Os 140 anos da Comuna de Paris (1871) / História Revista / 2011

Os artigos que compõem o dossiê desta edição da História Revista resultam em grande parte de trabalhos apresentados nos dias 29 e 30 de março de 2011, no Simpósio – Os 140 anos da comuna de paris (1871) – promovido pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em História Contemporânea (NEPHC) como atividade da Faculdade de História e coordenado pelo professor João Alberto da Costa Pinto que também organiza este dossiê.

A Comuna de Paris (1871), na curta existência dos seus setenta e dois dias, tem em torno de si repercussões históricas de alcance mundial. Entre os meses de março e maio de 1871, assistiu-se a uma guerra civil generalizada entre as tropas do governo republicano de Louis Adolphe Thiers contra grande parte da população parisiense, notadamente os trabalhadores da cidade.

A Comuna de Paris está diretamente associada ao processo da guerra franco-prussiana (1870) que culminou com a derrota do Império de Napoleão III. Com a França rendida militarmente aos exércitos prussianos de Otto von Bismarck, foi instituído, em fins de 1870, o governo republicano de León Gambetta, logo substituído pelo de Louis Adolphe Thiers. Em Paris, desde meados da década de 1860, desenvolvia-se uma forte cultura política operária, centrada de maneira expressiva nas práticas de organização sindical de militantes ligados à Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT). Esta, fundada em Londres no ano de 1864, tinha, na seção francesa, uma forte composição ideológica proudhoniana e comunista libertária. Dessa cultura operária de resistência ao capital e de luta contra a miséria provocada à cidade pelos cercos militares das tropas prussianas, e depois pelo cerco das tropas republicanas de Thiers, é que se organizaria a defesa da cidade, primeiro em torno da Guarda Nacional e depois dos communards propriamente ditos (após as eleições de 26 de março de 1871).

A Comuna de Paris tornou-se, de imediato, a expressão de uma cidade em luta contra os acordos de capitulação do governo de Thiers ao Segundo Reich alemão, mas fundamentalmente, a Comuna tornou-se uma expressão histórica seminal de lutas sociais contra o capital. Ressalve-se, contudo, que a Comuna de Paris não é uma expressão ligada a práticas comunistas; ao contrário, predominavam na organização política dos communards experiências majoritariamente republicanas. Os coletivistas eram minoria, o que a Comuna inaugurou à nossa contemporaneidade foi o fato de que uma sociedade auto-organizada pelos trabalhadores em ações administrativas de gestão direta é uma realidade plausível. Na sua curta duração, os communards mostraram ao mundo que era possível governar diretamente a cidade. Personagens quase anônimos assumiram coletivamente, e com bastante eficácia, a gestão administrativa da cidade; este é o impacto fulminante da Comuna de Paris na história das sociedades capitalistas: os trabalhadores mostraram-se senhores do seu destino. Com os communards já rendidos, com a Comuna já derrotada, mesmo assim, sem qualquer julgamento, as tropas governamentais fuzilaram mais de trinta mil parisienses suspeitos de terem participado efetivamente, ou não, da organização da Comuna. A república capitalista de Thiers tinha que fazer calar a república social dos communards; a matança tinha que ser exemplar para enterrar definitivamente da memória contemporânea o termo de que, em uma das maiores capitais do mundo capitalista, a “utopia” de socialistas, comunistas, anarquistas apresentou-se como uma realidade de fato.

Alguns artigos deste dossiê refletem sobre a processualidade dos fatos que desencadearam a construção sociopolítica da Comuna – caso específico dos artigos de Alexandre Samis (que desenvolve minuciosa análise das práticas políticas do internacionalismo proletário francês, fortemente radicado em Proudhon e depois em Bakunin) e de Silvio Costa (que apresenta amplo painel analítico dos fatos geradores e da composição política da Comuna). Há outros que procuram evidenciar alguns movimentos emblemáticos de trabalhadores que se fizeram em personagens centrais no processo inaugural de institucionalização política da república social do trabalho, como as trajetórias de Louise Michel (artigo de Samanta Colhado) e de Louis-Eugène Varlin (artigo de João Alberto da Costa Pinto). Como caracterização das práticas sociais de novo tipo, inauguradas pelos communards, o artigo de Wanderson Fábio de Melo nos dá uma análise sistemática dos debates e tentativas de organização de novas formulações junto à educação pública. O dossiê conclui-se com os artigos de Marcos Menezes (cujo tema tem a cidade de Paris como palco de grandes lutas sociais ao longo do século XIX) e de David Maciel e Nildo Viana; seus estudos demonstram como Karl Marx procedeu à interpretação política dos fatos da Comuna e de como essa interpretação marxiana foi depois percebida ideologicamente por diferentes perspectivas de classe.

Além do dossiê, o presente volume também apresenta um artigo de Miguel Cardina, historiador português, que reflete sobre o curso político do maoísmo em Portugal durante o regime fascista de Salazar / Caetano; além da oposição ao regime, via-se também contrário às práticas políticas de outras correntes comunistas, notadamente as do Partido Comunista Português. Das lutas contra o fascismo e das lutas entre os comunistas de vários matizes, enfatizando o maoísmo, o autor desenvolve importantes considerações sobre um tema de fundamental interesse ao público brasileiro: a questão da memória política dos militantes comunistas frente à ordem repressiva do regime fascista português.

A todos, uma boa leitura.

João Alberto da Costa Pinto


PINTO, João Alberto da Costa. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 16, n. 2, jul. / dez., 2011. Acessar publicação original [DR]

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