Culturas do território e territórios da cultura / Revista de História da UEG / 2015

O dossiê “Culturas do território e territórios da cultura” apresenta artigos sobre a relação dessas dimensões nas esferas social, simbólica e espacial, emergindo configurações socioespaciais diversas que alguns autores acreditam ser melhor compreendidas através da categoria territorialidade1.

A relação território e literatura é tratada nos dois primeiros artigos do dossiê. No artigo “Macunaíma e o caráter nacional brasileiro: a cultura desgeograficada”, Martha Victor Vieira e Jean Carlos Rodrigues discutem os aspectos geo-históricos na narrativa literária andradeana que, por meio de uma linguagem alegórica, retrata as relações tradição e modernidade; rural e urbano; realidade e ficção; memória e esquecimento, conferindo à cultura um aspecto “desgeograficado”, que resultou em uma importante contribuição intelectual para se pensar a formação do caráter nacional brasileiro. Na sequência, o artigo “Território da palavra poética: que lugar constrói a poesia nas lutas pela posse da terra no Brasil?”, Luiza Helena Oliveira da Silva e Márcio Araújo de Melo analisam o livro Raízes: Memorial dos Mártires da Terra, de Jelson Oliveira. Ao discutirem a problemática da poesia engajada, relativa aos problemas da posse da terra e dos assassinatos no campo no país, os autores abordam a proposta poética e política do livro, considerando a possibilidade de reinstaurar pela via do estético.

Os artigos “O sudoeste de Goiás como território de fronteira: a colonização do Certão do Gentio Cayapó (1830-1900)” de Rafael Alves Pinto Júnior e “Narrando com cabras, a importância dos ancestrais no cotidiano em KwaZulu-Natal (África do Sul)” de Maíra Cavalcanti Vale tratam das disputas territoriais em situação de colonização. O primeiro trabalho analisa a ocupação por fazendeiros mineiros e paulistas da região sudoeste de Goiás a partir de 1830, constituindo um cenário de violências renitentes que durou até, pelo menos, 1900, com a extinção dos indígenas e o controle desse território pelos eurodescendentes. Maíra Cavalcanti Vale a partir de sua experiência de campo de três meses com mulheres falantes de isiZulu e moradoras da zona rural de KwaZuluNatal, na África do Sul, trouxe uma reflexão acerca do regime do apartheid através das estórias contadas por essas mulheres.

Dois exemplos da relação discurso, constituição e disputa territorial são apresentados nos trabalhos “O processo socioterritorial do extremo Norte Tocantinense: aproximações teóricas” de Elias da Silva e Elzimar Pereira Nascimento Ferraz e “Cartografias do passado, arqueologias do presente: as ideias de Percy Harrison Fawcett sobre a Amazônia” de Dernival Venâncio Ramos Júnior. No primeiro exemplo é abordada a constituição da região conhecida como Bico do Papagaio, sob a perspectiva da cultura e identidade como elementos importantes da formação socioterritorial aí levada a cabo. Por outro lado, no segundo exemplo é descrita e analisada as ideias de Percy Harrison Fawcett sobre a Amazônia, tratando de contextualizá-las historicamente, em sua série de representações sobre a região, ligadas ao Eldorado e outras territorialidade míticas, envolvidas elas em disputas territoriais e simbólicas pelos recursos amazônicos.

Na sequencia, três artigos discutem as diversas concepções de conflito e as historias da exploração dos recursos territoriais amazônicos. O artigo “‘Guardar é para tirar depois’: disputas territoriais e conceituais em uma unidade de conservação” de Nelissa Peralta e Deborah Lima destacam os paradigmas em voga na discussão sobre manejo da biodiversidade, refletindo sobre esta controvérsia entre agentes sociais que disputam sua ação sobre um território, com base em diferentes percepções da conservação. O estudo de caso sobre a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá ilustra, segundo as autoras, a micropolítica da conservação da biodiversidade em uma área disputada por três grupos de interesse que fazem alianças, negociam normas e formulam estratégias de governança do território, concluindo que as estratégias de conservação da biodiversidade devem levar em consideração as motivações econômicas e políticas dos agentes da conservação. Ainda no que diz respeito ao Estado do Amazonas, o artigo “Bionegócios e desenvolvimento alternativo no Estado do Amazonas” de Kleber Abreu Sousa e Giane Lourdes Alves de Souza Figueiredo pontuam as possibilidades de um modelo de desenvolvimento econômico alternativo através do aproveitamento de recursos da biodiversidade da região Amazônica. Segundo os autores, a falta de estudos sobre o potencial impacto na economia local de um modelo de desenvolvimento alternativo aliado à biodiversidade reforçam a necessidade de ampliar a discussão e reflexão sobre os aspectos relacionados aos bionegócios para uma orientação mais estratégica dos instrumentos públicos, com vistas no desenvolvimento de políticas efetivas de inovação.

Sobre a história do território goiano, trazemos duas importantes contribuições. A primeira delas é o artigo “Pium: garimpo e garimpeiros de cristal de rocha do Antigo Norte de Goiás (1940-1950)” de Ana Elisete Motter e Bianca de Oliveira Aragão, que, a partir de fontes literárias, apresentam historicamente o ciclo de extração de cristal de rocha, ocorrido no norte de Goiás, na década de 1940, tornando a região uma referência, durante a Segundo Guerra, nesse tipo de minério e sendo significada na memória local como momento fundador da cultura local. O segundo é o artigo “Periodização do território a partir da ação estatal: a capitalização do território goiano (1748-1988)” de Edgar da Silva Oliveira e Leandro Oliveira Lima, que trazem uma proposta de periodização do território goiano a partir das políticas governamentais que atuaram na região desde o período da mineração até os dias atuais.

Finalizando o dossiê, dois artigos abordam as noções de território e territorialidades nas regiões Norte e Nordeste do país. Fagner David da Silva no texto intitulado “A estrada de automóveis do Seridó e a constituição de uma nova mobilidade no território norte-rio-grandense (1914-1934)” reflete sobre a noção de progresso que imbuia as lideranças políticas e sociais da região e que levaram à construção das estradas de rodagens no interior do estado norte-rio-grandense, durante o início do século XX. Fechando o dossiê, Alexandre de Brito Alves analisa o trabalho de pesca e comercialização de caranguejos no interior do Pará, no artigo “É o jeito vender’: coletores, marreteiros e o trabalho no manguezal em Bacuriteua (Pará – Brasil, 1975- 2010)”. Os conflitos entre os que pescam (coletores) e os que vendem (marreteiros) o caranguejo-uçá nesta região é uma importante fonte para a reflexão sobre o trabalho nos territórios dos manguezais, ecossistema predominante desta região.

Os artigos apresentados atravessam vários pontos da relação cultura e território com a expectativa de fomentar essa discussão temática e aprimorar a nossa compreensão de como tal articulação, na contemporaneidade, reflete nas esferas social, simbólica e espacial. Esperamos que essas leituras agucem a produção científica de novos estudos e inspirem outras reflexões que tragam elementos motivadores para a discussão das culturas do território e dos territórios da cultura.

Nota

1. HAESBAERT, R. “Território e multiterritorialidade: um debate”. GEOgraphia. Vol. 9, nº 17 (2007) e Little, P. “Espaço e memória: estabelecendo o território”. Textos de história. N 4. Brasília: Editora da UnB, 1994, pp-06- 25.

Dernival Venâncio Ramos Júnior – Doutor em História pela Universidade de Brasília (UNB); docente da Universidade Federal do Tocantins (UFT) E-mail: [email protected]

Plábio Marcos Martins Desiderio – Doutor em Comunicação pela Universidade de Brasília (UNB); docente da Universidade Federal do Tocantins (UFT). E-mail: [email protected]

Rosária Helena Ruiz Nakashima – Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP); docente da Universidade Federal do Tocantins (UFT). E-mail: [email protected]


RAMOS JÚNIOR, Dernival Venâncio; DESIDERIO, Plábio Marcos Martins; NAKASHIMA, Rosária Helena Ruiz. Editorial. Revista de História da UEG, Morrinhos – GO, v.4, n.2, ago / dez, 2015. Acessar publicação original [DR]

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