Merchants of doubt. How a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to global warming – ORESKES (SS)

ORESKES, Naomi; CONWAY, Eric M. Merchants of doubt. How a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to global warming. New York: Bloomsbury, 2010. Resenha de: LEITE, José Correa. Controvérsias científicas ou negação da ciência? A agnotologia e a ciência do clima. Scientiæ Studia, São Paulo, v.12, n. 1, p. 179-89, 2014.

Na medida em que se torna determinante da dinâmica da economia e da política, a tecnociência passa a mediar as definições e as tomadas de decisão sobre um número crescente de questões. Ela se torna um campo de batalha de interesses contraditórios, onde o avanço do conhecimento científico amiúde questiona diretamente os poderes estabelecidos. Como a ciência fornece as bases para os discursos mais legítimos da sociedade, aqueles que são questionados por ela têm que reagir contrapondo argumentos e teorias supostamente científicos, mesmo quando não o sejam. O caso da relação entre o hábito de fumar e o aumento da incidência de câncer é o exemplo clássico, mas a indução da ignorância ou da dúvida sobre temas onde já existe um consenso científico tornouse uma prática comum na sociedade atual. A leitura de Mooney (2005) e Michaels (2008) permite pôr em discussão dezenas de tópicos de conflito nas mais variadas áreas. Assim, as controvérsias escalam até ganharem a conotação de uma verdadeira guerra cultural no caso da emissão dos gases de efeito estufa, os quais, segundo indicação da própria ciência, produzem o aquecimento global (impacto negado ou questionado pelas indústrias de combustível fóssil e de geração de energia em termoelétricas).

Robert Proctor, historiador da ciência da Universidade de Stanford, cunhou um termo para designar o estudo da negação da ciência com vistas a produzir a dúvida ou a ignorância – em oposição ao estudo do conhecimento pela epistemologia –, a saber, agnotology, que podemos traduzir por agnotologia (do grego agnosis, não conhecimento). O propósito da agnotologia seria “promover o estudo da ignorância, desenvolvendo ferramentas para compreender como e porque várias formas de conhecimento não ‘emergiram’, ou desapareceram, ou foram retardadas ou negligenciadas por longo tempo, para melhor ou para pior, em vários pontos da história” (Proctor & Schiebinger, 2008, p. vii). Leia Mais

Elegance and enigma. The quantum interviews – SCHLOSSHAUER (SS)

SCHLOSSHAUER, M. (Org). Elegance and enigma. The quantum interviews. Organização de M. Schlosshauer. Berlin: Springer, 2011. Resenha de: JÚNIOR, Olival Freire. Filosofia da ciência e controvérsia científica: um leque de concepções físicas e interpretações filosóficas da física quântica. Scientiæ Studia, São Paulo, v.11, n. 4, p. 959-62, 2013.

Esse livro tem como objetivo fazer uma apresentação do estado da arte das pesquisas sobre o tema dos fundamentos e interpretações da teoria quântica. Como sabemos, este é um tema que mescla a prática da ciência, tanto teórica quanto experimental, com a investigação filosófica. Ademais, é um tema que tem sido objeto de intensa e prolongada controvérsia; de fato, trata-se de uma controvérsia que tem início com a própria criação dessa teoria científica, durando, portanto, mais de 80 anos. Um livro com a pretensão de um balanço atualizado de um tema de pesquisa é prática corriqueira no mundo acadêmico. Nas ciências da natureza, muitas vezes isso é feito na forma de longos artigos de revisão. A singularidade desse livro reside, entretanto, na sua concepção editorial. Ao invés de uma monografia autoral, o livro reúne dezessete entrevistas distribuídas ao longo de dezessete capítulos, mais introdução, apresentação dos entrevistados, epílogo e glossário. Não se trata, contudo, de uma coletânea de artigos escritos por cada um dos entrevistados. Schlosshauer organizou tematicamente as entrevistas, escolheu os entrevistados e escreveu introduções a cada um dos temas sobre os quais os inquiriu. Pode-se, desse modo, inferir opiniões próprias do editor ao longo do texto, tema ao qual retornaremos. Importante, contudo, é notar que a decisão do editor, ao deixar de lado a escrita de um livro texto sobre o tema, foi uma opção adotada considerando que ela era uma “maneira singularmente efetiva de apresentar o campo de fundamentos quânticos como ele se apresenta hoje” (p. IX). O editor observa que tal apresentação constituiu-se em uma lacuna editorial desde os livros de Max Jammer, The philosophy of quantum mechanics, de 1974, e de Bernard d’Espagnat, Conceptual foundations of quantum mechanics, de 1976. A aposta do editor, portanto, reside na superioridade dessa opção face ao que teria sido a solução tradicional de um texto monoautoral. De fato, o ganho mais importante é a possibilidade única de acesso, em um mesmo lugar e ao mesmo tempo, às diversas e conflitantes perspectivas sobre o tema, enquanto a perda deriva do fato de que o livro não pode ser considerado uma introdução ao tema, sendo antes um livro adequado e útil a leitores já com certa familiaridade com o assunto. As introduções em cada capítulo, feitas por Schlosshauer, apresentam de modo mais introdutório os temas que são tratados de modo mais técnico pelos entrevistados.

Os dezessete entrevistados, autores de direito e de fato, são os físicos Caslav Brukner, Anton Zeilinger, Christopher Fuchs, Gian Carlo Ghirardi, Shelly Goldstein, Daniel Greenbeger, Lucien Hardy, Anthony Leggett, David Mermin, Antony Valentini, Lee Smolin, Wojciech Zurek, os filósofos Guido Bacciagaluppi, Tim Maudlin e Arthur Fine, e alguns que comparecem na dupla condição, de físico e filósofo, como David Wallace e Jeffrey Bub. A lista de questões inclui as seguintes: Quais são os problemas mais prementes hoje em fundamentos da teoria quântica? Qual programa interpretativo traz mais sentido à mecânica quântica, e por quê? O que são os estados quânticos? A mecânica quântica implica uma aleatoriedade irredutível na natureza? O problema da medição quântica: sério obstáculo ou pseudoproblema passível de dissolução? O que violações das desigualdades de Bell, observadas experimentalmente, nos dizem sobre a natureza? Qual noção de informação poderia servir como uma base rigorosa para o progresso em fundamentos? Se você pudesse escolher um experimento, independente de sua viabilidade técnica atual, para ajudar a resolver uma questão de fundamentos, qual seria esse experimento? Como crenças e valores pessoais influenciam a escolha de uma interpretação? Qual o papel da filosofia em avançar nosso entendimento dos fundamentos da mecânica quântica? Que perspectivas para os fundamentos da mecânica quântica podem advir da interface entre teoria quântica e gravitação?

Os entrevistados são cientistas e filósofos de gerações e formações bastante distintas e, ainda que se possa discutir diferentes inclusões e exclusões, não resta dúvida de que estamos diante de uma amostra bem representativa da diversidade de opiniões existentes entre pesquisadores de fundamentos da teoria quântica. Essa diversidade reaparece em cada uma das questões, o que pode ser exemplificado na pergunta sobre a interpretação favorita da teoria quântica. Zeilinger e Greenberger defendem a “velha interpretação de Copenhague”, mas por razões levemente diferentes. O segundo vê nessa interpretação fecundidade em termos de interpretação e desenho de novos experimentos, e o primeiro acrescenta que essa interpretação deve ser desenvolvida tendo em conta a centralidade do conceito de informação. Brukner e Bub, com argumentos distintos, privilegiam a relação do problema da interpretação com o conceito de informação, enquanto Fuchs defende uma visão epistêmica dos estados quânticos, mobilizando a visão bayesiana das probabilidades. Goldstein e Valentini inserem-se na tradição que remonta a Louis de Broglie e David Bohm, com a introdução de variáveis adicionais às já adotadas pela teoria quântica. Os dois autores, contudo, têm perspectivas muito distintas quanto ao desenvolvimento dessa tradição, com Valentini prometendo uma diferenciação empírica entre essa abordagem e a teoria quântica. De modo análogo, Wallace e Zurek inserem-se na tradição que remonta a Hugh Everett, mas encontram-se hoje em perspectivas muito distintas, com Wallace defendendo literalmente a ideia de “muitos mundos” e Zurek criticando-a e defendendo a visão everettiana em termos de “estados relativos”. Ghirardi defende sua visão de que a equação de Schrödinger deve ser modificada de modo a explicar a redução do estado quântico em situações de medições. Outro exemplo da diversidade de opiniões pode ser encontrado no capítulo 8, dedicado a saber o que os resultados dos experimentos sobre as desigualdades de Bell nos dizem sobre a natureza. Os entrevistados divergem largamente, incluindo aqueles que concentram as consequências no abandono da localidade e outros que põem em questão formas de realismo.

Tal espectro diverso ilustra bem porque Max Jammer comparou, ainda em 1974, a controvérsia dos quanta com aquela, também na história da física, que contrapôs cartesianos e newtonianos nos albores da ciência moderna. Essa comparação com a disputa entre cartesianos e newtonianos parece-me oportuna para trazer à tona o que me parece ser uma debilidade nas apresentações dos diversos temas e capítulos. O louvável bom humor com que os temas são introduzidos não vem acompanhado de uma reflexão filosófica mais profunda sobre os mesmos. Na introdução do capítulo 3, por exemplo, o editor clama pela excepcionalidade na história da física da necessidade de interpretações para uma dada teoria física. Afirma que a mecânica clássica “parece livre de problemas neste aspecto”. Ora, quando Jammer lembrou da comparação com a disputa entre cartesianos e newtonianos certamente ele tinha em mente que a gravitação requeria ser interpretada em termos do mecanicismo, e essa era uma das razões da recusa dos cartesianos à gravitação newtoniana. Prevaleceu historicamente uma interpretação da gravitação centrada na sua eficácia preditiva. O que não é tão diferente do êxito da atual teoria quântica e seu pendant interpretativo associado a Bohr e Heisenberg. Um pouco de história da ciência e da filosofia traria à tona que as resistências persistiram de modo mais sofisticado na obra de Ernst Mach no século XIX, e que essa obra contribuiu para a abertura de horizontes epistemológicos ao criador da teoria da relatividade. Outros exemplos poderiam ser aventados para mostrar a persistência de problemas de interpretação e de fundamentos na história da física. A controvérsia sobre a fundamentação da segunda lei da termodinâmica e do conceito de entropia tem atravessado os séculos XIX, XX e adentra o XXI em boa forma. No caso da controvérsia dos quanta, o que demanda explicação, extrapolando o domínio da filosofia e adentrando o terreno da sociologia da ciência, seria a dimensão que a controvérsia tem adquirido, mas esse problema não é tratado pelo editor.

Ao longo das mesmas linhas, o editor encerra a introdução desse capítulo perguntando-se se a “floresta de interpretações concorrentes será desbastada com o passar do tempo” (p. 63), mas não oferece uma resposta significativa ao problema. Novamente, uma mobilização maior da filosofia poderia nos sugerir, com a tese da subdeterminação das teorias pelos dados empíricos, que tais situações de rivalidades entre teorias ou interpretações podem ser fenômenos duradouros e inerentes à prática da boa ciência. O editor retoma a questão no capítulo 11, inquirindo os entrevistados pelo experimento dos seus sonhos, que poderia levar a uma drástica redução dessa controvérsia. Pierre Duhem, se vivo estivesse, reagiria com ceticismo a tal perspectiva, porque o experimento ideal é um parente próximo dos experimentos cruciais e estes não existem em ciência porque as hipóteses e as teorias não comparecem ao tribunal da experiência isoladamente, mas sim sempre em conjunto. Também Willard Van Orman Quine, se pudesse acompanhar tal debate, agregaria argumentos lógicos sólidos em apoio à posição de Duhem. Concluindo, embora o livro em tela tenha lidado explicitamente com a dimensão filosófica do debate sobre os fundamentos da teoria quântica, as contribuições que a filosofia da ciência pode trazer a esse debate são ainda maiores e mais profundas que o que foi expresso nesse livro.

Olival Freire Júnior – Instituto de Física. Universidade Federal da Bahia, Brasil. E-mail: [email protected]

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