Quantum dissidents: rebuilding the foundations of quantum mechanics (1950-1990) – FREIRE JÚNIOR (SS)

FREIRE JÚNIOR, Olival. Quantum dissidents: rebuilding the foundations of quantum mechanics (1950-1990). Berlin: Springer, 2015. Resenha de: VIDEIRA, Antonio Augusto Passos. Nem heterodoxa nem ortodoxa: a mecânica quântica na segunda metade do século XX. Scientiæ Studia, São Paulo, v.13, n. 1, p. 233-7, 2015.

O livro, escrito por Olival Freire Jr – Professor Titular do Instituto de Física da Bahia (Brasil) e conhecido pesquisador nas áreas de história da ciência e ensino de ciências – constitui uma contribuição importante para a literatura vinculada à mecânica quântica (MQ), em particular, aquela que procura compreender os desenvolvimentos históricos das diferentes linhas de pesquisa – teóricas e experimentais – interessadas em esclarecer os fundamentos dessa teoria.

Quantum dissidents é o resultado de 30 anos de envolvimento direto do autor com a história e a filosofia da MQ, trajetória que começou com sua dissertação de mestrado sobre Paul Langevin, orientada na Universidade de São Paulo pela física e historiadora da física Amélia Império Hamburger (1932-2011), passando pela tese de doutorado, sobre David Bohm (1917-1992), defendida em 1995 na mesma universidade, mas cuja pesquisa foi coordenada por Shozo Motoyama e Michel Paty. De certo modo, o envolvimento de Freire com a área de história da MQ é contemporâneo, ou simultâneo, à história que ele conta. Ele não poderia ter decidido em meados da década de 1980 contar tal história; ela simplesmente não existia.

O foco do livro situa-se na elaboração de uma explicação coerente para um evento vivido pelas questões dos fundamentos da MQ, a saber: a passagem de uma área de pesquisa percebida como marginal para uma situação diametralmente oposta, capaz de atrair o interesse de físicos, filósofos, ou ainda, de divulgadores de ciência. A rigor, a área de informação quântica, o “produto” mais notável dessa reviravolta, desfruta hoje de uma notabilidade crescente, sendo considerada capaz de revolucionar a ciência e a tecnologia, levando-as a fronteiras situadas para além da física. Como, então, um tema, que até o início da década de 1970 era evitado por jovens pesquisadores – preocupados com as consequências que essa opção temática teria para suas carreiras – chegou a ser coroado com, por exemplo, o prêmio Nobel de física em 2012, concedido ao francês Serge Haroche e ao norte-americano Daniel J. Wineland?

Para responder a essa pergunta, Freire lança mão de uma série de “instrumentos” usualmente empregados por historiadores da ciência que deliberadamente procuram evitar histórias internalistas ou externalistas de sua ciência. Interessado em superar essa antiga e paralisante dicotomia, Freire manipula aspectos e informações provenientes da história, sociologia, filosofia e política da ciência, sem sentir-se obrigado a privilegiar nenhum deles. As referências teóricas têm diferentes origens, em que pese certa preferência pelas ideias do sociólogo francês Pierre Bourdieu (19302002), e de Timothy Lenoir, sem que isso signifique desprestígio para outras perspectivas – por exemplo, as propostas por expoentes como Bruno Latour e David Kaiser. Freire entende que a inteligibilidade histórica da ciência não advém apenas do domínio de aspectos técnicos. Aqui também, no que diz respeito ao conhecimento da ciência envolvida, Freire se mostra um pesquisador arguto, com domínio da física envolvida – melhor, talvez, fosse dizer emaranhada – na história que narra. A história contada por Freire reforça a ideia de que a ciência circula, transformando-se, e transforma-se, circulando.

Praticamente todo o conteúdo do livro já tinha sido publicado sob a forma de artigos independentes, a grande maioria deles na revista Studies in History and Philosophy of Modern Physics, alguns escritos em colaboração com colegas e estudantes. O livro, no entanto, não é uma coletânea. Na verdade, os artigos foram ligeiramente modificados de modo a formarem um todo coerente, organizado e interessante. Essas adaptações também se devem à necessidade de adequação do conteúdo às normas editorais da Springer. Uma introdução e uma conclusão foram escritas especialmente para ele. Em semelhança com os artigos anteriormente publicados, cada capítulo contém um resumo, útil para uma apresentação condensada dos conteúdos nele trabalhados.

O livro está dividido em nove capítulos, incluindo a introdução e a conclusão. O arco temporal por ele compreendido inicia-se em 1950 e termina formalmente em 1990, ainda que algumas informações posteriores tenham sido incluídas. A título de exemplo, vale mencionar o já citado prêmio Nobel de física de 2012.

O primeiro capítulo é de natureza metodológica. Nele, Freire expõe os conceitos e os princípios teóricos que usará para compreender o surgimento da área de informação quântica, por ele apontado como sendo o exemplo mais visível e relevante da reabilitação da área de fundamentos da MQ. Como dito acima, nesse capítulo, ele reafirma sua crença de que a ciência é uma estrutura (em sentido amplo) dinâmica.

É no segundo capítulo que se inicia propriamente a história sobre a reconstrução e reconfiguração dos fundamentos da MQ. Como não poderia deixar de ser lembremo-nos do tema da tese de Freire –, é sobre as tentativas feitas por David Bohm (e colegas que compartilhavam sua perspectiva) que recai a escolha de Freire para narrar a saga da MQ na segunda metade do século passado. Apesar de Bohm ser um de seus dissidentes preferidos, Freire não se permite enaltecê-lo mais do que o devido. Em outros termos – e no que interessa para seus objetivos –, Freire sustenta que os esforços de Bohm não foram suficientes para quebrar o predomínio da interpretação de Copenhague, que se manteve predominante, segundo a perspectiva ortodoxa em física, mas também em história da física, na área de fundamentos da MQ a partir da década de 1920.

O terceiro capítulo é dedicado a outra intepretação heterodoxa, que, grosso modo, foi contemporânea da teoria de variáveis ocultas de Bohm, mas, no caso, formulada por um físico norte-americano de Princeton, Hugh Everett iii (1930-1982). Tal como a interpretação bohmiana, a de Everett sofreu pesadas críticas, a ponto de levarem seu autor a desistir de uma carreira acadêmica convencional. Aparentemente, Everett não se arrependeu de sua decisão de continuar vinculado ao complexo militar-industrial norte-americano.

O capítulo seguinte apresenta o primeiro sinal de ruptura da monocracia interpretativa então dominante, exercida pela chamada “interpretação de Copenhague”. A ruptura ocorre em torno do problema da medida (the measurement problem) e conta com a participação central de uma personagem da qual se poderia esperar tudo, menos o envolvimento com a heterodoxia científica, o físico norte-americano de origem húngara Eugene Wigner (1992-1995), que se envolveu em querelas científicas com jovens físicos italianos partidários de uma ideologia fortemente recusada por ele: o marxismo. Wigner, conservador assumido e físico de muitas contribuições seminais para a física nuclear, percebeu que o problema da medida não poderia ser considerado como resolvido. Isso de certo modo renovou o ambiente da MQ.

O quinto capítulo trata de uma personagem completamente desconhecida, mesmo no Brasil, país em que se deu sua atuação profissional. Freire analisa a efêmera participação que o físico brasileiro de origem austríaca Karl Tausk (1927-2012) teve nesse processo de reabilitação das questões concernentes aos fundamentos da física. Freire é convincente ao discutir como físicos, sem as devidas relações profissionais (entenda-se, respaldo institucional) e sem as alianças científicas necessárias (poderosas), comprometem suas próprias carreiras. A participação em assuntos considerados como marginais pelos líderes da física pode marginalizar seus participantes. O “triste” destino de Tausk lembra-nos que não são apenas habilidades intelectuais e conhecimentos científicos que legitimam a participação em domínios temáticos tão impregnados de controvérsia, como aquele concretizado em torno das questões interpretativas da MQ.

O sexto capítulo se debruça sobre as contribuições dadas pela situação política de finais da década de 1960 para uma renovação da atitude dos físicos frente à área de fundamentos. O foco é, agora, direcionado para a organização e a realização de uma escola de verão em Varenna (Itália), dedicada aos fundamentos da MQ. O interesse desse capítulo é duplo. Por um lado, ele se encontra na descrição a respeito dos detalhes que cercaram a escola organizada por Bernard d’Espagnat, físico teórico francês, e que quase levaram à implosão da Sociedade Italiana de Física. O segundo motivo é que, diferentemente do que se poderia esperar, foi um físico politicamente conservador – muito bem posicionado no establishment da física e com um prêmio Nobel a tiracolo e aqui já citado Eugene Wigner –, um dos responsáveis por mostrar que a Mecânica Quântica não estava resolvida completamente quando analisada sob o ponto de vista conceitual ou de fundamentos.

É a partir do sétimo capítulo que o livro aproxima-se da quadratura histórica responsável pela mudança de perspectiva da comunidade dos físicos frente às questões de fundamento. Freire justifica essa mudança com a realização das primeiras experiências, em finais da década de 1960, ligadas à área da óptica e montadas para testar certas consequências “bizarras” da mecânica quântica, tais como o emaranhamento (entanglement). De John Clauser a Alain Aspect, passando pelos famosos teoremas de Bell – referência ao físico norte-irlandês John Bell (1928-1990) –, Freire argumenta como a filosofia pode efetivamente ingressar na física. Ainda assim, trata-se, como ele mesmo observa, de um período de transição. A área de fundamentos da física ainda não desfrutava da respeitabilidade que receberia a partir da década de 1970.

O período de transição descrito no capítulo anterior não se encerra com a publicação das experiências de Aspect entre 1981 e 1982. Ele será completado ao longo da década de 1980, atingindo, inclusive, os primeiros anos da seguinte. É disso que trata Freire no capítulo oitavo. A marca dessa transição é a ausência de um foco temático unificador dos muitos grupos que começaram a dedicar-se a essas questões. Outro ponto característico dessa época é a realização de conferências especialmente dedicadas às consequências experimentais das questões anteriormente vistas como “filosóficas”. A “moral” desse capítulo parece ser que a aquisição de respeitabilidade não acontece do dia para a noite.

O último capítulo é dedicado a uma descrição comparativa de alguns dos protagonistas da história da reconstrução dos fundamentos da MQ. O recurso metodológico usado por Freire é a prosopografia, a saber, a constituição de uma biografia coletiva, na qual diferentes trajetórias são comparadas entre si a partir da determinação de um conjunto de características entendidas como comuns, tornando possível a referida comparação. Essa descrição, talvez, tenha sido redigida para pôr um ponto-final no uso da metáfora com a qual Freire construiu sua história: a de que os fundamentos da MQ começaram como uma área frequentada por dissidentes. Afinal, como questionar uma área de pesquisa que permite a seus praticantes serem agraciados com alguns dos mais importantes prêmios concedidos na física? De fundamentos filosóficos à informação quântica, a história dos fundamentos da MQ, tal como contada por Freire, é rica, informativa e instrutiva.

Para finalizar, Quantum dissidents conta com um prefácio escrito por Silvan S. Schweber, um dos mais importantes e reconhecidos especialistas em história da física da atualidade, o que, por si só, já é indicativo da originalidade e qualidade historiográficas dessa obra. É interessante notar que Schweber afirma que o livro é também importante para os físicos que querem ser melhores naquilo que fazem, ou seja, o livro de Freire tem valor pedagógico. Torço para que as palavras de Schweber sejam ouvidas.

Antonio Augusto Passos Videira – Departamento de Filosofia. Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Brasil.  E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[DR]

 

Elegance and enigma. The quantum interviews – SCHLOSSHAUER (SS)

SCHLOSSHAUER, M. (Org). Elegance and enigma. The quantum interviews. Organização de M. Schlosshauer. Berlin: Springer, 2011. Resenha de: JÚNIOR, Olival Freire. Filosofia da ciência e controvérsia científica: um leque de concepções físicas e interpretações filosóficas da física quântica. Scientiæ Studia, São Paulo, v.11, n. 4, p. 959-62, 2013.

Esse livro tem como objetivo fazer uma apresentação do estado da arte das pesquisas sobre o tema dos fundamentos e interpretações da teoria quântica. Como sabemos, este é um tema que mescla a prática da ciência, tanto teórica quanto experimental, com a investigação filosófica. Ademais, é um tema que tem sido objeto de intensa e prolongada controvérsia; de fato, trata-se de uma controvérsia que tem início com a própria criação dessa teoria científica, durando, portanto, mais de 80 anos. Um livro com a pretensão de um balanço atualizado de um tema de pesquisa é prática corriqueira no mundo acadêmico. Nas ciências da natureza, muitas vezes isso é feito na forma de longos artigos de revisão. A singularidade desse livro reside, entretanto, na sua concepção editorial. Ao invés de uma monografia autoral, o livro reúne dezessete entrevistas distribuídas ao longo de dezessete capítulos, mais introdução, apresentação dos entrevistados, epílogo e glossário. Não se trata, contudo, de uma coletânea de artigos escritos por cada um dos entrevistados. Schlosshauer organizou tematicamente as entrevistas, escolheu os entrevistados e escreveu introduções a cada um dos temas sobre os quais os inquiriu. Pode-se, desse modo, inferir opiniões próprias do editor ao longo do texto, tema ao qual retornaremos. Importante, contudo, é notar que a decisão do editor, ao deixar de lado a escrita de um livro texto sobre o tema, foi uma opção adotada considerando que ela era uma “maneira singularmente efetiva de apresentar o campo de fundamentos quânticos como ele se apresenta hoje” (p. IX). O editor observa que tal apresentação constituiu-se em uma lacuna editorial desde os livros de Max Jammer, The philosophy of quantum mechanics, de 1974, e de Bernard d’Espagnat, Conceptual foundations of quantum mechanics, de 1976. A aposta do editor, portanto, reside na superioridade dessa opção face ao que teria sido a solução tradicional de um texto monoautoral. De fato, o ganho mais importante é a possibilidade única de acesso, em um mesmo lugar e ao mesmo tempo, às diversas e conflitantes perspectivas sobre o tema, enquanto a perda deriva do fato de que o livro não pode ser considerado uma introdução ao tema, sendo antes um livro adequado e útil a leitores já com certa familiaridade com o assunto. As introduções em cada capítulo, feitas por Schlosshauer, apresentam de modo mais introdutório os temas que são tratados de modo mais técnico pelos entrevistados.

Os dezessete entrevistados, autores de direito e de fato, são os físicos Caslav Brukner, Anton Zeilinger, Christopher Fuchs, Gian Carlo Ghirardi, Shelly Goldstein, Daniel Greenbeger, Lucien Hardy, Anthony Leggett, David Mermin, Antony Valentini, Lee Smolin, Wojciech Zurek, os filósofos Guido Bacciagaluppi, Tim Maudlin e Arthur Fine, e alguns que comparecem na dupla condição, de físico e filósofo, como David Wallace e Jeffrey Bub. A lista de questões inclui as seguintes: Quais são os problemas mais prementes hoje em fundamentos da teoria quântica? Qual programa interpretativo traz mais sentido à mecânica quântica, e por quê? O que são os estados quânticos? A mecânica quântica implica uma aleatoriedade irredutível na natureza? O problema da medição quântica: sério obstáculo ou pseudoproblema passível de dissolução? O que violações das desigualdades de Bell, observadas experimentalmente, nos dizem sobre a natureza? Qual noção de informação poderia servir como uma base rigorosa para o progresso em fundamentos? Se você pudesse escolher um experimento, independente de sua viabilidade técnica atual, para ajudar a resolver uma questão de fundamentos, qual seria esse experimento? Como crenças e valores pessoais influenciam a escolha de uma interpretação? Qual o papel da filosofia em avançar nosso entendimento dos fundamentos da mecânica quântica? Que perspectivas para os fundamentos da mecânica quântica podem advir da interface entre teoria quântica e gravitação?

Os entrevistados são cientistas e filósofos de gerações e formações bastante distintas e, ainda que se possa discutir diferentes inclusões e exclusões, não resta dúvida de que estamos diante de uma amostra bem representativa da diversidade de opiniões existentes entre pesquisadores de fundamentos da teoria quântica. Essa diversidade reaparece em cada uma das questões, o que pode ser exemplificado na pergunta sobre a interpretação favorita da teoria quântica. Zeilinger e Greenberger defendem a “velha interpretação de Copenhague”, mas por razões levemente diferentes. O segundo vê nessa interpretação fecundidade em termos de interpretação e desenho de novos experimentos, e o primeiro acrescenta que essa interpretação deve ser desenvolvida tendo em conta a centralidade do conceito de informação. Brukner e Bub, com argumentos distintos, privilegiam a relação do problema da interpretação com o conceito de informação, enquanto Fuchs defende uma visão epistêmica dos estados quânticos, mobilizando a visão bayesiana das probabilidades. Goldstein e Valentini inserem-se na tradição que remonta a Louis de Broglie e David Bohm, com a introdução de variáveis adicionais às já adotadas pela teoria quântica. Os dois autores, contudo, têm perspectivas muito distintas quanto ao desenvolvimento dessa tradição, com Valentini prometendo uma diferenciação empírica entre essa abordagem e a teoria quântica. De modo análogo, Wallace e Zurek inserem-se na tradição que remonta a Hugh Everett, mas encontram-se hoje em perspectivas muito distintas, com Wallace defendendo literalmente a ideia de “muitos mundos” e Zurek criticando-a e defendendo a visão everettiana em termos de “estados relativos”. Ghirardi defende sua visão de que a equação de Schrödinger deve ser modificada de modo a explicar a redução do estado quântico em situações de medições. Outro exemplo da diversidade de opiniões pode ser encontrado no capítulo 8, dedicado a saber o que os resultados dos experimentos sobre as desigualdades de Bell nos dizem sobre a natureza. Os entrevistados divergem largamente, incluindo aqueles que concentram as consequências no abandono da localidade e outros que põem em questão formas de realismo.

Tal espectro diverso ilustra bem porque Max Jammer comparou, ainda em 1974, a controvérsia dos quanta com aquela, também na história da física, que contrapôs cartesianos e newtonianos nos albores da ciência moderna. Essa comparação com a disputa entre cartesianos e newtonianos parece-me oportuna para trazer à tona o que me parece ser uma debilidade nas apresentações dos diversos temas e capítulos. O louvável bom humor com que os temas são introduzidos não vem acompanhado de uma reflexão filosófica mais profunda sobre os mesmos. Na introdução do capítulo 3, por exemplo, o editor clama pela excepcionalidade na história da física da necessidade de interpretações para uma dada teoria física. Afirma que a mecânica clássica “parece livre de problemas neste aspecto”. Ora, quando Jammer lembrou da comparação com a disputa entre cartesianos e newtonianos certamente ele tinha em mente que a gravitação requeria ser interpretada em termos do mecanicismo, e essa era uma das razões da recusa dos cartesianos à gravitação newtoniana. Prevaleceu historicamente uma interpretação da gravitação centrada na sua eficácia preditiva. O que não é tão diferente do êxito da atual teoria quântica e seu pendant interpretativo associado a Bohr e Heisenberg. Um pouco de história da ciência e da filosofia traria à tona que as resistências persistiram de modo mais sofisticado na obra de Ernst Mach no século XIX, e que essa obra contribuiu para a abertura de horizontes epistemológicos ao criador da teoria da relatividade. Outros exemplos poderiam ser aventados para mostrar a persistência de problemas de interpretação e de fundamentos na história da física. A controvérsia sobre a fundamentação da segunda lei da termodinâmica e do conceito de entropia tem atravessado os séculos XIX, XX e adentra o XXI em boa forma. No caso da controvérsia dos quanta, o que demanda explicação, extrapolando o domínio da filosofia e adentrando o terreno da sociologia da ciência, seria a dimensão que a controvérsia tem adquirido, mas esse problema não é tratado pelo editor.

Ao longo das mesmas linhas, o editor encerra a introdução desse capítulo perguntando-se se a “floresta de interpretações concorrentes será desbastada com o passar do tempo” (p. 63), mas não oferece uma resposta significativa ao problema. Novamente, uma mobilização maior da filosofia poderia nos sugerir, com a tese da subdeterminação das teorias pelos dados empíricos, que tais situações de rivalidades entre teorias ou interpretações podem ser fenômenos duradouros e inerentes à prática da boa ciência. O editor retoma a questão no capítulo 11, inquirindo os entrevistados pelo experimento dos seus sonhos, que poderia levar a uma drástica redução dessa controvérsia. Pierre Duhem, se vivo estivesse, reagiria com ceticismo a tal perspectiva, porque o experimento ideal é um parente próximo dos experimentos cruciais e estes não existem em ciência porque as hipóteses e as teorias não comparecem ao tribunal da experiência isoladamente, mas sim sempre em conjunto. Também Willard Van Orman Quine, se pudesse acompanhar tal debate, agregaria argumentos lógicos sólidos em apoio à posição de Duhem. Concluindo, embora o livro em tela tenha lidado explicitamente com a dimensão filosófica do debate sobre os fundamentos da teoria quântica, as contribuições que a filosofia da ciência pode trazer a esse debate são ainda maiores e mais profundas que o que foi expresso nesse livro.

Olival Freire Júnior – Instituto de Física. Universidade Federal da Bahia, Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[DR]