História Quantitativa e Serial / Locus – Revista de História / 2008

No ano de 2000, articulou-se no âmbito da Associação Nacional de História (ANPUH) a constituição do Grupo de Trabalho de História Quantitativa e Serial. O GT tinha por objetivo promover a discussão sobre o uso de metodologias quantitativas na História em seus diferentes campos de investigação, como a História Econômica, História Demográfica História Social e História Política. Buscava-se, naquele momento, intensificar os contatos interdisciplinares da História, especialmente junto à Estatística, à Demografia, à Economia, à Ciência Política e à Sociologia. Exatamente com o intuito de iniciar as atividades do GT, realizou-se, entre os dias 30 de novembro e 1º de dezembro de 2000, nas dependências do Grande Hotel de Ouro Preto, o I Seminário de História Quantitativa e Serial. O Seminário viabilizou-se graças à parceria entre a Rede-IPEA, a ANPUH – Núcleo Regional de Minas Gerais, a Universidade Federal de Ouro Preto e a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. O objetivo do evento foi o de apresentar, em quatro sessões temáticas, pesquisas que estivessem empregando ou metodologias quantitativas ou fontes seriadas. O formato proposto pretendeu tornar visível a produção mais recente em cada um dos temas selecionados, mostrando suas articulações com a produção bibliográfica e com os avanços metodológicos da área. Paralelamente, objetivou-se colocar em contato pesquisadores com formações distintas e em diferentes estágios de formação profissional, a fim de permitir o surgimento de parcerias que pudessem tornar-se fecundas. O resultado deste primeiro encontro foi o livro História Quantitativa e Serial no Brasil: um balanço (Goiânia: ANPUH-MG, 2001).

Em 2003 foi levada a efeito a segunda edição do Seminário, com o mesmo formato, em Belo Horizonte, na PUC-MG.

A edição dos textos neste dossiê temático tem origem numa perspectiva e formato algo diferente: considera-se propício o momento para iniciar um balanço da produção histórica mais diretamente vinculada às metodologias quantitativas. Advirta-se, porém, que não se trata de uma reunião para se proceder apenas a um balanço historiográfico, mas sim, passar em revista o emprego mesmo das metodologias quantitativas e / ou fontes seriadas, e, neste particular, com certa ênfase nos abusos.

Este formato foi em grande medida uma resposta a uma demanda crescente de alunos de graduação e de pós-graduação interessados em desenvolver pesquisas e dispor de referências teóricas para os avanços mais recentes neste campo. Talvez a resposta mais contundente a esta demanda seja o fato de conseguirmos reunir um grupo de pesquisadores de diferentes instituições do país e do exterior que há algum já vinham se debruçando exatamente sobre o tema central da edição ora proposta.

Esperamos estar com isto contribuindo para a difusão da História Quantitativa e Serial entre nós e, em conseqüência, para a construção de bases consistentes para um debate em torno dos usos – e melhor, talvez – dos abusos que dela se podem fazer.

Abre o dossiê o texto de Iraci del Nero da Costa, em que expõe sua opinião sobre algumas das feições e funções assumidas pela ciência da História no correr do tempo: de simples registro de feitos relevantes passou a desenvolver sua atribuição “revolucionária” na medida em que operou de sorte a revelar à humanidade suas potencialidades em termos de construção consciente de seu futuro.

Richard Graham dá um excelente testemunho de sua experiência com as cifras. O autor salienta o dilema enfrentado por aqueles que, diante da escassez de dados numéricos, tem como objeto de estudo épocas em que a quantificação não era tão comum como hoje: deve-se procurar dados para responder a uma questão, ou seria melhor descobrir primeiro as fontes quantitativas e, então, considerar a que questão os dados poderiam responder? O autor examina as duas alternativas, usando como exemplos, num caso, aspectos da história da família escrava, e noutro, a necessidade de avaliar valores nos inventários post mortem através de várias décadas de inflação.

Já Heitor Pinto de Moura Filho discute os elementos de análise trazidos à tona pela informação quantitativa na História identifica, assim como seus contextos, e chamando à discussão certas dificuldades na interpretação às vezes esquecidas pelos historiadores quando procedem a suas análises a partir de números.

Luiz Paulo Ferreira Nogueról faz uma incursão no campo da História Econômica Institucional e da Cliometria, escolas que propiciaram os principais caminhos para pensar a História Econômica nas academias. O autor apresenta alguns dos fundamentos teóricos de ambas, bem como suas origens e limitações.

Em seu artigo, Carlos de Almeida Prado Bacellar aponta para a necessidade de uma crítica cuidadosa das listas nominativas de habitantes, que geralmente têm sido tratadas com um certo descuido metodológico. Embora constituam um conjunto documental inestimável, principalmente para a capitania de São Paulo, tais fontes devem ser entendidas dentro do contexto da administração portuguesa da época, que impunha recortes explícitos e implícitos no processo de elaboração dessas extensas listagens, com resultados instigantes e de qualidade bastante heterogênea.

Afonso Alencastro Graça, Fábio Carlos Vieira Pinto e Carlos de Oliveira Malaquias discutem os resultados a partir do uso de fontes quantitativas e seriais para os estudos acerca das famílias escravas, mas chamando a atenção para as vantagens do uso da análise comparativa entre as informações contidas em fundos documentais diversos, tais como os inventários post-mortem, listas censitárias e registros paroquiais de batismos e casamentos.

A análise da desigualdade social no Brasil do século XIX com base nas listas nominativas de habitantes da década de 1830 é o tema do artigo de Tarcísio Botelho. O autor emprega o sistema de codificação de ocupações denominado HISCO e aplica uma proposta de classificação a partir da declaração de ocupações.

Por fim, Angelo Alves Carrara sistematiza algumas questões de método relativas à construção de séries de preços, com especial atenção para as possibilidades de estabelecimento de um fator de conversão tanto algumas moedas estrangeiras do período.

Completam este número mais três artigos. Em Complexo Cafeeiro e Estrutura Financeira: Uma Observação sobre a Economia da Zona da Mata de Minas Gerais (1889 / 1930), Anderson Pires busca demonstrar a existência de uma estrutura financeira própria na economia agroexportadora que se desenvolveu na Zona da Mata de Minas a partir de meados do século XIX, destacando o potencial de internalização dos recursos financeiros associados ao funcionamento do mercado nos núcleos urbanos da economia da região. Já Marco Antônio Lopes, em Contra o Direito Divino, focaliza o olhar voltairiano sobre a figura do rei e o espaço de sua atuação na esfera política, de modo a demonstrar que um conjunto significativo da obra literária do autor de Candide esclarece mais sobre as questões relacionadas à história e à política que muitos dos textos que ele escreveu no espírito de historiador. Diogo da Silva Roiz e Jonas Rafael dos Santos analisam algumas das características contidas nos resumos apresentados nas reuniões anuais da SBPC, em A História e a pesquisa histórica na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A revista encerra-se com a resenha de Flávia Franchini, O Araguaia pelos Militares: Imaginários e Barbáries, sobre o livro A Lei da Selva: Estratégias, Imaginário e Discurso dos Militares Sobre a Guerrilha do Araguaia, de Hugo Studart.

Boa leitura

Angelo Alves Carrara

Ignacio Godinho Delgado

Organizadores do volume


CARRARA, Angelo Alves; DELGADO, Ignacio Godinho. Apresentação. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.14, n.1, 2008. Acessar publicação original [DR]

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Dimensões da política na História – Estado, Nação, Império / Locus – Revista de História / 2007

Neste número, Locus – Revista de História dá continuidade à publicação de dossiês temáticos e abre espaço para a publicação dos textos apresentados no I Seminário Dimensões da Política na História: Estado, Nação, Império, realizado na UFJF entre 22 e 24 de maio de 2007. Com origem numa iniciativa do programa de pós-graduação desta universidade, em conjunto com seu Núcleo de Estudos em História Social da Política, os trabalhos resultantes deste seminário e aqui publicados retratam um pouco da renovação e da diversidade de um campo de discussões que vem se consolidando e se ampliando nos últimos anos.

O trabalho de Gladys Sabina Ribeiro, proferido como conferência de abertura do evento, focaliza os processos de construção da cidadania e da identidade nacional dialogando com contribuições historiográficas de diferentes linhagens, as quais convergem, em seu texto, para uma abordagem profundamente enraizada na tradição da história social, que substitui a imagem de um Estado demiurgo atuando na formação da nação por uma pluralidade de sujeitos sociais, com necessidades específicas, a partir das quais vão ganhando sentido os conceitos políticos em circulação.

Nesse mesmo sentido, a maneira como as estruturas políticas vão se definindo em consonância com a necessidade de lidar com demandas sociais é o que encontramos nos textos de Andréa Slemian e de Silvana Mota Barbosa. No primeiro, o período compreendido entre a Independência e o Ato Adicional é analisado sob o prisma da institucionalização dos canais de representação política, num processo que conduziria à hegemonia da moderação e ao fechamento das vias legais ao radicalismo. No segundo, a clássica interpretação de Ilmar Rohloff de Mattos sobre a construção do Estado imperial é o ponto de partida para uma reflexão a respeito do caráter assumido pelo parlamentarismo brasileiro no século XIX, demonstrando que, muito além do que possa ser visto como uma instituição lacunar ou imperfeita, encontra-se a relação hierarquizada entre os grupos políticos em disputa.

Da definição da política em seu nível institucional passamos às suas práticas sociais com os trabalhos de Jefferson Cano e Maria Fernanda Vieira Martins. Esta última investiga a trajetória política de um indivíduo reconstruindo as redes sociais em que ele se inseria e mostrando como essas redes podiam definir interesses que, em última análise, se sobrepunham a outras formas de identificação política, como os campos partidários. Já o artigo de Jefferson Cano se detém sobre a construção das identidades políticas, e dos próprios campos partidários, como um processo que ocorre na interação de grupos sociais em torno de questões cujos significados extrapolam os projetos que disputam espaço nas instâncias políticas institucionalizadas.

Por fim, a maneira como se dá a politização de diferentes espaços da sociedade por diferentes sujeitos é o problema que surge nos textos de Elciene Azevedo, Ronaldo Pereira de Jesus e Marco Antonio Cabral dos Santos. No artigo de Elciene Azevedo, esse problema é tratado a partir da atuação do abolicionista Antonio Bento como magistrado, que, ao mover-se nas margens das normas legais, transformava os tribunais numa arena dentro da qual desenrolavam-se os embates em que se testavam as estratégias de construção da liberdade por dentro do direito escravista. Ronaldo Pereira de Jesus enfoca a problemática do associativismo numa abordagem que busca cruzar a experiência dos trabalhadores livres do Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX com a crise das políticas de dominação paternalista que marcaram as últimas duas décadas da história da escravidão. O estudo de Marco Antonio Cabral dos Santos sobre a polícia paulistana do início do século XX mostra como um projeto modernizador, no qual se inseria o controle de uma crescente população trabalhadora por parte do aparato policial, via-se condicionado pelos limites que seus próprios agentes lhe impunham, buscando garantir o cumprimento da lei por meio de práticas muitas vezes arbitrárias, e decisivas para a definição de cidadania naqueles primeiros momentos de vida republicana.

Dessa maneira, delineia-se, em meio a diferentes recortes temáticos e temporais, por meio de diferentes procedimentos metodológicos e diálogos historiográficos, o eixo de uma problemática comum que estrutura as discussões realizadas nesse seminário, e que busca perceber os múltiplos sujeitos sociais que atuam junto aos diversos espaços institucionais da vida pública.

Sirva este dossiê como um convite para futuras reflexões, e que a diversidade e a renovação constantes continuem ditando os caminhos da ampliação dessa área de estudos.

O presente número da Locus inclui, ainda, mais dois artigos, além dos que compõem o dossiê Dimensões da Política na História. Em Ode a Salvador Dalí e O mel é mais doce que o sangue, Ângela Brandão analisa um período específico da produção poética de Federico García Lorca e da obra pictórica de Salvador Dalí, por meio da interseção das duas biografias, com ênfase em um poema de Lorca: Ode a Salvador Dalí, e um quadro: O mel é mais doce que o sangue. A partir daí, desvenda alguns dos tantos elementos simbólicos já presentes nas origens do surrealismo nas obras do pintor e do poeta.

José D’Assunção Barros busca elaborar uma visão panorâmica sobre a História das Idéias, apresentada em suas relações dialógicas com a História Cultural, a História Política e outras modalidades historiográficas, em História das Idéias – em torno de um domínio historiográfico. São discutidos alguns conceitos envolvidos na perspectiva da História Cultural e da História das Idéias, a partir de uma produção historiográfica diversificada que se desenvolveu ao longo do século XX.

Por fim, Lucilha de Oliveira Magalhães resenha a obra Introdução ao pensamento de Bakhtin, de José Luiz de Fiorin.

Boa leitura!

Alexandre Mansur Barata

Ignacio Godinho Delgado

Jefferson Cano

Silvana Mota Barbosa

Organizadores do volume.


BARATA, Alexandre Mansur; DELGADO, Ignacio Godinho; CANO, Jefferson; BARBOSA, Silvana Mota. Apresentação. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.13, n.1, 2007. Acessar publicação original [DR]

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