A Torre Kubitschek: trajetória de um projeto em 30 anos de Brasil – PIMENTEL (VH)

PIMENTEL, Thais Velloso Cougo. A Torre Kubitschek: trajetória de um projeto em 30 anos de Brasil. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1993. Resenha de: LANNA, Ana Lúcia Duarte. Varia História, Belo Horizonte, v.10, n.13, p. 176-177, jun., 1994.

O presente livro foi, onginalmente, apresentado como dissertação de Mestrado em H1stóría Social na UNICAMP, e ganhou o XII Prêmio Diogo de Vasconcelos (da Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais), o que possibilitou a sua publicação. Partindo da história de um conjunto habitacional, o Conjunto Juscelino Kubitschek (CJK), Situado no centro da capital mineira, a autora buscou compreender o “processo que transformou o ‘tempo das Ilusões’ em tempo da desconfiança e os sentimentos que se movem em torno desses prédios, na cidade que os abriga e nas pessoas que os hab1tam”. (pág 20)

Idealizado por Juscelino Kubitschek, quando governador do Estado, e projetado por Niemeyer, o conjunto habitacional foi estudado pela autora, que acompanhou através dele a trajetória de 30 anos de Brasil. O trabalho, organizado em 4 capítulos, revela o CJK como “síntese de uma realidade contraditória, entre a idéia, nascida num momento fecundo da história do país e de seu povo, e a sua própria história enquanto obra, experiência real vivida por pessoas de outro tempo” (pág 138)

No primeiro capítulo, a análise reca1 sobre a arquitetura enquanto representação da civilização, símbolo de poder, ícone da modernização e do progresso. Os monumentos arquitetônicos, a partir do século XIX, devem ser compreendidos enquanto expressão do poder triunfante da burguesia. A arquitetura moderna, inserida neste processo, é vista como parte das vanguardas do século XX. Sua proposta associa técnica, velocidade e uma inovadora relação entre moradia individual e coletiva que a obriga a pensar sobre o espaço urbano. Projeta para o futuro e defende a liberdade de criação e experimentação de novas idéias, independente do sentido político de sua aplicação.

A obra de Niemeyer, visto como arquiteto do poder, será, de acordo com a autora, capaz de cumprir esta função simbólica de representar um certo 1deal de progresso que, projetando o futuro, questiona ao mesmo tempo a tradição. Belo Horizonte, enquanto uma cidade que deveria ser ao mesmo tempo moderna e tradicional, reúne uma quantidade significativa de obras de Niemeyer, aí edificadas sob o patrocínio do Estado, o que segundo a autora “espelha a forma como os grupos socia1s dominantes comandaram as reformas urbanas e administrativas necessárias à confirmação de sua hegemonia”. (pág. 39)

No segundo capítulo, Thais Pimentel realiza um apanhado da ideologia naclonal-desenvolvlmentista. Destaca conteúdo simbólico dos anos 50 corno “anos dourados”, o papel do ISEB, o crescimento das cidades e a Crescente atuação do Estado criador de uma Ideologia que prega a prosperidade, a 0rdem e a soberania. A pratica autoritária do Estado no comando da economia e sociedade brasileira pode ser percebida na forma como se dec1d1u a construção do CJK. Tanto o conjunto residencial quanto Brasília têm a forma material do desenvolvimentlsrno e podem ser vistos como símbolo e síntese desta época, imagem e semelhança do projeto de dominação da fração burguesa dominante, para quem a busca da harmonia social ora tão cara. O CJK é apresentado como um “balão de ensaio” revelando a tragédia e a glória dos anos 50.

No capítulo 3, o leitor poderá acompanhar a história da construção do CJK. Os empresários envolvidos, a participação e atuação do Estado e dos condôminos, em geral da classe média. A decisão de real1zar o CJK e as críticas e resistências ao projeto são apresentadas como indicadoras da prát1ca populista de poder onde o consenso é obtido a posteriori. As dificuldades enfrentadas na realização do empreendimento, a descrença e desmoralização que passaram a envolver o projeto ocasionadas sobretudo pelos sucessivos atrasos e elevação dos custos são então abordados. O Estado promotor do desenvolvimento bancaria o proJeto até 1964.

Mas esta trajetória tortuosa, a demora da execução e as características mesmas da cap1tal mineira vão fazer deste um lugar de suspeição. A sua proposta Inovadora de um morar colet1vo, voltada para o futuro, quando consolidada, encontra um país que rejeita o coletivismo. A aglomeração de pessoas v1sta como perigosa, em especial nos anos 70 quando os apartamentos ficaram prontos, reforça o medo que o local provoca Trabalhando com dicotomias como o interior do prédio – organizado e limpo, face a um exterior – Sujo e com Impressão de uma confusão permanente, ou moradores satisfeitos frente a uma população assustada e apreensiva, a autora vai mostrando o v1ver no CJK e o v1ver em uma cidade em expansão. Analisa ainda as transformações que o projeto trazia sobre o morar e como elas foram sendo alteradas ao longo dos anos e usos que os prédios tiveram As fachadas de v1dro fazem deste um panóptico ao avesso onde a cidade controla o interior.

A leitura do livro é int1gante pois a partir da análise de um monumento a autora consegue traçar a história de um país. O texto é de leitura fluente e agradável e interliga análises macro e micro, revelando na concretude como a cidade, através do granito e concreto, expressa os valores soc1a1s dominantes. Mostra ainda como a atuação de múltiplos atores interfere, altera e red1rec1ona os monumentos construídos em ruínas virtuais. A Torre Kubitschek é cicatriz v1sível na modernidade.

Ana Lúcia Duarte Lanna – Professora da FAU-USP e doutora em História Social pela USP.

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