 nas ruas de Florianópolis.

O conjunto de artigos e resenhas reúne pesquisadores de perfis variados, apenas uma parte deles atuante em Santa Catarina, e contempla ampla gama de tipos documentais, além de diferentes recortes espaciais e temporais. Oferece, assim, amostra significativa de problemas, abordagens e estilos que atravessam a produção historiográfica brasileira contemporânea. Apreendidos em sua totalidade, textos e imagens presentes na revista permitirão ao leitor estabelecer diálogos que seus autores, por certo, não previram nem suspeitaram. Aproximações e distanciamentos desenham-se em temas, referências, concepções – desenhos que agora caberá a cada um configurar na leitura.

Janice Gonçalves


GONÇALVES, Janice. Editorial. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.17, 2009. Acessar publicação original [DR]

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Diáspora africana: experiências e culturas / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2008

Como já disse Carlos Hasenbalg, quem estuda as relações raciais no Brasil se imagina fazendo parte de um gueto, lugar em que se sente impotente e frustrado. Porque como participante do gueto da minoria, raramente é ouvido pela maioria de fora, que no máximo finge que escuta a minoria do gueto [1]. Dentro da historiografia da sociedade brasileira, a imagem do “nós” – enquanto “elemento nacional brasileiro” – foi construída a partir do homem europeu branco cristão. A população de origem africana e a indígena constitui os outros, “complementos dispensáveis, adereços e penduricalhos para enfeites” [2].

É na luta contra tal concepção que o movimento negro, quilombolas e indígenas reivindicaram mudanças no currículo escolar, exigindo um novo foco onde possam se reconhecer e ser reconhecidos, como agentes culturais do Brasil. Como fruto dessa luta, em 2003, foi promulgada a lei 10.639, alterada no dia 11 de março de 2008 para a lei 11.645, obrigando tanto o ensino da história da cultura africana e afro-brasileira, como também a indígena.

Associada ao parecer do Conselho Nacional de Educação Nº 003 / 2004 [3], que propôs Diretrizes para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de Cultura e História Afro-Brasileira e Africana, as mudanças na LDB tomam-se mais compreensíveis. Ao criar orientações para implementar a Lei 10639 / 2003, as diretrizes melhoraram significativamente o texto que é – de acordo com as Diretrizes – uma ação afirmativa, assentada em uma política de reparação, de reconhecimento e de valorização da história, cultura e identidade negra.

A proposta é de uma educação aberta à diversidade humana, que esteja atenta às desigualdades e disposta a construir novos parâmetros de cidadania onde a diferença não seja percebida como alicerce da desigualdade.

Como uma contribuição a esse debate o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade do Estado de Santa Catarina (NEAB / UDESC), organizou o dossiê ‘Diáspora africana: experiências e culturas’. O presente dossiê conta com a participação de alguns parceiros do núcleo, com artigos que seguem as discussões sobre a história da população de origem africana no Brasil a partir de abordagens historiográficas, mas também com recortes sobre as trajetórias de vida e de luta dessa população.

Abre-se esse dossiê com o artigo da professora Jaqueline Zarbato Schmidt, que discute a problemática do currículo escolar, multiculturalismo e a implementação da Lei 10639 / 03. O currículo é visto como formador de sujeitos, dentro de um jogo de poder em que, ao se estabelecer o que é ou não conhecimento constroem-se e legitimam-se desigualdades entre os indivíduos A discussão realizada neste artigo reforça a atualidade e importância da construção de um currículo multicultural.

Fernando César Sossai e Geovana Lunardi Mendonça Mendes abordam o ensino da história do Brasil a partir das comemorações dos “quinhentos anos do Brasil”. Focalizam, em especial, o sítio governamental Brasil: 500 Anos de Povoamento e as séries de vídeos educativos Brasil 500 anos- Um Novo Mundo na TV e Brasil 500 anos: O Brasil-Colônia na TV onde traçam um triângulo reflexivo entre a visibilidade, a visualidade e as representações do continente africano. Lembram que estas estratégias comemorativas constituem-se em usos e abusos pedagógicos da ciência histórica.

A vivência da população de origem africana faz-se presente nos artigos de Amauri Mendes, com o estudo do Minas Clube; de Ancelmo Schörner, em sua análise da formação do Momo da Boa Vista. Ao discutir o Minas Clube da cidade de Além Paraíba, Amauri Mendes está preocupado em articular a história e cultura afro-brasileira com a História do Brasil. A partir das memórias de antigos membros da sociedade recreativa, o autor reconstrói a dinâmica da relação étnico-racial da cidade. Apesar de ter tido somente um homem branco a participar da diretoria, não era exclusiva para negros. Para dele fazer parte exigia-se boa índole” e respeito às normas, mas o motivo da sua fundação foi a proibição de “negros” em outros clubes da época, como Rex Clube e o Clube Santa Maria.

A relação entre a mudança do nome do Morro da Boa Vista, para Morro da África e a expulsão dos trabalhadores negros dos pontos centrais de Jaragua do Sul é abordada no artigo de Ancelmo Schörner. No Morro da Boa Vista tem-se uma imagem impressionante da cidade de Jaraguá do Sul mas a visão que se tem do morro não tem nada de bela. Inserido nos traçado irregular e desconexo do morro, encontra-se uma população marginalizada, que o ocupa por causa de um processo de exclusão social.

O depoimento de Carlos Serrano sobre Viriato da Cruz fecha o dossiê. Para Serrano esse militante e intelectual angolano define sua própria formação política. Os dois se conhecem em Argel em 1964, quando Serrano tinha apenas 21 anos, lembra que o intelectual exercia uma certa mítica não apenas nele, mas também nos jovens saídos da Casa dos Estudantes do Império. O depoimento nos mostra bem a relação de Serrano e Viriato dentro dos movimentos revolucionários de Angola dos anos 60.

Esperamos que esse dossiê possa contribuir para a implementação das novas leis educacionais e, sobretudo, para a construção de uma educação aberta a diversidade, e, assim, mais plural, capaz de educar para a construção de equidades de raça, mas também de gênero, classe, geração, dentre outros.

Boa leitura!

Paulino de Jesus Francisco Cardoso – Professor Doutor. Coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro NEAB / UDESC.

Willian Robson Soares Lucindo – Pesquisador Colaborador do NEAB / UDESC.

Notas

1. HASENBALG, Carlos Alberto. Relações Raciais no Brasil Contemporâneo. Rio de Janeiro, Rio Fundo editora / Iuperj, 1992. p.09,

2. CUNHA Jr, Henrique. “Pesquisas educacionais em temas de interesse dos afro-descendentes”. In: Lima, Ivan Costa et. ai. (Orgs) Os negros e a escola brasileira. Florianópolis, n D 6, Núcleo de Estudos Negros / NEN, 1999, P. 255

3. Parecer de autoria dos conselheiros Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, Carlos Roberto Jamil Cury, Francisca Novaltino Pinto de Ângelo e Marilia Ancona-lopes, aprovado por unanimidade pelo Pleno do Conselho Nacional de Educação em 10 de março de 2004 e homologado pelo Ministro da Educação, em 19 de maio de 2004.


CARDOSO, Paulino de Jesus Francisco; LUCINDO, Willian Robson Soares. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.16, jun. 2008. Acessar publicação original [DR]

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Gênero e História / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2007

Há algum tempo, em Santa Catarina, vem se constituindo um campo de estudos de gênero. Data de 1984 a constituição do “Núcleo de Estudos da Mulher”, na UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina. Em 1989 foi organizado o primeiro evento interdisciplinar, intitulado “1º Encontro de Estudos sobre a Mulher”. Foi a partir deste evento que surgiu o NEG – Núcleo de Interdisciplinar de Estudos de Gênero, reunindo pesquisadoras de diversas áreas acadêmicas tais como Literatura, Antropologia, Psicologia, História, Enfermagem, Nutrição e outras. Foi, ainda, em 1989, que ocorreu o 3° Encontro Nacional de Mulher e Literatura”, organizado pela UFSC. Neste período, as categorias “Mulher”, “Mulheres” e Relações de Gênero”[1] foram objeto de discussão, delimitando-se áreas de interferência, pontos de disputa e de conexão.

A partir de 1994, na UFSC, começaram a ser realizados eventos que passaram a assumir a categoria “Gênero” como constitutiva de um campo de estudos que englobava as demais. Foi, assim, no interior do “I Simpósio Fazendo Gênero”, que categorias como Mulher, Mulheres e Gênero, acrescidas de “Masculinidades”, “Feminilidades”, “Sexualidades”, “Direitos Reprodutivos”, “Direitos Sexuais” entre outras, passaram a ser discutidas, apresentadas, problematizadas, definidas. Estes simpósios “Fazendo Gênero” foram se repetindo a cada dois anos, chegando, em 2006, à sua sétima versão, ampliando o horizonte de análises e do número de participantes.

Se esta trajetória foi interdisciplinar em diferentes lugares, e não somente na UFSC, cada disciplina viveu-a como um caminho específico. Para a História, o percurso também começou com os estudos sobre a Mulher, embora a História das Mulheres ganhasse, rapidamente, versões editoriais de sucesso, como se observa na obra em 5 volumes, História das Mulheres, organizada por Georges Duby e Michelle Perrot, [2] ‘em 1993. Outro aporte que facilitou a presença da História neste campo de estudos foi o texto fundador da historiadora Joan Scott: “Gênero uma categoria útil de análise histórica”, [3] publicado no Brasil em 1990, que supria de legitimidade acadêmica os estudos feitos até então e costumeiramente acusados de “militantes”.

Na historiografia brasileira, o livro de Maria Odila Leite da Silva Dias, Cotidiano e poder, [4] publicado em 1984, é, certamente, o que abrirá portas para inúmeros estudos sobre História das Mulheres. Na historiografia de Santa Catarina, a dissertação de Cristina Scheibe Wolff, As mulheres da colônia Blumenau,[5] foi pioneira no campo de estudos da História das Mulheres em Santa Catarina. Este trabalho, evidentemente, foi seguido por muitos outros; estes configuraram um campo de estudos que se expressa em obras, artigos, capítulos, teses, dissertações e monografias que seria impossível citar sem cometer a gafe de esquecer muitos.

Dentro da UFSC, as pesquisas de história têm participado das atividades interdisciplinares que são apresentadas nos “Simpósios Fazendo Gênero”, mas, também, têm tido presença significativa em outras ações, como na editoria da Revista Estudos Feministas, e, atualmente, no Instituto de Estudos de Gênero. Nestas mesmas atividades, as pesquisadoras da UDESC – Universidade Estadual de Santa Catarina -, têm participado em todos os níveis, constituindo, também elas, núcleos e grupos dentro da instituição em que trabalham, formando, assim, com a UFSC, atividades de cooperação e parceria.

Dentro do campo da História em âmbito nacional, as historiadoras, tanto da UFSC como da UDESC e da UNISUL, [6] têm participado do GT de gênero da ANPUH – Associação Nacional de História, criado em 2001 em Niterói, e vêm se reunindo, anualmente, seja nos encontros nacionais, seja nos encontros regionais, definindo pautas de atuação e buscando reforçar o campo de estudos em que atuam.

Foi dentro desta trajetória que, em 2006, reuniu-se em Florianópolis, no Encontro Estadual de História, o GT de Gênero da regional de Santa Catarina, a partir de um Simpósio Temático: “Gênero e Gerações: novas perspectivas de pesquisas”. Neste GT, várias pesquisas foram divulgadas, e foi realizada uma chamada de artigos para publicação. Neste mesmo ano, em Assis, São Paulo, no Encontro Regional da ANPUH, reuniu-se o GT de Gênero e foi realizada, também, uma chamada de artigos: a reunião destes Permitiu selecionar seis deles, que agora estão compondo este dossiê.

Os assuntos ai tratados permitem perceber as inúmeras possibilidades deste campo de estudos. Para este dossiê, dois assuntos são focalizados com mais intensidade: sexualidade e memória.

A sexualidade é tratada por Maria de Fátima da Cunha, através dos PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais. Neste autora reflete sobre a forma como a temática do gênero e da sexualidade aparecem nos PCNs, e questiona sobre como tratar destes assuntos em sala de aula, especialmente nas sétimas e oitavas séries. Maria Cristina de Oliveira Athayde focaliza as obras de Marta Suplicy, e a maneira como esta autora divulgou as questões da sexualidade nos anos setenta e oitenta, nas revistas, nos jornais, na rádio e na televisão, transformando-se numa grande divulgadora das questões do feminismo de “Segunda Onda”7, no Brasil. Discutindo, também, esta questão, mas Já focalizando muito mais a memória, o artigo Gabriel Felipe Jacomel destaca a forma como a sexualidade, dentro da abordagem do feminismo de Segunda Onda, foi para o teatro, através da peça Homem não entra! encenada por Cidinha Campos.

Já o trabalho de Jaqueline Aparecida M. Zarbato Schmitt abre o bloco dos textos que focalizam mais especificamente a memória. Neste artigo, a autora reflete sobre as histórias e memórias dos idosos dos grupos de convivência em Florianópolis, centrando sobre a forma como o gênero define o que pode ser lembrado. Joana Vieira Borges mostra como as leituras do livro O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, são referenciadas pelas pessoas que se identificaram com o feminismo de Segunda Onda, no Brasil. Ainda, Soraia Carolina de Mello recorre à memória dos Periódicos alternativos do feminismo no Brasil, ao focalizar o jornal Nós Mulheres, apontando para a maneira como deram destaque às discussões sobre os trabalhos domésticos, questão pendente até os dias de hoje.

Dos artigos publicados neste dossiê, somente um deles, o de Jaqueline Aparecida M. Zarbato Schmitt, tem Santa Catarina como local de estudo; todos os demais se localizam em diferentes locais do país, ou, simplesmente não têm qualquer vinculação com a localização espacial. Assim, embora em sua maioria os autores sejam de Santa Catarina, não é o local que está definindo seu objeto de estudo. Todos eles mostram as ricas possibilidades que os estudos de gênero permitem, inspirando outras pesquisas, ampliando horizontes. Foi isto que pretendemos, ao reuni-los neste dossiê.

Notas

1. Para uma discussão da hlstorlcldade de “Mulher”, “Mulheres” e “Relações de Gênero”, ver PEDRO. Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica. Revista História. São Paulo: Editora UNESP. 2005. vol. 24 (1). p. 77-98.

2. DUBY, Georges. & PERROT, Michelle. História das mulheres Porto: Ed. Afrontamento & Ebradll 1993

3. SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria de análise histórica. Educação e Realidade. Porto Alegre 16(2); 5-22. Jul. / dez. 1990.

4. DIAS. Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo o século XIX. São Paulo: Ed Braslliense, 1984.

5. WOLFK Cristina Scheibe. As mulheres da colônia Blumenau – cotidiano e trabalho (1850- 1900). Mestrado, História, PUC / SP. 1991.

6. UNISUL – Universidade do Sul de Santa Catarina.

7. Enquanto o feminismo de “Primeira Onda” esteve principalmente centrado na reivindicação de direitos políticos- como o de votar e ser eleita- o feminismo chamado de “Segunda Onda” surgiu depois da Segunda Guerra Mundial e deu prioridade ás lutas pelo direito ao corpo, ao prazer, e contra o patriarcado. Neste momento, uma das palavras de ordem era: “o privado é político”.

Joana Maria Pedro– UFSC

Cristiani Bereta da Silva – UDESC

Jaqueline Aparecida Zarbato Schmitt – UNISUL


PEDRO, Joana Maria; SILVA, Cristiani Bereta da; SCHMITT, Jaqueline Aparecida Zarbato. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.15, 2007. Acessar publicação original [DR]

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Guerra e Nacionalização / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2005

Fruto do evento Muitas faces de uma guerra: 60 anos de final da Segunda Guerra e o processo de Nacionalização no Sul do Brasil, ocorrido em maio de 2005 em parceria entre a Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC e a Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, a Fronteiras – Revista Catarinense de História, em seu número 13, apresenta o Dossiê Guerra e Nacionalização, divulgando, assim, os textos das mesas e das conferências.

Com a proposta de refletir sobre a Era Vargas, a Nacionalização e as tensões da Segunda Guerra Mundial, foi oportuno promover um evento no momento em que se marcavam 60 anos de final do conflito, provocando o debate e revendo interpretações e, mais ainda, denunciando intolerâncias.

O Sul do Brasil foi enfocado, sem desconsiderar outras regiões, porque efetivamente, as normalizações e medidas repressivas para com os descendentes de ítalo-germânicos (também outras etnias, menos representativas no sul) provocaram um torvelinho de denúncias, de medo, de silêncios, de prisões, de torturas, de interdições, ao mesmo tempo em que se exacerbava uma onda de nacionalismo e a construção de imagens maniqueístas, culminando com repressões e violências.

Refletir sobre a guerra e sobre a nacionalização forçada implica lançar olhares que alcançam políticas governamentais, identificações, religiosidades, relações étnicas e de gênero, educação e escolarizaçâo, entremeadas às transgressões, resistências, burlas, denúncias, ganhos e perdas, onde as relações de poder do Estado, da polícia política ou dos civis, aparecem nas entrelinhas do período de conflito. Um tempo outro, onde a realidade vivida na cotidianidade compõe o pano de fundo de muitas histórias e memórias.

Efetivamente, no torvelinho entontecedor vivido nesse outro tempo, permeado de práticas antidemocráticas, urge reavivar outras histórias para além daquela que o Estado Novo cuidou, deliberadamente, de construir como unívoca, convergida para a eliminação das diferenças regionais na tentativa de dar uma forma peculiar ao passado, de festejá-lo, de apaziguá-lo, silenciando experiências e vozes. Esse tipo de história foi contado para o domínio, e, como bem afirma Marc Ferro, “controlar o passado ajuda a dominar o presente e a legitimar tanto as dominações quanto as rebeldias1. Possibilitar a publicação destes textos permite refletir sobre práticas cotidianas versus políticas governamentais, levadas a efeito no período da Segunda Guerra, bem como dizer algo sobre a sociedade onde vivemos hoje. Eric Hobasbawm nos dá essa lição; “É tarefa do historiadores tentar remover essas vendas, ou pelo menos levanta-las um pouco ou de vez em quando – e na medida que o fazem, podem dizer à sociedade contemporânea algumas coisas das quais ela poderia se beneficiar, ainda que hesite em aprende-Ias”.2 Essa é uma possível aposta contra as intolerâncias de ontem e de hoje.

Os textos apresentados, em número de sete, analisam a nacionalização e a guerra de diversos ângulos e olhares, permitindo reflexões sobre as intolerâncias, a violência, o preconceito étnico, a língua, a literatura, as relações do Estado com o clero, com a escolarização e a repressão, interpretados a partir das fontes que escaparam à destruição daquele tempo de arbítrio. Eles ampliam, assim, o leque de possibilidades da análise histórica, cujas narrativas deixam entrever cenas do cotidiano, os imaginários sociais construídos e as conseqüentes representações de mundo deixadas em registros por homens e mulheres que viveram naqueles anos. Os textos apresentados são uma contribuição dos professores e professoras Maria Luiz Tucci Carneiro (USP), René Gertz ( PUCRS), Walquiria Renk (PUCPR), Priscila Perazzo (USP), Marlene de Faveri (UDESC), Cinthya Campos ( UFSC), Lúcio Kreutz (UNISINOS) Neide Fiori (UNISUL), pelo que agradecemos.

Muitas faces de uma guerra: 60 anos de final da Segunda Guerra e o processo de Nacionalização no Sul do Brasil foi gestado e realizado por uma comissão organizadora que reuniu professores / as e alunos / as das duas instituições envolvidas (UDESC e UFSC), e realizado nas dependências da Faculdade de Educação / Faed / UDESC.

Pesquisadores do tema, oriundos de instituições catarinenses e de outros estados, participaram de cinco Simpósios Temáticos, onde apresentaram seus trabalhos e estabeleram diálogos e debates, o que favoreceu a publicação dos anais completos, disponíveis no sítio «www.simposioudesc.cjb.net» O evento contou com o apoio da Associação Nacional de História, Núcleo de Santa Catarina – Anpuh / SC, da Fiepe, do Programa de Pós-Graduação em Educação e Cultura da Udesc, do Programa de Pós-Graduação em História da Ufsc e do apoio inestimável do Centro de Ciências a Educação / Faed / UDESC, por meio do Núcleo de Estudos Históricos e da Direção Assistente de Pesquisa e Extensão / Dape.

Notas

1. FERRO, Marc. A manipulação da História no ensino e nos meios de comunicação. 2.ed. são Paulo. Ibrasa, Instituto Brasileiro de Difusão Cultural Ltda 1999. P.11

2. HOBASBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, p. 48.

Marlene de Fáveri – Departamento de História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)


FÁVERI, Marlene de. Editorial. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.13, 2005. Acessar publicação original [DR]

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Fronteiras | ANPUH-SC | 1990

Fronteiras ANPUH SC

Fronteiras – Revista Catarinense de História (Florianópolis, 1990-) foi criada pela Associação Nacional de História – Seção Santa Catarina. No ano de 2018, a Revista foi incorporada no SEER da Universidade Federal da Fronteira Sul, sob a responsabilidade do Programa de Pós-graduação em História da UFFS.

A área de concentração do PPGH/UFFS é Fronteiras, Migrações e Sociedades, temas abordados nos textos  publicados pela revista. Fronteira é o eixo estruturante, articulador e propositivo. As categorias Migrações e Sociedades são aplicadas para pensar e repensar fronteiras, sejam estas políticas, econômicas, sociais e/ou ambientais.

A revista publica artigos originais, entrevistas, traduções e resenhas na área de História, objetivando divulgar os resultados de pesquisas histórica. Entrevistas e traduções, quando apresentadas, poderão ser publicadas com o aceite da Editoria da Revista. Os temas dos Dossiês serão propostos pela Editoria que procede convite para organização, ou por sugestão de associados/as, que farão a organização do Dossiê, mediante chamada online.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN: 1415-8701 (Impresso)

ISSN 2238-9717 (Online)

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