Roman Barbarians: The Royal Court and Culture in the Early Medieval West | Yitzhak Hen

No livro em questão, Yitzhak Hen, professor da Ben-Gurion University of the Negev, em Israel, procurou demonstrar de que forma a alta cultura greco-romana permaneceu viva, mesmo depois de o Império Romano do Ocidente ter se “transformado” nos reinos bárbaros. A obra se inscreve, assim, na tradição historiográfica que acentua as continuidades entre as civilizações greco-romana e medieval, que discutimos de forma mais pormenorizada no número 9 (2) desta revista.[1]

O capítulo 1 (Introduction: A Series of Unfortunate Events) serve de introdução, discutindo sobretudo os entendimentos que, desde a Renascença, foram produzidos por historiadores e intelectuais a respeito do período entre os séculos III e VIII, hoje conhecido como “Antiguidade Tardia”.

Segundo o autor, a Antiguidade Tardia teria sido associada, durante a Renascença, através das obras de autores como Francesco Petrarca, Leonardo Bruni, Flavio Biondo e Andrea Bussi ao caos e à decadência. Essa visão pessimista teria sido reforçada no fim do século XVIII pela obra de Edward Gibbon (The History of the Decline and Fall of the Roman Empire). Somente no início do século XX, através do austríaco Alfons Dopsch (Wirtschaftliche und soziale Grundlagen der europäischen Kulturentwicklung von der Zeit Caesars bis auf Karl den Großen) e do belga Henri Pirenne (Mahomet et Charlemagne), tal perspectiva teria sido desafiada. Desde então, graças ao trabalho de historiadores como Henri-Iréneé Marrou (Saint Augustin et la Fin de la Culture Antique), teria surgido uma escola continuísta, cuja tese principal é a de que os reinos bárbaros que sucederam o Império Romano do Ocidente seriam resultado sobretudo de uma transformação no mundo romano e não da conquista militar. É nela que o autor se inscreve, reconhecendo, não obstante, que as recentes obras de Bryan Ward-Perkins (The Fall of Rome and the End of Civilization) e Peter Heather (The Fall of the Roman Empire. A New History) exigem que se pinte um quadro mais sangrento dessa transformação.

No capítulo 2 (Adaptation: The Ostrogothic Court of Theoderic the Great), o autor trata do papel do rei como patrono das artes na Itália ostrogoda. Teodorico teria sido capaz de manter viva a cultura romana ao convidar intelectuais eminentes como Boécio e Cassiodoro para o convívio na corte. A repercussão da produção intelectual desses homens teria feito com que o soberano ostrogodo se tornasse um modelo a ser emulado por reis “bárbaros” posteriores até o período de Carlos Magno.

O capítulo 3 (Out of Africa: The Vandal Court of Thrasamund) discute tanto a atitude do rei vândalo Trasamundo frente à tradição cultural clássica como seu papel de patrono das artes. Buscando apresentar-se como um autêntico romano, Trasamundo teria adotado a tradição imperial de patrocínio da alta cultura e fomentado até mesmo uma espécie de “renascença vândala”. Esta, por seu turno, teria sido caracterizada especialmente pela poesia, com destaque para a coleção de poemas conhecida como “Anthologia Latina” (produzida antes da conquista bizantina de 533), além das obras de Blóssio Emílio Dracôntio e Fabio Claudio Gordiano Fulgêncio.

No capítulo 4 (Before and After: The Frankish Court of Chlothar II and Dagobert I), o autor aborda a Gália Merovíngia. Para ele, os reinados de Clotário II e Dagoberto I, durante a primeira metade do século VII, teriam sido especialmente importantes na continuidade cultural entre os mundos romano e medieval. A aliança então estabelecida entre as cortes reais, as elites locais e o movimento monástico iniciado por Columbano teria resultado em uma explosão da produção literária. Esta, por sua vez, teria permitido uma estável transição da vida intelectual da esfera laica para a eclesiástica no reino franco.

O capítulo 5 (Music of the Heart: The Unusual Case of King Sisebut) trata do reino dos visigodos na Hispânia durante o primeiro quartel do século VII. Os visigodos, recém convertidos ao catolicismo, teriam sido os primeiros entre os sucessores dos romanos a buscar um consenso de base político-religiosa. Esse projeto teria sido levado a cabo através de uma estreita aliança entre o rei e a Igreja, na qual se destacaram personagens como o rei Sisebuto e o arcebispo Isidoro de Sevilha. Como a Igreja controlava a produção intelectual, o patrocínio da alta cultura teria passado a estar diretamente relacionado com a legitimação da autoridade do monarca.

No capítulo 6 (Postcards from the Edges: A Prelude to the Carolingian Renaissance), o autor discute como Desidério (rei dos lombardos), Tassilo III (duque da Bavária), Offa (rei da Mércia), Alfonso II (rei de Galícia e Astúrias) e mesmo Harun aRashid (califa abássida de Bagdá) puderam ter sido tomados por Carlos Magno como exemplos recentes de sucesso no patrocínio das artes. Todos eles, em conjunto com os soberanos bizantinos, teriam sido os principais responsáveis pela manutenção da produção literária e artística de alto nível nos séculos VIII e IX.

O breve capítulo 7 (Conclusion) conclui a obra e nele o autor reitera sua tese de que a continuidade da produção intelectual nos séculos que se seguiram à “transformação” do Império Romano do Ocidente nos reinos bárbaros deu-se sobretudo graças ao patrocínio dos soberanos ostrogodos, vândalos, francos e visigodos. Cada um deles teria dado seguimento à tradição romana na qual o imperador assumia o papel de patrono das artes. Tais esforços, embora muitas vezes colocados em segundo plano quando comparados aos de Carlos Magno, teriam resultado no estabelecimento dos múltiplos centros de ensino que foram indispensáveis para que ocorresse a chamada “renascença carolíngia”.

A obra não deixa qualquer dúvida quanto ao amplo conhecimento e à visão de conjunto de seu autor. Há, contudo, algo a se dizer sobre a generosidade de sua avaliação da produção intelectual pós-romana. É no mínimo curioso como, para ele, algo aparentemente prosaico como a produção de um conjunto de poemas (como no caso da “Anthologia Latina”, no reino dos vândalos) possa implicar na continuidade da tradição clássica. É como se, para ele, a cultura greco-romana, que mesmo na Antiguidade Tardia produzira sistemas de pensamentos complexos como os neoplatonismos de Plotino e Proclo, ou mesmo um historiador do calibre de Amiano Marcelino, pouco tivesse perdido nos séculos seguintes, a despeito da relativa simplicidade da produção intelectual dos reinos de ostrogodos, vândalos, francos e visigodos. Diante disso, nos parece inevitável a dúvida sobre se o autor não tem a cultura greco-romana na devida conta ou se supervaloriza a produção intelectual da Europa ocidental nos séculos VI, VII e VIII.

Nota

1. SARTIN, Gustavo H. S. S. O surgimento do conceito de “Antiguidade Tardia” e a encruzilhada da historiografia atual. Brathair, n. 9 (2), 2009, pp. 15-40. Disponível em: http://www.brathair.com

Gustavo H. S. S. Sartin – Mestrando em História e Espaços UFRN. E-mail: [email protected]


HEN, Yitzhak. Roman Barbarians: The Royal Court and Culture in the Early Medieval West. Basingstoke and New York: Palgrave Macmillan, 2007. Resenha de: SARTIN, Gustavo H. S. S. Yitzhak Hen e a continuidade cultural nas cortes bárbaras pós-romanas. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.10, n.1, p. 145-147, 2010. Acessar publicação original [DR]