História e Música / História e Cultura / 2013

É com grande satisfação que nos unimos ao corpo discente do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH), da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para lançar o primeiro número do segundo volume da revista História e Cultura, publicação semestral online do Programa.

O dossiê temático desta edição traz em foco as discussões interdisciplinares entre História e Música, tema que apenas recentemente despertou interesse dos pesquisadores nas universidades brasileiras. Datam dos anos 1960 os primeiros estudos sistemáticos acerca do tema, que só então passou a configurar objeto de interesse entre os pesquisadores e a ser tratado como relevante objeto de estudo e reflexão acadêmica. Desde então, o número de trabalhos envolvidos com as relações entre História e Música cresceu vertiginosamente, não apenas no que se refere à produção historiográfica, mas também aos trabalhos desenvolvidos em outros departamentos acadêmicos. Os primeiros trabalhos dedicados à música nessa década de 1960 são desenvolvidos nos departamentos de Letras e compreendem particularmente análises da canção popular, destacando o conteúdo literário de seus versos. É a partir da década de 1980 que as contribuições mais significativas aos estudos musicais se farão notar na área de História e também nas áreas de Sociologia e Antropologia.

Cabe ressalvar que, em sua grande maioria, as pesquisas acadêmicas das Ciências Humanas dedicadas à música estarão predominantemente voltadas à música popular ou, mais especificamente, à canção popular. Uma das possíveis razões para essa preferência poderia ser apontada na dificuldade do pesquisador diante da não-simples decodificação da notação musical.

A historiografia promove diálogos bastante significativos com os estudos musicais desenvolvidos nas áreas de Letras, Antropologia, Sociologia, mas ainda tímidas são as articulações promovidas com a área da Musicologia ou de Etnomusicologia. Assim, os diálogos interdisciplinares envolvendo os estudos acadêmicos dedicados à música têm sua importância plenamente reconhecida pelos pesquisadores, embora seja ainda necessário algum avanço em direção aos áridos terrenos das fronteiras entre as disciplinas. Tal intercurso certamente trará novos importantes contributos às pesquisas historiográficas, tanto no que diz respeito às fontes quanto aos métodos de abordagem desse material. Frente a tal cenário, procuramos organizar um dossiê que integrasse pesquisadores de distintas áreas do conhecimento e que tratassem de diversos assuntos, dentro do horizonte de possibilidades dos estudos sobre História e Música.

O texto que abre o Dossiê é a conferência ministrada pelo Professor Doutor José D’Assunção Barros no XI Encontro de História da Educação do Ceará, realizado na cidade de Baturité, em setembro de 2012, intitulada “A Imaginação Musical como um modelo possível para repensar a Teoria da História”. A formação de Barros nas áreas de História e de Música permite colocar o discurso sobre a interdisciplinaridade na prática de sua produção acadêmica, refletindo sobre as possibilidades de uma “imaginação musical” aplicada à prática do historiador.

O Dossiê conta também com artigos sobre a música popular brasileira, como o do arquiteto e urbanista Marcos Virgílio da Silva, intitulado “O todo e a parte: nomeando espaços e vivências urbanas em São Paulo (décadas de 1950 e 1960)”, que traz um interessante diálogo interdisciplinar em sua investigação ao recorrer aos sambas de Adoniran Barbosa como ponto de partida para captar o olhar dos excluídos do processo de urbanização da cidade de São Paulo, e o artigo do cientista social Lucas Marcelo Tomaz de Souza, intitulado “Raul Seixas e o cenário musical brasileiro na década de 1970”, que aborda a inserção do cantor e compositor Raul Seixas no mercado fonográfico durante a década de 1970, refletindo sobre este tema importante para os estudos sobre música que é a estruturação do mercado fonográfico.

São variadas as possibilidades de reflexão acadêmica a partir da música. Interessantes, nesse sentido, são os estudos que têm como objeto a música erudita, como o dos músicos Álvaro Luiz Ribeiro da Silva Carlini e Alan Rafael de Medeiros, “A modernidade em questão: música de concerto em Curitiba – coexistência e especificidades entre a SCABI e SPMC”, sobre o papel das instituições culturais na difusão da música de concerto em Curitiba. Ainda refletindo sobre a música erudita temos o artigo “Aspectos vanguardistas na música de John Cage”, do historiador Vinicius Cranek Gagliardo, que apresenta os conceitos de vanguarda, instituição e obra de arte a fim de estabelecer relações entre as vanguardas artísticas europeias e a obra do compositor norte-americano John Cage.

Outros estudos que têm como objeto a música erudita são os dos historiadores Leandro Couto Carreira Ricon, “Por uma História Social da Música: uma metodologia aplicada à produção operística”, no qual o autor discute novas metodologias para uma abordagem problematizada da prática musical na História por meio da produção operística, e “O período joanino e as transformações no cenário musical no Rio de Janeiro”, de Renato Aurélio Mainente, que aborda as principais linhas de desenvolvimento da atividade musical no Rio de Janeiro a partir da fundação da Capela Real, em 1808, e do Real Teatro São João, em 1813.

Na intersecção entre estes dois objetos, a música erudita e a música popular brasileira, há o trabalho do comunicólogo Rafael Lage Pereira, intitulado “Artista artesão ou artista igual pedreiro: de Mozart a Macaco Bong, uma história de lutas por autonomia”, que traz uma reflexão instigante a respeito das possibilidades de reapropriações de antigas estratégias da indústria fonográfica e de que forma elas retornam reconfiguradas com jovens oriundos da indústria musical do século XXI.

A fim de evidenciar possibilidades de estudos que reflitam diretamente sobre as relações entre a música e a política trazemos as pesquisas de dois historiadores interessados na música latino-americana da segunda metade do século XX: o artigo “‘Canto porque la guitarra / tiene sentido y razón’: folclore e política na música de Víctor Jara (1966-1973)”, de Natália Ayo Schmiedecke, que considera o discurso político-musical identificado com o movimento da Nova Canção Chilena por meio da obra de Víctor Jara, e “‘Por toda América soplan vientos que no han de parar hasta que entierren las sombras’: anti-imperialismo e revolução na canção engajada latinoamericana (1967-69)”, de Caio de Souza Gomes, que analisa o ano de 1967 e o quanto ele significou um momento de ruptura importante no processo de consolidação dos movimentos de canção engajada na América Latina por conta da realização em Cuba do I Encuentro de la Canción Protesta.

Esperamos que os artigos publicados neste Dossiê possam contribuir para o campo dos estudos sobre História e Música, evidenciando que vários são os caminhos de pesquisa e que quanto maior a interação dos distintos profissionais e domínio de diversas perspectivas teórico-metodológicas, mais ricas serão as reflexões e escutas sobre o tema.

Lígia Nassif Conti

Mariana Oliveira Arantes

Organizadoras do Dossiê História e Música.


CONTI, Lígia Nassif; ARANTES, Mariana Oliveira. Apresentação. História e Cultura. Franca, v.2, n.1, 2013. Acessar publicação original [DR]

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