Golpe de 1964 e a Ditadura militar: Processos históricos e historiografia | História Revista | 2015

RC Destaque post 2 12 Golpe de 1964 e a Ditadura militar

É com muita satisfação que apresentamos o Dossiê que a História Revista publica neste número. Passados mais de 50 anos do Golpe de Estado de 1964 e da implantação da Ditadura Militar (1964‐1985) o debate sobre seu caráter e significado continua mais vivo do que nunca. Isto porque além da herança deixada por 21 anos de governos ditatoriais seguir muito presente na dinâmica econômico‐social e na estrutura política da sociedade brasileira atual, a disputa ideológica acerca do seu caráter e legado marca fortemente o debate político atual. E foi com o propósito de refletir sobre esses fatores que organizamos este Dossiê.

Os seis artigos que compõem o dossiê expressam, com grande êxito, resultados de pesquisas que jovens historiadores vêm desenvolvendo sobre o assunto, sobre particularidades institucionais de fundamental importância no período do golpe militar e na ditadura militar que se seguiu. Trata‐se, portanto, de modo inquestionável, de uma grande contribuição da História Revista para a reflexão historiográfica brasileira em seu público leitor especializado, assim como para com o público leitor em geral. Leia Mais

História, Sujeitos Marginalizados e Alteridades / História Revista / 2020

O dossiê História, Sujeitos Marginalizados e Alteridades que apresentamos na História Revista da Faculdade de História e do Programa de Pós‐Graduação em História da Universidade Federal de Goiás traz para a reflexão, no campo das ciências humanas e sociais, a partir da relação dialógica entre a exclusão e a indiferença, a problemática da alteridade e da marginalização na história e na historiografia. Partindo da crítica às epistemologias das narrativas hegemônicas que privilegiaram a manutenção do status quo e a interpretação factual e determinista do contexto sócio‐histórico, os autores apoiam‐se nas contribuições críticas que remontam às contribuições dos Annales, dos estudos culturais e da decolonialidade.

A teoria da enunciação de Bakhtin nos ensinou que é a partir do dialogismo e da alteridade que nos relacionamos com o outro, nos constituindo e transformando, constantemente, nessa interação. Portanto, somente através das relações dialógicas com outros sujeitos, discursos, saberes, que podemos nos constituir. Existimos a partir do diálogo com o outro, como afirma o autor: “Eu só pode se realizar no discurso, apoiando‐se em nós” (BAKHTIN, 1926, p.192). Partindo dessas reflexões, reunimos nesse dossiê produções narrativas das ciências humanas que rompem com as perspectivas hegemônicas acadêmicas que obliteram as vozes e / ou narrativas dos interlocutores, quase sempre marginalizados, e os reconhecem como coautores da pesquisa numa relação dialógica entre os sujeitos pesquisador / interlocutor, possibilitando assim a produção de vozes polifônicas em suas escritas. Os textos trazem para o centro as visibilidades dos sujeitos e seus saberes em relação a suas regiões, espaços, lugares e não‐lugares, e trânsitos imersos nas práticas socioculturais das diferenças. Refletindo sobre os processos de marginalização dos sujeitos, dos marcadores da diferença que operam exclusões, das resistências, da produção / diluição de identidades, aspectos necessários para compreensão da sociedade local‐global contemporânea.

Esses estudos são de suma importância pois fraturam a fronteira entre cultura de elite e cultura de massas e favorecem a visibilidade de outros sujeitos nas narrativas histórico‐ sociais. Permitem‐nos pensar como a construção do “outro”, que ocupou e ocupa a outra margem das imaginárias linhas abissais, pôde em um espaço ambivalente e intersticial construir estratégias de (re) existência e sobrevivência. Nesse espaço da produção da diferença e da diferenciação como sinalizou Homi Bhabha, nos é possível refletir nestes textos: o agenciamento de sujeitos e movimentos sociais que se articulam a partir do gênero e da sexualidade; uma história a contrapelo dos sujeitos indígenas; as relações de alteridade entre colonizadores e nativos que resistem em terras africanas e ou palestinas. Ainda, no local da cultura e da resistência, podemos refletir sobre como a lógica colonizadora se imiscuiu nas sociedades contemporâneas que, a partir de processos de racialização dos corpos que habitam a preferia do Maranhão, dos homens e mulheres encarcerados na Guiana francesa, vítimas da necropolítica estatal, ou dos trabalhares candangos que foram e são sistematicamente apagados da memória pública do Distrito Federal, cobram da história uma luta pela humanização num sentido freiriano.

É possível pensar ainda como a diferença se manifesta nas representações culturais seja para analisar a exclusão dos negros e latinos nas políticas educacionais dos EUA ou as experiências de reconstrução da democracia no Chile pós‐ditadura por meio do cinema. Em perspectiva semelhante, as contribuições de Raymond Williams para uma revisão da leitura marxista sobre a cultura atestam a possibilidade de pensar culturas alternativas ou de oposição no interior da cultura dominante, como no caso dos sujeitos marginais das “subculturas” jovens das grandes cidades, a exemplo da cena heavy metal do ABC paulista. Pelo viés decolonial os estudos se voltam, ainda, para necessidade de pensar os corpos da juventude negra brasileira e das mulheres negras e trabalhadores na sociedade brasileira.

Assim, Aguinaldo Rodrigues Gomes, Robson Pereira da Silva e Antônio Ricardo Calori de Lion em Educação & emancipação pela agência dos movimentos sociais de sexualidade e de gênero refletem sobre uma pedagogia da diferença que desafia a “machocracia” e indica a capacidade de agenciamento dos movimentos sociais pautados pelo gênero e pela sexualidade. Tiago Duque apresenta um percurso semelhante em uma sensível leitura sobre um regime de (in)visibilidade (reconhecimento) que envolve pessoas trans e não trans, utilizando a categoria analítica da “passabilidade” no texto Epistemologia da passabilidade: dez notas analíticas sobre experiências de (in)visibilidade trans”. Bruno Rodrigues, no texto O contrapelo da história: os negros e indígenas nos caminhos fluviais até o Mato Grosso nas narrativas elaboradas pelos viajantes (séculos XVIII e XIX), valendo‐se das contribuições benjaminianas, analisa a menção e abordagens dos negros e povos indígenas em obras produzidas por viajantes que transitaram pelo Mato Grosso entre os séculos XVIII e XIX, especialmente através das rotas fluviais. Refletindo sobre a colonialidade das relações e seus impactos na construção da alteridade em Moçambique, o texto A missão civilizadora como factor de construção da alteridade colonial em Moçambique, de Denisse Omar, demonstra como os portugueses conseguiram o direito de civilizar os povos considerados atrasados ignorando / silenciando suas histórias. Fabio Bacila Sahd, em Edward Said e os paralelos entre a ocupação da Palestina e o apartheid na África do Sul, analisa as obras saidianas pela chave do colonialismo, estabelecendo comparações recorrentes entre a ocupação israelense e o apartheid sul‐africano. Ainda pensando as apropriações contemporâneas da colonialidade do poder os textos de Vinícius Pereira Bezerra e Luiz Eduardo Lopes: O “Comando Organizado do Maranhão” (C.O.M) e a guerra de facções na periferia maranhense; de Dinaldo Silva Junior: Enseigner en prision: Un devoir d’histoire; de Karolline Santos: Entre a cidade imaginária e a cidade sensível: breve análise da imaginação museal no Distrito Federal; de Pedro Barbosa: A violência social e o genocídio da juventude negra do Brasil, focalizam de maneira competente e acurada como essa lógica produz a violência, o encarceramento, o apagamento das memórias e o genocídio da população negra e pobre no Brasil contemporâneo.

No espectro de uma pedagogia cultural que capta sentidos produzidos na educação histórica ou aprendida nas representações culturais cinematográficas ou musicais, os autores e títulos que apresentamos a seguir se propuseram a refletir sobre as relações entre o pensamento intelectual, as linguagens e o campo histórico / político / cultural. Assim, Rodrigo de Oliveira Soares, em O papel do aprendizado histórico na construção do sujeito na obra de Paulo Freire: desenvolvimento da consciência histórica, dedica‐se às contribuições de Paulo Freire para o processo de aprendizagem pela via da historicidade enquanto ferramenta de conhecimento que permite pensar a história dos excluídos. Leandro Candido de Souza, em seu texto Cartografias da cultura underground: o surgimento da subcultura heavy metal no ABC paulista e os deslocamentos da identidade suburbana, inspirado pelos Estudos Culturais, pensa a cena heavy metal como uma “subcultura” e sua relação com a consolidação da indústria cultural no Grande ABC. Ao lado disso Flávio Trovão e Roberto Moll Neto, no artigo Conservadorismo e política nos Estados Unidos no filme “Curtindo a vida adoidado”, discutem, principalmente no campo da educação, como as políticas conservadoras da década de 1980 atingiram as comunidades negra e latina no país. Também refletindo sobre a relação cinema e história, Thais Vieira e João Pedro Rosa Ferreira, em Política cool, humor fun: o código humorístico e a perda da dimensão coletiva no filme No, de Pablo Larraín, discorrem sobre o papel do humor nas relações da sociedade do espetáculo e do consumo na política latino‐ americana, a partir do filme “No”, de Pablo Larraín, no qual se apresenta uma leitura sobre o plesbicito de 1988, quando os chilenos decidiram não perpetuar a ditadura de Pinochet. Cleonice Elias da Silva, em Mulheres negras em cena, analisa os documentários “Mulheres Negras: Projeto de Mundo” (Day Rodrigues; Lucas Ogasawara, 2016) e “Sementes: Mulheres Pretas no Poder” (Éthel Oliveira; Júlia Mariano, 2020), refletindo sobre o feminismo negro e as experiências cinematográficas de construção de outras narrativas por mulheres negras brasileiras.

Em A Hidra nos trópicos: trabalhadores britânicos nas margens da ordem, Rute Andrade Castro desconstrói a imagem idealizada dos trabalhadores europeus e da imigração, evidenciando, a partir da documentação de época, um processo de resistência ao trabalho por parte desses trabalhadores que “estavam nas ruas das cidades, nas áreas rurais do país, nas praias, nos bares ou em qualquer lugar onde desejassem estar”. Finalmente, também na esteira das contribuições de feministas negras, no texto Ela era doméstica: trabalhadoras domésticas e donas de casa no Triângulo Mineiro‐MG, Jorgetânia Ferreira da Silva nos traz reflexões sobre experiências de trabalhadoras domésticas e donas de casa da região do Triângulo Mineiro, indicando a importância de compreender as trajetórias dessas sujeitas.

Transpondo a linha artificial, pós‐abissal, já aludida por Boaventura de Sousa Santos e Maria Paula Menezes, que invisibiliza os corpos das mulheres negras, seja na vida ou nas representações cinematográficas – ou simplesmente apaga e elimina os corpos da juventude negra brasileira e subalterniza os corpos das mulheres trabalhadoras domésticas – buscamos apresentar uma história revista pelo viés da alteridade. Esperamos que os leitores apreciem, desfrutem e divulguem!

Aguinaldo Rodrigues Gomes – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul / Aquidauana. E-mail: [email protected]

Magdalena López – Universidade de Buenos Aires / CONICET. E-mail: [email protected]

Murilo Borges Silva – Universidade Federal de Jataí. E-mail: [email protected]


GOMES, Aguinaldo Rodrigues; LÓPEZ, Magdalena; SILVA, Murilo Borges. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 25, n. 3, set. / dez., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Religião, cultura e relações sociais na Península Ibérica / História Revista / 2020

A disciplina História Ibérica ficou por muito tempo relegada a um plano secundário, praticamente inexistente, tanto no ensino básico brasileiro quanto no superior. Poucas universidades brasileiras apresentam essa disciplina nos currículos de seus cursos, e sua presença nos livros didáticos consegue ser ainda menor.

Diante desse quadro, e na tentativa de contribuir para a superação dessa lacuna existente no ensino brasileiro, foi criado e instituído o Programa de Pós Graduação em História Ibérica (PPGHI) na Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG). Trata-se de um Programa de Mestrado Profissional que tem o objetivo de integrar professores de História do ensino fundamental e do ensino médio no processo de formação continuada, qualificando-os para o desenvolvimento de práticas de ensino e de pesquisas que venham a contribuir para o avanço do processo de conhecimento, ensino e aprendizado da História Ibérica. Neste Programa foi criada a linha de pesquisa Cultura, Poder e Religião, de forma a agregar especialistas das áreas de História e afins (https: / / www.unifalmg.edu.br / ppghi / node / 56 , visualizado em 20 jun. 2020).

Buscando ampliar o debate que mantemos no âmbito do PPGHI / Unifal, e em parceria com História Revista da Universidade Federal de Goiás, propusemos o presente dossiê, convidando especialistas e estudiosos a submeterem artigos, contribuindo assim para a valorização dos estudos ibéricos no meio educacional de nosso país. Para a nossa alegria, recebemos artigos de reconhecidos especialistas, a quem agradecemos de antemão tanto pelas submissões como pela receptividade e atenção às observações realizadas durante o processo de revisão cega por pares.

Dessa forma, iniciamos o dossiê com o artigo de Sérgio Feldman, professor da Universidade Federal do Espírito Santo, que há muitos anos atua nas pesquisas sobre judaísmo na Hispânia Romana e Visigótica e que vem dedicando muito dos seus estudos aos textos de Isidoro de Sevilha (560 – 636). No artigo intitulado O cerco em torno a uma minoria. As legislações antijudaicas na Hispânia Romana e visigótica, Feldman apresenta, de forma clara e aprofundada, as legislações antijudaicas, fortalecidas na Península Ibérica com a dominação visigoda.

Dentro dessa mesma linha de pesquisa se encontra o artigo da professora Roberta Alexandrina da Silva, da Universidade Federal do Pará. O artigo intitulado Do oppidum à capital de província: algumas considerações sobre a especificidade de Bracara Augusta e sua integração ao mundo romano (séculos I-IV) destaca a importância econômica, religiosa e política, tanto para os romanos quanto para os suevos e visigodos, de Bracara Augusta, atual Braga, em Portugal. O artigo da autora reflete parte das pesquisas por ela realizada durante estágio pós-doutoral na Universidade Federal do Espírito Santo, supervisionado pelo professor Gilvan Ventura, quando estagiou na Universidade do Minho, atuando com a professora Maria Manuela Martins na análise e pesquisa de materiais arqueológicos sobre Bracara romana.

O artigo Por que estudar a antiguidade da Península Ibérica no Brasil? apresenta as reflexões e o diálogo mantido entre dois especialistas em antiguidade: o renomado arqueólogo e Professor Titular de História Antiga da Unicamp, Pedro Paulo Abreu Funari, e o doutorando em História pela Unicamp, Filipe Silva, que realizou estágio de doutorado no Centro para El Estudio de la Interdependencia Provincial en la Antigüedad Clásica (CEIPAC), dirigido pelo professor José Remesal, Universidade de Barcelona / Espanha. O artigo demonstra, de forma clara e profunda, a importância dos estudos sobre a antiguidade ibérica no Brasil.

Por último, mas não mesmo importante, o artigo produzido pelo professor de História Medieval, idealizador e coordenador do Programa de Pós-Graduação em História Ibérica da Universidade Federal de Alfenas, Adailson José Rui. No artigo intitulado Abd al Rahman III: a implantação do califado e a construção de Medinat-al-Zahra como centro de poder em al Andalus, o professor apresenta uma discussão atualizada sobre a vida política na Andaluzia do século X, analisando tanto os motivos que levaram à auto proclamação do califa Abd al Rahman III como os que induziram esse califa a mandar construir Medina al Zahra.

Esperamos que esse dossiê seja mais um estímulo para pesquisas e estudos sobre a História Ibérica.

Desejamos a todas e todos uma ótima leitura!

Referências

Site do Programa de Pós Graduação em História Ibérica, da Unifal-MG, https: / / www.unifalmg.edu.br / ppghi / node / 56 , visualizado em 20 jun. 2020.

CARLAN, Cláudio Umpierre (org,). A renovação do ensino de história ibérica, contribuições do mestrado profissional da Unifal-MG. Alfenas: editora da Unifal-MG, 2020.

Cláudio Umpierre Carlan – Unifal-MG / PPGHI. E-mail: [email protected]


CARLAN, Cláudio Umpierre. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 25, n. 1, jan. / abr., 2020. Acessar publicação original [DR]

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História e epistemologia da Educação Profissional / História Revista / 2020

O presente dossiê reúne contribuições de abordagens teórico‐metodológicas históricas, historiográficas e/ou epistemológicas cujos objetos são os tempos, os espaços, as memórias e as experiências da Educação Profissional e Tecnológica, no Brasil e alhures.

Os artigos estão vinculados a dois eixos. No primeiro, dedicado a uma reflexão sobre a Epistemologia da Educação Profissional, os textos abordam os processos epistemológicos da constituição do campo, bem como o engendramento histórico das relações trabalho‐educação. No segundo eixo, voltado à História e Memória da Educação Profissional e Tecnológica, estão presentes contribuições acerca da história de instituições educativas  ‐ sobretudo na esfera do mundo do trabalho  ‐, dos agentes e dos sujeitos da Educação Profissional (gestores, docentes, técnico‐administrativos e discentes).

Ainda nesse eixo, os pesquisadores apresentaram estudos sobre os processos de produção, circulação e adoção de memórias em experiências relacionadas ao campo da Educação Profissional. Por fim, outros manuscritos se detêm mais particularmente na história da política educacional brasileira, apontando as mudanças e tensões socioeconômicas e políticas em desenvolvimento na sociedade contemporânea. Face a esse cenário mais amplo, apresentamos abaixo, em linhas gerais, o conteúdo dos artigos e suas possíveis articulações.

Os autores Julie Thomas, Olivia Morais de Medeiros Neta e Avelino Aldo de Lima Neto, no texto Educação Profissional e Técnica na França e no Brasil: histórias cruzadas, estabelecem uma comparação, em sentido histórico, entre as concepções e a organização da Educação Profissional na França e no Brasil a partir do século XIX. Para tanto, foi adotada a abordagem da história cruzada, num rico entrelaçamento bibliográfico entre estudiosos de ambos os países. Como ponto de encontro dessas histórias, assinalaram‐se    as tensões entre, de um lado, os defensores de uma profissionalização a serviço do capital e, de outro, os educadores que postulavam a possibilidade de uma formação integral das classes operárias.

Maria Augusta Martiarena de Oliveira escreveu sobre Memórias de uma instituição em construção: a narrativa imagética do IFRS‐Campus Osório (2010‐2013). Com uma abordagem metodológica na qual a fotografia é empregada como fonte de pesquisa, o texto revela possibilidades outras de escrever, com riqueza, a história da Educação Profissional. Ao explorar as potencialidades das imagens, o olhar aguçado da historiadora das instituições educativas indica caminhos teórico‐metodológicos para a preservação da memória da formação profissional e tecnológica no Brasil, sobretudo através da articulação com o Núcleo de Memória do IFRS.

Ainda no contexto do recurso à imagem em nossas investigações, a autora Renata Reis, no artigo Imagem e história: desafios metodológicos para o campo trabalho‐educação, problematizou o uso da fotografia como fonte para a pesquisa histórica no campo trabalho‐ educação, a partir do diálogo com alguns autores que pensam o objeto fotográfico, seu caráter monumental e documental, o estatuto e valor da fotografia como fonte arquivística disponível para uso.

O autor José Mateus do Nascimento no texto Ensino profissional brasileiro no século XIX: ações assistencialistas e de reeducação pela aprendizagem de ofícios escreveu sobre ensino profissional brasileiro no século XIX, abordando as ações assistencialistas e de reeducação pela aprendizagem de ofícios. São reflexões sobre a existência do ensino profissional pela organização de instituições de amparo e de aprendizagem de ofícios, sob a ótica do assistencialismo e da reeducação de menores.

É com esse contexto que dialoga a contribuição de Renan Santos Mattos, no texto O amparo à infância como projeto social: educação e trabalho no Espiritismo de Santa Maria/RS (1930‐1945). O autor enfatizou a atuação de grupos espíritas da cidade gaúcha de Santa Maria, no que se refere às preocupações com a infância entre 1930 a 1945. O tema da profissionalização aparece concatenado à vulnerabilidade social e à consolidação das instituições voltadas a acolher e a instruir meninos e meninas. O manuscrito revela, com originalidade, a importância do Espiritismo no seio das reflexões sobre a educação profissional no Brasil, uma vez que a formação para o trabalho emerge como tema no contexto mais amplo das práticas filantrópicas espíritas e das políticas educacionais da época.

Francisco das Chagas Silva Souza e Karla da Silva Queiroz, no artigo Processos formativos na Unidade de Ensino Descentralizada da ETFRN/Mossoró: uma história de expectativas, adesões e resistências, objetivaram analisar os processos formativos realizados na Unidade de Ensino Descentralizada (UNED) da Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte (ETFRN). A partir de fontes orais construídas através de entrevistas com servidores que atuaram à época da instalação da UNED, em 1995, bem como recorrendo a jornais e outros documentos publicados naquele momento, os autores enfatizam o desejo institucional de formar pedagogos e docentes para a inovadora proposta curricular da escola recentemente instalada na cidade de Mossoró. Souza e Queiroz ressaltam, ademais, as críticas e resistências, por parte desses servidores, a esse processo de formação continuada.

Num contexto similar  ‐  centrada, porém, de modo mais direto na prática pedagógica entre o professor e o aluno  ‐  localiza‐se a contribuição de Rogério Chaves da Silva. O manuscrito, intitulado A história na interseção entre o ensino e a pesquisa: reflexões sobre uma experiência docente na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, compartilha o percurso de uma experiência de docência em História, no contexto do Ensino Médio Integrado à Educação Profissional. Num entrelaçamento rico e criativo entre vivências de cunho pedagógico e historiográfico, o autor apresenta uma possibilidade de convergência entre o ensino de história ‐ com ênfase na história regional e local ‐ e a prática da pesquisa histórica. Trata‐se de uma contribuição cujos desdobramentos poderão ser explorados por inúmeros licenciandos e docentes em seus processos de formação inicial e permanente para atuação na Educação Profissional.

Natália Conceição Silva Barros Cavalcanti e Gustavo Barbosa, no artigo Ser Professor na Escola Técnica Federal do Pará – ETFPA nos tempos da Ditadura Civil‐Militar investigaram, no período que compreende as décadas de 1970 e 1980 no Instituto Federal do Pará, a construção e o desenvolvimento da carreira docente e das relações políticas e sociais tecidas dentro de uma instituição centenária, voltada para formação profissional da juventude trabalhadora. Ao longo do texto, notamos as interlocuções entre o momento histórico vivido pelo país e as políticas e práticas pedagógicas postas em marcha na então ETFPA.

Tiago Martins da Silva Goulart e Isabel Bilhão, no texto Cursos Técnicos em Agropecuária Integrados ao Ensino Médio: aspectos de sua implementação no Instituto Federal do Rio Grande do Sul – IFRS, analisaram aspectos da criação dos cursos técnicos em Agropecuária integrados ao Ensino Médio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – IFRS. Ao lançar mão dos Planos de Curso dessas ofertas enquanto documento, os autores cotejam os pressupostos legais e pedagógicos do Ensino Médio Integrado. Ao mesmo tempo, trouxeram à tona contribuições de autores da área sobre essa experiência formativa, articulando essa reflexão às realidades de implementação dos cursos nos campi Bento Gonçalves, Ibirubá e Sertão do IFRS. Os resultados apontam para uma ampliação das formas de interpretação, apropriação e embasamentos das políticas educacionais no campo da Educação Profissional.

Os últimos dois manuscritos dialogam fortemente com o texto assinado por Irlen Antônio Gonçalves. Em Chaves de leitura para a análise do discurso político sobre o ensino profissional, apresenta uma interlocução fecunda entre os campos da Educação Profissional e da Análise do Discurso. Embrenhando‐se no discurso político do senador Virgílio Martins de Mello Franco enquanto prática linguageira mediadora da produção histórica, o pesquisador oferece‐nos chaves de leitura para a compreensão das relações entre educação e trabalho na virada do século XIX para o XX. Ao pôr a noção de discurso em diálogo com a História Política, a História dos Conceitos e a História da Linguagem, o autor faculta‐nos tensionar os modos tradicionais da escrita historiográfica da Educação Profissional no Brasil.

Ricardo dos Santos Batista, no artigo Bolsas da Fundação Rockefeller para estudo na Johns Hopkins University: o caso do sanitarista Heraclídes Cesar de Souza Araújo, analisa a viagem internacional do médico Heraclídes César de Souza Araújo para os Estados Unidos, com o objetivo de se aperfeiçoar profissionalmente. Explorando documentos epistolares, o cartão do médico quando bolsista, o periódico O Brazil‐Médico e uma entrevista, o autor perscruta minuciosamente um modelo educacional voltado à saúde pública. A contribuição mostra‐se relevante para a compreensão da história dos intelectuais brasileiros, mormente àqueles que exercerão influência significativa sobre o campo da Educação Profissional em Saúde.

Em direção semelhante se situa o texto assinado por José Geraldo Pedrosa e Nívea Maria Teixeira Ramos, intitulado A educação profissional brasileira dos anos 1920 aos 1950 na escrita de Francisco Montojos (1900–1981). Os autores discorreram sobre a Educação Profissional (EP) no Brasil dos anos 1920 a 1950. Ao longo da argumentação, puseram em relevo a atuação, a escrita e as representações do engenheiro‐educador Francisco Montojos, que atuou no Governo Federal de 1927 a 1961. Forneceram‐nos, dessa maneira, elementos nevrálgicos para a história dos intelectuais da EP.

Um conjunto de textos do dossiê toca questões hoje centrais à história e à epistemologia da Educação, a saber, o gênero e a sexualidade. O primeiro deles é assinado por Francinaide de Lima Silva Nascimento e Andrezza Maria Batista do Nascimento Tavares e intitula‐se Gênero, Sexualidade e Educação Sexual: apontamentos sobre um campo epistemológico em ascensão. Nele, as autoras dialogam com autores da educação e do trabalho para enfatizar o fortalecimento das pesquisas em torno de temáticas pouco usuais no campo da História e da Epistemologia da Educação Profissional.

As investigadoras recorreram a repositórios públicos brasileiros e, a partir de parâmetros bibliométricos, constituíram um corpus documental de 821 produções acadêmicas. Os resultados apontam que as categorias Gênero, Sexualidade e Educação Sexual mostram‐se cada vez mais presentes na comunidade científica brasileira, em diversas matizes epistemológicas, cujos interlocutores em destaque são Michel Foucault, Joan Scott, Guacira Lopes Louro e Judith Butler. Registra‐se ainda um aumento no interesse dos pesquisadores por historicizar, delimitar, demarcar e refletir sobre o campo em diferentes perspectivas, assim como tensões e esforços por sua consolidação em seus diversos âmbitos.

No interior dessa temática insere‐se a contribuição de Raul Velis. No texto La feminización de la universidad y su relación con la filosofía feminista en Europa, analisou o processo de feminização das instituições de ensino. Em sua análise, o autor evidenciou variados processos, envolvendo não só dimensões pedagógicas e didáticas, mas também aspectos sociais, antropológicos e filosóficos.

Na esteira das reflexões anteriores se encontra a autora Ana Cristina Pereira Lima, no artigo Meninas órfãs, irmãs vicentinas e profissionalização feminina no século XIX em Fortaleza (CE). O manuscrito trata do contexto de instalação do Colégio da Imaculada Conceição no Ceará. Na metade do século XIX, vários discursos e práticas sobre a educação feminina viraram pauta importante na imprensa e na legislação, indicando a atuação de diferentes agentes na fabricação ideal de mulher e de mãe. A partir de periódicos da época, fontes oficiais, regulamentos do Colégio, romances e livros de memória, a pesquisadora de debruçou sobre o cotidiano de meninas pobres que recebiam educação profissional e religiosa no recolhimento organizado pelas Irmãs de São Vicente de Paula.

Por fim, encerrando o conjunto de contribuições em torno do gênero e/ou da sexualidade na história e na epistemologia da Educação Profissional, encontra‐se a contribuição das pesquisadoras Ilane Ferreira Cavalcante e Sebastiana Estefana Torres Brilhante, no artigo Mulheres no ensino de Química: questões de gênero no discurso de professoras do IFRN. Inicialmente, as autoras põem em relevo as discrepâncias estatísticas entre homens e mulheres na formação superior em Química e no acesso aos cargos de docentes. Em seguida, por meio de entrevistas com professoras dessa disciplina do Instituto Federal do Rio Grande do Norte, apresentam nuances relativas à influência do gênero no desempenho de papéis sociais, na estruturação de desigualdades em relação as homens e no exercício profissional.

Com a organização e publicização do Dossiê História e epistemologia da Educação Profissional, esperamos que as pesquisas sobre Educação Profissional nas Ciências Humanas e Sociais se ampliem em duas direções: no campo epistêmico, através da mobilização de investigações sobre novos temas, objetos e problemas; no campo das parcerias acadêmicas, por meio da expansão das reflexões para além dos limites brasileiros, mobilizando pesquisadores(as) da América Latina e da Europa e fecundando a Educação Profissional e Tecnológica com outros olhares.

Desejamos uma boa leitura!

Avelino A. de Lima Neto –  Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte Programas de Pós‐Graduação em Educação Profissional (PPGEP/IFRN) e em Educação (PPGEd/UFRN). E-mail: [email protected]

Julie Thomas –  Université Jean Monnet – Saint Étienne/França Centre Max Weber – UMR 5283.

Olívia Morais de Medeiros Neta –  Universidade Federal do Rio Grande do Norte Programas de Pós‐Graduação em Educação Profissional (PPGEP/IFRN) e em Educação (PPGEd/UFRN). E-mail: [email protected]

Organizadores (as)


LIMA NETO, Avelino A. de; THOMAS, Julie; NETA, Olívia Morais de Medeiros. Apresentação. História Revista, Goiânia- GO, v. 25, n. 2, p. 1‐6, mai/ago, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Machado de Assis – abordagens históricas da literatura / História Revista / 2019

Neste seu terceiro número de 2019, publicado, contudo, em meio à pandemia do novo Coronavírus, a História Revista acolhe, pela primeira vez, um dossiê dedicado a um escritor. Os 180 anos de Machado de Assis e a própria figura do escritor contribuem para que essa novidade não suscite grandes reparos. Mas o(a) leitor(a) há certamente de se surpreender – esperamos que positivamente – com os artigos que compõem o dossiê Machado de Assis – abordagens históricas da literatura.

Contando com a participação de pesquisadores da área de letras, nele não se encontram as figuras habituais de uma história literária familiar: nenhuma história desencarnada das grandes obras de um gênio nacional, nenhuma sucessão de escolas ou estilos literários, nenhum privilégio aos romances e contos mais consagrados de Machado de Assis. Em seu lugar, surge aqui a figura inesperada do historiador literário que investiga papéis velhos, que adentra o espaço por excelência do historiador tout court, na busca por respostas para um questionário novo, mais complexo, mais atento à historicidade das condições de produção, circulação e recepção das obras literárias. Para o século XIX, para Machado de Assis, isso significa, entre outras coisas, levar em consideração as relações estreitas entre literatura e imprensa, em suas mais diferentes articulações. Contra o desprezo em relação aos gêneros ditos “menores”, encontramos aqui a investigação de parte da volumosa e variada produção machadiana publicada em periódicos do Rio de Janeiro. Contra a imagem do gênio incomparável, encontramos aquela, histórica, do Machado de Assis escritor em formação (na certeira descrição de Lúcia Granja), para quem os jornais ofereceram laboratórios de práticas de escrita. Contra a ideia de meras influências inglesas, encontramos a consideração do impacto do suporte na elaboração e na transformação da poética machadiana.

Assim, em um diálogo explícito com nossa própria realidade desoladora, Lúcia Granja apresenta-nos, em “Jornalismo e atualidade em Machado de Assis: das crônicas ao Quincas Borba”, um escritor perturbadoramente atual, em suas crônicas do terceiro quartel do século XIX e em seu romance de 1891. Explorando de maneira inesperada as relações entre literatura e imprensa, Granja demonstra que Machado de Assis não apenas buscou nos jornais do dia os temas de suas crônicas; ele se debruçou cotidianamente sobre o discurso jornalístico, empenhando-se em desmontar suas falsas aparências, em evidenciar sua manipulação para fins políticos ou individuais, em assinalar seu pouco compromisso com os interesses públicos. Desse modo – e em um contraponto revelador, que a autora enfatiza de bom grado – a abordagem dessa faceta da produção machadiana não pode deixar de iluminar o fechamento do nosso presente: no século XIX, as vozes dissonantes eram acolhidas no interior mesmo do sistema midiático, ao passo que, atualmente, elas precisam se submeter a “esquemas alternativos de sobrevivência, principalmente nos meios digitais”.

Espaço aberto para o exercício da fina crítica social, inclusive aquela dirigida contra si mesma, a imprensa foi mais do que um suporte para a produção literária do autor de “O alienista”. Em “O Cruzeiro e a reinvenção de Machado de Assis”, Jaison Crestani demonstra que o jornal, para o qual o escritor colaborou ao longo do ano de 1878, atuou também como mediador de exercícios experimentalistas decisivos para a transformação da prática criativa. Enfrentando um tema clássico da fortuna crítica machadiana – a explicação para a passagem de uma primeira para uma segunda fase -, Crestani rejeita os termos habituais em que ela foi discutida, porque rejeita, mais fundamentalmente, os próprios pressupostos da história literária mais tradicional. Machado de Assis não se fez sozinho, nem de um dia para o outro. Sua incontestável grandeza é inexplicável se não se levar em consideração este dado, que fomos acostumados a negligenciar: fazer literatura, no século XIX, é produzir para os jornais, é habitar o solo coletivo da publicação periódica. Uma inscrição plena de ricas potencialidades criativas – e não, como também fomos acostumados a pensar, de simples e penosa sujeição ao ritmo frenético do entretenimento de massa.

Mas não se esgotam aí as surpresas deste dossiê. Nos artigos dos historiadores, não encontrará o leitor mais uma defesa da utilização da literatura como fonte. E isto não somente porque se trata de uma questão sobejamente resolvida – já há bastante tempo gozam as obras literárias de inquestionável legitimidade enquanto documento para o historiador (lembremonos de Lucien Febvre, em 1933: “Os textos, sem dúvida; mas todos os textos. E não somente os documentos de arquivo […]. Mas um poema, um quadro, um drama: documentos para nós, testemunhos de uma história viva e humana”.). Tampouco faz aqui sua aparição a figura clássica do “Machado de Assis, romancista do Segundo Império”, forjada por Astrojildo Pereira em 1939 e normalmente evocada quando se trata de ler a literatura machadiana de um ponto de vista histórico. Não é questão, para os historiadores que colaboram com este dossiê, de evidenciar o esforço do escritor de retratar a estrutura social ou a história do Brasil da segunda metade do século XIX. Não se espere, assim, que estes artigos suscitem as velhas diatribes sobre a relação entre texto e contexto ou que seus autores sejam acusados de negligenciar a complexidade da literatura, de perder de vista o essencial – a capacidade, que as obras literárias têm, de escapar à história – e de insistir no acessório, isto é, sua vinculação ao seu momento de produção.

Distante desse universo de questões habitual e, deve-se reconhecer, legitimamente esperado, os historiadores deste dossiê tampouco comparecem, por outro lado, com análises sobre o que se poderia chamar, com Judith Lyon-Caen em La griffe du temps (2019), de “o entorno” do texto literário. Não se dedicaram a estudar as condições de exercício da atividade literária ao tempo de Machado de Assis, não tomaram por objeto as instituições ou os meios literários – o nascimento da Academia Brasileira de Letras, no final da década de 1890, ou o grupo da Petalógica, reunido em torno da livraria de Paula Brito, na Praça da Constituição, no Rio de Janeiro da década de 1850. O público leitor – esse carapicu, tão raro e tão difícil de pescar, na bela imagem de Machado, muito bem evocada por Hélio Guimarães em seu Os leitores de Machado de Assis (2004), também se encontra ausente. Não se trata aqui da recepção e dos usos das obras, da história social ou política de seu autor ou das condições de publicação e leitura. Em seus artigos sobre a literatura de Machado de Assis, os historiadores deste dossiê escolheram ultrapassar limites tradicionalmente auto-impostos e adentraram o texto machadiano, arriscaram-se no exercício da interpretação e propuseram análises de procedimentos propriamente literários.

Nesse sentido, as estratégias de disfarce da natureza ficcional do texto literário são o tema de Lainister Esteves, em “A dissimulação da ficção nos contos de horror de Machado de Assis”. Esteves descortina, em seu artigo, esta dimensão interessantíssima e pouco estudada tanto da literatura do século XIX em geral quanto da obra machadiana em particular: a literatura de terror. Abordando a produção machadiana nesse gênero, o autor analisa o manejo muito bem-sucedido de um procedimento literário chave para a circulação de textos de terror, desde o século XVIII. Foi a dissimulação, segundo demonstra Esteves, o que tornou possível a participação dos contos de terror no movimento mais amplo de popularização e de redefinição, no século XIX, da própria literatura – indissociável, então, da publicação periódica e de sua recepção como entretenimento.

E é também um procedimento literário o meu tema em “O problema do nome próprio e o projeto literário machadiano”. Em meu artigo, detenho-me neste elemento aparentemente banal, mas que jamais deixa de chamar a atenção dos leitores de Machado de Assis: os nomes de suas personagens. Procuro defender que, analisados à luz de uma história da onomástica literária, os modos de nomeação das personagens são reveladores, de um lado, da própria historicidade do regime literário e de sua poética da indistinção entre ficção e realidade. Por outro, eles iluminam a singularidade e as transformações do projeto literário machadiano: se, ao longo da década de 1870, Machado de Assis procurou ser simultaneamente fiel e infiel ao legado do Romantismo, como uma espécie de “inimigo de dentro”, as Memórias póstumas de Brás Cubas significaram o abandono sem volta desse projeto.

E last, but not least, este dossiê conta ainda com a contribuição de um sociólogo, em mais um sinal da vitalidade da obra machadiana e de sua capacidade sempre renovada de suscitar o interesse de pesquisadores das mais diversas áreas das ciências humanas. Mas tampouco aqui se esperem termos habituais. Pois, ao invés de tomar a literatura de Machado de Assis como representação da estrutura social do Brasil oitocentista, na esteira da influente e seminal interpretação de Roberto Schwarz, Marcelo Brice o que faz é se debruçar sobre a análise e, sobretudo, as críticas que essa interpretação recebeu da parte de seu mais importante adversário, Abel Barros Baptista. Em “O verdadeiro Machado de Assis? O confronto crítico de Abel Barros Baptista”, Brice recupera os termos da discussão do estudioso português, em sua densa obra Autobibliografias: solicitação do livro na ficção de Machado de Assis (1998; ed. bras. 2003), com sua perspectiva francamente derridiana e anti-intencionalista da literatura machadiana.

Com este diverso e rico elenco de textos, a História Revista busca trazer para seus leitores e leitoras parte da intensa produção acadêmica sobre Machado de Assis, em uma celebração – esperamos – à altura de seu aniversário de 180 anos. Que este dossiê possa também convidar a uma (re)leitura da literatura do “Bruxo do Cosme Velho”, nestes tempos tenebrosos de peste e desesperança. Afinal, como escreveu Carlos Drummond de Andrade, nesta outra homenagem, inigualada:

“Uma presença, o clarineta, vai pé ante pé procurar o remédio, mas haverá remédio para existir senão existir? E, para os dias mais ásperos, além da cocaína moral dos bons livros?”

Os dias não poderiam ser mais ásperos. Boas leituras a todos e a todas!

Raquel Campos – Universidade Federal de Goiás. E-mail: [email protected]


CAMPOS, Raquel. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 24, n. 3, set. / dez., 2019. Acessar publicação original [DR]

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El pensamiento político medieval / História Revista / 2019

El pensamiento político medieval es un argumento definido desde la historia medieval por autores como Ullmann, Kantorowicz, Nederman, Weckmann, Burns, Guinot o Nieto Soria. En los últimos años las reflexiones se han enriquecido con algunos proyectos muy completos. Uno encabezado por Janet Coleman y con título A History of political thought: from the Middle Ages to the Renaissance (Oxford : Blackwell, 2000), otro es el libro Aspects de la pensée médiévale dans la philosophie politique moderne (Paris: Presses Universitaires de France, 1999), y por último nos encontramos con el volumen coordinado por Pedro Roeche Arnas, El Pensamiento político en la Edad Media (Madrid: Centro de Estudios Ramón Areces, 2010). Más allá de estas novedades, debemos de precisar que aunque parezca extraño el pensamiento político medieval no existe como tal, puesto que el pensamiento en la edad media está diseminado dentro de lo que podemos denominar como “macrocosmos” cristiano, que impregna de forma viscosa todos los elementos prácticos, ideológicos, políticos, religiosos y escriturales de la Edad Media. Es por ello que podemos encontrar elementos de pensamiento político en las gestualidades (coronaciones, ceremonias, etc.), en el ejercicio mismo del poder del rey o de los nobles, en diferentes autores (Eguinardo, Salisbury, Padua, Cusa, LLul, Ockam o Scoto entre otros), en los distintos manuales o espejos de príncipes, en el estudio de las diferentes leyes, en los diversos renacimientos medievales, o en las propuestas universitarias a partir de la escolástica o los debates teológicos de cada momento. Pero no solo ahí, muchas obras encargadas desde ámbitos cortesanos o por el mismo rey o en el recurso a narraciones ficcionales. Con lo que tenemos extractos de poder en libros de viajes, libros dialogados o en poemas y textos apocalípticos.

Tomando este marco como referencia, nos proponemos en este dossier reflexionar sobre el pensamiento político en todas las vertientes arriba indicadas y concretadas en líneas de trabajo como la reflexión sobre el ejercicio de poder en sus diferentes geografías y personaje, el estudio de las imágenes y los imaginarios vinculados al pensamiento político, el abordaje de autores o textos que tengan vinculación con el pensamiento político medieval, las investigaciones historiográficas sobre pensamiento político medieval o las cuestiones teóricas sobre algún concepto o debate medieval.

El artículo vértice del dossier es el de Israel Sanmartín (Universidad de Santiago de Compostela) de título “Los elementos del pensamiento político medieval como un sistema cristiano”. En él, se establecen las reflexiones sobre el pensamiento político temporal y eclesiástico, la creación del espacio público en el pensamiento político medieval, y la importancia del humanismo y el individualismo. Además de abordar la cuestión de la configuración de la soberanía en el pensamiento medieval, es decir, los poderes ascendente y descendente. Todo desde el siglo XI a XIII pero con un carácter global y desde un posicionamiento periférico.

También de aproximación holística y periférica es el trabajo de Claudio Canaparo de la Universidad de Quilmes, quien en “El pensamiento politico medieval y el pensamiento del presente” discute la noción de idiota de uno de los grandes pensadores medievales, que es Nicolás de Cusa. Se reflexiona sobre el “idiotismo” medieval y su ayuda a la construcción de la idea hoy en día. El concepto de experiencia le sirve al autor para mostrar su dimensión tecnológica. Entre la tecnología y el pensamiento también está el artículo “La Representación del Poder en los Videojuegos sobre la Edad Media en los años 80”, escrito por Brenda Rodríguez Seoane (Universidad de Santiago de Compostela). La autora, desde una perspectiva “neomedieval” aborda el poder, las relaciones sociales y sus símbolos a partir de tres juegos de los años ochenta españoles. Son Nonamed, Defender of the Crown e Iron Lord. El análisis trata de discernir la forma en la que se entrelazan los elementos actuales con otros propiamente medievales. La representación que se nos presenta en cada uno de los juegos viene marcada por una visión distorsionada del período histórico medieval. Ofrece un desconocimiento de la época misma para el consumidor medio y produce una desinformación y manipulación en la narración de la historia medieval.

En otro sentido, nos encontramos con la investigación de Terezinha Oliveira de la Universidade Estadual de Maringá (UEM) profundiza en tres cartas contenidas en el Chartularium Universitatis Parisiensis (siglo XIII) y que fue motivo de conflicto. El trabajo analiza el posicionamiento del rey a través de los historiadores François Guizot y Jacques Le Goff. El título de la investigación es “Luís XI e o embate entre os mestres universitários: diálogos com a fonte e a historiografía”. A continuación podemos leer “El rey molinista pensado por don Juan Manuel en El libro de los estados” es el texto que aporta Ángel Salgado Loureiro (Universidad de Santiago de Compostela) a este dossier. El artículo parte del estudio de El libro de los estados de Don Juan Manuel, texto que fue escrito entre 1327 y 1330. El investigador nos muestra a un Don Juan Manuel imbuido de referencias culturales molinistas y como un actor político intrigante y de posición ambigua entre los diferentes banderías de nobles y los reyes Fernando IV y Alfonso XI. En la misma tenemos el trabajo de Felipe Augusto Ribeiro (Universidade Federal de Minas Gerais ‐ UFMG) aporta a este dossier el artículo “Da virtude à política: a moral do governante no pensamento do Franciscano Paulino de Veneza (c. 1314)”. En él, explora el pensamiento del siglo XIV a través del tratado De regimine rectoris del franciscano Paulino de Veneza. El autor utiliza un análisis conceptual para reflexionar sobre el buen gobernante y las relaciones entre moral y política.

Roque Sampedro López (Universidad de Santiago de Compostela) nos ofrece un ejercicio muy parecido al anterior en “El Libro de Gracián como discurso político en la Castilla de Juan II (1405‐1454)”. Sampedro toma como referencia el llamado Libro de Gracián para entresacar el discurso político de la primera mitad del siglo XV castellano y mostrar la idea de príncipe y gobernante en un envoltorio de historia intelectual tejido a partir de autores como Quentin Skinner y John G.A. Pocock. Misma estructura pero diferente temática presenta André González Mayo (Universidad de Santiago de Compostela) en “El pensamiento político en la narrativa historiográfica medieval. El caso de la Crónica Najerense”. En base a determinados autores postmodernos como Spietel o White analiza bajo los preceptos del “nuevo medievalismo” la Crónica Najerense, una narración compuesta a finales del siglo XII, entre los años 1185 y 1194, en el reino de Castilla. La idea nuclear del análisis de González Mayo es que el texto habría surgido de la necesidad de prestigiar la monarquía castellana y de la preeminencia política del rey frente a sus principales adversarios políticos, tomando como eje central el neogoticismo. Entre los dos textos anteriores está el del Héctor Alaminos (Universidad de Santiago de Compostela), quien aporta al volumen “El viaje al Purgatorio de Ramon de Perellós. Análisis de la resignificación del pensamiento político medieval a la luz de la estética de la recepción”. El viaje de Perellós es de la baja edad media y en él se estudiará el pensamiento a partir de los diferentes manuscritos, influencias y textos a parir de la teoría de la recepción.

Por último, ofrecemos dos textos de la Inglaterra bajomedieval. Por un lado tenemos el texto de “La relación entre pecado original y dominio político en un tratado de John Wyclif” escrito por Cecilia Devia de la Universidad de Buenos Aires. En él se estudia la relación entre entre pecado original y dominio político en el Tractatus de statu innocencie (1376) de John Wyclif. Con una metodología comparativa y contrafáctica se abordarán los diferentes tipos de dominio, pecado original, propiedad y uso en el tratado estudiado. En cronologías y espacios similares se mueve el texto de Pablo Fernández Pérez de la Universidad de Santiago de Compostela en la investigación “Del “mundo del texto” al “mundo del lector”: piers plowman en las cartas de John Ball”. El texto toma como referencia el contexto del levantamiento inglés de 1381 para estudiar imágenes y textos reflejados en el poema de Piers Plowman. El autor toma como clave explicativa el imaginario apocalíptico para, mediante la historia intelectual analizar el texto en base a las ideas ricoeuianas de “mundo del texto” y el “mundo del lector”.

Como vemos, tenemos un ramillete de trabajos conectados por la preocupación política y bajo el prisma de la historia intelectual. Acontecimientos, ideas e historiografía pivotan alrededor de gran parte de estos artículos con la idea de ofrecer una matriz explicativa útil para su estudio. El dossier necesita un posicionamiento en el tiempo y en el espacio. La temporalidad de los textos es el mundo pleno y bajomedieval castellano e inglés. En cuanto a la tipología de los materiales utilizados, también es variada. Son libros, capítulos de libro, artículos de revistas científicas, así como artículos de internet o videojuegos. Para manejar esta variedad de años y documentación muchos de los trabajos han optado por la llamada “nueva historia intelectual”. Desde ella estudiaremos y ordenaremos los contextos en los que se desarrollan estos trabajos. El objetivo de este particular es ofrecer el estudio de ideas y conceptos insertados en la sociedad y en el momento en el que suceden, para alcanzar su descripción, explicación y análisis.

La gran tarea que nos proponemos es estudiar la evolución del pensamiento político pleno y bajomedieval, reconstruir parte de su debate internacional y reflejar la opinión que emana de algunos de sus textos. En definitiva, se tratará de realizar, como resultado de la propuesta metodológica y del propio desarrollo de la investigación una tarea de historiografía teniendo en cuenta a la vez los presupuestos historiográficos y los contextos, los acontecimientos y el pensamiento. Aparte de todos estos objetivos, nos planteamos también en inicio otras metas menores:

a) Demostrar que el pensamiento político medieval no tiene una construicción unívoca ni un sentido predeterminado

b) Mostrar que el pensamiento político medieval no es necesariamente compatible con el concepto actual de ideología.

c) Argumentar que se puede realizar estudios de pensamiento político desde el punto de vista del historiador, teniendo en cuenta ideas acontecimientos y la investigación de la historia.

d) Afirmar que el pensamiento político medieval ha influido en los historiadores y que éstos han estado presentes en el debate.

e) Reflejar la importancia de la historia en la política y viceversa.

f) Indagar el pensamiento político en sus textos, sus influencias y sus resignificaciones.

Israel Sanmartín – Universidad de Santiago de Compostela. E-mail: [email protected]


SANMARTÍN, Israel. Presentación. História Revista. Goiânia, v. 24, n. 2, maio / ago., 2019. Acessar publicação original [DR]

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As dinâmicas entre sagrado e o profano: Uma perspectiva de longa duração (Século V ao XVI) / História Revista / 2019

As discussões sobre sagrado e profano perpassam um amplo campo de análise. Estes dois “campos conceituais” se definem, muitas vezes, um pelo outro, em uma relação intrínseca. O dossiê As dinâmicas entre sagrado e o profano: Uma perspectiva de longa duração (Século V ao XVI) tem por objetivo fomentar as discussões sobre estes universos interpretativos, tendo por problema suas aproximações. Os dez textos que o compõem oferecem um balanço sobre as mudanças ocorridas nas referências teóricas e no campo das metodologias de pesquisa, bem como apresentam um panorama das investigações que se ocupam de uma cronologia alargada dos séculos V ao XVI.

O texto que abre o dossiê tem por título “Crise e hierarquias: as interações entre o sagrado e o profano na Antiguidade e na Idade Média”. Partindo das imbricações entre o sagrado, o profano e a História (presentes tanto no mundo helenístico quanto na Antiguidade Tardia e na Idade Média), Fátima Regina Fernandes e Renan Frighetto apresentam uma discussão conceitual e filosófica, que tem por base a civilitas. Neste âmbito, os indivíduos foram redimensionando as relações sagrado / profano ao longo dos tempos. As resistências / aproximações culturais entre vários povos e perspectivas religiosas, especialmente após o advento do cristianismo, contribuíram para novas percepções e readequações que delimitaram esta complexa relação. O modelo trifuncional, presente nas concepções de mundo da Baixa Idade Média, reviveu ao nível teórico estas concepções, reconfigurando, de modo especial, a perspectiva do sagrado.

Bruno Tadeu Salles, no texto “Anticlericalismo e intercessão aristocrática na Provença dos séculos XII e XIII: o aforismo da relação opositiva entre Estado e família como ponto de partida”, busca discutir o processo de constituição da Ecclesia provençal, particularmente na diocese de Frejús, durante os séculos XII e XIII. São destacadas em seu texto as complexas relações entre os aristocratas, as ordens militares e o poder episcopal. Logo, a ideia da existência de uma Igreja una, sob a liderança do papado no século XIII, não dá conta das imbricações no âmbito regional. Da mesma forma, o autor busca relacionar as críticas anticlericais aos conflitos existentes entre os aristocratas leigos e os príncipes da Igreja da região.

Em “Los Dos Alfonsos: Reyes, obispos y el Arca Santa de las relíquias de San Salvador de Oviedo”, de Raquel Alonso Álvarez, temos um estudo da influência de Pelayo de Oviedo na formulação de um corpus literário, na primeira metade do século XII. Estes textos tinham o claro objetivo de promover a Sé Ovetenses e seu sacro conjunto de relíquias. Este conjunto, antes restrito, foi exposto aos fiéis, destacando também a elaboração de relatos com interpolações posteriores sobre a ação da monarquia asturiana, especialmente de Afonso II, na transferência da Arca Santa para a Igreja de São Salvador.

Fabiano Fernandes, no artigo “As disputas eclesiásticas entre a Ordem do Templo e o Cabido da Sé de Coimbra (1290‐1308). Poder religioso e Poder eclesiástico nas comendas de Ega, Soure, Redinha e Pombal”, discute os conflitos eclesiásticos entre o cabido da Sé de Coimbra e Ordem do Templo, em uma região específica, na virada do século XIII para o século XIV. É enfatizado no texto que as cobranças eclesiásticas, que na contemporaneidade julgaríamos imersas na mera e pura ambição, refletiam, principalmente, a luta pela honra e pelo prestígio de homens que se julgavam íntimos do sagrado, tais como os freires do Templo e os homens do cabido.

“Comunidad cristiana, comunidad política. Identidad y discurso histórico en la cronística de la baja Edad Media castellana” é o tema do artigo de Martín Federico Ríos Saloma. No âmbito das relações sagrado / profano, o autor busca discutir como uma comunidade cristã, legitimada por pertencer à Eclesia, começou a definir‐se a partir do século XIII também como uma comunidade política, ligada à coroa castelhana. A ação dos cronistas régios teria sido fundamental neste processo de afirmação do poder monárquico, e de sua importância, na luta contra os muçulmanos. De uma identidade originalmente religiosa, esta teria sido convertida gradualmente em uma identidade de cunho político.

Juliana Salgado Raffaelli, no texto intitulado “A atividade cristianizadora na auto‐ hagiografia de Valério de Bierzo”, aborda as estratégias de cristianização atribuídas a eremitas do século VII. Ao descrever sua própria trajetória religiosa nos moldes das Vitae, Valério de Bierzo teria agido de forma consciente e deliberada para defender o modo de vida ascético em uma época de conflitos religiosos. A autora enfatiza particularmente a ideia de que, no século VII, a Hispania já havia eleito o cenobitismo como a forma ideal de vida monástica. Logo, a vida comunitária apresentava vantagens para o fortalecimento da Igreja. A Vita Valerii estava inserida, portanto, no contexto de expansão e organização da Igreja visigoda, com particular ênfase na educação dos jovens aristocratas.

A separação perceptível na atualidade entre as esferas divina e humana não era verificável no contexto medieval, em que a vida terrena era entendida como uma fase transitória, em direção a um projeto de salvação. Tendo por base esta constatação, o artigo de Maria Filomena Coelho, intitulado “Narrativas de milagres: a sacralização da justiça profana (Portugal, séc. XIV)”, confere o sentido de justiça divina relativa a um conjunto de narrativas do Flos Sanctorum, manuscrito do século XIV existente na Biblioteca da Universidade de Brasília. Conforme a autora, as lógicas pelas quais essa justiça se realiza são oriundas da experiência política e social, o que terminou por sacralizar o poder profano.

Lukas Gabriel Grzybowski, no artigo intitulado “O paganismo escandinavo entre a percepção e a imaginação: A Vita Anskarii de Rimbert e as Gesta Hammaburgensis de Adam de Bremen”, busca apresentar uma reflexão ao mesmo tempo teórica e metodológica sobre o uso de fontes cristãs para o estudo dos povos escandinavos na época viking. Concomitantemente, o autor, a partir das referidas reflexões e de uma análise rigorosa de parte da Gesta Hammaburgensis, de Adam de Bremen, e da Vita Anskarii, de Rimbert, considera que ambos não estavam preocupados em um diálogo com os pagãos. Segundo o autor, Adam de Bremen e Rimbert também não buscavam propriamente compreender a religião dita pagã, nem possuíam aspirações etnográficas, mas criavam, sobretudo, imagens mentais de acordo com o interesse de seus interlocutores.

Em “Santidades Ibéricas: Entre o Sagrado e o Profano”, a autora Renata Cristina de Sousa Nascimento tem por premissa a sacralização territorial oriunda da posse dos vestígios sagrados, que conferiu a reinos e cidades status especial. Na Península Ibérica, coleções de relíquias supostamente de Cristo e dos santos contribuíram na construção da polêmica ideia de Ibéria sagrada. Na guerra constante entre o bem e o mal era necessário estar ao lado de elementos concretos, que garantiam proteção contra as doenças, as intempéries climáticas, as guerras e toda sorte de malefícios. Portanto, um local que possuísse estes objetos era santificado, abençoado e seguro.

Finalizando o dossiê, Renato Rodrigues da Silva, no texto “As relações entre as esferas laicas e eclesiásticas na aristocracia da Nortúmbria no século VIII”, propõe valorizar a categoria “classe social” para o estudo das inter‐relações entre aristocratas leigos e eclesiásticos. O autor apresenta uma crítica ao que considera uma ênfase excessiva nas dinâmicas internas das instituições religiosas, identificando nessa perspectiva, ainda recorrente, laços intrínsecos com a historiografia institucional do século XIX. Logo, na Nortúmbria anglo‐saxã do século VIII, a fundação, difusão e regência de mosteiros estavam intimamente ligadas aos membros da alta aristocracia leiga.

Boa leitura!

Fabiano Fernandes – (UNIFESP). E-mail: [email protected]

Renata Cristina de Sousa Nascimento – (UEG, UFG, PUC‐GO). E-mail: [email protected]

Organizadores


FERNANDES, Fabiano; NASCIMENTO, Renata Cristina de Sousa. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 21, v. 24, n. 1, jan. / abr., 2019. Acessar publicação original [DR]

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Século XVI: interfaces entre o Velho Continente e o Novo Mundo / História Revista / 2018

O século XVI foi um período efervescente para o Ocidente. No Velho Continente estavam em curso intensas revoluções no campo cultural e no religioso. Ao mesmo tempo, a expansão das Coroas ibéricas contribuía para o nascimento de novos olhares sobre o homem e o mundo e de políticas de intervenção em uma realidade tida como sendo de crise. O encontro com o mundo físico tal como ele é passava a exigir a busca de novas construções imaginárias para os europeus lidarem com uma nova realidade que se apresentava. Mais que isso, estimulava o emprego dos novos recursos técnicos e científicos que nasciam das revoluções em curso para que a Europa cristã conquistasse aquele novo e extraordinário mundo. Não obstante, esse foi o período da “desforra do imaginário” [1]

de que falou Bartolomé Bennassar, mas, sobretudo, foi o momento em que as histórias de inúmeras sociedades se conectaram em função das ações encabeçadas pelos poderes políticos e religiosos e pela massa de anônimos que se lançaram além‐mar para incorporar o orbe recém‐desvelado à cristandade.

Este dossiê tem como objetivo trazer reflexões sobre algumas temáticas que gravitam na órbita desses processos históricos que têm o século XVI como seu ponto de partida ou como o momento definidor de suas características essenciais. Por isso, reúne artigos que se debruçam sobre fontes históricas produzidas por agentes da religião e da empresa ultramarina europeia e que problematizam e discutem questões historiográficas pertinentes a esse amplo universo da história da expansão ibérica na Época Moderna.

Os dois primeiros artigos desbravam as conquistas; não as territoriais que originaram os impérios de Portugal e da Espanha, e sim as do plano das mentalidades e das ideias que, antes de permitir a chegada dos europeus a novos mundos, promoveram a inserção das novas terras e de sua gente no imaginário cristão. Tiago Bonato, por exemplo, discute as mudanças nas técnicas empregadas na produção de mapas e de cartas de navegação, aspecto essencial da empresa ultramarina que resultou na tessitura de um império‐rede para Portugal. Destaca, nesse exame, a influência mútua entre a cartografia e as revoluções culturais em curso na Europa que incidiram não só na leitura de um mundo físico que se apresentava, mas nas técnicas empregadas para representar esse orbe à cristandade.

Já Cleber Vinicius Amaral Felipe analisa os relatos de naufrágio elaborados pelos portugueses para deles extrair a matriz do pensamento lusitano quinhentista. Seu intuito? Nos oferecer as diretrizes para a sua análise como fontes históricas privilegiadas para a compreensão do projeto político‐religioso de construção do império português. Nesse exercício, demonstra como as análises que levam em consideração apenas os aspectos estéticos de sua literatura são insuficientes para nos dar a entender os exercícios de retórica que revelam que os objetivos desse gênero literário era conformar uma identidade ideológica do ser português e do Estado luso.

Outros dois artigos mergulham em temas estruturantes que nos permitem compreender as bases político‐religiosas que sedimentavam a monarquia portuguesa e que norteavam a construção do império: a atuação da Companhia de Jesus e a prática do degredo. Em artigo de minha autoria, analiso os aspectos gerais do empreendimento missionário da Companhia de Jesus no império português em um período em que a ordem religiosa teve privilégio para atuar nos domínios de Portugal. Fundamentado em uma farta documentação produzida por jesuítas que atuaram na América, Ásia e África, o texto analisa os elementos condicionantes da missionação jesuítica que promoveram convergências e divergências na atividade apostólica em espaços diferentes do império. Assim, além de refletir sobre aspectos específicos da história das missões jesuíticas, também destaca a importância que a evangelização teve na estruturação do império português no século XVI.

Geraldo Pieroni, por seu lado, nos apresenta um universo importante da formação e manutenção do império português e de suas colônias ultramarinas: a prática do degredo. Para analisar a trajetória de D. Francisco Manuel de Melo, filósofo e poeta lusitano degredado para o Brasil, o autor mergulha na legislação portuguesa da Época Moderna; nos explica o funcionamento das práticas punitivas portuguesas que alimentavam o desterro como política de normatização social em Portugal (e, ao mesmo tempo, de povoamento das colônias ultramarinas); e analisa, com profundidade, como essas políticas lusas se refletiram no Brasil Colonial. Nesse exercício, Pieroni chama a atenção para o olhar pejorativo da nobreza portuguesa sobre a Terra de Santa Cruz – local de desterro – mas, ao mesmo tempo, destaca o papel preponderante que os indesejados e excluídos de Portugal tiveram na construção do Brasil.

Por esta razão, espera‐se que esse dossiê permita o trânsito dos nosso leitores em diferentes universos da história da expansão ultramarina e das que se com ela se conectam através das temáticas aqui abordadas. O maior desejo da História Revista é que, com este dossiê, naveguemos por mares já navegados que, ao serem revistados, nos revelem novos pontos que a historiografia possa desbravar.

Nota

1. BENNASSAR, Bartolomé. Dos mundos fechados à abertura do mundo. In: NOVAES, Adauto (org.). A descoberta do homem e do mundo. São Paulo: Funarte / Companhia das Letras, 1998, pp. 83‐93.

Luiz Antonio Sabeh – UNIFAL‐MG. E-mail: [email protected]

Organizador


SABEH, Luiz Antonio. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 23, n. 3, set. / dez., 2018. Acessar publicação original [DR]

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História, cinema e gênero: interseções nas telas / História Revista / 2018

Trabalhos de História-Cinema têm se avolumado no Brasil nas duas últimas décadas. Historiadores / as tomam o artefato audiovisual como fonte e objeto para analisar a representação do passado, os usos do passado, os lugares de memória, as encenações dos eventos e das trajetórias de personagens históricos nas telas.

Se, hoje, já é possível cartografar o campo de estudos nessa chave, no país, que compreende simpósios específicos e em eventos acadêmicos de abrangência nacional e internacional, além de teses e dissertações – produzidas em diferentes departamentos acadêmicos brasileiros – e outras publicações especializadas, os estudos de História-Cinema que se voltam mais detidamente para as questões de Gênero e sexualidade, que também reúnem certa produção, apesar de esparsa, têm adquirido corpo somente na última década.

A publicação deste dossiê, “História, cinema e gênero: interseções nas telas”, pela História Revista colabora para o preenchimento da lacuna historiográfica sobre a temática. Reúne artigos de pesquisadores (as) brasileiros (as) das áreas da História e da Comunicação que vem debruçando-se sobre artefatos audiovisuais, a fim de esquadrinhar suas possibilidades de análises, especialmente sobre as questões de gênero e sexualidade.

Do conjunto de textos, aqui reunidos, destaca-se a tendência de lançar luz sobre a produção cinematográfica de mulheres, de países como Estados Unidos, Cuba e Brasil. Outros dois artigos dedicam-se à análise de filmes, especificamente estadounidenses.

Os artigos sobre as cineastas e seus filmes dialogam com certa perspectiva da teoria feminista do cinema que, desde o final dos anos 1960, busca recuperar do esquecimento, quando não do ostracismo – produzidos por um campo marcadamente masculino que reproduziu (e ainda reproduz) valores retrógrados de inferiorização e exclusão das mulheres – cineastas e mostrar a relevância de suas cinematografias.

Neste dossiê, a designação autoria feminina no cinema não é aplicada diretamente, sendo que os textos apenas a tangenciam ao problematizarem a invisibilidade das mulheres em tal campo e ao analisarem suas obras fílmicas. Isso aproxima os textos da própria crítica feminista que, em diálogo com as teorias gerais sobre autoria, já alertou para a armadilha desse tipo de nomenclatura que pode remeter à ideia de naturalização do feminino, isto é, reiterar o escopo do determinismo biológico, que embasa a compreensão de que as diferenças entre homens e mulheres residem em certa essência biológica, seja genital, seja hormonal – desconsiderando, pois, que a definição de gênero resulta de construção social e, como tal, cultural e histórica, implicando, invariavelmente, relações de poder.

Faz-se necessário salientar, no entanto, que os estudos feministas também reconhecem que tal denominação reforça um aspecto político importante frente à ausência de uma expressão que dê conta de traduzir a questão que ela engendra, qual seja: o lugar assimétrico decorrente de relações desiguais de poder no campo da produção simbólico-cultural, que impingiram certa invisibilidade às mulheres cineastas e aos seus filmes.

Voltando aos textos. O artigo de Sandra Machado problematiza a História do cinema, concentrando seu olhar nos Estados Unidos e na Europa, para trazer ao público brasileiro a trajetória invisibilizada da cineasta Alice Guy-Blaché (1873-1968), que pode ser considerada, segundo a autora, uma das fundadoras “do cinema de ficção”. Ainda neste artigo é possível entrar em contato com as inovações técnicas, de estilo e com as temáticas abordadas por cineastas europeias como Leni Riefenstahl (1902-2003), Agnès Varda e Marguerite Duras (1914-1996). Em diálogo com as teorias feministas do cinema, Machado retoma as obras dessas realizadoras e de outras para observar como elas ousaram, inclusive ao estamparem nas telas o protagonismo de personagens femininas, sendo que, em alguns filmes, abriram espaço para a representação daquelas mulheres consideradas socialmente marginais, como, por exemplo, as lésbicas.

Ana Veiga, por sua vez, brinda os(as) leitores(as) com um artigo sobre a cineasta cubana negra Sara Gómez (1942-1974). Além de apresentar a diretora, a historiadora aborda como esta cineasta, inserida no denominado Novos Cinemas Latino-Americanos, mais especificamente no “Cinema Imperfeito” cubano, ligado à Revolução de 1959 e vinculado aos ideais socialistas, desenvolveu em seu filme, De cierta manera, lançado em 1974, a relação entre revolução e relações de gênero.

Outro artigo, de minha autoria, procura recuperar a trajetória da cineasta brasileira Vera de Figueiredo, que, em seu primeiro longa-metragem, de ficção, Feminino Plural (1976), não apenas rompeu com o cinema clássico, aproximando-se da tendência modernista e da experimentação, como apresenta certa leitura sobre a ditadura civil-militar em curso, estabelecendo diálogo com a historiografia do Brasil relativa ao período.

Já o artigo de Júlio Cesar Lobo volta-se para a análise fílmica de Retratos de guerra (1989) e Hemingway & Martha (2013), observando mais especificamente a representação da profissão de repórter-fotográfico de guerra exercida por personagem feminina. O texto, ao se concentrar na construção das protagonistas dos referidos filmes, suscita a discussão sobre as relações de gênero no jornalismo e em contexto de guerra, o que configura um tema atual e pouco discutido pelo público brasileiro.

Fechando o dossiê, o artigo de Miguel Sousa Neto e Aguinaldo Gomes aborda o filme Shortbus, de John Cameron Mitchell (2006). Os autores dirigem suas análises para o tema da corporeidade e, desse modo, analisam os afetos e desejos dos personagens, em meio ao contexto de globalização e de “amores líquidos” – ambientado no filme e no qual ele fora realizado.

Os (as) leitores(as) encontrarão, pois, um dossiê robusto sobre cinema e gênero, cujos artigos, mesmo quando não circunscrevem seus objetos diretamente à História, destacando aspectos próprios da disciplina, não prescindem de rigorosa contextualização sobre o período em que as / os cineastas realizaram seus filmes ou os ambientaram.

À coordenação da História Revista, aos (as) autores (as) participantes deste dossiê e aos (às) diferentes pareceristas e colaboradores (as) só me resta render sinceros agradecimentos, o que o público leitor(a), certamente, poderá reiterar.

Alcilene Cavalcante de Oliveira (UFG)

Organizadora


OLIVEIRA, Alcilene Cavalcante de. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 23, n. 1, jan. / abr., 2018. Acessar publicação original [DR]

A Aprendizagem Histórica e os usos de Narrativas (Auto) biográficas / História Revista / 2018

A interpretação histórica desemboca em uma forma de saber, na qual a factividade do acontecimento passado se torna narrável; ou seja, estende‐se na forma de apresentação de uma história. As duas coisas não podem ser separadas, exata e absolutamente, em sua sequência.

Jörn Rüsen

O dossiê A Aprendizagem Histórica e os usos de Narrativas (Auto)biográficas, da revista da Faculdade de História e do Programa de Pós‐Graduação em História da Universidade Federal de Goiás, História Revista, reúne artigos relacionados com a aprendizagem histórica, em suas diversas vertentes teórico‐metodológicas, e os usos de narrativas (auto)biográficas, seja na formação de professores de história, seja na práxis escolar na educação básica. Narrativas (auto)biográficas ou narrativas de vida devem ser entendidas para além dos limites da autobiografia escrita, pois o conhecimento não pode ser reduzido a uma representação total ou atomizada de um sujeito, mas sempre como conhecimento de si a partir da inserção em fenômenos sociais coletivos. A experiência de ensino e aprendizagem de história envolve necessariamente as experiências de formação docente, as experiências e práxis escolares, assim como a experiência escolar e a formação discente.

“Nas sociedades desenvolvidas, a escolarização, atualmente, faz parte de toda a experiência de vida. Ela visa primeiramente socializar e desenvolver as capacidades dos indivíduos: nisso ela produz, simultaneamente, o mesmo e o diferente” (BERTAUX, 2010, p. 55). Portanto, neste dossiê da História Revista foram admitidos artigos relacionados com a formação docente baseada em narrativas de si enquanto projetos de formação, assim como relatos de práticas de ensino de história e aprendizagem histórica. Todos ancorados em práticas do uso de histórias de vida – biografias, autobiografias, diários, memórias, etc. – como instrumentos e contextos formativos, analíticos e interpretativos, pois “mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma presença no mundo, com o mundo e com os outros. Presença que, reconhecendo a outra presença como um ‘não eu’ se reconhece como a ‘si própria’.” (FREIRE, 1996, p. 18). Esta estratégia de aprendizagem, que relaciona o ensino de história, a aprendizagem histórica e os usos de narrativas (auto)biográficas, apresenta‐se como necessária nos tempos presentes da modernidade capitalista e conservadora, que naturaliza os conceitos e práticas educativas como instrumental objetivo de construção de um ‘não humano’ – previsível, individualista, consumista –, e portanto infeliz, pela não consciência de si e consequente inacessibilidade à consciência histórica.

O primeiro artigo, intitulado Reminiscências do tempo de escola no ensino de história da educação: autobiografias, memórias e acervos familiares, de autoria de Terciane Ângela Luchese, tem como objetivo pensar o ensino de História da Educação, analisando uma vivência metodológica que se inscreve como inovação pedagógica ao relacionar (auto)biografias, memórias, história oral e acervos familiares com história no campo da educação. O texto resulta de uma experiência realizada pela autora nos últimos cinco anos, que sistematicamente tem trabalhado com o ensino de História da Educação na formação de professores em cursos de graduação em pedagogia, onde a disciplina é obrigatória. As análises dos materiais didáticos e dos registros produzidos nessa experiência docente constituem o campo empírico do artigo que, ancorado nos referenciais da História Cultural, reflete e analisa as potencialidades e os limites do ensino da disciplina de História da Educação. A distância entre a produção de pesquisas no campo da História da Educação e as práticas de ensino inspiradas nesses novos referenciais constitui ponto de reflexão que buscam instigar os acadêmicos e mobilizá‐los intelectualmente para aprender História da Educação com o objetivo de provocar efeitos na qualidade do ensino escolar a partir da experiência formativa narrada e pensada.

Blasius Silvano Debald, é o autor do artigo intitulado Docência e currículo de história por competências: aprendizagem significativa e protagonismo estudantil. O estudo, do qual resultou este trabalho, averiguou a organização curricular por competências do curso de história no Centro Universitário União das Américas, na cidade de Foz do Iguaçú/Paraná, primeira instituição brasileira a aplicar as Metodologias Ativas de Aprendizagem no ensino superior. A problemática investigativa teve como questão norteadora compreender de que forma estrutura‐se o currículo por competências no Curso de História.    A opção metodológica orientou‐se pelos estudos e aplicações no campo educacional da narrativa autobiográfica a partir de pesquisadores considerados clássicos e reconhecidos epistêmica‐ metodologicamente como Gaston Pineau, Daniel Bertaux, Antônio Nóvoa e Maria da Conceição Passeggi, entre outros. Os resultados apresentados indicaram que o currículo por competência centra‐se em conhecimentos que terão aplicabilidade no campo profissional. A produção de aprendizagens significativas e o protagonismo estudantil contribuem para o desenvolvimento da autonomia, rompendo com a dualidade teoria‐prática. As conclusões apresentadas no artigo demonstraram que o estudante que aprende por competências tem maior compreensão das particularidades da profissão escolhida.

Com o título Narrativa, História de Vida e Aprendizagem Histórica, Sandro Luis Fernandes e Maria Auxiliadora Schmidt apresentam o trabalho que tem como foco a análise desenvolvida nas produções de narrativas de uma turma de oitavo ano de Escola da Cidade Industrial de Curitiba (CIC): região ocupada por migrantes a partir dos anos 1970. Um estudo exploratório considerado como a primeira fase da pesquisa ação, detectou a ausência de relações entre a história da localidade e as memórias individuais e coletivas dos alunos. A partir dos resultados obtidos foi dada continuidade à pesquisa ação, adotando‐se estratégias como narrativas autobiográficas, produção de árvore genealógica, entrevistas e pesquisa documental. Elementos obtidos no resultado final indicam a importância de narrativas autobiográficas como referência para o trabalho da aula histórica, cujo objetivo é a formação da consciência histórica, isto é, o autoconhecimento dos alunos, bem como sua relação com a memória e a construção de identidades, para dentro, isto é, a relação consigo mesmo e, para fora, a relação com o outro, na perspectiva da orientação temporal do presente, passado e futuro.

Adriane Sobanski e Rita de Cássia Santos, autoras do artigo Experiências de professores, Ensino de História e o desenvolvimento do conhecimento histórico, discutem teoricamente o papel do professor e de como ele utiliza o seu conhecimento do passado para se desenvolver enquanto professor pesquisador. O texto apresenta discussões teóricas, a partir de aportes bibliográficos e empíricos sobre o desenvolvimento do professor pesquisador e do papel da sua experiência autobiográfica. Além de debater a formação deste profissional e como a perspectiva da Educação Histórica auxilia o desenvolvimento da consciência histórica de alunos, tendo como ponto de partida o reconhecimento de que o professor e suas experiências estão intrinsicamente ligados a um trabalho pedagógico bem desenvolvido. Trata‐se de uma apresentação do resultado de trabalho empírico, realizado pelas autoras, junto a professores da rede estadual de ensino do Estado do Paraná; interpretado teoricamente a partir da produção de autores como Maria Auxiliadora Schmidt, Isabel Barca, Jörn Rüsen, Peter Lee, entre outros.

Sob o título A cultura histórica como possibilidade investigativa a partir de histórias em quadrinhos (auto)biográficas com personagens históricos latino‐americanos, Marcelo Fronza apresenta um estudo que investiga como a cultura histórica latino‐americana está relacionada com a forma como os jovens tomam o conhecimento para si a partir de histórias em quadrinhos (auto)biográficas. A investigação é estruturada nas relações entre a cultura jovem, as histórias em quadrinhos e a cultura histórica de uma sociedade. Parte da preocupação de compreender os processos históricos vinculados à relação entre a interculturalidade e o novo humanismo, desenvolvido pelo teórico da Educação Histórica Jörn Rüsen; e o princípio da burdening history, proposto por Bodo von Borries, na divulgação dos resultados de suas pesquisas relacionadas com o ensino de história, o qual propõe que o fardo da história pode ser superado pela interpretação multiperspectivada instauradora de controvérsia provida pela autocrítica na teoria da história.  No transcorrer do texto analisam‐ se histórias em quadrinhos que narram experiências (auto)biográficas de sujeitos que enfrentaram e resistiram à escravidão, à violência política e ao racismo na América Latina e participaram dos processos revolucionários de Cuba. O autor, Marcelo Fronza, considera que o gênero (auto)biográfico nos quadrinhos é fundamental para a compreensão da imagem pública dos sujeitos.

Autobiografia, carência de orientação e produção historiográfica: um exercício de meta‐narrativa é o artigo de autoria de Gilmar Arruda, que afirma que uma boa parte da produção historiográfica contemporânea admite a influência da subjetividade do historiador na construção do conhecimento histórico e considera que a autobiografia está sempre presente na formulação das perguntas, métodos, narrativas e explicações no processo de construção do pensamento histórico‐científico. Com base nesse pressuposto, o artigo pretende, em primeiro lugar, ser uma análise de como a autobiografia influenciou a construção da produção de um determinado pensamento histórico‐cientifico a partir da análise de uma tese de doutoramento de 1997; e, em segundo lugar, como o tempo presente do próprio personagem da autobiografia, orientou a análise atual da relação entre autobiografia e pensamento histórico‐científico. O autor pretende demonstrar que a autobiografia é fundamental para compreender a construção do pensamento histórico‐ científico e a aprendizagem histórica dos historiadores, considerando, também, que o artigo é, portanto, uma meta‐narrativa sobre a autobiografia.

Como conclusão do dossiê A Aprendizagem Histórica e os usos de Narrativas (Auto)biográficas, é apresentada a Entrevista com Bodo von Borries, Universidade de Hamburgo – Alemanha (Interview mit Bodo von Borries, Universität Hamburg – Deutschland), realizada e traduzida por Jorge Luiz da Cunha, em setembro de 2016. Bodo von Borries, considerado um dos mais importantes pesquisadores do campo da Didática da História, marca sua produção intelectual e suas práxis de formação de professores a partir da Aprendizagem Histórica, por meio do levantamento e interpretação hermenêutica de narrativas autobiográficas. Trata‐se de importante registro da produção científica e conceitual, relacionada e experienciada pelo entrevistado, entre os conceitos teórico‐ metodológicos do ensino e aprendizagem histórica e as narrativas autobiográficas, como fonte de pesquisa e significação e como metodologia estratégica e transformadora: “História não é ‘passado’, mas ‘a exigência por relatos reais sobre acontecimentos passados, processos, mudanças, desenvolvimentos, que ainda hoje são relevantes para a atualidade e para o futuro” (Bodo von Borries).

As Narrativas (Auto)biográficas são exercício de significação da realidade, em todos os seus contextos, especialmente os históricos. Sendo assim, fazem parte da educação de todos os sujeitos, discentes e docentes, e são fundamentais para a Aprendizagem Histórica – estratégia política de manutenção da condição humana, através da autonomia garantida pela Consciência Histórica. Uma “opção epistêmico‐política, ancorada na pesquisa (auto)biográfica de formação e pesquisa, tem possibilitado entender a formação como uma disposição centrada no sujeito que aprende a partir de suas próprias histórias e trajetórias de vida‐formação, entendendo a formação como uma construção de sentido” (SOUZA, 2018, p. 109).

Referências

BERTAUX, Daniel. Narrativas de vida: a pesquisa e seus métodos. Tradução Zuleide Alves Cardoso Cavalcante, Denise Maria Gurgel Lavallée. Natal: EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2010.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

SOUZA, Elizeu Clementino de. Autobiografia como acontecimento: vida, pesquisa e formação. In: ABRAHÃO, Maria Helena Menna Barreto et al. (Orgs.). A nova aventura (auto)biográfica. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2018.

Jorge Luiz da Cunha –  Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. E-mail: [email protected] 

Maria da Conceição Silva –  Universidade Federal de Goiás – UFG.  E-mail: [email protected]


CUNHA, Jorge Luiz da; SILVA, Maria da Conceição. Apresentação. História Revista, Goiânia- GO, v. 21, v. 23, n. 2, mai/ago, 2018. Acessar publicação original [DR]

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América Latina ‐ estudos comparados, histórias conectadas / História Revista / 2017

O dossiê que vem a lume reúne artigos que enfatizam a dimensão sociocultural de eventos e processos históricos ocorridos da América Latina. Idealizado a partir dos debates que surgiram quando da realização do III Colóquio Internacional Diversidade das Culturas, em 2016 – atividade do Projeto de Cooperação Internacional CAFP‐BA –, o dossiê privilegiou o comparativismo como estratégia analítica capaz de superar a perspectiva etnocêntrica, apresentando a experiência local como um modo de acessar a especificidade de uma cultural.

Ao observar, localizar e compreender as diferenças locais, o olhar comparativo permite expandir o horizonte analítico e o posicionamento compreensivo, próprio das ciências da Cultura. O leitor poderá exercitar esse tipo de posicionamento com o artigo Ciudades mineras en la Puna Colonial de Carlos Alberto Garcés. Nele, o autor percorre o processo de formação e desenvolvimento dos núcleos urbanos localizados na região da Puna argentina no período colonial, até meados do século XIX. Partindo do viés comparativo, o trabalho de Jorge Kulemeyer, intitulado Etnicidad sudamericana según la época del cristal con que se mire y mida, propõe se debruçar sobre as ações governamentais e os projetos políticos desenvolvidos em distintos países da América Latina no âmbito da discussão sobre identidade das populações aborígenes. Também, em Expresiones narrativas de subjetividades sociales diversas en el Noroeste andino argentino, de Maria Luisa Rubinelli, esse posicionamento da diferença pode ser vislumbrado. Seu interesse volta‐se para a forma como a mulher “transgressora” foi caracterizada pelos distintos setores da sociedade Jujenha, em especial as elites econômicas locais. Exercício similar deve ser observado no artigo Los hilos largos de la trama: Apuntes etnográficos y análisis de redes familiares en los valles orientales de Jujuy (Argentina) entre 1852 y 1910 de Frederico Fernández, em que o autor analisa o fenómeno do apadrinhamento batismal como dispositivo socio‐parental que estabelece intercambios simbólicos e hierarquias entre grupos familiares. Em cada um desses artigos observa‐se o interesse comparativo, capaz de auxiliar na investigação das regularidades, dos deslocamentos e das transformações de unidades culturais, em especial aquelas associadas ao Estado‐Nação.

Perceber as conexões entre eventos e processos para além dos paralelismos entre variáveis é uma característica da historiografia contemporânea. Essa percepção é explorada no artigo O contrabando na fronteira oeste da América portuguesa no século XVIII, de Nauk Maria de Jesus, que analisa o contrabando de ouro e prata na região com o intuito de evidenciar como esse tipo de comércio foi incorporado na sociedade e na economia do Antigo Regime. Percurso semelhante pode ser observado no artigo de Deusa Maria Boaventura, Do mito ao experimento: a cartografia e a urbanização de Goiás no século XVIII, que sustenta a existência de uma relação clara entre a estratégia de posse e controle do território colonial com o processo de formação de militares em Portugal, capacitados para realizar tarefas que iam desde os levantamentos cartográficos até a fundação de cidades e contribuíram decisivamente para a definição dos limites territoriais da capitania. A história da historiografía também se fortalece com a abordagem que privilegia as interconexões, como propõe Tomás Sansón Corbo em seu artigo Tránsitos atlánticos e interconexiones regionales en la estructuración de los campos historiográficos de la Cuenca del Plata (primera mitad del siglo XX). O forte intercâmbio de bens, pessoas e ideias, ocorrido nas primeiras décadas do século XX indica a importância de superação das barreiras nacionais para a construção de novos objetos de pesquisa. É também o que demonstra Leonardo Seabra Coelho em Coleções, traduções e intelectuais: Oliveira Vianna e o intercâmbio cultural entre escritores brasileiros e argentinos nas décadas de 1930 e 1940. Também, Experimentos do Êxodo: Julio Le Parc e o GRAV, de autoria de Leandro Candido de Souza, reconstrói a trajetória de Julio Le Parc e sua produção artística e seu processo de engajamento nas lutas políticas da América Latina, na segunda metade do século XX.

Esperamos que a leitura desse volume seja um convite à intensificação das trocas de experiências entre os pesquisadores interessados em refletir sobre a diversidade das culturas.

Boa leitura.

Cristiano Arrais (UFG)

Jorge Kulemeyer (UNJ)

Organizadores


ARRAIS, Cristiano; KULEMEYER, Jorge. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 22, n. 3, set. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]

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História, cultura e natureza / História Revista / 2017

A história ambiental é um campo historiográfico relativamente novo. Apesar do debate entre história e natureza não ser algo distante dos estudos históricos, a história ambiental procurou enfatizar e privilegiar as relações entre humanos e meio ambiente em diferentes temporalidades e espacialidades. Surgida nos Estados Unidos, na segunda metade do século XX, procurou discutir sobre o papel da natureza no imaginário americano, sobretudo no que se refere a criação de uma cultura nacional fundada na relação com o meio. A partir da década de 1970 ampliou o seu escopo sobre outras abordagens ambientais, se mostrando muito mais interdisciplinar e buscando novas espacialidades. Além dos Estados Unidos, no Brasil, na América Latina e na Europa, um grupo significativo de pesquisadores tem se debruçado em estudos em história ambiental, com temáticas diversas como rios, montanhas, florestas, flora, fauna, cientistas‐conservacionistas, dentre outros, e em diversas temporalidades.

Nessa perspectiva, o dossiê temático História, cultura e natureza se apresenta como um campo privilegiado para a discussão da relação entre história, cultura e natureza. Ao propor o dossiê, nossa intenção foi promover um espaço de debates sobre os vários ambientes e os diferentes fenômenos decorrentes dessa relação. Apesar de ser um campo historiográfico, esse espaço de debates se propunha interdisciplinar, considerando a possibilidade de envolver biólogos, geógrafos, antropólogos e os estudiosos dos diferentes campos das engenharias que se dedicam às questões ambientais. Para tanto, propusemos discutir temas que envolvessem a relação homem e natureza em diferentes cenários, biomas, domínios naturais e paisagens, bem como a utilização de diferentes fontes e métodos na compreensão desses fenômenos, tanto no Brasil como na América, na África e na Europa, em diferentes temporalidades.

Como resposta à chamada do dossiê, recebemos um número significativo de submissões de autores vinculados a instituições de diferentes regiões do Brasil, e também uma contribuição do exterior. Os textos, avaliados e aprovados por reconhecidos especialistas em história ambiental, foram organizados no dossiê de acordo com as temáticas e abordagens apresentadas. Em primeiro lugar, apresentamos os artigos centrados em questões conceituais, teóricas e historiográficas. Em seguida, apresentamos uma abordagem da relação homem e natureza no contexto dos Estados Unidos da América. Depois, aparecem os artigos que analisam o fenômeno no Brasil, iniciando com uma abordagem sobre a história dos projetos de conservação de espécies da fauna brasileira, seguida por outra focada nas transformações na paisagem do estado de Santa Catarina, outra centrada no debate político ambiental no estado de São Paulo, chegando, por fim, ao artigo que se dedica ao Cerrado no século XIX. Excetuando‐se os três primeiros artigos – aqueles de abordagens teóricas –, percebe‐se que nosso critério para a organização dos textos no dossiê foi geográfico, partindo da realidade mais distante geograficamente, os Estados Unidos da América, para a mais próxima do lugar de publicação da História Revista, o nosso Cerrado.

Assim, abrimos o dossiê com três artigos centrados em questões conceitual, teórica e historiográfica.

No primeiro artigo, Roger Domenech Colacios, pós‐doutorando pelo Departamento de História da UNESP / Assis, apresenta uma abordagem conceitual, situada no debate sobre a polissemia do meio ambiente. O autor propõe analisar o conceito de meio ambiente utilizado pela historiografia ambiental brasileira focando as três matrizes teóricas que guiam os estudos históricos no Brasil: ecológica, socioambiental e geográfica. No que se refere à metodologia, a análise utiliza o instrumental Latouriano, utilizado pela história das ciências, referente às caixas‐pretas conceituais, o que está indicado no título do artigo: Os meios ambientes da História Ambiental brasileira: pela abertura da caixa‐preta.

Prosseguindo com a discussão teórica, o segundo artigo, História, meio ambiente e interdisciplinaridade, de Dora Shellard, professora convidada do MBA da ENS / Funenseg São Paulo e pós doutoranda no Instituto de Estudos Brasileiros IEB / USP, apresenta duas questões fundamentais sobre a abordagem do meio ambiente na história. Em primeiro lugar, a autora discute a singularidade da história ambiental frente a outros campos da disciplina, destacando que, até a década de 1950, a exploração do meio ambiente no Brasil também era objeto da história econômica e social. Em seguida, a autora apresenta importantes reflexões sobre a interdisciplinaridade entre as ciências ambientais e sociais, suas possibilidades e seus limites.

O terceiro artigo do dossiê, foi escrito por Márcia Helena Lopes, Cristiane Gomes Barreto e André Vasques Vital, pesquisadores vinculados a diferentes instituições: a primeira é professora na Unievangélica / GO, a segunda é professora na Universidade de Brasília, e o terceiro é doutor pela Fundação Oswaldo Cruz e bolsista CAPES / PNPD do Centro Universitário de Anápolis. Como indica o título, O Papel do Ambiente no Pensamento Social Brasileiro: Contribuições a partir de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior, o artigo apresenta uma análise profunda do papel do ambiente nas interpretações do Brasil desenvolvidas por três grandes intérpretes do nosso país, destacando como a natureza está presente na formação social brasileira, segundo esses autores.

Consoante a proposta do dossiê de discutir temas que envolvessem a relação homem e natureza em diferentes cenários se apresenta o texto de Micah Bacheller e Sandro Dutra e Silva – o primeiro, norte americano, vinculado ao North Central College / USA, e o segundo, brasileiro, professor da Universidade Estadual de Goiás e do Departamento de Ciências Ambientais no Centro Universitário de Anápolis. Em The Birth of National Parks: Culture and Nature in Visiting the Wilderness in the United States (1920‐1940), os autores abordam a relação entre sociedade, cultura e natureza no contexto norte‐americano, estabelecendo como marco inicial o governo do Presidente Wilson (1913‐1921). Com enfoque na história da conservação da natureza e criação de áreas protegidas, os autores abordam a questão proposta em duas perspectivas: o nascimento do Sistema e Serviço de Parques Nacionais nos Estados Unidos e os fatores relacionados ao aumento de visitantes aos Parques entre as décadas de 1920 e 1940.

Passamos, então, ao cenário brasileiro. O primeiro artigo, História dos projetos de conservação de espécies da fauna no Brasil, é fruto da discussão de três pesquisadores, vinculados a importantes centros de pesquisa em história ambiental: Fernanda Cornils Monteiro Benevides, vinculada ao Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília e membro do Observatório das Unidades de Conservação e Políticas Sociais Conexas, José Luiz de Andrade Franco, vinculado ao Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília, e Vivian da Silva Braz, professora no Centro Universitário de Anápolis / GO. O artigo traça uma história dos projetos de conservação de espécies da fauna no Brasil. Nas palavras dos autores: “projetos pioneiros iniciados pela Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN), entre 1966 e 1972; consolidação e surgimento de novos projetos de 1973 a 1988; e crescimento do número de projetos, de 1989 até o presente. Trata da cooperação da FBCN com o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), com a Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), e com organizações não governamentais (ONGs) internacionais para o desenvolvimento dos projetos de conservação da fauna.” O artigo destaca, em suas conclusões, que os projetos de conservação da fauna revelam‐se importantes para o desenvolvimento de uma consciência ampla sobre a perda da biodiversidade.

Deslocando nosso olhar para o Sul do Brasil, o artigo intitulado Meio ambiente e sociedade: as transformações na paisagem do Oeste Catarinense, na segunda metade do século XX, de Samira Peruchi Moretto, apresenta as diversas transformações ambientais no Oeste catarinense no século passado, provocadas, em sua maioria, pela antropização da paisagem. A autora, que é professora do Curso de História da Universidade Federal da Fronteira Sul, utiliza um denso e variado corpus documental para analisar o processo histórico da transformação ambiental no Oeste catarinense, após o processo de ocupação da região.

No contexto da região Sudeste situa‐se o artigo O conceito de restauração de florestas nativas no debate político ambiental em São Paulo (1912‐1944), de Luiz Antônio Norder, professor do Departamento de Desenvolvimento Rural da Universidade Federal de São Carlos.  Por meio do estudo de publicações que continham conceitos e propostas de restauração de florestas, o autor analisa o contexto e as características do conceito de restauração de florestas nativas no Brasil e, especialmente, no estado de São Paulo, no período de 1912 a 1944.

Finalizamos o dossiê com uma abordagem sobre o Cerrado. Em A diversidade paisagística dos “campos” nas iconografias de Florence e de Martius: alguns aspectos do Cerrado da primeira metade do século XIX, Ana Marcela França de Oliveira, doutora pelo Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, discute a diversidade paisagística das extensões florísticas que abrangem atualmente parte do Cerrado, da forma como foram registradas pelo botânico alemão Carl F. von Martius (1794‐1868) e pelo artista francês Hercule Florence (1804‐1879). Ao estudar os registros dos dois viajantes, a autora problematiza o uso das imagens dos “cerrados” que ambos construíram como testemunhos de usos pretéritos do ambiente analisado.

Os leitores encontrarão nesse dossiê um debate riquíssimo no âmbito da história ambiental. Os artigos que o compõem apresentam diferentes abordagens e importantes reflexões em um campo historiográfico que, como dissemos no início dessa apresentação, é relativamente novo. Estamos profundamente agradecidos a todos que colaboraram: aos autores, que submeteram suas propostas e aceitaram as críticas e sugestões dos revisores, e aos pareceristas que gentilmente, e no melhor espírito acadêmico, apresentaram reflexões importantes e pertinentes nas suas avaliações, revelando leituras atentas e cuidadosas dos artigos. Nosso muito obrigado!

Sandro Dutra – Doutor (UEG)

Adriana Vidotte – Doutora (UFG)

Organizadores


DUTRA, Sandro; VIDOTTE, Adriana. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 22, n. 2, mai. / ago., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Política esotérica: Relações entre esoterismo e política / História Revista / 2017

Em sua famosa obra Pensando com demônios, o historiador inglês Stuart Clark (2006, p. 688‐689) disse que somente era possível considerar uma dimensão política da magia porque a própria política possuiria uma dimensão mágica. Ainda que não seja um tema inédito na produção historiográfica contemporânea, as relações entre a política e o esoterismo ainda ofertam um vasto terreno a ser explorado pelos historiadores. Desde a perspectiva mais específica da história das religiões está o caso do romeno Ioan Couliano, discípulo de Mircea Eliade, quem, em seu clássico livro Éros et magie à la Renaissance (1984), fez algumas importantes elaborações a respeito, nas quais magia, poder, erotismo e imaginação aparecem mesclados na cultura renascentista e, em geral, moderna.

Podemos perceber a riqueza de tal diálogo nos mais variados recortes temporais, como por exemplo, desde a Idade Média até os nossos dias. Tal relação se apresenta das formas mais variadas, seja na construção de ferramentas de natureza esotérica para lidar com os segredos de ordem política, pelo investimento real em centros de estudos alquímicos como El Escorial, ou pelas influências esotéricas na formatação de grupos políticos, como foi o caso dos “seguidores do Vrill” e o nazismo, apenas para citar alguns casos.

Estes questionamentos, por outro lado, não estão restritos ao âmbito europeu, uma vez que desde a formação de um incipiente campo esotérico na América Latina no período colonial, e sobretudo a partir da independência no século XIX, as inter‐relações entre política e esoterismo são cada vez mais claras para o olho vigilante do esoterólogo. Assim, o papel da maçonaria no século XIX é um dos assuntos mais bordados nos últimos anos por parte dos novos historiadores que se focaram em estudar a presença maçônica nessa zona, como se pode apreciar na Revista de Estudios Históricos de la Masonería em Latinoamérica y el Caribe (de acesso livre na internet). Os polêmicos enfrentamentos do espiritismo com a ordem católica desde finais do século XIX e depois da teosofia contra a mesma poderosa adversária, já no começo da nova centúria, também foram notáveis em vários países da área, o que nos adverte que não se tratou de peculiaridades nacionais, mas de padrões ideológicos compartilhados entre os países, dadas as premissas similares. Em muitos desses casos, o discurso esotérico aparece aliado a ares de modernização social, revestindo‐se de uma aura “progressista”, do lado dos liberais, primeiro, e protosocialistas depois. Nessa linha, nos encontraremos com figuras políticas que empreenderam seu trabalho transformador no campo social a partir de uma plataforma esotérica. Citemos quatro casos da primeira metade do século passado: Francisco I. Madero e Felipe Carrillo Puerto no México, Rogelio Fernández Güell na Costa Rica, e Augusto César Sandino na Nicarágua, os quais, a partir de fundamentos espíritas, teosóficos e maçônicos, iniciaram suas revoluções que os conduziram à morte. Mas, o esoterismo da primeira metade do século XX não teve apenas essa face progressista, deu base também a manifestações ditatoriais, como a de Federico Tinoco na Costa Rica, e até genocidas, como Maximiliano Hernández em El Salvador.

Mas, a que nos referimos ao usar tais termos: política e esoterismo? O poder apenas existe enquanto relação, retornando ao clássico pensamento de Michel Foucault. Relação essa entre um ou mais indivíduos, cuja natureza é fluída, dinâmica, passível de ser afetada pelos elementos que compõem uma dada conjuntura histórica. Ao aplicarmos esse pensamento à máxima de Stuart Clark, temos que essa relação entre indivíduos, na qual se situa o poder, pode estar imersa em práticas e representações de ordem esotérica que atuaram em uma dada sociedade histórica. Assim, essa dinamicidade do poder seria construída por meio da atuação de tais elementos, ou seja, da capacidade de influência que tais práticas e saberes possuíam nesse dado contexto.

Se compreendermos a política como uma das várias possibilidades dessas relações de poder das quais tratou Foucault, como definir o que é o Esoterismo? O historiador francês Antoine Faivre deu o passo primordial para transformar os temas esotéricos em objetos acadêmicos. Conforme a já amplamente discutida teoria de Faivre, o Esoterismo ocidental pode ser compreendido como parte da História ocidental das religiões, um grupo de saberes e práticas que comungariam de um mesmo conjunto de características. Mais precisamente, essas “correntes esotéricas” compartilhariam quatro qualidades intrínsecas (Correspondência, Natureza Viva, Imaginação e Mediações, Experiência de Transmutação) e duas relativas (Práxis da Concordância, Transmissão). É possível afirmarmos que tal conceito também existe unicamente enquanto relação: relação do indivíduo com o mundo ao seu redor, nas formas por meio das quais se apropria dele; relação do indivíduo com este grupo específico de conhecimentos que buscam deslindar as engrenagens que movem as pessoas e as coisas; relação entre aquele que sabe, aquele que deseja saber e aquele que não pode saber, criando relações hierarquizantes entre tais sujeitos. Nessa versão relacional do esoterismo, o próprio conceito em seu nível acadêmico foi se modificando, desde a postura fundacional de Faivre aqui apresentada até abordagens mais próximas ao pós‐modernismo, como é o caso de Kocku von Stuckrad, que prefere falar em campo esotérico, onde o esotérico (mais que o esoterismo) funciona de forma reticular, não como algo reificado, mas como algo mais proteico e mercurial.

O presente dossiê busca compreender as implicações históricas dos diversos entrecruzamentos das relações acima listadas. Para tanto escolheu partir de um recorte histórico parecido ao proposto por Faivre, recuando dois séculos. Francisco de Paula Souza de Mendonça Júnior, professor adjunto da Universidade Federal de Santa Maria, diretor do Virtù – Grupo de História Medieval e Renascentista e codiretor do CEEO‐UNASUR, contribuiu com o artigo intitulado “Secretum Secretorum: o lugar do esoterismo nas cortes papal e imperial no medievo”, no qual discutiu a trajetória da obra de mesmo nome entre as cortes papal e imperial durante o século XIII da Europa ocidental. Um dos eixos centrais de sua discussão foi o papel exercido pelas relações de sigilo e segredo, de natureza esotérica, para a dinâmica das relações políticas daquela época. Trabalhando com um recorte temporal parecido, do século XII ao século XV, Nicolas Weill‐Parot, directeur d’études da École Pratique des Hautes Études, tendo como um dos eixos centrais de seus interesses a História das Ciências do Ocidente Medieval, refletiu sobre relatos acerca das possibilidades mágicas dos talismãs. Tais qualidades iam da cura de doenças chegando a conectar‐se ao poder monárquico, passando pela legitimação política de tais relatos.

Juan Pablo Bubello, professor da Universidad de Buenos Aires e da Universidad Nacional de La Plata, bem como diretor do CEEO‐UNASUR, refletiu sobre a história do esoterismo na Argentina de meados do século XX. Seu objeto foram os embates de representantes do espiritismo e do catolicismo argentinos, tendo como ponto de disputa o peronismo, uma das mais marcantes manifestações políticas da história argentina. Por último, temos a contribuição de Francisco Santos Silva, pesquisador do Centro de História do Além Mar (CHAM), da Universidade Nova de Lisboa. Seu artigo intitulado “’Eles São Todos da Maçonaria!’ A Maçonaria como poder político e social em Portugal” busca refletir sobre a influência da maçonaria na história política portuguesa, bem como acerca da representação maçônica nos meios de comunicação lusitanos.

O Centro de Estudios Sobre el Esoterismo Occidental de la UNASUR (CEEO‐UNASUR) organizou esse dossiê intitulado Política esotérica: “Relações entre esoterismo e política”, para contribuir com artigos originais para a ampliação e diversificação das reflexões acerca dos diálogos entre a política e o esoterismo ao longo do processo histórico humano. Não tivemos a intenção de esgotar o assunto, inclusive pelo grande leque de possibilidades que o tema oferta, mas de provocar a discussão historiográfica, tanto no Brasil quanto no exterior, e de construir um caminho de diálogo com os pesquisadores que estão trilhando estas searas historiográficas, ainda tão férteis e prenhes de possibilidades investigativas.

Sobre esta temática resta ainda muito por fazer na área latino‐americana, onde apenas se estão dando os primeiros passos na formação de um campo de estudos esoterológico. Aqui apresentamos uma pequena amostra, mais orientada ao europeu que ao latino‐americano por hora, com a ideia de apontar algumas de suas possibilidades e fazer visível dessa forma este crescente enfoque acadêmico. Agradecemos a todos os autores que submeteram seus artigos e aos pareceristas que contribuíram com críticas e sugestões.

José Ricardo Chaves Pacheco – Professor Doutor. Universidad Nacional Autónoma do México. Pesquisador do Centro de Estudios sobre el Esoterismo Occidental de la Unión de Naciones Suramericanas (CEEO‐UNASUR)


PACHECO, José Ricardo Chaves. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 22, n. 1, jan. / abr., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Cidades globais para a formação de um império: comerciantes e urbanismo / História Revista / 2016

O presente dossiê se propõe refletir sobre o papel desenvolvido pelos entornos urbanos e portos comerciais nas diferentes estruturas imperiais durante a Idade Moderna. De um ponto de vista transnacional e interdisciplinar se levam em consideração quatro casos de estudos através dos quais, e a partir de diferentes perspectivas, se aborda a interação estabelecida por estas cidades com os sistemas imperiais nos quais se integravam. Cidades entendidas como lugares físicos, mas também como cenários onde os indivíduos atuam.

Os quatros estudos, situados cronológicamente entre os séculos XVI e XVIII, cobrem um amplo raio espacial incluindo as áreas do Mediterrâneo, Atlântico e Pacífico. Ademais, se considera a interconexão e interação destes espaços comerciais integrados graças a um primeiro processo de globalização de natureza mercantil iniciado, em grande medida, pelas expansões ultramarinas dos impérios ibéricos. Embora não podemos afirmar que a chamada era dos descubrimentos fosse a primeira a interrelacionar territórios e culturas distantes, a partir deste momento se incorporaria América à economia mundial e os intercâmbios de pessoas, objetos e ideias entre os quatro continentes sofreriam um aumento quantitativo sem precedentes.

Se trata, portanto, de analisar vários espaços específicos como laboratórios a partir dos quais observar dinâmicas de ação imperiais que estiveram orientadas, sobretudo, à prática do comércio e à busca de oportunidades de negócio. Além disso, se tomam em consideração outros aspectos entrelaçados com o econômico, como os intercâmbios culturais, evidentes no caso do urbanismo, e migratórios, exemplificados aqui pelo deslocamento de comerciantes bascos e portugueses em busca de novas oportunidades, ou pelo aumento demográfico do porto de Livorno.

Nesta linha, se consideram os seguintes espaços de ação. Em primero lugar, se analisam os territórios insulares atlânticos dos Açores e as Canárias e seu protagonismo na articulação das estruturas imperiais ibéricas. Por outro lado, se faz uma incursão no porto italiano de Livorno que, situado no Mediterrâneo ocidental, se converteu em epicentro de intercâmbios comerciais e articulação de lucrativas estratégias econômicas. Finalmente, se analisa o porto de Lima, situado na América Hispânica continental, orientado para o Pacífico, e sede de importantes intercâmbios tanto com o resto do continente como com o espaço Atlântico.

A natureza variada dos espaços econômico‐comerciais considerados, assim como a amplitude cronológica, nos permitem ter uma visão de conjunto e longue durée de núcleos fundamentais no funcionamento das estruturas imperiais, tão dinâmicas e permeáveis na prática como pretenciosas e regulamentadas na teoria. Desta forma, o diálogo entre impérios, cidades, comerciantes e urbanismo pode ser um interessante ponto de partida para calibrar os efeitos e consequências de uma primeira globalização durante a Idade Moderna. Caminhando do concreto para o geral, se recuperam aqueles fios que formaram a rede de relações e as trocas de todo tipo.

A primeira das pesquisas aborda o papel do porto de Angra, situado na ilha de Terceira (arquipélago dos Açores), no processo de urbanização utilizado pelo império português. A ilha, enclave comercial atlântico desde o século XVI, toma relevância como modelo urbanístico imitado posteriormente no resto dos territórios ultramarinos portugueses. Com a ajuda de uma perspectiva multidisciplinar, Antonieta Reis Leite, estabelece um novo redimensionamento de Angra como porto luso sobre a base de documentos históricos e não sobre a narrativa existente sobre o enclave.

A partir de uma perspectiva também urbanistíca se analisa o porto de Livorno, situado no Mediterrâneo ocidental. O crescimento populacional do porto sob o amparo de um marco legal de promoção comercial e de proteção dos intercâmbios, provocou um processo de crescimento urbanístico. Em grande medida, o desenvolvimento se iniciou para dar resposta à demanda populacional que, em sua maior parte, era de origem estrangeira. Neste sentido, Livorno se converteu em um espaço privilegiado para o investimento imobiliário e posterior aluguel destes bens. Este proceso atraiu a atenção de muitos comerciantes e, obviamente, significou um canal de ingressos para a dinastia dos Medici, que se beneficiaram dele através da imposição de diversos impostos. Neste âmbito, Zamora Rodríguez analisa as estratégias dos Silva e Silva Henriques ao serviço da Monarquica Hispânica e de Portugal respectivamente, entrelaçados por vínculos familiares mais além de 1640. Apesar de sua localização, Livorno se considera como porto “imperial” devido ao protagonismo que manteve na articulação dos entramados imperiais ibéricos e a presença de intermediários como canalizadores das relação político‐comerciais. O porto é tratado, portanto, como mercado e ponto geoestratégico mediterrânico integrado nos impérios ibéricos de um ponto de vista prático, ainda que excluído do ponto de vista jurisdiccional.

Nesta linha de tratamento transnacional das relações imperiais, o artigo de Álvarez Santos parte dos pressupostos da nesologia e dos debates historiográficos mais recentes a respeito, para integrar o arquipélago das Canárias como parte fundamental no funcionamento das relações com os portugueses. As Canárias se converteram, durante todo o período da União Ibérica, em território estratégico e com muitas oportunidades de negócio para comerciantes portugueses que se estabeleceram ali. A partir destes enclaves atlânticos se teceram relacções fundamentais que involucraram e integraram mercados como Portugal e portos americanos e africanos por sua proximidade com a costa deste continente. A utilização de uma rica documentação notarial oferece dados inéditos sobre a presença e atividades econômicas de estes portugueses nas ilhas.

Finalmente, continuando com as estratégias seguidas pelas redes de comerciantes, o estudo de Lamikiz salienta a importância de Lima borbônica no contexto geral do vice‐ reinado do Peru. Efetivamente, o texto se articula em torno da experiência de seis comerciantes vasconavarros tomados como estudos de caso já que, na medida em que pertenenceram a duas gerações distintas, podem oferecer una análise diacrônica de suas atividades. Os três primeiros conheceram o declínio do sistema de Galeones a Tierra Firme enquanto que os três restantes foram testemunhos do renascer do comércio colonial pelo Cabo de Hornos. Desta forma, Lamikiz oferece um panorama das transformações que sofreu o comércio colonial hispânico durante o século XVIII até seu progressivo colapso durante o primeiro quarto do XIX. Este interessante e duradouro processo é observado a partir da experiência vital e desafios afrontados por comerciantes concretos que, por fim, contribuíram com seus interesses particulares para dinamizar o comércio transoceânico e não sempre consoantes com os objetivos governamentais.

Em resumo, este dossiê examina eixos comerciais que contribuíram com a  engrenagem dos entramados imperiais ibéricos, ainda que não se ocupe dos portos tradicionalmente considerados como fundamentais. Com o objetivo de aportar mais dados aos debates historiográficos em torno da dialéctica centro‐periferia, os assuntos tratados colocam em evidência que o funcionamento destes sistemas, de clara natureza polinuclear, dependeu de centros considerados tradicionalmente de menor importância, ainda que básicos para a dinamização de todo o conjunto. Efetivamente, o estudo dos arquipélagos Açores e Canárias, de portos “fora” do sistema imperial (como Livorno), ou a reformulação do rol de Lima no seio das políticas imperiais, confirmam a importância destes contextos menos estudados pela historiografía mais recente. Finalmente, se recupera o papel ativo de alguns dos protagonistas de “histórias conectadas” que se deram através de cidades e portos.

Francisco Zamora Rodríguez (CHAM)

Alberto Baena Zapatero (UFG)

Organizadores


RODRÍGUEZ, Francisco Zamora; ZAPATERO, Alberto Baena. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 21, n. 3, set. / dez., 2016. Acessar publicação original [DR]

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História e Fotografia: interdisciplinaridade, arquivo e memória / História Revista / 2016

O tema inicial deste dossiê apontava para uma reflexão sobre a articulação entre História e Fotografia, arquivo e memória, tomando esse entrelaçamento nas suas vertentes diversas e do ponto de vista de uma interdisciplinaridade profícua. A intenção era dar ênfase aos interesses da historiografia e da Cultura Visual, dos estudos sobre a Imagem e, até, uma iconografia, ligada à representação da história e da(s) temporalidade(s) que a atravessa(m). Finalizado o trabalho de leitura e organização dos textos recebidos, concluímos que nossa expectativa foi superada pelas reflexões que seguem, pois nelas se enxerga o vigor da interdisciplinaridade e o rigor das análises teórico‐metodológicas.

Podemos, assim, considerar três eixos fundamentais neste dossiê. Um primeiro prende‐se às questões da teoria da história e da historiografia e tem o seu início numa inédita colaboração do prestigiado filósofo Gérard Bensussan. Com o texto Rosenzweig, Schelling et l’histoire: quelques aperçus, veio mostrar‐nos o enraizamento da teoria da história contemporânea, que conhece em Rosenzweig, Ernst Bloch e Walter Benjamin os mais ferozes críticos da concepção hegeliana da história e de todos os positivismos subsequentes. Ainda nessa linha de reflexão, incluimos o texto de Maria João Cantinho, Aby Warburg e Walter Benjamin: a legibilidade da memória, que, ao partir da relação entre o conceito de memória e imagem (incluindo esta noção a representação fotográfica), examina, nos dois mencionados autores, a forma como a história e o passado podem ser interpelados mais figurativamente e menos como narrativa clássica e tradicional. Tais perspectivas abrem o caminho a uma nova visão, tanto da história como da própria história da arte, pondo a tônica numa imprescindível interdisciplinaridade que contamina toda a historiografia contemporânea.

Um outro eixo, ligado às possibilidades que a técnica e a reprodução imprimiram à fixação do passado, começou a impor‐se cada vez mais na fotografia contemporânea, lançando as bases teóricas para uma reflexão imprescindível: a ideia do arquivo fotográfico tornado indispensável à história. Nessa linha, sobretudo ao nível da fundamentação teórica, que antecede as reflexões de Barthes sobre a importância da fotografia como registro e potencialidade da construção do arquivo, temos o texto do filósofo Márcio Seligmann‐Silva, A fotografia na obra de Walter Benjamin: dialéctica congelada e a “segunda técnica”. Duas abordagens interessam a este texto: 1) o papel da fotografia como possibilidade técnica de reprodução, que permite a fixação do testemunho histórico; 2) o modo como a fotografia – expressão máxima de uma época em que a técnica desmonta todo o valor cultual e ritualístico da arte – alavancou, ela própria, a possibilidade (rizomática) de um novo olhar para a história, contribuindo para a construção da historiografia assentada no conceito de “imagem dialéctica”. Acompanha esse exame teórico‐metodológico o texto de Cristina Susigan, Desastres da Guerra, que aponta para as interrogações em torno da representação pela imagem (da pintura, da gravura e da fotografia), pela história e pelo passado. Parte a autora da análise de Aby Warburg e de Susan Sontag e da forma como a catástrofe e os desastres da história são registrados cada vez com maior precisão e rigor, permitindo a criação do arquivo e do testemunho histórico. Se as relações entre a história e a fotografia sempre foram visíveis e inegáveis a partir da década de 1930, graças à importância crescente da fotografia documental, o registro, entretanto, começou muito antes, com a fotografia trazendo uma capacidade de fixação do passado que se acentuou, eficazmente, nos nossos dias. Esse convívio entre ambas, história e fotografia, nem sempre foi fácil, pois os teóricos da fotografia recusavam a ideia de que a fotografia pudesse ser um mero instrumento de utilização para a história, o que poria em causa a sua autonomia. Certo é que essa relação era imperiosa, e tanto uma como a outra beneficiavam‐se dela, no sentido em que a contextualização histórica dava à fotografia uma nova consistência, convocando‐a à construção da história.

Um último vetor engloba os textos de Miguel Vieira e de João Oliveira Duarte, apontando para uma interdisciplinaridade que se encontra aqui contemplada, pois remete‐ nos para as questões da literatura e da Teoria da Literatura, da hermenêutica e da interpretação da obra de reconhecidos escritores portugueses como Sophia de Mello Breyner Andresen e Rui Nunes, repectivamente. Se Miguel Vieira, no seu texto sobre a poeta Sophia, procura resgatar a importância da obra e da biografia da autora, esse não é o mais importante aspecto do texto, todavia. O modo como a literatura e a poesia incorporam uma tradição da epopeia e da narrativa tradicionais, rememorando a mitologia clássica e assinalando o passado, é convocado na sua máxima expressão na poética de Sophia, que estabelece um diálogo vivo com a poesia, a tragédia e a epopeia gregas. Já o texto de João Oliveira Duarte cuida de outra questão mais contemporânea, que é a do luto e da melancolia na experiência moderna e o modo como essa experiência se inscreve na literatura. Por fim, alcançamos o último texto do dossiê, Imagens e estereótipos na construção de uma visão do Brasil nos anos de 1950, de Marlise Regina Meyrer. Nele, encontramos a associação entre a memória afetiva e a identidade, explicitando como a fixação do passado se inscreve, também, em um processo de procura identitária.

Organizamos o dossiê e apresentamos seus temas por meio do que compreendemos como “vetores” ou “eixos”. Isso porque essa foi a opção teórico‐ metodológica que nos capacitou a dar conta do modo pelo qual os autores circulam entre a história, a fotografia e a imagem, contribuindo para uma reflexão pertinente entre as várias disciplinas que aqui dialogam. A escrita que ruma ao passado é comparável a um trabalho arqueológico. Escava, busca o detalhe e, então, ilumina o passado para dele obter um encontro com a explicação e o sentido.

Fabiana de Souza Fredrigo – Professora Doutora (UFG)

Maria João Cantinho – Professora Doutora (Iade, Portugal)

Organizadoras


FREDRIGO, Fabiana de Souza; CANTINHO, Maria João. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 21, n. 2, maio / ago., 2016. Acessar publicação original [DR]

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Câmaras municipais na América portuguesa: entre o universal e o específico / História Revista / 2016

O dossiê que apresentamos nesta edição de História Revista procura realizar um balanço da produção sobre a instituição camarária na América portuguesa, a qual assistiu um bem-vindo crescimento nos últimos 20 anos. De órgãos periféricos e subsidiários do poder central português, as Câmaras passaram a ser compreendidas como palco de poder de elites locais, as quais atrelavam-se à monarquia com um duplo e paradoxal compromisso. De um lado estavam comprometidas a empregar-se no real serviço, de outro guiar-se pelo que de melhor houvesse para o bem público, isto é, o interesse da comunidade (república). Ocupados por grupos de destaque em cada vila, as Câmaras intermediavam estes objetivos mesclando muitos dos projetos dos poderosos locais, demonstrando abrigar contradições e conflitos em seu seio.

Nas câmaras reuniam-se elites locais das diferentes comunidades, exibindo tanto as características desejadas na Corte quanto valores cujo sentido possuía alcance mais limitado. Suas funções incluíam discutir a organização do espaço, a limpeza e abastecimento da comunidade, mas ainda tratar de crianças expostas, do comércio, das procissões religiosas e festividades em honra de Sua Majestade Fidelíssima. Tratavam da política e da gestão humana em nível cotidiano tencionada pela confluência entre interesses locais e projetos do poder central.

Esta reunião de artigos se ancora na diversidade apresentada pela instituição na América, motivo pelo qual se privilegiou diferentes espacialidades. Tal diversidade se apresenta tanto pelas nuances de cada caso, mas igualmente porque os trabalhos demonstram as múltiplas funções desempenhadas pelas Câmaras. Esta diversidade já fora contemplada por Russel-Wood, que destacara a divergência cultural que pontuava os diversos conselhos espalhados no universo oceânico lusitano. As peculiaridades locais, entrementes, não impediram que alguns mecanismos se fizessem presentes, como destaca o mesmo autor, tornando a instituição um elemento de continuidade na dispersão espacial.[1] Daí a ideia de oscilar entre o específico e o universal, tônica presente nos trabalhos que compõem o dossiê.

Há uma clara predominância temporal do século XVIII, o que se explica por ter sido um momento de multiplicação de vilas na América portuguesa. Foi no 700 que a instituição camarária adentrou inúmeros sertões, fazendo-se presente em diferentes realidades e abrigando grupos de elite com características específicas em cada região.

Em Frágeis poderes: governadores e oficiais municipais em Goiás na segunda metade do século XVIII, encontramos tema recorrente no estudo das Câmaras, sua relação com os governadores. Esse relacionamento que recorrentemente alternou atritos e colaborações se desenvolveu pela falta de clareza jurisdicional das duas esferas. Estavam as Câmaras subordinadas ao governador ou eram órgãos independentes? O artigo escapa a uma dualidade simplificadora e propõe que as duas esferas de poder apresentavam fragilidades e autonomias, sendo necessárias em atender os desígnios de Sua Majestade. Não obstante, a Câmara de Vila Boa de Goiás não se curvava às imposições do governador Luís da Cunha de Meneses, valendo-se do recurso ao arbítrio régio para defender suas prerrogativas. Uma demonstração da inserção e retroalimentação entre periferia e centro.

O artigo Na confraria e na Câmara: a correspondência entre a Irmandade do Santíssimo do Pilar do Ouro Preto e a Câmara de Vila Rica aborda a relação entre o que Boxer chamou de pilares gêmeos da sociedade do império marítimo português. Desviando-se do binômio Câmara-Misericórdia, a escolha inclina-se ao senado e à confraria laica do Santíssimo Sacramento da igreja matriz de Vila Rica. Avalia-se a presença de indivíduos nas duas instituições e os auxílios prestados de uma à outra. Desvela-se na sociedade mineira não dois, mas um mesmo palco alargado de atuação da elite, o que implica em afirmar a ingerência do grupo tanto em assuntos administrativos quanto religiosos, um dado que celebra a proximidade entre religião e Estado no Antigo Regime.

Tão interessante quanto necessário é o estudo intitulado Redes associativas e de comunicação entre as câmaras de uma capitania, São Paulo (século XVIII). Aqui se aborda um tema em franco desenvolvimento no estudo camarário, o da comunicação política. Contudo, a fim de complementar e contrastar com estudos que optam pela correspondência entre os poderes locais e central privilegia-se a troca de cartas entre instituições municipais da capitania de São Paulo e destas com a da cidade do Rio de Janeiro. Os resultados apontam para uma capacidade de articulação surpreendente, na qual várias Câmaras enviavam requisições ao poder central, simultaneamente, tendo previamente, compartilhado entre si as informações e as impressões sobre o melhor modo de fazê-lo. A perspectiva horizontal da comunicação lança bastante luz sobre o funcionamento da América portuguesa e convida à multiplicação de estudos deste tipo. Neste, em específico, fica demonstrada a extrema vitalidade das Câmaras paulistas, capazes de realizar uma frente única de reivindicações. A pergunta inevitável ao final da leitura é quantas outras Câmaras se comunicavam desta forma?

A vitalidade expressa nos artigos anteriores encontra contraste no caso alagoano, no qual a Câmara se reunia pouco e, quando o fazia, limitava-se a assuntos de escopo local. A administração de duas Câmaras de perfil diferente é comparada em Variações do poder camarário na capitania de Pernambuco: Olinda e Alagoas do Sul na segunda metade do século XVII, com os benefícios costumeiros dessa abordagem, isto é, colocar em perspectiva a autonomia e o alcance da instituição. Se, por um lado é de se esperar que as vilas e cidades maiores atinjam maior influência, por outro é necessário perceber a realidade empírica das vereanças das mais modestas. Se dispensarmos estas considerações, teremos uma história parcial, que terminaria por anular o sentido da multiplicação de Câmaras citada acima. O modelo estabelecido nos grandes centros encontra um teste rigoroso no estudo de uma Câmara secundária e é na correlação entre ambos que é possível desenhar o funcionamento do Império Português e refinar nosso entendimento sobre o mesmo.

Câmaras municipais e ordenanças no Estado do Maranhão e Grão-Pará: constituição de uma elite de poder na Amazônia seiscentista analisa outro conjunto de relações institucionais de âmbito municipal. No artigo, as tropas de Ordenanças surgem como contraparte à ocupação dos principais cargos camaristas como modo de afirmação da elite residente. Concentrando-se em Belém e São Luís, o artigo mostra como a tendência a adaptar preceitos de nobreza à realidade amazônica fez da conjugação vereador-oficial de ordenanças um requisito para que o poder régio garantisse o monopólio social ao grupo. Novamente, esta situação é complicada pelos conflitos envolvendo oficiais nomeados diretamente pela Coroa, situação que não se encerrou com a passagem do século XVII para o XVIII.

O rei nas Minas: a construção simbólica do Império português na Capitania de Minas Gerais aborda um parâmetro não menos importante da ação camarária. A promoção de festividades conectava as várias partes do império ao fazerem circular símbolos da monarquia lusa. Ao construírem arcos triunfais decorados e iluminados e desfilarem retratos dos reis os camaristas confirmavam sua disposição em cumprir ao real serviço, fazendo o monarca materializar-se em duas diversas possessões, o que também conferia aos vassalos a ideia de participarem de um império de grandes proporções.

Em seu conjunto o dossiê mostra o crescimento do tema e da produção historiográfica brasileira, que recuperou um tema durante muito tempo considerado menor, executando um maduro debate com a historiografia internacional. Apesar de ser não mais do que uma amostra dos vários trabalhos existentes, mostra-se como a Câmara tornou-se um objeto de estudo privilegiado por permitir acessar a cultura, economia, política e sociedade da América lusitana, considerada sempre em sua relação com a totalidade do Império Português. Boa leitura!

Nota

1 RUSSEL-WOOD, A. J.R. Local Government in Portuguese America: A Study in Cultural Divergence. Comparative Studies in Society and History, vol. 16, n 2, mar. 1974, pp. 187-231. RUSSEL-WOOD, A.J.R. A base moral e ética do governo local no Atlântico luso-brasileiro durante o Antigo Regime. In. GONÇALVES, Andréa Lisly; CHAVES, Cláudia Maria das Graças; VENÂNCIO, Renato Pinto. Administrando Impérios: Portugal e Brasil nos séculos XVIII e XIX. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012.

Adriano Comissoli – Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2011). Professor do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)


COMISSOLI, Adriano. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 21, n. 1, jan. / abr., 2016. Acessar publicação original [DR]

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Medicina, Saúde e Doenças na História (II) / História Revista / 2015

Ao propormos um dossiê com a temática Medicina, Saúde e Doenças na História para publicar na História Revista, para nossa satisfação, fomos surpreendidas com inúmeros artigos de excelente qualidade que ultrapassavam o limite de um dossiê. O editor da revista decidiu organizar os artigos em dois dossiês e publicar em dois números seguidos da revista.

O fato de recebermos tantos artigos vem reafirmar o crescimento do campo historiográfico da saúde e das doenças no Brasil. Desde mais de uma década, criou-se um núcleo de pesquisadores de algumas universidades brasileiras interessados nesse campo de estudos. Esse núcleo, aos poucos se ampliou com a inserção de mais pesquisadores de outras universidades, formando verdadeira rede de conhecimento.

Organização de simpósios em congressos da área, em especial da ANPUH (Associação Nacional de Professores Universitários de História) e da SBHC (Sociedade Brasileira de História da Ciência), publicação de artigos e de livros que tematizam a história da saúde e das doenças em suas várias vertentes consubstanciaram na construção e consolidação desse campo de conhecimento no Brasil, somado à existência crescente de linhas de pesquisa nos programas de pós-graduação, onde se formam novos pesquisadores, potencialmente novos membros dessa rede.

Esse segundo dossiê atesta a diversidade de abordagens e fontes para se estudar a história da saúde e das doenças. Primeiramente, apresentamos o artigo de Viviane Machado Caminha São Bento e Nadja Paraense Santos intitulado “Botica jesuíta: apontamentos sobre a produção de medicamentos e a utilização de recursos naturais no Brasil colonial” que analisa a atuação dos jesuítas no desenvolvimento de medicamentos e práticas de cura, no período colonial.

O segundo artigo trabalha basicamente com o “Banco de Theses de Médicos Mineiros”, disponível no Arquivo Público Mineiro (APM). Trata-se de um corpus documental já inventariado que permite abordar aspectos que dizem respeito à formação, relações sociais e atuação dos médicos mineiros.

O terceiro artigo analisa as doenças no território baiano, a partir do curandeiro Faustino Ribeiro Junior, pelo viés da alimentação. A seguir Rômulo de Paula Andrade apresenta uma fecunda discussão política a partir de uma ação da saúde pública, qual seja a da campanha de erradicação da malária na Amazônia. O artigo “Bons ares, maus colonos: ambivalência entre raça e ambiente em Doenças Africanas no Brasil de Octavio de Freitas” investiga um personagem, a partir de sua obra, contextualizando suas ações. O artigo de Marinice Sant’Ana de Oliveira e Liane Maria Bertucci tem como objeto a Semana da Tuberculose, realizada em novembro de 1937, em Curitiba, no Paraná. As autoras analisam as ações de educação em saúde pública durante o evento e afirmam que os bons ares não são suficientes para evitar a tuberculose. No sétimo e último artigo, Charles Klajman trata de duas pandemias de gripe, a Espanhola de 1918 e a Influenza A de 2009. Examina as duas gripes de forma comparada, utilizando o referencial teórico da História Ecológica.

Esperamos que, como o dossiê anterior, este também se desdobre em profícuas discussões sobre a temática proposta.

Dilene Raimundo Nascimento – Doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense. Docente do programa de Pós‐Graduação em História das Ciências e da Saúde, da Casa de Oswaldo Cruz

Sônia Maria de Magalhães – Doutorado (2004) em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. É docente no Departamento de História da Universidade Federal de Goiás


NASCIMENTO, Dilene Raimundo; MAGALHÃES, Sônia Maria de. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 20, n. 3, set. / dez., 2015. Acessar publicação original [DR]

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Medicina, Saúde e Doenças na História / História Revista / 2015

Os intelectuais dos Annales foram pioneiros em estimular os estudos relacionados à doença. Precursores também ao valorizar os aspectos comuns da vida material, como os comportamentos biológicos, a história da alimentação, a história das enfermidades, contribuindo para uma releitura da história econômica e social. Os estudos de Emannuel Le Roy Ladurie e Fernand Braudel sobre a medicina e as doenças merecem destaque. O primeiro iniciou uma série de pesquisas sobre a história do clima e, posteriormente, da saúde e das doenças.[1] Ao segundo, coube a tarefa de promover pesquisas interdisciplinares, estimulando representantes de diferentes especialidades a discutir questões sobre história social da medicina e da doença alvitradas na revista Annales. O convite de Braudel foi bem recebido não só pelos historiadores, mas também por médicos e outros especialistas interessados em compreender historicamente o seu ofício. Desse exitoso encontro entre a História e as outras áreas do conhecimento resultaram vários artigos, procedendo em números especiais dedicados exclusivamente ao tema.[2]

Mas o texto basilar O corpo: o homem doente e sua história de Jean‐Pierre Peter e Jacques Revel, herdeiros de Fernand Braudel, promoveu um novo olhar sobre a temática para além do seu aspecto biológico. Eles vislumbraram a doença como elemento social, um acontecimento de reelaboração das conexões estabelecidas pelo homem, possibilitando evidências reveladoras sobre as mudanças sociais, uma esclarecedora leitura do mundo. O homem enfermo, outrora excluído da sua subjetividade, também ganha voz e visibilidade nesse processo. Desde então, esses objetos de pesquisa tem granjeado novo sentido na análise do historiador, que os examinam não apenas como um fenômeno mórbido, mas associados, sobretudo, aos aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais. Nesse complexo cabeamento analítico, as temáticas abrangem saberes práticas, instituições, representações sociais e culturais, relações de poder, ciência, sociedade, cultura, religião, espaço ambiental[3].

No Brasil, o impacto desse campo historiográfico pode ser auferido na crescente produção de dissertações e teses, livros, periódicos, grupos de trabalhos e programas de pós‐graduação e eventos indicando profícuas perspectivas teórico‐ metodológicas, que não só enriquecem a historiografia brasileira, mas sugerem novos temas de pesquisa.

Deste modo, os artigos reunidos no dossiê Medicina, Saúde e Doenças na História contemplam uma parcela abrangente da literatura produzida no Brasil, as tendências de investigação e metodologias aplicadas pelos historiadores. Os autores dos artigos que compõem o dossiê discutem os significados históricos da medicina, saúde e doenças seja no século XIX seja no XX, abarcando os diversos estilos, objetos e narrativas que propõem compreender as tensões entre os impactos sociais das doenças e as ações de saúde pública (avanços, retrocessos e desafios inerentes à constituição do saber médico e às ações públicas).

Notas

1. LADURIE, E. Histoire du climat depuis de An Mil. Paris: Flamarion, 1967.

2. J. R. (Org.). Médicins, médecine et societé en France aux XVIII et XIX siécles. Annales. Economies, sociétés, civilizations, n. 5, septembre-octobre, p. 849-1055, 1977.

3. REVEL, J.; PETER, J-P. O corpo: o homem doente e sua história. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História: novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.

Dilene Raimundo Nascimento – Professora Doutora (COC / Fiocruz)

Sônia Maria de Magalhães – Professora Doutora (FH / UFG)


NASCIMENTO, Dilene Raimundo; MAGALHÃES, Sônia Maria de. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 20, n. 2, mai. / ago., 2015. Acessar publicação original [DR]

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Mulheres, práticas políticas e gênero: História(s), Vivência(s) e Experiência(s) do(s) feminino(s) / História Revista / 2014

A introdução dos estudos de gênero no Brasil encontrou campo fértil na história das mulheres, caracterizada como uma produção de saber interdisciplinar, que ganhou consistência nos anos de 1970. As pesquisas envolveram esforços de historiadoras, sociólogas e antropólogas, feministas que tiveram coragem de dar voz às mulheres, retirá-las do apagamento e do silêncio da História, destacando as “vivências comuns, os trabalhos, as lutas, as sobrevivências e as resistências das mulheres no passado” (PEDRO, 2005, p.85). Nesse avanço das lutas sociais e das críticas feministas, tem vazão a controvérsia em torno da história das mulheres, que parecia sinalizar a exaustão da categoria mulher, vista, muitas vezes, como generalizada e universal. Abria-se, então, o campo para os gender studies ou o estudo das relações de gênero, que ganharam relevância nos Estudos Unidos, no início dos anos 1990 (RAGO, 1998, p.89).

A partir disso, abriu-se um campo de pesquisa interdisciplinar que busca compreender como se constituem o masculino e o feminino cultural e historicamente, na perspectiva das relações de gênero. A introdução dessa categoria iluminou a análise ao incorporar à experiência a dimensão da sexualidade e das identidades construídas, contrapondo-se à tendência de se pensar a identidade sexual como algo biologicamente dado (NICOLSON, 2000, p.9).

Dentre as contribuições do conceito de gênero, destacam-se: a rejeição ao determinismo biológico implícito no uso de termos como sexo ou diferença sexual; a dimensão relacional entre as mulheres e os homens, indicando que nenhuma compreensão de qualquer um dos dois sexos poderia existir sem um estudo que os tomasse em separado; a ênfase no caráter social e cultural das distinções baseadas no sexo, que contribuiu para desnaturalizar o discurso biológico; a dimensão das relações de poder que perpassa as assimetrias e hierarquias nas relações entre homens e mulheres (SOIHET e COSTA, 2008, p.43). Como Jane Flax (1991, p.226) afirma, a problematização das relações de gênero consiste no mais importante avanço isolado da e na teoria feminista no final do século XX. Definitivamente, inaugura-se um novo paradigma para compreensão da História.

O presente dossiê representa e confirma a importância e a abundância de pesquisas em torno da temática das relações de Gênero na História. As pesquisas pretendem compreender como as vivências e experiências de mulheres e homens questionaram / conformaram / inventaram a profunda desigualdade nas relações de gêneros, e simultaneamente espaços e lugares públicos e privados interditados e repensados. As construções sociais, históricas e culturais em torno dessa rede simbólica é, muitas vezes, composta de silêncios ratificados em discursos que buscam naturalizar a diferença, significados criados politicamente e necessariamente imprecisos (SCOTT, 2012).

Alcileide Cabral do Nascimento e Alexandre Vieira da Silva Melo fazem uma profícua parceria no artigo “Melindrosas em revista: Gênero e sociabilidades do início do século XX (Recife, 1919-1929) ao analisar o corpo feminino e suas ressignificações através da figura da Melindrosa – personagem instigante e amendrontadora da ordem de gênero – na moderna Recife da Primeira República.

Ana Maria Colling e Losandro Tedeschi abordam as questões sobre “Os Direitos Humanos e as questões de Gênero” analisando a desigualdade de gênero como “uma afronta à igualização proposta pelos Direitos Humanos desde a sua fundação no século XVIII”. Violência, direito à cidadania e espaços conquistados por mulheres ultrapassam assim fronteiras políticas para tentarem realizar um espaço de vivências igualitárias e democráticas, que deveriam ser asseguradas às mulheres, mas as disputas de poder das relações de gênero nos mostram que a história é repleta de conflitos e exceções.

Maria Izilda de Santos Matos nos brindou com o trabalho “Maria Prestes Maia: trajetória, luta política e feminista na qual investiga a importância da esposa do prefeito e urbanista Francisco Prestes Maia em meados do século XX – Maria Prestes Maia, imigrante lusa – nas atividades políticas, sociais, sua atuação na Federação das Mulheres no Brasil e como sua influência pode ter tido relevância para o traçado urbano de São Paulo efetivado pelo “Plano Avenidas”.

No artigo “Mulher, casamento e trabalho: um triângulo que não fecha?” de Maria Beatriz Nader embarcamos para outra cidade brasileira: Vitória e suas transformações nas três últimas décadas do século XX. A participação das mulheres nesse desenfreado processo de implantação de grandes indústrias, aumento populacional e econômico, sofre intensas mudanças, pois o mercado de trabalho rompe, ou pelo menos esgarça a tessitura do bordado tradicional do destino feminino de casamento e família.

Gleidiane de Sousa Ferreira aponta que o debate sobre o feminismo não é apenas nacional, mas internacional. Sua contribuição ao apresentar elementos de atuação política do Mujeres creando, grupo de atuação feminista anarquista boliviano desde 1992, é literalmente um espaço de reflexão sobre o que significa pensar as práticas do feminismo nos dias contemporâneos. Seu artigo “Produzir conhecimento sobre si mesmas: uma reflexão histórica sobre práticas feministas autônomas na Bolívia”, aborda as diversas formas de comunicação estabelecidas por essas mulheres, tendo como ponto de partida a noção de “tomar la palabra”: escrita teórica, rádio independente, o jornal alternativo, arte de rua.

“Tomar la palabra!”. É o que queremos e esperamos. Aproveitem os textos sobre práticas políticas e gênero e que destes surjam outras e tantas mais História(s), Vivência(s) e Experiência(s) do(s) feminino(s)!

Referências

FLAX, Jane. Pós-moderno e relações de gênero na teoria feminista. In: BUARQUE DE HOLANDA, Heloísa (Org.). Pós-modernidade e política. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. p.217-250.

NICOLSON, Linda. Interpretando o gênero. Estudos Feministas, Florianópolis, v.8, n.2, p.9-41, 2000.

SCOTT, JOAN W. Os usos e abusos do gênero. Tradução: Ana Carolina Eiras Coelho Soares. Projeto História, São Paulo, n. 45, pp. 327-351, Dez. 2012.

SOIHET, Rachel e COSTA, Suely Gomes. Interdisciplinaridade: história das mulheres e estudos de gênero. Gragoatá, Niterói, n.25, p.29-49, 2008.

Alcileide Cabral do Nascimento – Professora Doutora em História da Universidade Federal Rural de Pernambuco; Coordenadora Nacional do Gt de Gênero ANPUH; Coordenadora do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Gênero / NUPEGE / UFRPE / CNPq.

Ana Carolina Eiras Coelho Soares – Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em História e da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás; Coordenadora do GT regional de Gênero – Seção Goiás; Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero / FH-UFG / CNPq.


NASCIMENTO, Alcileide Cabral do; SOARES, Ana Carolina Eiras Coelho. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 19, n. 3, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Mulheres, Feminismos e Gênero: diálogos (in)tensos na História / História Revista / 2014

Os estudos de gênero ganham importância na academia, em fóruns de debates, nas agências de fomento à pesquisa e espaço no mercado editorial. A desigualdade de gênero e racial é profundamente questionada, o combate à violência contra as mulheres toma a cena pública, as sexualidades se rebelam e há uma desconfiança no ar a sinalizar que o binarismo (homes x mulher) no qual fomos forjados não responda à complexidade de ser no mundo hodierno. Assim, esse dossiê está em plena sincronia com as questões do presente e aposta numa sociedade melhor ao publicizar as pesquisas que falam das nossas travessias históricas de ser quem somos, onde as fronteiras normativas entre o feminino e o masculino são cada vez mais tênues.

A ideia desse dossiê surgiu em 2012 quando as professoras Alcileide Cabral e Ana Carolina Coelho se articularam para propor um simpósio temático no XXVII Simpósio Nacional de História que aconteceria em Natal, capital do Rio Grande do Norte, em 2013. O Simpósio intitulado “Mulheres, Feminismos e Gênero: diálogos (in)tensos na História” teve por objetivo discutir os significados históricos dos feminismos e da problematização das relações de gênero na virada do século XIX e nas décadas iniciais do século XX, buscando compreender como as mulheres questionaram a profunda desigualdade com os homens, ao mesmo tempo em que construíram possibilidades de inserção nos espaços públicos, redefinindo a dimensão do privado. Neste sentido, convidamos os / as pesquisadores / as a apresentarem seus trabalhos nas múltiplas direções abertas no âmbito dos estudos feministas e da história cultural a partir de fontes diversas como periódicos, revistas, fotografias, narrativas autobiográficas, ficção literária, discutindo a tensa e conflituosa relação entre feminino e o masculino, solo de uma episteme sobre as novas relações de e entre os gêneros e da emergência dos feminismos. Esse Simpósio rendeu bons frutos que agora chega ao público com este dossiê e temos a certeza de que nosso Grupo tem mesmo assumido a questão dos estudos de gênero como uma de nossas preocupações investigativas.

O estudo das relações de gênero abrange pesquisas acadêmicas interdisciplinares que procuram compreender as relações entre os gêneros – masculino e feminino – na cultura e na sociedade humanas. Essa compreensão entende que homens e mulheres estão numa perspectiva relacional e, ao mesmo tempo, são diferentes uns em relação aos / às outros / as e entre si. Considera-se ainda que essas relações são construídas historicamente, marcadas pela cultura e pelas relações de poder que fundamentam uma hierarquia e uma assimetria social entre homens e mulheres (SCOTT, 1991).

Esses esforços investigativos desde o último quartel do século XX, passaram a contar com a criação do Grupo de Trabalho de Gênero (Gt de Gênero Nacional) vinculado à Associação Nacional do Professores de História (ANPUH) em 25 de julho de 2001. Esse foi o ano da institucionalização dos Grupos de Trabalho vinculados à Associação, durante o XXI Simpósio Nacional da ANPUH, na Universidade Federal Fluminense, em Niterói. Buscando fortalecer a pesquisa, o ensino e a extensão, O Gt de Gênero definiu como objetivos consolidar um espaço de intercâmbio científico-acadêmico sobre estudos de gênero e temas afins, no âmbito da história e das diferentes disciplinas; proporcionar um balanço do alcance de teorias e metodologias geradas pelos estudos de gênero e temas afins e de suas repercussões sobre o conhecimento, com vistas ao aperfeiçoamento do ensino da história em seus diferentes níveis; estimular no espaço universitário iniciativas de ensino, pesquisa e extensão voltadas para perspectivas teóricas e metodológicas abertas pelos estudos de gênero. Desde então, estimulou-se a criação dos Gt’ regionais com idênticos objetivos. Temos hoje nove Gt’s em diferentes regiões do Brasil.

Assim, este dossiê representa uma importante parceria entre o Gt de Gênero Nacional, coordenado por mim, em conjunto com Gt de Gênero de Goiás, sob a coordenação da Profa. Ana Carolina Eiras Coelho Soares [3] e dá concretude a um dos seus objetivos: implementar dossiês / revistas temáticas e publicação de coletâneas articulados com os desejos e problemáticas do presente.

Neste dossiê temos a confirmação da relevância e preocupação com as temáticas de gênero nas discussões intelectuais do Brasil. Pesquisadoras / es de várias regiões do país contribuíram para essa publicação com questões instigantes e demonstrando o aprofundamento e o refinamento das pesquisas sobre Gênero.

Lídia Possas nos brinda com um artigo excelente sobre a trajetória do GT Estudos de Gênero / ANPUH, recompondo através da memória, de documentos e falas, os fatos e acontecimentos deste grupo entre 2001- 2014. Em uma tentativa de pensar essa caminhada, nos damos conta do esforço da consolidação de espaço de um campo que lida justamente com as disputas de poder e as desigualdades na história.

Ana Carolina Eiras Coelho Soares debate as narrativas visuais e as práticas de gênero nas artes gráficas criadas para a seção “O Menu do meu marido” veiculada pela Revista Feminina entre (1914-1936). No texto, as artes gráficas foram intencionalmente produzidas para criar símbolos e signos associados à modernidade, enquanto a seção ensinava a produzir refeições feitas pela esposa para o marido e seus filhos. As mudanças e contradições das relações de gênero, as práticas de viver, sentir e pensar e as ideias de modernidade, progresso e civilização convivem nas páginas de uma revista que era voltada para o público feminino.

Em “Notas sobre as representações do “feminino” nas páginas da revista Brasil-Oeste” de Eduardo de Melo Salgueiro incursionamos pelas páginas da publicação da revista Brasil-Oeste, mensário que circulou entre o período de 1956 e 1967, pensando nas representações das mulheres e da feminilidade deste periódico nacional que obteve até 1.500.00 exemplares editados.

Ana Maria Marques e Andréia Márcia Zattoni avançam no tempo, para discutir o feminismo e os debates no Centro da Mulher Brasileira (CMB) de 1975 e sua representação nas páginas da revista de informação semanal Veja no mesmo ano. A participação das mulheres e a resistência à ditadura militar são as temáticas que tornam esse artigo interessante, seja pelas contradições presentes nos diferentes órgãos de atuação, seja pela inevitabilidade da discussão da existência e participação de mulheres, inclusive exiladas, em um contexto de ditadura, mesmo que os discursos se apresentem de maneiras bastante diferenciadas.

A revista Veja é também pensado em outro artigo de Silvia Maria Fávero Arend e Douglas Josiel Voks intitulado: Revista Veja, masculinidades e consumo (década de 1970), na qual as masculinidades – categoria conceitual que se refina com as discussões sobre as relações de gênero e o feminismo – aparecem nas páginas da revista na década de 1970 através de uma indústria que vestia e gerava / dialogava com valores / produtos que passavam a representar os homens da classe média dos centros urbanos do país.

O tempo, esse senhor da narrativa do passado, volta para outra discussão feminista fundamental no texto de Elisângela Barbosa Cardoso, intitulado “Sufrágio, educação e trabalho: o feminismo na imprensa em Teresina nas décadas de 1920 e 1930”. O debate em Teresina nos mostra o alcance nacional das discussões feministas no Brasil, o que reforça o título deste dossiê, debates tensos e intensos na História de nosso país. O feminismo, muitas vezes, obliterado por uma narrativa tradicional, luta nas pesquisas atuais para ganhar espaço e visibilidade como fator de importância crucial para as mudanças sociais e das relações de gênero no país.

Acreditamos que esse dossiê veio para reafirmar nossa legitimidade enquanto campo de pesquisa e espaço de trabalho historiográfico. “tomar la palabra!”. Esperamos que todas / os aproveitem os debates e que estes gerem novas palavras, discussões e escritas sobre mulheres e homens que na experiência de suas vidas, criaram padrões, valores e uma lógica de existir cuja dimensão política requer mudanças na perspectiva de um mundo mais igualitário para homens e mulheres.

Nota

3. O GT Goiás é coordenado com a Profª. Dr.ª Eliane Martins de Freitas que não participa desta organização de dossiê em específico, mas é igualmente atuante em outros projetos desenvolvidos em Goiás.

Referências

HOLLANDA, Heloísa Buarque de (org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica. História, São Paulo, v.24, n.1, p.77-98, 2005.

RAGO, Margareth. Descobrindo historicamente o Gênero. Cadernos Pagu, Campinas / SP, n.11, p.89-98, 1998.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v.20, n.2, p.71-99, jul. / dez. 1995.

Alcileide Cabral do Nascimento – Professora Doutora em História da Universidade Federal Rural de Pernambuco; Coordenadora Nacional do Gt de Gênero ANPUH; Coordenadora do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Gênero / NUPEGE / UFRPE / CNPq.

Ana Carolina Eiras Coelho Soares – Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em História e da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás; Coordenadora do GT regional de Gênero – Seção Goiás; Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero / FH-UFG / CNPq.


NASCIMENTO, Alcileide Cabral do; SOARES, Ana Carolina Eiras Coelho. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 19, n. 2, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Clérigos e Laicos / História Revista / 2014

Nos últimos anos, a pesquisa em História Medieval conheceu um desenvolvimento significativo. O número crescente de estudantes de pós-graduação envolvidos nos estudos relativos à Idade Média testemunha o sucesso de esforços conjuntos e parcerias bem sucedidas nos quadros acadêmicos nacionais. Podemos propor que este sucesso deva-se a dois sólidos pilares. Estes foram constituídos, de um lado, a partir da integração e da parceira entre pesquisadores das universidades brasileiras e, por outro, através da cooperação e do diálogo acadêmico internacionais, sobretudo, luso-brasileiro e franco-brasileiro.

O dossiê Clérigos e Laicos, propondo o reforço dos dois pilares acima mencionados, traz o resultado de importantes reflexões cujo eixo fundamental localiza-se na historicidade das relações entre clérigos e laicos. A diversidade de enfoques, recortes temporais e espaciais assinalam o caráter frutífero e promissor da constituição de variadas perspectivas, abordagens e tendências historiográficas. Tal diversidade proporciona o incremento de um profícuo debate. Pensar as relações entre clérigos e laicos, perceber e evidenciar como elas ganharam contornos e expressões bem específicos, atentando aos detalhes, minúcias de tais relações e os sentidos atribuídos a elas, tanto pelos contemporâneos quanto pelos estudiosos, se revela um desafio e um conjunto de coordenadas para o leitor. Nesse sentido, os artigos reunidos no Dossiê revelam-se como um convite à reflexão e à proposição de discussões.

Tema premente na historiografia europeia, estas relações são aqui apresentadas sob diferentes e atentos olhares de pesquisadores cujas contribuições historiográficas se revelam importantes. Rossana Pinheiro, tomando, entre outras, as proposições de Andres Vauchez, considera as relações entre clérigos e laicos sob o ponto de vista da consolidação do monaquismo e da hierarquia eclesiástica em Marselha e Lerins do século V d. C. A autora toma como fonte de estudo os escritos de João Cassiano e propõe pensar a situação dos monges, na condição de laicos especiais, além dos problemas inerentes à constituição da hierarquia eclesiástica naquele período. André Miatello, tendo como ponto partida as considerações de Alain Guerreau, discute os conceitos de Ecclesia e Dominium como um suporte teórico fundamental para a abordagem da canonização de Homobono de Cremona, pelo papa Inocêncio III, e das questões políticas relativas às cidades italianas no século XIII. Damien Carraz problematiza o fenômeno da Paz e da Trégua de Deus. Tendo como recorte espacial o Midi da França, o autor propõe considerar, diferentemente de uma perspectiva dita tradicional, a continuidade das pazes do século XI no século XII. Nesse sentido, as relações entre os bispos e a alta aristocracia laica destacariam a relação e a ligação entre a “Paz de Deus” e a “Paz do Príncipe”. Fechando o dossiê, Renata Nascimento, a partir de uma discussão acerca do simbólico, apresenta uma análise dos sentidos atribuídos à relíquia do Santo Lenho pelos cristãos portugueses nos séculos XIII e XIV. A autora demonstra que a chegada do Santo Lenho a Portugal no século XIII, guardado pela Ordem dos Hospitalários, revela possibilidades de análise para pensar as especificidades culturais e sociais de Portugal naquele período. Nesse sentido, os artigos do dossiê revelam uma diversidade de abordagens acerca das relações entre clérigos e laicos. Diversidade expressa nas reflexões conceituais, na escolha e na abordagem das fontes. Tal diversidade, afirmando ou propondo distintas abordagens para a pesquisa em História Medieval, aponta para possibilidades teóricas e temáticas muito pertinentes que, quiçá, poderão servir de eixo orientador para futuros trabalhos. Certamente, o elogio à miríade de construções historiográficas ligadas ao tema “clérigos e laicos” traz em si o pressuposto do diálogo, do debate, da concórdia e da discórdia, além da necessária discussão inerente à construção do conhecimento histórico.

Na sessão Artigos são apresentadas importantes contribuições sobre temáticas variadas. Paulo Martins apresenta uma reflexão sobre a cultura imagética romana e sua veiculação na sociedade romana antiga e na nossa – tendo em vista sua constante exploração e fruição em museus e em exposições. O autor analisa como a cultura material da Antiguidade romana, tanto nos últimos 50 anos da República como nos primeiros 130 anos do Principado, pode ser lido e fruído de forma diversa hoje em dia. Natália Frazão José, em seu estudo sobre Veléio Patérculo (séculos I a.C. a I d.C.), aborda a vida do escritor romano, examinando a produção historiográfica dos últimos anos sobre ele. Destaca na única obra do escritor, Historia Romana, as concepções do próprio autor e da sociedade onde foi elaborada. Alcides Goularti Filho discute a construção da Estrada Dona Francisca, no norte e no planalto norte de Santa Catarina, dentro da formação e da expansão do processo de colonização e do complexo ervateiro. O estudo abrange o período desde a fundação da Colônia Dona Francisca, em 1851, à conclusão das obras ferroviárias da Linha São Francisco, em 1913, que seguia o mesmo percurso da Estrada Dona Francisca. André Azevedo da Fonseca realiza uma revisão bibliográfica de teses e dissertações recentes que analisam a História de Uberaba-MG. O autor propõe sistematizar os resultados dessas pesquisas com o objetivo de oferecer subsídios para os estudos sobre as tensões, as representações e os antagonismos que constituem a história da sociedade de Uberaba, do Oeste de Minas Gerais e da região central do país, sob a ótica da História Cultural e Social. Nataniél Dal Moro analisa as formas de conceber a terra no Oeste do Brasil. Seu artigo examina a transformação econômica do oeste brasileiro, enfatizando as mudanças alavancadas, na segunda metade do século XX, pela monocultura da soja nestas plagas, mais especificamente na região sul do então Estado de Mato Grosso Uno. Henry Rousso trata da “globalização da memória”. O autor analisa a relação com o passado, destacando não só as importantes mudanças estruturais ocorridas no último terço do século XX e início do século XXI, mas a tendência da mesma a unificar-se, a “globalizar-se”.

Agradecemos aos autores e aos pareceristas e desejamos a todos uma excelente leitura.

Bruno Tadeu Salles (UEG) – Organizador do dossiê.

Adriana Vidotte (UFG) – Editora.


SALLES, Bruno Tadeu; VIDOTTE, Adriana. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 19, n. 1, jan. / abr., 2014. Acessar publicação original [DR]

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Brasil, Portugal e África portuguesa: história e artes / História Revista / 2013

O dossiê Brasil, Portugal e África portuguesa: história e artes traz uma gama de discussões voltadas para diferentes objetos, sob olhares diferentes que traduzem a importância desta temática no mundo atual. Além disso, são apresentados artigos e uma entrevista que agregam contribuições de pesquisadores. Assim o texto de Manuel Ferro assentado em uma fonte, o Canto V de os Lusíadas demonstra a permanência deste como fonte de inspiração na literatura atual. Jorge Pais de Sousa preocupa-se com a existência ou não de uma fração socialista do Partido Republicano Português por intermédio da atuação de Magalhães Lima e Afonso Costa. Maria de Fátima Fontes Piazza aborda a circulação de sensibilidades entre Brasil e Portugal, cotejando a edição de luxo, a Selva, do escritor português Ferreira de Castro com as 12 ilustrações de Cândido Portinari para esta edição. Élio Cantalicio Serpa e Heloisa Paulo discutem as relações entre Brasil e Portugal por intermédio do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de Coimbra. João Batista Bitencourt traz para o leitor uma discussão historiográfica cotejando trabalhos produzidos em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, percebendo uma opção pelo enfoque que credita méritos às tradições lusitanas como componente da brasilidade. Alírio Cardoso trata da conquista do Maranhão e Grão Pará durante o período a União Ibérica (1580-1640). Eduardo Melo França trabalha com notícias, publicadas em Portugal, acerca da proclamação da república brasileira e da queda do imperador. Andreia Martins Torres faz uma interpretação das contas encontradas durante a escavação da Fragata Sto. António de Tána, naufragada em Mombaça no ano de 1697, problematizando o significado da presença destes materiais no contexto das ligações entre a Índia e África. Frank Marcon debruça-se sobre o estilo de música Kuduro usado no Brasil, Portugal e Angola, percebendo as implicações de ordem cultural e mercadológica.

Os artigos apresentados tratam de temáticas variadas. O artigo de Cynthia Machado Campos trabalha sobre a emergência do jovem / violência ou jovem / rebeldia nas ciências humanas. José Adilçon Campigoto, João Carlos Corso e Rejane Klein tratam de questões relacionadas com o uso e posse de terra, tendo como ponto de partida a Irmandade de São José da Água Branca. Filipa trabalha com a obra Il Gattopardo de Lampedusa, tendo como fio condutor o corteggiamento della morte, identificando vestígios de uma herança deixada pelos esquemas mentais da dialética barroca. José Antônio de Carvalho Dias Abreu trabalha com a obra de Joaquim Manuel de Macedo intitulada As vítimas algozes percebendo um processo de inversão no sistema escravocrata: a vitima é o algoz e o opressor é vitimizado. Milton Pedro Dias Pacheco debruça-se sobre monumentos relacionados com a arquitetura das águas existentes em Coimbra.

Acrescentamos ao presente dossiê uma entrevista com a Professora Doutora Maria Aparecida Ribeiro, ex Diretora do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de Coimbra.

Élio Cantalicio Serpa


SERPA, Élio Cantalicio. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 18, n. 2, jul. / dez., 2013. Acessar publicação original [DR]

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Saberes na Idade Média Ibérica e no Ultramar / História Revista / 2013

Desde que iniciou suas atividades em 1996, a História Revista vem se destacando entre os periódicos científicos de História da região Centro-Oeste, obtendo conceito B1 na última avaliação do Qualis / CAPES. Continua com sua missão primeira que é constituir-se em um espaço plural de debates de idéias e de apresentação de novas pesquisas históricas.

Este número apresenta o Dossiê, Saberes na Idade Média Ibérica e no Ultramar, que reúne dez artigos resultantes das conferencias proferidas no VII Encontro LusoBrasileiro de Estudos Medievais, realizado entre 17 e 19 de outubro de 2012, na Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás. No contexto histórico medieval era quase impossível diferenciar claramente os limites entre as diversas esferas de saberes devido ao caráter integrado e relacional do conteúdo da cultura da Europa ocidental. Esste dossiê busca abranger alguns desses conhecimentos produzidos na Idade Média.

O saber educacional em suas diversas variantes agrupa cinco textos. O primeiro artigo, Saberes e sabedoria: a potencialidade das circunstancias num manual de educação do século XII, de autoria de Armando Martins, da Universidade de Lisboa, trata da análise de um manual de civilidade de Hugo de São Victor (séc. XII) adotado nos mosteiros crúzios urbanos de Lisboa e Coimbra nos século XII e XIII e depois na América portuguesa no século XVIII. As regras da boa educação eram também uma forma de perfeição da vida religiosa. O segundo, de Margarida Garcez Ventura, da Universidade de Lisboa, Espelhos de espelhos… D. Duarte na companhia de D. Afonso de Cartagena entre a cultura, a moral e a política, analisa a influencia do D. Afonso de Cartagena sobre o rei D. Duarte, seguindo a longa tradição dos Espelhos de Príncipes, manuais de educação virtuosa para os reis e seus filhos. O terceiro, O Espelho de Cristina (séc. XV) de Manuela Mendonça, da Academia Portuguesa de História e Iniversidade de Lisboa apresenta um manual de educação feminina do século XV, também conhecido como o Livro das Três Virtudes ou o Espelho de Cristina. Foi composto pela primeira mulher a exercer o ofício de escritora, Cristina de Pisano e mandado traduzir en lingoagen pela rainha D. Isabel, esposa de D. Afonso V para a leitura e formação moral das damas e princesas da sua corte. Continuou a ser lido pelas princesas e damas da corte de seu filho, o rei D. Duarte. O quarto artigo, Escrita e conversão na África central do século XVII: o Catecismo kikongo de 1624, de autoria de José Rivair Macedo, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, propõe-se a mostrar o impacto de um manual de catecismo em lingua kikongo, Doutrina Christam do Padre Marcos Jorge, traduzido e utilizado pelos jesuítas na evangelização e conversão dos povos do antigo reino do Congo no século XVII e depois irradiado para outros povos da África central. O quinto artigo, O saber e os saberes na legislação sinodal portuguesa na Idade Média, de Maria Alegria F. Marques, da Universidade de Coimbra, analisa as constituições sinodais portuguesas medievais e a maneira como elas foram articulando os diversos saberes relacionados ao múnus apostólico do clero. Mostra igualemnte as transigencias com algumas práticas que lhes eram interditas ou censuradas, tais como, a arte de advogar e o ofício de tabelião.

A seguir, outros saberes medievais são investigados e analisados. O sexto artigo do dossiê, Os saberes da medicina medieval, de Dulce Oliveira Amarante dos Santos, da Universidade Federal de Goiás apresenta a trajetória, ao longo da Idade Média, da medicina como uma arte prática para uma ciencia com reflexão teórica nos Estudos Gerais. Investiga suas relações contínuas com outros saberes da época, tais como a Filosofia natural, a Astrologia, a Teologia e a Alquimia. Localiza ainda os espaços do exercício da Medicina em Portugal: o mosteiro, a corte e a cidade. O sétimo artigo, Entre saberes e crenças: o mundo animal na Idade Média, de Maria Eurydice de Barros Ribeiro, da Universidade de Brasília pesquisa a construção dos saberes sobre o reino animal da natureza por intermédio da literatura dos bestiários. Esse gênero de texto com vasta iconografia reproduz com equilíbrio o saber e a crença acerca do universo “zoológico”. Os dois próximos artigos enfocam as fontes do saber histórico. Assim, o oitavo artigo, A seiva do passado no saber histórico português e castelhano (XIV-XV), de Susani Silveira Lemos França, da Universidade Estadual Paulista, UNESP-Franca centra-se na construção do saber histórico nas cronicas com o ordenamento do passado e suas experiencias como fonte de ensinamentos. No nono artigo, Fontes de “saber” nas crônicas medievais: Fernão Lopes, Julieta Araújo Esteves, da Universidade de Lisboa, procura desconstruir o saber histórico das cronicas de Fernão Lopes focalizando a diversidade de suas fontes antigas e medievais. O último artigo, Saberes guerreiros de índios e portugueses na formação do Brasil, de João Marinho dos Santos, da Universidade de Coimbra, constitui-se em uma investigação sobre os saberes práticos (tecnológicos) da guerra no ultramar americano, tanto dos colonizadores quanto dos indígenas. Ambos estavam submetidos aos desígnios da natureza do Novo Mundo e dependiam mais da propria observação e experiencia dos efeitos dos armamentos do que de uma ciencia teórica da guerra.

O presente número encerra-se com a seção de Resenha bibliográfica crítica com o texto de Philippe Delfino Sartin, mestre em História pela Universidade Federal de Goiás. Trata-se da análise da obra de autoria conjunta do antropólogo francês René Girard e do filósofo italiano Gianni Vattimo sobre os dilemas do cristianismo na pós-modernidade contemporânea.

Boa leitura a todos.

Dulce Oliveira Amarante dos Santos


SANTOS, Dulce Oliveira Amarante dos. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 18, n. 1, jan. / jun., 2013. Acessar publicação original [DR]

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Religião, política e religiosidade na Idade Média / História Revista / 2012

A História Revista traz ao público o seu mais recente número, composto por três seções: Dossiê, Artigos e Resenhas. O dossiê Religião, política e religiosidade na Idade Média reúne quatro artigos escritos por pesquisadores vinculados a diferentes Centros de Pesquisas e Universidades brasileiras e argentinas. O artigo de Ruy de Oliveira Andrade Filho, professor e pesquisador na Unesp-Assis, abre o dossiê. Como informa o próprio autor, o artigo intitulado O reino visigodo: catolicismo e permanências pagãs, resgata e amplia algumas reflexões apresentadas no primeiro capítulo de seu recentíssimo livro: Imagem e Reflexo. Religiosidade e Monarquia no Reino Visigodo de Toledo (séculos VI-VIII), publicado pela Edusp, em 2012. Andrade Filho apresenta uma atenta leitura das fontes e destaca a distinção entre “religião” e “religiosidade” ao discutir a convivência do cristianismo com as manifestações do chamado “paganismo” no reino visigodo. O segundo artigo do dossiê, Trabajando para el pueblo de Dios: palabra, ley y clero en el pensamiento de Isidoro de Sevilha (600- 636) é de autoria de Eleonora Dell’ Elicine, doutora em História, docente e pesquisadora na Universidad de Buenos Aires e na Universidad Nacional de General Sarmiento. A partir de uma rigorosa análise das fontes, a medievalista argentina busca, em seu texto, discutir como um programa linguístico se relaciona com uma eclesiología e um plano de governo cristão no pensamento de Isidoro de Sevilha. O terceiro artigo, Épica, memoria e historia. Como los carolingios escriben el mundo, é de autoria do professor da Universidad Nacional de Mar del Plata e da Universidad Nacional del Sur, Gerardo Rodríguez. Em seu artigo, Gerardo Rodríguez apresenta reflexões sobre a construção de uma tradição franco-carolíngia, a partir da análise das relações entre literatura e história, sustentadas em uma profunda discussão teórica e historiográfica. Fechando o dossiê, o artigo O culto a São Tiago e a legitimação da Reconquista espanhola, de Adaílson José Rui, analisa a construção do mito de São Tiago como protetor dos cristãos contra os muçulmanos. O professor da Universidade Federal de Alfenas utiliza ampla documentação e bibliografia para enfatizar as transformações do Apóstolo em guerreiro – em matamoros – e do seu culto, vindo a servir aos propósitos da monarquia castelhana que tinha a Reconquista como uma missão régia.

A seção Artigos, como espaço plural, apresenta uma interessante diversidade de temas e abordagens. Abre a seção, o artigo de Alex Degan, A polêmica entre Yosef ben Mattitiahou ha-Cohen e Titus Flavius Josephus. O professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro e membro do Laboratório de Estudos Sobre o Império Romano (LEIR), revela, na construção do seu texto, uma cuidadosa interpretação das fontes. Em seu artigo, Degan oferece uma leitura da sociedade judaica da Palestina do século I por meio de uma análise da vida e das obras do historiador judeu Flávio Josefo. Em seguida, a seção traz uma contribuição vinda do sul do país: A formação social e cultural no sul do Brasil: a “mancha loira” como um contraponto ao Brasil “mestiço e mulato”, de Maria Julieta Weber Cordova, professora Adjunta do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa. A autora destaca o discurso sobre a “mancha loira” presente na obra de Bento Munhoz da Rocha Netto, Presença do Brasil, como contraponto ao discurso do Brasil “mestiço e mulato”, caracterizado em Casa Grande & Senzala por Gilberto Freyre. Na sequência, Daniela Pereira Versieux, Mestre em Educação Tecnológica pelo CEFET / MG e professora da Fundação de Ensino de Contagem / MG, oferece uma contribuição aos estudos sobre Minas Gerais. Em A fazenda Escola de Florestal: apontamentos sobre a inserção de Minas Gerais na modernidade capitalista, Versieux enfoca a relação da Fazenda Escola de Florestal, fundada no então distrito de Florestal, município de Pará de Minas, em 1939, com o processo de modernização de Minas Gerais. O artigo de Fernando Lobo Lemes, Espera, morte e incerteza: a instalação dos Julgados nas minas de Goiás, explica que a instalação dos Julgados, passo inicial em direção a um ordenamento institucional mais sólido, aparece como estratégia provisória de organização das ações coordenadas por Lisboa nas minas de Goiás. Doutor em História, Lobo Lemes aprofunda os estudos das fontes para propor “uma leitura possível sobre a criação de Vila Boa”.

A seção Resenhas, por fim, traz uma novidade. Pela primeira vez, a História Revista publica uma resenha de Dissertação de Mestrado. Eduardo Sugizaki apresenta a dissertação de Paulo Henrique Costa Mattos, O trabalho escravo contemporâneo: a degradação do humano e o avanço do agronegócio na região Araguaia-Tocantins, defendida no Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Eduardo Sugizaki, doutor em História pela UFG e em Filosofia pela Universidade da Picardia Júlio Verne, analisa a dissertação, enfatizando a sua relação com a literatura existente sobre o tema e os métodos empregados por seu autor. Em outra resenha, Rafael Sancho Carvalho da Silva, Mestre em História pela Universidade Federal da Bahia, discute a obra de Luiz Bernardo Pericás, Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica. Rafael Sancho Carvalho da Silva avalia a produção sobre o cangaço para destacar que na obra resenhada o tema foi descrito “sem o peso romântico de outras descrições”.

A História Revista espera estar contribuindo para o debate de ideias, para a circulação do conhecimento e para a congregação de pesquisadores. Que a leitura seja profícua e prazerosa para todos!

 Adriana Vidotte – Editora


VIDOTTE, Adriana. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 17, n. 2, jul. / dez., 2012. Acessar publicação original [DR]

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Linguagens Escolares e Educação Histórica / História Revista / 2012

Neste número, a História Revista apresenta o dossiê temático: Linguagens Escolares e Educação Histórica. Organizado pela professora Maria da Conceição Silva, o dossiê apresenta um tema caro aos professores e alunos da Universidade Federal de Goiás que integram o grupo de pesquisa Didática da História e Educação Histórica (CNPq). Liderado pelos professores Maria da Conceição Silva e Rafael Saddi, ambos da Universidade Federal de Goiás, esse grupo mantém um profícuo diálogo com pesquisadores sediados em outras universidades, brasileiras e estrangeiras, que se torna mais intenso por ocasião dos encontros nacionais e internacionais.

O dossiê traz à luz diretrizes a respeito das discussões sobre a Didática da História e as metodologias de instrução utilizadas para o tratamento com as linguagens da História na escola. Discussões importantes, sobretudo no momento em que os pesquisadores debatem a profissionalização na área da História. O reconhecimento da Didática da História aplicada ao ensino tem como eixo as especificidades do pensamento histórico, e a Educação Histórica vem contribuir com uma nova metodologia de ensino da História. Nesse aspecto, os artigos deste dossiê colaboram com a proposta de inovação teórica e metodológica para o ensino da História, seja no campo da cultura escolar ou no campo do uso público da História.

Éder Cristiano de Souza, em Cinema e didática da História: um diálogo com o conceito de cultura histórica de Jörn Rüsen, discute o cinema como produtor de narrativas históricas não científicas. O autor propõe um diálogo com os conceitos de Cultura Histórica e de Didática da História definidos por Jörn Rüsen, e com os pressupostos teórico-metodológicos da Educação Histórica, atentando-se para “as implicações estéticas e retóricas da narrativa fílmica como orientadora da vida prática”. Isabel Barca, em Ideias chave para a educação histórica: uma busca de (inter) identidades, aborda a proposta da Educação Histórica na inter-relação da teoria e práticas de Ensino de História, situando a investigação na sua interface, que, por sua vez, “alimenta-se dos princípios da aprendizagem situada, do saber histórico e sua epistemologia (conceitos substantivos e de segunda ordem), dos procedimentos metodológicos da pesquisa social”. Os livros didáticos são objeto do artigo de Kênia Hilda Moreira, intitulado Povo brasileiro nos livros didáticos de história republicanos: 1889-1950. Neste artigo, a autora analisa as concepções de povo brasileiro em seis livros didáticos de História do Brasil e discute, entre outros, os temas da miscigenação e do embranquecimento presentes no material didático pesquisado. Marcelo Fronza, no artigo As ideias de objetividade e verdade sobre o passado presente no pensamento histórico dos jovens a partir das histórias em quadrinhos, investiga como jovens estudantes brasileiros de duas escolas de ensino médio, uma pública e outra particular, compreendem as ideias de objetividade e verdade a partir das histórias em quadrinhos. Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt, em Cultura histórica e cultura escolar: diálogos a partir da educação histórica, discute a consolidação do campo da Educação Histórica como uma das importantes áreas de investigação sobre Ensino de História. Assim, a autora apresenta uma “reflexão acerca da relação dialógica entre categorias que têm sido tomadas como referências para investigações nessa área”. Fechando o dossiê, o artigo A ideia de escravidão presente na narrativa de manuais didáticos de História, de Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd, apresenta estudos sobre a ideia de escravidão presente na narrativa de manuais didáticos de História das séries iniciais do ensino fundamental.

Na sessão Artigos, são apresentados textos com temáticas variadas. Cleusa Maria Gomes Graebin e Danielle Heberle Viegas, em Por uma história rizomática: apontamentos teórico-metodológicos sobre a prática de uma cartografia, apresentam uma pesquisa desenvolvida em uma cidade metropolitana do Sul do Brasil, que se vale prioritariamente do uso de depoimentos orais e que conduzem à problematização dos conceitos de tempo, memória e subjetividade. Eliézer Cardoso de Oliveira, em A realidade da ficção: representações da cidade de Goiânia nos contos literários e poemas, examina contos literários e poemas da cidade de Goiânia, atentando-se para a sensibilidade dos indivíduos em relação à mudança cultural ocorrida em Goiânia, nas décadas de 1960 e 1970. Guadalupe Valencia García, em Aproximaciones a la pluralidad temporal, discute a ideia de pluralidade temporal, defendendo-a como a melhor via de acesso para a reconstrução da variedade de formas temporais em que se constituem os mundos que habitamos. Helen Ulhôa Pimentel, em Denúncias inquisitoriais: universo mágico que se apresenta, traça um perfil histórico do “figurino social” dos mágicos denunciados durante as duas primeiras visitas inquisitoriais ao Brasil, em 1591 e em 1618. José D’Assunção Barros, em A história serial e história quantitativa no movimento dos Annales, analisa as especificidades dos modelos historiográficos quantitativo e serial, bem como sua interação, durante as duas primeiras fases do movimento dos Annales. Julio Bentivoglio, em Historiografia e máquinas de guerra: a história da história como um estudo de relações de forças com breves apontamentos sobre a Escola Histórica Alemã e a Escola dos Annales, trata da Escola Histórica Alemã e da Escola dos Annales, tomando o conceito de máquinas de guerra – “perspectiva aberta por Deleuze” – e as reflexões em torno da operação historiográfica de Michel de Certeau. Maria de Fátima Marinho, em Literatura e construção da identidade, aborda as relações entre a literatura e a construção da identidade do sujeito enquanto ser individual e enquanto membro de uma comunidade. A autora apresenta a interlocução entre literatura e identidade e como estas dialogam com a História.

Na sessão Resenhas, Eduardo Gusmão de Quadros analisa a obra Protestantismo ecumênico e realidade brasileira: Evangélicos progressistas em Feira de Santana.

Na sessão Traduções, consta o texto A institucionalização da moralidade cosmopolita: o holocausto e os direitos humanos – originalmente The institucionazlization of cosmopolitan morality: the Holocaust and human rights – de Daniel Levy e Natan Sznaider, traduzido por Fabiana de Souza Fredrigo e Laura de Oliveira.

Por fim, neste número, a História Revista publica o poema Dulce patria, de Horacio Gutiérrez, lido no recital de poesia sobre a ditadura chilena, durante V Simpósio Internacional de História – Culturas e Identidades, realizado na Universidade Federal de Goiás no segundo semestre de 2011.

Maria da Conceição Silva – Professora da Faculdade de História – UFG. Organizadora do dossiê


SILVA, Maria da Conceição. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 17, n. 1, jan. / jun., 2012. Acessar publicação original [DR]

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Os 140 anos da Comuna de Paris (1871) / História Revista / 2011

Os artigos que compõem o dossiê desta edição da História Revista resultam em grande parte de trabalhos apresentados nos dias 29 e 30 de março de 2011, no Simpósio – Os 140 anos da comuna de paris (1871) – promovido pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em História Contemporânea (NEPHC) como atividade da Faculdade de História e coordenado pelo professor João Alberto da Costa Pinto que também organiza este dossiê.

A Comuna de Paris (1871), na curta existência dos seus setenta e dois dias, tem em torno de si repercussões históricas de alcance mundial. Entre os meses de março e maio de 1871, assistiu-se a uma guerra civil generalizada entre as tropas do governo republicano de Louis Adolphe Thiers contra grande parte da população parisiense, notadamente os trabalhadores da cidade.

A Comuna de Paris está diretamente associada ao processo da guerra franco-prussiana (1870) que culminou com a derrota do Império de Napoleão III. Com a França rendida militarmente aos exércitos prussianos de Otto von Bismarck, foi instituído, em fins de 1870, o governo republicano de León Gambetta, logo substituído pelo de Louis Adolphe Thiers. Em Paris, desde meados da década de 1860, desenvolvia-se uma forte cultura política operária, centrada de maneira expressiva nas práticas de organização sindical de militantes ligados à Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT). Esta, fundada em Londres no ano de 1864, tinha, na seção francesa, uma forte composição ideológica proudhoniana e comunista libertária. Dessa cultura operária de resistência ao capital e de luta contra a miséria provocada à cidade pelos cercos militares das tropas prussianas, e depois pelo cerco das tropas republicanas de Thiers, é que se organizaria a defesa da cidade, primeiro em torno da Guarda Nacional e depois dos communards propriamente ditos (após as eleições de 26 de março de 1871).

A Comuna de Paris tornou-se, de imediato, a expressão de uma cidade em luta contra os acordos de capitulação do governo de Thiers ao Segundo Reich alemão, mas fundamentalmente, a Comuna tornou-se uma expressão histórica seminal de lutas sociais contra o capital. Ressalve-se, contudo, que a Comuna de Paris não é uma expressão ligada a práticas comunistas; ao contrário, predominavam na organização política dos communards experiências majoritariamente republicanas. Os coletivistas eram minoria, o que a Comuna inaugurou à nossa contemporaneidade foi o fato de que uma sociedade auto-organizada pelos trabalhadores em ações administrativas de gestão direta é uma realidade plausível. Na sua curta duração, os communards mostraram ao mundo que era possível governar diretamente a cidade. Personagens quase anônimos assumiram coletivamente, e com bastante eficácia, a gestão administrativa da cidade; este é o impacto fulminante da Comuna de Paris na história das sociedades capitalistas: os trabalhadores mostraram-se senhores do seu destino. Com os communards já rendidos, com a Comuna já derrotada, mesmo assim, sem qualquer julgamento, as tropas governamentais fuzilaram mais de trinta mil parisienses suspeitos de terem participado efetivamente, ou não, da organização da Comuna. A república capitalista de Thiers tinha que fazer calar a república social dos communards; a matança tinha que ser exemplar para enterrar definitivamente da memória contemporânea o termo de que, em uma das maiores capitais do mundo capitalista, a “utopia” de socialistas, comunistas, anarquistas apresentou-se como uma realidade de fato.

Alguns artigos deste dossiê refletem sobre a processualidade dos fatos que desencadearam a construção sociopolítica da Comuna – caso específico dos artigos de Alexandre Samis (que desenvolve minuciosa análise das práticas políticas do internacionalismo proletário francês, fortemente radicado em Proudhon e depois em Bakunin) e de Silvio Costa (que apresenta amplo painel analítico dos fatos geradores e da composição política da Comuna). Há outros que procuram evidenciar alguns movimentos emblemáticos de trabalhadores que se fizeram em personagens centrais no processo inaugural de institucionalização política da república social do trabalho, como as trajetórias de Louise Michel (artigo de Samanta Colhado) e de Louis-Eugène Varlin (artigo de João Alberto da Costa Pinto). Como caracterização das práticas sociais de novo tipo, inauguradas pelos communards, o artigo de Wanderson Fábio de Melo nos dá uma análise sistemática dos debates e tentativas de organização de novas formulações junto à educação pública. O dossiê conclui-se com os artigos de Marcos Menezes (cujo tema tem a cidade de Paris como palco de grandes lutas sociais ao longo do século XIX) e de David Maciel e Nildo Viana; seus estudos demonstram como Karl Marx procedeu à interpretação política dos fatos da Comuna e de como essa interpretação marxiana foi depois percebida ideologicamente por diferentes perspectivas de classe.

Além do dossiê, o presente volume também apresenta um artigo de Miguel Cardina, historiador português, que reflete sobre o curso político do maoísmo em Portugal durante o regime fascista de Salazar / Caetano; além da oposição ao regime, via-se também contrário às práticas políticas de outras correntes comunistas, notadamente as do Partido Comunista Português. Das lutas contra o fascismo e das lutas entre os comunistas de vários matizes, enfatizando o maoísmo, o autor desenvolve importantes considerações sobre um tema de fundamental interesse ao público brasileiro: a questão da memória política dos militantes comunistas frente à ordem repressiva do regime fascista português.

A todos, uma boa leitura.

João Alberto da Costa Pinto


PINTO, João Alberto da Costa. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 16, n. 2, jul. / dez., 2011. Acessar publicação original [DR]

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Portugal, Brasil e África: história e literatura / História Revista / 2011

O dossiê Portugal, Brasil e África: história e literatura traz para o público uma série de artigos escritos por intelectuais que em suas pesquisas transitam entre dois campos de produção de saberes – a história e a literatura. Não se trata tão somente de buscar os relacionamentos entre países através desses dois campos, mas também de focar questões específicas circunscritas ao passado que unem as três realidades.

A existência de um padrão de língua e relações culturais comuns advindo da colonização e do pós-colonial entrecruzam-se, formando liames que os aproximam e ou afastam. A literatura, na construção de si, criou artefatos culturais, na forma de crônicas, poesias, romances, folhetins e outros, que trouxeram para o leitor suportes imaginários que problematizam sujeitos, nacionalidades, cidades e as condições políticas e sociais, em diferentes tempos e espaços. A nação, a cidade e o povo foram, na pena dos escritores românticos ou não, temáticas largamente trabalhadas pelos que, durante anos, foram habitantes da metrópole ou das ex-colônias. Cada autor esboçou e teceu uma nação ou cidade do tamanho de sua imaginação, impregnada de “realidades” tornadas visíveis através de diferentes suportes, matizados pela prática do “bem inventar”.

A história seguiu o mesmo percurso, mas, zelosa pela diferença e marcação de status no que concerne à produção de saber, lançou-se, então, à cata de fontes, estribada pela certeza de que falava da REALIDADE por intermédio de regras reconhecidas pela comunidade científica, afeta à área do conhecimento. Contudo, a invenção está presente, pois, como bem diz Durval Muniz de Albuquerque Júnior,

as invenções podem resultar no que não se planejou, podem surgir do encontro inesperado e acidental de elementos que jaziam separados. O momento de invenção, como de irrupção de qualquer evento histórico, é um momento de dispersão, que só ganha contornos definidos no trabalho de racionalização e ordenamento feito pelo historiador. Ordem que não está no próprio evento, articulações prováveis, possíveis, mas nunca indiscutíveis ou evidentes. Fato histórico, um misto de matéria e memória, de ação e representação, fruto de uma pragmática que articula a natureza, a sociedade e o discurso (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, p. 35).

Neste dossiê, Francisco Salinas Portugal trabalha com a pertença ambígua de obras literárias que não se encaixam numa literatura considerada como sistema. Entretanto, o afã de construção de processos identitários levou intelectuais a postularem sua integração a um sistema. Para tal intento, investiram na construção de um romance histórico, criando a imagem pública do literato ou personagens à espera de que o leitor contribua para a legitimação da (nova) tradição. Frank Marcon investiga a relação entre o escritor Pepetela, seus romances e a imaginação da nação em Angola. Demonstra como a trajetória de vida do escritor e sua relação com a União dos Escritores Angolanos fazem parte de um contexto de institucionalização da literatura naquele país, bem como analisa os romances e sua relação com a criação de uma narrativa histórica romanceada para a nação. Esta análise não se encerra numa percepção centrada em Angola, mas implica perceber a presença de Portugal e do Brasil nas narrativas de Pepetela, como contrapontos (próximos e distantes), presentes neste processo de efetivação da “nação imaginada”. Heloisa Paulo aborda o sequestro do paquete Santa Maria, uma embarcação de luxo e um dos orgulhos do regime de Salazar. A bibliografia em torno do episódio do Santa Maria alcança um número razoável de títulos, quer em português, quer em espanhol, galego ou catalão. No entanto, a grande maioria é composta por relatos de participantes. O objetivo da autora é analisar os relatos existentes, trazendo um novo ângulo de interpretação para o fato. Julio Sánchez Gómez discute a relação entre os índios do Brasil e o processo de independência do país, no período de 1821 a 1850. Os índios são vistos tanto como sujeito passivo da legislação – primeiro do rei de Portugal, a partir do período pombalino, passando pela etapa da Corte do Rio de Janeiro e da seguinte corte imperial, assim como das discussões parlamentárias em Lisboa e no Rio quanto como sujeito ativo nas lutas independentistas. Lucia Maria Paschoal Guimarães perscruta o papel desempenhado pela revista Atlantida, o mais expressivo veículo de divulgação de um projeto político-cultural voltado para a defesa da formação de uma comunidade luso-brasileira. Concomitante à permanente reflexão doutrinária acerca da conveniência do estreitamento das relações entre Brasil e Portugal, a revista ocupava-se de questões literárias, históricas e artísticas contemporâneas, o que lhe conferia um alcance político e ao mesmo tempo cultural. Manuel Ferro trabalha a imagem de Lisboa, colhida das vivências urbanas, objeto de tratamento literário nos folhetins do fim-de-século XIX, que desmontam tanto os códigos de valores dominantes, como a uma visão poética de uma cidade, capital e Reino e de Império, decadente, sem conseguir acompanhar o ritmo do progresso das grandes capitais europeias. Maria Aparecida Ribeiro mostra como José de Alencar, por meio de cartas dirigidas a Gonçalves de Magalhães, criou uma poética nacional, culminando com a produção de um romance no qual nação e raça brasileira foram o (o condutor da narrativa. Rafael Alves Pinto Júnior analisa a atuação do engenheiro português Ricardo Severo (1869-1940) a partir de sua conferência sobre a Arte Tradicional no Brasil, realizada na Sociedade de Cultura Artística em 1914, em São Paulo, catalisando o movimento neocolonial no Brasil. Destaca também que a in9uência intelectual de Severo foi maior que sua ação profissional, desencadeando um intenso debate em torno da questão da nacionalidade e do papel da obra de arte – notadamente a arquitetura – como um elemento civilizatório e identitário.

Na secção artigos, José María Aguilera Manzano analisa algumas das características do projeto de identidade construído por um grupo de liberais autonomistas cubanos durante o século XIX. Devido à censura, esse grupo não pode valer-se do discurso político para conseguir seus objetivos identitários. Tal situação os levou a fazer uso da literatura como meio privilegiado de expressão de suas ideias. Kátia Rodrigues Paranhos aborda as iniciativas dos grupos de teatro popular no Brasil, a partir da década de 1960, explorando experiências e representações do movimento operário, sobretudo ao interrogar os textos, as imagens e os sons como fontes. Por (m, duas resenhas que tratam de experiências autoritárias. A resenha produzida por Cláudia Graziela Ferreira Lemes que trata do livro de Carlos Fonseca, intitulado Trece Rosas Rojas: la Historia más conmovedora de la guerra civil. Elio Cantalício Serpa e Marcello Felisberto Morais de Assunção resenharam a obra do filólogo Victor Klemperer, intitulada LTI: a língua do IIIº Reich.

Referências

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A arte de inventar o passado. Bauru, SP: EDUSC, 2007.

Elio Cantalício Serpa

Organizador do Dossiê


SERPA, Elio Cantalício. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 16, n. 1, jan. / jun., 2011. Acessar publicação original [DR]

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Escravidão: Ideias e práticas / História Revista / 2010

Ao organizar o dossiê Escravidão: Ideias e práticas, a História Revista vis -se homenagear a memória da Profa. Dra. Gilka Ferreira Vasconcelos (1925-2008). A formação de um centro de pesquisa em História em Goiás deve, e muito, aos esforços da professora e de uma geração de professores representada, entre outros, por Luis Palacín, Janaína Amado, Lena Castelo Branco Ferreira e Dalisia Dolles, responsáveis pela criação do Programa de Pós-Graduação em História das Sociedades Agrárias em Goiás, em 1972. Como pesquisadora, Gilka Vasconcelos renovou os estudos sobre a escravidão com a publicação de sua tese, defendida na Universidade de São Paulo, Economia e escravidão em Goiás colonial (1983).

Gilka Ferreira Vasconcelos nasceu em Rio Verde. Seu pai trabalhava como mascate, acompanhando o lento movimento das boiadas. Para dar continuidade aos seus estudos, a professora mudou-se para Uberaba, onde completou o ginasial. De lá, foi para Belo Horizonte cursar a Faculdade de Filosofia, graduando-se em História e Geografia. O curso era marcado por “professores improvisados”, quase todos formados em Direito. Posteriormente, essa Faculdade foi incorporada à recém-fundada UFMG. Casou-se com seu professor de História da América, Sebastião de Oliveira Sales, em 1947. Ao retornar para Goiás, após a morte de seu marido, atuou em várias frentes: lecionava tanto no ensino superior (UFG e UCG), como no Instituto de Educação e no Instituto Pestalozzi. Os traços biográficos aqui esboçados visam fixar a dura rotina da professora, acrescida, ainda, pela lida com a casa e com os filhos. Percebe-se a incontida alegria da professora ao rememorar as etapas do seu processo de formação acadêmica. O acesso ao título de doutor era uma missão árdua, ainda mais para quem morava longe dos grandes centros universitários.

Na década de 90, quando as aposentadorias ameaçaram a sobrevivência do Programa de Pós-graduação em História, lá estava a professora Dra. Gilka Vasconcelos pronta para defender, corajosamente, a continuidade das atividades acadêmicas do mestrado. A defesa desse espaço acadêmico formou, simultaneamente, a professora e seu próprio campo de formação. Em 1983, assumiu, por dois mandatos consecutivos, a coordenação do Programa de Pós-graduação em História das Sociedades Agrárias da Universidade Federal de Goiás. Orientou 23 dissertações de mestrado e manteve sempre aguçado interesse pela pesquisa histórica. Em 2008, já adoentada, coordenou, com o costumeiro zelo, o simpósio sobre a vinda da Família Real Portuguesa, no Instituto Histórico e Geográfico de Goiás (IHGG).

O dossiê Escravidão: ideias e práticas traz três artigos que apresentam resultados de pesquisas inéditas. Andréia Firmino avalia as teorias legitimadoras da escravidão a partir do debate parlamentar em meados do século XIX. Mary Karash destaca a experiência social da escravidão, analisando a formação e o papel das irmandades em Goiás, com destaque para a irmandade dos pretos e suas práticas associativas; e Maria Lenke Loiola investiga a inserção de Goiás no infame comércio de almas, com destaque para as rotas do tráfico e o peso da participação de Goiás nessa atividade.

Na seção de artigos, Clarissa Valadares Xavier e Carlos Eduardo Santos Maia investigam as festas “fora de época” na cidade de Salvador. A pesquisa de Cynthia Radding propõe uma análise comparativa entre as fronteiras geográficas e a história das Américas, com atenção especial para as zonas fronteiriças. José da Costa D’Assunção Barros discute a noção mecanicista de progresso, com base na leitura de Nietzsche. Jurandir Malerba apresenta as variações metodológicas presentes nos debates acerca da relação entre Memória e História. Luciana Fagundes discute os rituais e os símbolos do poder real, com base na repercussão da visita de Alberto I, rei da Bélgica, ao Rio de Janeiro, em setembro de 1920. Finalmente, Valéria Milena Röhrich Ferreira investiga a relação entre as histórias e as memórias em circulação na cidade de Curitiba, na década de 1990 e na seguinte, e o processo de elaboração do currículo da rede municipal de ensino. Na seção resenhas, Eduardo Gusmão de Quadros apresenta a obra Um projeto hermenêutico de história das religiões: Mircea Eliade, Joachim Wach e a criação da escola de Chicago.

Noé Sandes Freire

Organizador do Dossiê

Comissão Editorial

Maria da Conceição Silva

Adriana Vidotti

Armênia Maria de Sousa

David Maciel

Heloisa Selma Fernandes Capel

Luciane Munhoz de Omena


FREIRE, Noé Sandes; et al. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 15, n. 2, jul. / dez., 2010. Acessar publicação original [DR]

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Entre livros e cartas e entre a escrita e a leitura: uma história das palavras / História Revista / 2010

Rizoma, platôs, criação órfã. Técnicas do corpo, leitura em voz alta, leitura silenciosa. Letramento, escrita, oralidade. A literatura e a memória de uma boneca de pano. A Arte e as correspondências. Epistolografia, amizade e estoicismo. Retórica, soberania e escrita. As cartas e a história intelectual. Leitura e multiplicidade. Devir-leitor e devir-escritor. O hipertexto e a textualidade eletrônica. O corpo, as práticas de escrita e as práticas de penitência. O Estado, a escolarização e o acesso às letras. Monteiro Lobato, a literatura infantil e o leitor. Robinson Crusoé e Sexta-Feira. Sêneca e a filosofia antiga. O gênero epistolar e as práticas de escrita. As correspondências e a história das edições. A ciência e a epistolografia. Memória e corpo. Roma, México e Taubaté. Leitura e apropriação cultural.

Eis alguns dos temas tratados neste dossiê que apresenta um conjunto de ensaios e artigos sobre livros e cartas e sobre a escrita e a leitura. Em nossa atualidade, há um vivo interesse intelectual por esses temas. Este interesse pode ser visto de inúmeras maneiras. Há, por exemplo, aquilo que poderíamos denominar de perspectiva do luto. Assim, a relevância dos estudos sobre a troca de correspondências e sobre o epistolário de escritores, artistas e políticos seria um sintoma ou teria apenas se tornado possível pelo falecimento desta prática. Quer dizer, a sua importância no interior das ciências humanas decorre de sua atual insignificância social e cultural.

A perspectiva aqui assumida é outra. O que se anuncia há alguns anos como revolução digital se liga a uma profunda transformação nas práticas de escrita e de leitura e de objetos tradicionais como os livros e as correspondências. A emergência da escrita digital e da textualidade eletrônica reconfigura de modo radical práticas afetivas e intelectuais; transforma radicalmente objetos tradicionais. É justamente na novidade irredutível produzida por este acontecimento em que se inscreve o objetivo deste dossiê. Os textos aqui reunidos são suscitados por esta atualidade; ligam-se, de alguma forma, a este desejo de atualidade.

Três grandes eixos estruturam este dossiê. De um lado, um conjunto de reflexões sobre a história da leitura, das relações entre corpo e leitura (adestramento e letramento) e a atualidade dos modos de ler. De outro, análises consistentes sobre as relações entre literatura e leitura (apropriações). Finalmente, estudos sobre correspondências a meio caminho entre as práticas de escrita e as práticas de leitura. Estes três grandes eixos estão atravessados por um interesse ou por uma preocupação de seus autores: aquela de uma história das palavras e de sua errante circulação.

Fechando a organização deste volume, publicamos duas resenhas críticas a propósito dos dois últimos cursos de Michel Foucault no Collège de France, os de 1983 e 1984, ainda inéditos em português. A primeira, escrita por Celso Kraemer e a segunda, por Céline Clément. Isto mostra que a História Revista segue preocupada em trazer aos seus leitores análises de importantes e recentes publicações que a conectem com o que vem sendo editado de mais novo no mundo internacional das ciências humanas.

Marlon Salomon

Organizador do Dossiê

Comissão Editorial

Maria da Conceição Silva

Armênia Maria de Sousa

David Maciel

Luciane Munhoz de Omena

Heloisa Selma Fernandes Capel

Adriana Vidotte


SALOMON, Marlon; et al. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 15, n. 1, jan. / jun., 2010. Acessar publicação original [DR]

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A cidade e os rios na história do Brasil / História Revista / 2009

Neste número apresentamos ao público o dossiê temático: A cidade e os rios na história do Brasil, organizado pelo professor Leandro Mendes Rocha (UFG), professora Gercinair Silvério Gandara (PNPD-CAPES / UFG) e professor Laurent Vidal (Université de La Rochelle / Paris III-Sorbonne Nouvelle). A temática é fruto da aproximação e cooperação acadêmica entre universidades brasileiras (Universidade Federal de Goiás, Universidade Católica de Goiás, Universidade Federal do Piauí, Universidade de Brasília, Universidade Federal de Viçosa, Universidade Federal do Pará) e universidades francesas (Universidade de Paris III-Sorbonne, Universidade de La Rochelle, entre outras). Nesta cooperação, incluem-se o intercâmbio de pesquisadores e a realização de eventos no Brasil e na França, bem como as publicações de pesquisas em parcerias. Como parte da cooperação realizou-se em junho de 2009, o III seminário itinerante franco-brasileiro intitulado: “A cidade e os rios na história do Brasil: identidades e fronteiras”, sediado em Belém do Pará. A temática principal deste evento foi as cidades e os rios da Amazônia brasileira. Na programação, intercalaram-se viagens planejadas pelos rios Guamá e Tocantins. Todavia, vale lembrar que, em agosto de 2004, organizou-se no Estado de Goiás, o primeiro seminário itinerante franco-brasileiro, e o objeto de estudos foi a história das cidades brasileiras com a temática “A cidade no Brasil: nascimentos, renascimentos – Séculos XVIII – XX”; contou-se com o apoio das Universidades Federal de Goiás, Estadual de Goiás e da Universidade de La Rochelle. Nesse evento propôs-se a refletir sobre a multiplicidade das formas de surgimento das cidades e do urbano nas regiões de fronteiras do Brasil.

Em maio de 2008, realizou-se o segundo seminário franco-brasileiro com a temática “a cidade e os rios na história do Brasil”. O objetivo foi investigar a importância dos rios e das vias de comunicação naturais, na estruturação de uma rede urbana regional e nacional, sobretudo, a partir da segunda metade do século XVIII. Nesse seminário, procurou-se, ainda, compreender a configuração das identidades, nestas cidades, entre a atração do rio e a atração do interior, o foco principal foi o rio Parnaíba no Piauí, e três cidades foram visitadas, Teresina / PI, Parnarama / MA e Parnaíba / PI.

Em 2009, realizou-se o III seminário Itinerante Franco-Brasileiro intitulado: “A cidade e os rios na história do Brasil: identidades e fronteiras”. A missão neste evento foi investigar a forma como vivem as populações amazônicas, suas relações históricas, geográficas, econômicas, ambientais, sociais e culturais com os rios, com os diversos espaços de urbanidade e ruralidade, localidade e globalidade e, neste processo, como se pensam e produzem suas identidades na Amazônia contemporânea.

A proposta de eventos itinerantes surgiu e desenvolveu-se da necessidade de reivindicar para o público acadêmico o direito e a responsabilidade de conhecer essas histórias. Deste modo, a organização e publicação deste dossiê têm como princípio atender anseios de divulgar as pesquisas, bem como a proposta dos seminários itinerantes franco-brasileiro. Vale ressaltar que a proposta dos seminários itinerantes reflete uma postura acadêmica diferenciada. Considera-se, que as ciências humanas trouxeram ao conhecimento novas luzes a partir dos fundadores dos Annales, que conclamaram, os historiadores a saírem de seus gabinetes e farejarem “a carne humana” em qualquer lugar, onde pudesse ser encontrada por quaisquer meios. A partir de então o texto de historiadores ganhou contornos mais amplos, incluindo toda produção material e espiritual humana. De lá para cá se promoveu uma interdisciplinaridade entre a história e as demais ciências humanas, com objetivo de desenvolver uma metodologia adequada aos novos objetos e abordagens. Todavia, sabe-se que os eventos científicos no cotidiano acadêmico são componentes importantes e se realizam comumente nas dependências das universidades ou de instituições de pesquisas. Diante disso, os eventos itinerantes são avessos à rotina universitária. O equilíbrio e a sobriedade deste tipo de evento sobrepujam-se ao vigor emotivo da experiência, como do contato direto com os objetos estudados.

O pesquisador na itinerância desses seminários tem visão ampla do espaço-tempo e não se deixa aprisionar em compartimentações de alvenarias. E, quando o tema proposto envolve aspectos relacionados aos rios e às cidades, a itinerância se fortalece. Ela flutua, pois além de o objeto de estudo estar em permanente movimento, as suas margens surgem aos olhos atentos do investigador e emergem histórias profundas. Os rios até agora por nós itinerados são rios distantes, periféricos, pouco integrados à chamada vida nacional. Sabíamos que um grande número de rios brasileiros ficou sempre como um mistério a desvendar nas paisagens, nas gentes. Muitos rios brasileiros estão com seus dorsos lisos à espera daquele eterno fluir. O simbolismo do rio é o da fluidez. Foi sobre os alicerces desses esforços que erguemos orgulhosos os eventos e tentamos compor as histórias dos rios, das ribeiras e, ou, das cidades. Dos rios não nos impressiona apenas o equilíbrio e a pujança das proporções, a linha em que se desenvolvem e se estendem, serpenteando, a contornar a lomba dos declives. São as lições admiráveis, construções, na humildade do encantamento de quem sente o orgulho do rio ao emprestar seu dorso à arte, que se projeta aos olhos nus com a paixão, ou o desprezo dos sentimentos que o animam. E, os rios, nisto são tão sensíveis e expressivos, tão naturais, como a riqueza sedutora da própria vida. Patenteia-se, portanto, o comprazimento e, ao mesmo tempo, a consciência de obreiro, no respeito comovedor do material com que labora e, sobretudo, na exemplar devoção deste dossiê. Assim, no humano encantamento de ver luzir esta obra trabalhou-a com mãos laborosas para realçar nas suas páginas uma formosura, a dos rios e das cidades na história do Brasil. Há brandura no correr. Há gentes que lhes vão às margens com a dureza das suas vidas de quase todos os dias. Há o rio! As cidades aqui aparecem, definidas a golpes de luz, em meandros, vivos e secretos. E no escuro sonâmbulo das águas principia-se um grande espaço, que termina muito ao longe. Entre a nascente e a foz varrem a sombra dos vales que tomam um nítido colorido, nas suas saliências arquiteturais, as cidades.

No dossiê, “A cidade e os rios na história do Brasil”, reúnem-se pesquisas que trazem contribuições significativas ao abordarem diferentes aspectos da história das cidades e dos rios na história do Brasil.

O artigo “Vareiros do rio Grajaú”, de Alan Kardec Gomes Pachêco Filho, analisa a História, a memória e as condições, de trabalho dos vareiros negros e índios do rio Grajaú, localizado no centro sul maranhense, no início do século XX.

O artigo “Cadê a água que estava aqui? Os leitos secos na memória e na história”, de Alexandre Martins de Araújo, é um estudo de caso a respeito de para onde são mandados os rios que secam, mostra que os múltiplos espaços hidráulicos, principalmente aqueles cujos leitos já secaram, participam diretamente da construção de memórias.

O artigo “Entre rios, rodovias e grandes projetos: mudanças e permanências em realidades urbanas do baixo Tocantins (Pará)”, de Bruno Cezar Pereira Malheiro e Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior, traz a reflexão acerca das mudanças e permanências das cidades ribeirinhas na Amazônia, assume uma importância especial, pois permite analisar o perfil sócio-espacial dessas cidades consideradas tradicionais.

O artigo “Rio Araguaia: o caminho dos sertões, de Francisquinha Laranjeira Carvalho e Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante, investiga a multiplicidade, a diversidade e a complexidade que marcaram a historicidade do rio Araguaia, como via de integração, ressaltando o seu poder de coesão social.

O artigo “O rio Longá e o povoamento do norte do Piauí”, de José Luis Lopes Araújo e Accyolli Rodrigues Pinto de Sousa, analisa a bacia do rio Longá que representou importante fator de povoamento do norte do Piauí e seus usos pelas comunidades dos municípios que a compõem.

O artigo “Uma Veneza no sertão fluminense: os rios e os canais em Campos dos Goitacazes”, de Maria Isabel de Jesus Chrysostomo, analisa a importância dos meios materiais através dos quais uma sociedade constrói seu espaço de vivência e produção.

Para fechar o dossiê, o artigo “Encontros e desencontros no Oeste: Reflexões teóricas sobre as demarcações simbólicas das comunidades ribeirinhas do Rio das Almas em Goiás nas décadas de 1940 a 1950”, de Sandro Dutra e Silva, investiga como as fronteiras podem representar distinções entre geografia, temporalidades e identidades, dentre outras que reforçam, ao mesmo tempo, os traços do pertencimento e da distinção.

Há as resenhas das obras: VIDAL-NAQUET, P. Atlântida: pequena história de um mito platônico, escrita por Diogo da Silva Roiz; Omena, Luciane Munhoz de. Pequenos poderes na Roma imperial, escrita por Pedro Paulo Funari; e a resenha da obra FRANCO JÚNIOR, Hilário. A dança dos deuses: futebol, sociedade, cultura, escrita por Ademir Luiz da Silva.

Encontra-se também neste número o texto da conferência intitulada “Intelectuales, ideas e identidad en nuestra América”, ministrada pelo prof. Horacio Cerutti Guldberg, na abertura do IV Simpósio Internacional de História, Cultura e Identidades, realizado pela Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás e pelo Núcleo Regional da ANPUH / GO, no Campus Samambaia da Universidade Federal de Goiás, na cidade Goiânia, em 13 de outubro de 2009.

E, por último, fechamos o número 2, volume 14, jun. / dez, 2009, apresentando o texto, da fala, da professora Lena Castello Branco F. de Freitas, proferida em sessão de homenagem promovida em 08 de dezembro de 2009, pela Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás aos professores aposentados do Departamento de História. Jamais poderíamos deixar de apresentar neste número, que inicia sua circulação a partir do dia 30 de dezembro, parte do tempo que, ao se ler o texto de Lena Castello Branco, compreende-se também o sentido do texto: “O passado presente no amanhã”, de Nasr Fayad Chaul, que homenageia os mestres que desbravaram temas e abriram caminhos, sempre na vanguarda do que se considera a historiografia produzida em Goiás, na defesa apaixonada do historiador e atento ao presente, revelou que no passado é o lugar de se buscar o entendimento do presente e as formas de como neste atuar. Com a homenagem, torna-se acessível a compreensão da história dos professores do antigo Departamento de História, que constituíram os alicerces da atual Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás. Convidamos à leitura.

Gercinair Silvério Gandara

Leandro Mendes Rocha Laurent Vidal

Organizadores do dossiê

Comissão Editorial

Maria da Conceição Silva-Editora

Armênia Maria de Souza

David Maciel

Luciane Munhoz de Omena


GANDARA, Gercinair Silvério; VIDAL, Leandro Mendes Rocha Laurent; et al. Apresentação. História Revista. Goiânia, v.14, n.2, 2009. Acessar publicação original [DR]

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Ensino de História / História Revista / 2009

Neste número apresentamos ao público o dossiê temático: Ensino de História organizado pelas professoras Maria da Conceição Silva, da UFG, e Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt, da UFPR. A proposta de um dossiê com este tema surgiu de preocupações debatidas nas últimas décadas entre professores da área de Ensino de História no interior de suas Instituições de Ensino e Pesquisa. O objetivo dos textos que compõem este dossiê é o de somarem-se as discussões sobre o Ensino de História e às temáticas já publicadas neste periódico desde o ano de 1996. Diante disso, pretende-se mostrar o significado das questões ensinadas e pesquisadas e, ao mesmo tempo, incentivar investigações nos cursos de licenciaturas, pois várias são as abordagens – pluralidades – possíveis de análises. E ainda propiciar o diálogo entre Universidade e Escola, entre professores-pesquisadores e professores de educação básica. Nesse sentido, vale ressaltar que a área – Ensino de História – já foi tema de vários periódicos de História, além do intenso debate no GT: Ensino de História e Educação-ANPUH e no Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História. Em 2008, criaram a Associação de Pesquisadores do Ensino de História, quando especialistas se reuniram na UFRN, em Natal. Nesses eventos, pesquisadores preocupados com a trajetória do Ensino de História no Brasil destacaram as pesquisas e os debates em encontros realizados em várias cidades; o debate avançou pelo mérito dos que se debruçam sobre problemáticas pertinentes as teorias, as metodologias e aos materiais didáticos, às temáticas ligadas à Educação e a Formação de professores de História. Assim os congressos e simpósios em Instituições brasileiras e internacionais constituem-se lugar de profícuo diálogo e embates que, muitas vezes, resultam em projetos e publicações valorosas.

Daí observa-se pesquisas como história da África, que a partir da lei 10.639, passou a ser disciplina obrigatória no currículo escolar. É possível notar que os estudos deixaram de abordar apenas enfoques da escravidão para constituir-se num campo mais amplo e específico com fontes de diversas naturezas sobre o afro-descendente –a fronteira como espaço da alteridade–. Além dos estudos desta temática há também as pesquisas sobre a formação de professores, bem como a política de estágio da licenciatura em História, da educação patrimonial, das teorias e metodologias e de uso das fontes históricas em sala de aula, considerando a relevância dos recortes espaciais-temporais para a compreensão do processo histórico. Diante disso, pode-se afirmar que os grupos de estudos existentes em Secretarias Estaduais e Municipais propiciam a revisão das concepções de aprendizagens e das propostas curriculares aos PCNs de História e de temas transversais de 1998.

Dessa maneira, o ensino e o aprender a história centram-se no uso de fontes de pesquisas, da especificidade da disciplina História no currículo da Escola e das diretrizes curriculares, que se constituem num veio de políticas públicas inseridas em contextos matizados no interior da história do Brasil. É mister dizer que as pesquisas sobre (e nos) manuais didáticos de História tornaram-se fundamentais, pois o livro didático de ensino fundamental a partir da década de 1990 passou a ser objeto de políticas do governo federal por meio de avaliações realizadas pelo MEC, pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

Diante do exposto, os estudos e as pesquisas que integram o dossiê deste número representam variadas temáticas, abordagens, linguagens e materiais do Ensino de História, que, nas últimas décadas, conquistaram espaço na historiografia, compondo, assim, as análises dos textos (artigos) como se podem acompanhar a forma em que os autores percorreram tal campo.

O artigo “Olhares sobre a África: abordagens da história contemporânea da África nos livros didáticos brasileiros”, de Anderson Ribeiro Oliva, tem como fio condutor o tratamento outorgado à história da África Contemporânea em livros didáticos das 6ª a 8ª séries (7º ao 9º). Para tanto, investiga-se a existência de análises superficiais a respeito das trajetórias recentes dos países e sociedades africanas, destaca as representações, os estereótipos sobre a África no ocidente.

O artigo “Oficina de ensino, formação e estágio no fazer do estudante de história”, de Carlos Augusto Lima Ferreira, constitui-se em um relato do estágio de estudantes de História em três escolas públicas da cidade de Salvador/ BA e também no Arquivo Público da Bahia.

O artigo “Educação patrimonial e as interfaces com o ensino de história: os museus de rua em São Paulo”, de Cláudia Engler Cury, é uma abordagem das experiências com os Museus de Rua/Museus de Bairro do final dos anos de 1970 e no final dos anos de 1990, mostra a construção dos processos simbólicos como constituição de memórias e identidades entre os  gestores públicos e as comunidades. A autora considerou-se, ainda, os projetos escolares de ensino da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo.

O artigo “Formações “humanistas” e percursos estudantis: o caso das Universidades de Paris I, Cambridge, Amsterdam, 1988-1998”, de Cendrine Paul-Guers, é uma investigação que traz à luz a análise da natureza de um saber disciplinar e as ferramentas deste saber para a inserção no mundo do trabalho. O objetivo é compreender a utilidade social da história, o modo como as representações influenciam as aprendizagens, e os acessos ao mercado de trabalho. O eixo principal da pesquisa são alguns estudantes da Sorbonne, de Cambridge e da Universiteit van Amsterdam.

O artigo “Aspectos teórico-metodológicos, fontes e historiografia da história do ensino de História no Brasil (1990-2008)”, de Décio Gatti Júnior, trata-se de algumas reflexões elaboradas da análise da produção histórico-educacional vinculada à temática da História das Disciplinas Escolares no Brasil entre os anos de 90 e 2008 do século XXI. O autor investiga o conteúdo de algumas fontes para concluir que, na história das disciplinas escolares, existe fertilidade na utilização de evidências a respeito de bibliografia variada, documentos impressos e manuscritos, depoimentos orais e iconografia.

O artigo “O espaço e o tempo no processo de ensinar e aprender história na sala de aula”, de Ernesta Zamboni e Sandra Regina Ferreira de Oliveira, apresenta reflexões sobre a organização do espaço e a utilização do tempo por professoras e alunos, considerando as relações, implicações e possibilidades que podem ser estabelecidas com o ensino de História; utilizaram dados empíricos coletados em duas salas de 3ª. série do ensino fundamental.

O artigo “A educação dos sentidos na leitura do Almanach-Album de São Carlos de 1916-1917”, de José Evaldo de Mello Doin, Arrovani Luiz Fonceca, Humberto Perinelli Neto e Rafael Cardoso de Melo, explora o universo da leitura fotográfica no Almanach-Album de 1916-1917, de São Carlos, mostrando à luz da “educação dos sentidos” como o leitor interage com os ditames da belle epoque cafeeira.

O artigo “Autonomia do docente de história em grupos de estudo”, de Luis Fernando Cerri e Maria Antônia Marçal, investiga a atuação de professores de História em seus movimentos de autonomia e heteronomia em grupos de estudos de professores. O primeiro grupo como proposta de “capacitação” da Secretaria de Educação do Paraná, o segundo como laboratório vinculado ao projeto de pesquisa dos autores. A metodologia abordada envolveu pesquisa-ação, observação etnográfica e pesquisa documental.

O artigo “A formação do professor universitário de História”, de Luiz Fernando Silva Prado, é uma reflexão sobre a problemática da formação do professor universitário de História, no Brasil, centrada na bipolaridade ensino e pesquisa como “ethos acadêmico”, que sustenta a idéia de Universidade.

O artigo “A construção de referenciais para o ensino de história: limites e avanços, de Margarida Maria Dias de Oliveira, mostra que existe no mínimo cinqüenta profissionais brasileiros discutindo os referenciais que devem nortear o ensino de História. Utiliza-se no artigo textos de Emília Viotti da Costa escritos entre 1957 e 1963 sobre os elementos de um debate pautado em algumas ocasiões pelos profissionais de História, todavia, a autora ressalta que, ainda, não se enfrentou e não dialogou a respeito dos referenciais que devem nortear a seleção de conteúdos e objetivos do ensino no currículo.

O artigo “Concepções de aprendizagem histórica presentes em propostas curriculares brasileiras”, de Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt, é resultado de uma pesquisa mais ampla que traz à luz à análise de documentos curriculares referentes aos Parâmetros Curriculares Nacionais de História para o ensino fundamental e médio (1997; 1998). A metodologia adotada é a de investigação qualitativa de estudo de caso e a perspectiva da investigação bibliográfica e documental.

Para fechar o dossiê, o artigo “Ensinar e aprender a ensinar história”, de Thiago Fernando Sant’Anna, apresenta a descrição de experiências docente em Didática e Prática de Ensino em História e Estágio Supervisionado em História na UFG (Goiânia) e UCG. O autor discorre sobre as propostas da historiografia do ensino de história nos últimos anos, como a distância entre Universidade e Escola, a produção de conhecimento, o livro didático, o eixo temático e o uso de diferentes linguagens no ensino de história. É importante ater-se à pesquisa apresentada pelo autor, uma vez que se aborda o campo “Ensinar e aprender história” na licenciatura da UFG-Goiânia e da UCG, das experiências de trabalhos de campo (estágios) realizadas no curso de História. Nos últimos anos a área –Ensino de História– investe em trabalhos interdisciplinares, considerando o diálogo Universidade-escola (campo de estágio), o que contribui para enriquecer a formação dos alunos (professores). Estes apontam suas experiências em salas de aulas, nas escolas como propício do debate e ressaltam a relevância da pesquisa, sobretudo, ao se efetivar a proposta de criação do Laboratório de Ensino de História (LEHIS). O objetivo deste laboratório é desenvolver pesquisas e solidificar o diálogo com a Escola –Educação Básica- publicando e divulgando o resultado desses estudos em oficinas, eventos e, por fim, elaborado materiais didáticos.

Neste número da História Revista ainda há três artigos entre os quais “Festividades mestiças na Amazônia”, de Carmem Izabel Rodrigues, que é uma análise de duas festividades em Belém, no século XIX. A autora mostra 13 motivos da proibição e o desaparecimento dessas festividades, sobretudo pelos fluxos culturais, hierarquias e poderes da Amazônia urbana.

Outro artigo “Impactos da romanização em Alexandria: alguns debates bibliográficos”, de Joana Campos Clímaco, apresenta uma discussão bibliográfica sobre Alexandria quando foi sujeita ao poder romano em 31 a.C. que deixou de ser a sede do reino ptolomaico.

Por último o artigo “A presença francesa no Piauí do Século XIX”, de Leandro Mendes Rocha e Gercinair Silvério Gandara, é uma investigação do Piauí e Maranhão, onde os portugueses encontraram-se firmas britânicas e francesas que repetiram métodos e processos empregados em suas colônias, inclusive estimulando o transporte marítimo e fluvial de mercadorias. Há, ainda, a resenha escrita por Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd do livro de OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de; CAINELLI, Marlene Rosa; OLIVEIRA, Almir, Félix Batista de. (Orgs.). Ensino de História: múltiplos ensinos em múltiplos espaços. Natal/ RN: Editora da UFRN, 2008. Integra também neste número o artigo traduzido por Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt “Arquivos Simulados e Didática da pesquisa histórica: para um sistema educacional integrado entre arquivos e escolas”, autorizado pelo autor Ivo Mattozzi. O texto remete o leitor à reflexão de arquivos escolares a partir de experiências didáticas que se baseiam na relação entre professores e fontes de arquivologia, que podem distinguir-se esquematicamente em importantes eixos como –experiência de utilização de fontes não estruturadas; – pesquisas histórico-didáticas com materiais estruturados;– pesquisas de arquivos organizadas pelos professores, permitindo, assim, observar as possibilidades de pesquisas histórico didáticas. Pode-se, portanto, observar que a Didática, a escola são fontes de pesquisas.

Os artigos que integram o dossiê e os demais são de autoria de professores-pesquisadores, que trazem importantes contribuições para novas reflexões no campo das temáticas do Ensino de História. Boa leitura.

Maria da Conceição Silva

Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt

Organizadoras do Dossiê

Comissão Editorial

 Maria da Conceição Silva

 Anderson Ribeiro Oliva

Armênia Maria de Souza

 David Maciel

Luciane Munhoz de Omena


SILVA, Maria da Conceição; SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos; et al. Apresentação. História Revista, Goiânia- GO, v. 14, n. 1, jan/jun, 2009. Acessar publicação original [DR]

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Política e cultura na Antiguidade Tardia e / ou Primeira Idade Média / História Revista / 2006

GONÇALVES, Ana Teresa Marques; CARVALHO, Margarida Maria de. Apresentação. História Revista, Goiânia- GO, v.11, n.1, 2006. Acesso apenas pelo link original [DR]

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