O Império e as Províncias: configurações do estado nacional brasileiro no século XIX / Outros Tempos / 2019

Caro leitor, a nova edição da Revista Outros Tempos apresenta o Dossiê O Império e as Províncias: configurações do estado nacional brasileiro no século XIX. Ao convidar estudiosos dos Oitocentos para a reflexão sobre a diversidade de questões compreendidas por essa temática, apontamos para algumas possibilidades, como: a história dos mecanismos jurídicos, fiscais e militares e sua configuração nas províncias; as expressões políticas no campo doutrinário e os embates do espaço público, como a imprensa da Corte e das províncias; as expressões literárias e artísticas, e a pluralidade de identidades políticas coletivas que engendram.

Quanto aos pontos de observação dessas questões, também propusemos olhares múltiplos: do centro político em sua percepção sobre as províncias, a visão a partir de uma província em particular, ou uma determinada articulação entre elites provinciais, sem esquecer as perspectivas comparadas e / ou de história conectada que permitam pensar a problemática no plano do continente americano e dos debates europeus coevos.

O resultado foi uma grata surpresa. Sobre as províncias, representadas por Maranhão, Minas Gerais, Pernambuco e Rio Grande do Sul, recebemos contribuições que preservaram / ampliaram as abordagens propostas inicialmente pelo Dossiê.

Em relação ao Maranhão, as abordagens variaram entre a recuperação de trajetórias individuais (Luisa Moraes Silva Cutrim – “Massa de brasileiros transatlânticos”: a reinserção do negociante Antonio José Meirelles no Maranhão pós-independência (1825-1831)), a análise da atuação de órgãos provinciais, como o Conselho Presidial (Raissa Gabrielle Vieira Cirino – “Vigiar a ordem pública em conformidade das leis”: trabalhos do Conselho de Presidência do Maranhão nos primeiros anos do Brasil Império (1825-1829)) e de grupos políticos radicados na província (Yuri Costa – Escalas de poder: grupos políticos no Maranhão oitocentista e sua relação com a Corte do Império).

Sobre a província de Minas Gerais, as contribuições também gravitaram entre a recuperação de trajetórias (Luciano Mendes de Faria Filho e Dalvit Greiner de Paula – Do Conselho da Província à Assembleia Geral: os homens e as ideias em torno de Bernardo Pereira de Vasconcelos (1795-1850)) e a atuação de órgãos provinciais, desta feita, a Assembleia Legislativa (Kelly Eleutério Machado Oliveira – As províncias do Império: a Assembleia Legislativa de Minas Gerais e o regresso conservador (1835-1842)).

Outros grupos políticos também foram contemplados nesse Dossiê. Em primeiro plano, como no caso de Pernambuco (Paulo Henrique Fontes Cadena – A divisão do poder. Pedro de Araújo Lima, os irmãos Cavalcanti de Albuquerque e os Rego Barros entre Pernambuco e o Centro no Século XIX), ou em torno de temáticas que despertavam interesses e conflitos de grandes dimensões, como a questão da propriedade da terra no Rio Grande do Sul (Cristiano Luís Christillino – Mosquetes, penas e muita negociação: a aplicação da Lei de Terras na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul).

Em todos esses artigos, de modos distintos, esteve presente a articulação entre as províncias e a corte, perspectiva acrescida por uma análise dessa relação sob o ponto de vista da administração do Império (Andréa Slemian – Pelos “negócios da província”: apontamentos sobre o governo e a administração no Império do Brasil (1822-1834)).

O Dossiê conta ainda com perspectivas comparadas e conexões que contemplam outros espaços, para além do território que se conformava como o Império do Brasil. Uma “mirada transnacional” conectou interesses das províncias brasileiras e Guerra Civil nos Estados Unidos (Juliana Jardim de Oliveira e Oliveira – Interesses provinciais no Brasil nos anos da Guerra Civil norte-americana: uma mirada transnacional sobre relações entre o império e as províncias); noutra perspectiva, tomamos contato com a construção do estado nacional no México (Rodrigo Moreno Gutiérrez – Provincias, reinos, estados e imperio: El problema de la articulación territorial de la Nueva España a la República Federal Mexicana).

Além dos artigos, o Dossiê brinda o leitor com uma entrevista de Miriam Dolhnikoff a Wilma Peres Costa. Referência para as discussões que inspiraram a proposição desse Dossiê, a autora também participa dessa edição por intermédio da resenha de uma de suas recentes publicações: História do Brasil Império, Contexto, 2017, por Edyene Moraes dos Santos. Outra resenha, também articulada ao debate aqui proposto, é do livro de Marco Morel: A Revolução do Haiti e o Brasil escravista: o que não deve ser dito, Paco Editorial, 2017, por Bruno da Fonseca Miranda.

O Dossiê conta ainda com um estudo de caso, centrado na tensão entre liberdade de expressão / imprensa e as formas de controle e repressão na década de 1820 / 1830 (Roni César Andrade de Araújo – Um processo de jornalismo à época da Independência: Maranhão, 1829- 1832). Cabe lembrar que a imprensa caracterizou-se como elemento-chave nesse processo de construção de espaços públicos de representação política, que transparecem, invariavelmente, nas pesquisas que compõem esse Dossiê.

Apresentamos ainda quatro artigos livres, situados em espaços-tempos distintos do século XX, eventualmente conectados, como na proposta que articula Revolução Russa e imprensa anarquista no Brasil (Leandro Ribeiro Gomes – Revolução Russa no Brasil: o imaginário e cultura política da imprensa anarquista (1917)). Outras aproximações, agora entre campos de estudo, são apresentadas em artigo sobre relações inter-raciais e racismo em Luanda, a partir do diálogo entre história e literatura (Washington Santos Nascimento – O casamento do preto Marajá com a branca Arlete: relações amorosas e racismo em “Os discursos do Mestre Tamoda” de Uanhenga Xitu). A questão racial é também tema de outro artigo, centrado na trajetória do intelectual brasileiro Clóvis Moura (José Maria Vieira de Andrade – Os dilemas de um intelectual “transitivo”: Clóvis Moura e a constituição de uma rede de sociabilidade antirracista no Brasil). Por fim, apresentamos artigo centrado na relação entre organizações empresariais e trabalhadores da construção civil durante a ditadura civil-militar (Pedro Henrique Pedreira Campos – Ditadura e classes sociais no Brasil: as organizações empresariais e de trabalhadores da indústria da construção durante o regime civil-militar (1964-1988)).

Assim, chegamos ao 16º ano e a 27ª edição. Boa leitura a todos!

Marcelo Cheche Galves

Wilma Peres Costa

(ORGANIZADORES)


GALVES, Marcelo Cheche; COSTA, Wilma Peres. Apresentação. Outros Tempos, Maranhão, v. 16, n. 27, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Monarquia, Império e Política Popular na Era Atlântica das Revoluções / Varia História / 2019

É sabido que em diferentes cenários de todo o mundo atlântico as classes populares se mobilizaram em defesa da monarquia durante a chamada “era das revoluções”. Sua presença foi generalizada e influente nos intensos confrontos na Europa e nas Américas, quando as bases do poder dos monarcas europeus foram contestadas por meio de guerras internas e externas. Falando coloquialmente, os monarquistas, tanto populares quanto da elite, eram os bandidos que personificavam os obstáculos sociais e ideológicos na história universal da revolução e da modernidade.

Nas últimas duas décadas, historiadores da América Latina, Europa e Estados Unidos redescobriram esse fenômeno e o reexaminaram sob as lentes da nova história política. Mais recentemente, os estudiosos começaram a criar comunidades em torno do tema do realismo popular , às vezes com base em profundas tradições historiográficas e outras vezes experimentalmente. Por profundas tradições historiográficas, refiro-me particularmente aos estudos de contra-revolução e restauração na Europa que abundam e constituem um dos pilares das histórias nacionais em lugares como a Espanha ou a França. Mais experimental na abordagem foi a conferência que co-organizei com Clément Thibaud em 2016 na Universidade de Yale sobre o tema do Realismo Popular no Mundo Atlântico Revolucionário. De fato, foi sem precedentes (que eu saiba) que estudiosos com foco na história da África, Europa e Américas se reuniram para compartilhar e debater seu trabalho, o que ilustrou a gama de opções e escolhas políticas disponíveis para setores populares no Atlântico revolucionário, como povos nativos e afrodescendentes, camponeses e artesãos. Nesse diálogo produtivo, investigamos as maneiras pelas quais conceitos como liberdade e cidadania foram centrais para o engajamento popular com as instituições monárquicas e a política durante o século XIX. [1] Os sete artigos incluídos neste dossiê evoluíram a partir de apresentações naquela conferência e ilustram as abordagens variadas, bem como os múltiplos casos, que enriquecem nossa compreensão atual do realismo popularem um quadro atlântico. O dossiê, portanto, é uma porta de entrada para o emergente campo de estudos sobre o monarquismo popular e um reflexo do potencial do tema quando explorado em uma perspectiva comparada.

Histórica e historiograficamente falando, é claro, o assunto do monarquismo não é novo. Como personagens nas histórias nacionais, e na história da revolução mais amplamente, os monarquistas das elites foram naturalmente entendidos como representantes de setores conservadores cujos interesses se alinhavam claramente com o regime sob ataque. Além disso, é inquestionável que as elites monarquistas contavam com o apoio de grupos populares, que se mobilizavam formalmente em milícias ou como guerrilheiros que agiam em prol e em nome do rei. Tanto na Europa quanto nas Américas, essa mobilização popular tem sido amplamente explicada como um produto da manipulação ou como reflexo da essência extremamente reacionária das classes populares. Em outras palavras, o realismo popular tem sido, até recentemente,Hamnett, 1978 ; Landavazo, 2001 ; Lynch, 1986 ; 2006; Restrepo, 1827 ; Tilly, 1964 ).

À medida que a história social ganhava força no século XX, os historiadores procuravam dar corpo a uma explicação desse fenômeno histórico do ponto de vista marxista, mas sempre entendendo-o como um paradoxo ( Bonilla; Spalding, 1981 ; Bonilla, 2005 ; Carrera Damas, 1972 ; Craton, 1982 ; Izard, 1979) Essa interpretação foi fundamentada na expectativa de que a ação política popular deve ser associada a seu apelo histórico à revolução. Nesse quadro estrutural, as identidades sociais populares – definidas por uma posição de marginalidade – corresponderiam e deveriam corresponder a interesses políticos revolucionários, anticoloniais ou liberais. Em alguns casos, os historiadores resolveram essa inconsistência argumentando que as alianças monarquistas expressavam uma falsa consciência, a ignorância dos setores populares ou, novamente, suas visões de mundo tradicionalistas inerentes. Ao mesmo tempo, seja a partir dos paradigmas liberais ou marxistas, os historiadores da modernidade produziram interpretações condescendentes dos monarquistas populares. Também aqui, além de ver a lealdade dos setores populares à monarquia como um problema que revelava sua irracionalidade,Domínguez, 1980 ; Hobsbawm, 1973 ; Torras, 1976 ).

Isso explica por que, na historiografia europeia, a relevância das histórias do monarquismo popular reside em sua conexão com os estudos sobre as origens do conservadorismo. Ou seja, entende-se que os monarquistas populares foram subsumidos em causas reacionárias, principalmente lideradas por elites conservadoras, apegadas a princípios retrógrados e, consequentemente, prejudiciais às causas liberais e democráticas ( Beneyto, 2001 ; Bianchi; Dupuy, 2006 ; Canal, 2005 ; Comellas , 1953 ; Herrero, 1988 ; Lousada, 1987 ; Martin, 2001 ; Menéndez y Pelayo, 1965-1967 ; Ramón Solans; Rújula López, 2017 ; Rienzo, 2004 ;Rújula López, 1998 ; Solé i Sabaté, 1993 ; Suárez Verdeguer, 1955 ; 1956 ). É também a causa da produção de análises inconsistentes da mobilização popular durante a guerra de independência hispano-americana que associavam o que eram grupos formalmente monarquistas com rebeliões anticoloniais. Isso pode ser visto, por exemplo, nas obras de René D. Arze e José L. Roca que, escrevendo no final dos anos 1980, interpretaram os grupos indígenas que defendiam a monarquia no altiplano andino como precursores da identidade nacional boliviana. Arze e Roca buscavam e viam a emancipação na política das classes dominadas e entendiam a emancipação em termos de política revolucionária ou nacionalista ( Arze, 1987 ; Roca, 1988) Essa associação sugere ainda que, quando os historiadores deram o passo de descobrir a participação popular nas guerras de independência, eles preferiram enfatizar o antagonismo de classe entre as elites e as classes mais baixas, ao mesmo tempo que ignoraram a existência de alianças verticais essenciais para o surgimento de facções monarquistas no século XIX.

Nas últimas três décadas, historiadores do mundo atlântico revisaram as histórias nacionalistas e reformularam a era revolucionária, expandindo os limites geográficos e cronológicos do paradigma palmeriano original, que se concentrava exclusivamente nas revoluções americana e francesa ( Hobsbawm, 1962 ; Klooster, 2009 ; Palmer, 1965) O campo cresceu e evoluiu em várias direções, sendo uma delas a reavaliação da participação dos setores populares nas revoluções e sua relação com a ascensão do republicanismo na Europa e nas Américas. Se a narrativa dominante durante a maior parte do século XX excluiu as classes populares das histórias da revolução, ou independência nos casos americanos, a pesquisa agora levanta questões sobre representações centradas na elite da revolução, independência e formação do Estado. Além disso, ao vincular as mudanças mais amplas resultantes dos processos revolucionários atlânticos à Revolução Haitiana, estudiosos da América Latina demonstraram especialmente que o republicanismo popular era uma opção que refletia o compromisso revolucionário dos setores populares ( Alda, 2002 ;Blanchard, 2008 ; Di Meglio, 2006 ; Guardino, 1996 ; Guarisco, 2003 ; Helg, 2004 ; Lasso, 2007 ; Soux, 2010 ; Thibaud, 2003 ; Townsend, 1998 ; Tutino, 1989 ; Walker, 1999 ).

Mas a questão do apoio popular à monarquia permaneceu inexplorada ou confinada a interpretações esquemáticas duradouras e francamente simplistas ( Earle, 2000 ; Craton, 1982 ; Van Young, 1989 , 2001 ). Nas últimas três décadas, os estudiosos desafiaram a ênfase na irracionalidade intrínseca dos monarquistas populares. Focar em interpretações inovadoras da experiência do monarquismo popular e oferecer um contraponto a esse retrato dos setores monarquistas populares na Era das Revoluções, implica ainda questionar a teleologia revolucionária ( Echeverri, 2016 ; Gutiérrez, 2007 ; Méndez, 2005 ; Saether, 2005 ;Sartorius, 2013 ).

No trabalho sobre o Atlântico Britânico e a Revolução Americana, os estudiosos recuperaram a presença leal e delinearam a interseção vibrante do império e da política na era revolucionária ( Blackstock; O’Gorman, 2014 ; Calloway, 1995 ; Chopra, 2011 ; Frey, 1991 ; Jasanoff, 2008 ; 2010 ; 2011 ; McConville, 2006 ; Nash, 2006 ; Nelson, 2014 ; Norton, 1972 ; O’Shaughnessy, 2013 ; Pybus, 2006 ; Schama, 2006) A Revolução Haitiana tornou-se o foco de muitas pesquisas, porque é um caso que une a França e sua colônia caribenha de São Domingos em uma única revolução atlântica, trazendo também para o primeiro plano questões de escravidão e raça que eram centrais para as mais amplamente definidas. dinâmica revolucionária ( Childs, 2006 ; Dubois, 2004 ; Ferrer, 2012 ; Fischer, 2004) É claro, entretanto, que a Revolução Haitiana exemplifica a impossibilidade de pensar a revolução como um processo linear. Alguns autores descobriram a importância das lealdades monarquistas e dos interesses políticos que as sustentam. Ou seja, os afrodescendentes no Caribe receberam concessões em troca de sua lealdade e, em muitos casos, identificados com estruturas sociais corporativas monárquicas que reconheciam seus interesses coletivos ( Landers, 2010 ; Ogle, 2009 ; Thornton, 1993) Da mesma forma, os estudos radicais emergentes da Espanha, França e América Latina no campo das Revoluções Ibéricas desafiam as histórias nacionalistas, enquanto o constitucionalismo passou a ocupar o primeiro plano nos estudos sobre monarquia e império, rompendo com sua definição como antagônico à revolução, liberalismo, e modernidade ( Adelman, 2010 ; Bellingeri, 2000 ; Berruezo, 1986 ; Breña, 2006 ; Chust, 1999 ; Dym, 2005 ; Echeverri, 2011 ; 2015 ; 2016 ; Guerra, 2000 ; Lorente; Portillo, 2011 ; Morelli, 1997 ; Paquette , 20132015 ; Portillo, 2006 ; Rodríguez, 1999 ; 2006 ). [2]

Esse dossiê fornece mais evidências da transformação no estudo do realismo popular na última década, por meio de sete estudos de casos que abrangem a Europa, o Atlântico britânico, o Brasil e a América espanhola. Como estudos sobre essas regiões, constituem contrapontos e acréscimos importantes a trabalhos sobre o republicanismo popular que se concentraram principalmente no Caribe. Os historiadores da área cujos trabalhos são aqui apresentados acessam o tema por meio de diferentes aspectos – ou portais – e oferecem interpretações variadas. Ainda assim, os distintos cenários, além das diferenças regionais, conceituais e temáticas, evidentemente fornecem elementos fundamentais para comparações. Em primeiro lugar, eles revelam que, embora o monarquismo popular representasse consistentemente uma opção generalizada de ação política, também era diverso e particular, vinculado a aspectos jurídicos, militares, e contextos políticos. Em segundo lugar, tomados em conjunto, os artigos sugerem que a fertilização cruzada entre a história social, cultural e política da Era das Revoluções permitiu aos historiadores da política popular reconhecer que, como uma subjetividade política, o apoio à monarquia é complexo e deve ser analisado cuidadosamente em relação a contextos históricos específicos para dar conta de sua profundidade e características conjunturais. Terceiro, os artigos apresentados aqui também questionam o entendimento de que, ao defender os regimes monárquicos, os monarquistas populares foram marginais a dinâmicas e processos mais amplos de revolução, modernização e formação do Estado na Europa, África, América do Norte e América do Sul. Em vez disso, enquadrando suas ações no contexto das profundas transformações da paisagem política atlântica,Echeverri, 2011 ; 2016 ; Kraay, 2001 ; Paquette, 2013 ; Straka, 2000 ; Schultz, 2001 ).

No primeiro estudo do dossiê que enfoca o período mais antigo, Sergio Serulnikov trata dos usos políticos da figura do monarca na mobilização política dos índios andinos antes da independência (do final do século XVIII a 1809). Para Serulnikov, as prisões conceituais e historiográficas que vinculam o monarquismo ao atraso podem ser questionadas pensando-se criticamente sobre os pressupostos por trás delas. No artigo, ele delineia os entendimentos mais comuns do monarquismo popular na teoria social para, reflexiva e diretamente, abrir uma nova maneira de abordar as relações políticas entre os índios e a coroa na América do Sul. Em vez de estudar esta questão de uma perspectiva materialista, que recorreria ao entendimento estrutural de que as posições sociais devem produzir interesses políticos específicos, sua ênfase em símbolos políticos e dinâmicas políticas mais profundas sugere que o rei era um “significante vazio”. Em vez de ver o monarquismo como um reflexo da ingenuidade dos camponeses indígenas, Serulnikov afirma que suas práticas – reconstruindo essas práticas em seu desenvolvimento contextual dentro da esfera pública – são mais significativas do que declarações formais de lealdade. Seu artigo mostra como a profunda história do engajamento dos índios com a lei (que estava ligada a questões de justiça e direitos) politizou as relações sociais no contexto colonial andino. Serulnikov afirma que suas práticas – reconstruindo essas práticas em seu desenvolvimento contextual dentro da esfera pública – são mais significativas do que declarações formais de lealdade. Seu artigo mostra como a profunda história do engajamento dos índios com a lei (que estava ligada a questões de justiça e direitos) politizou as relações sociais no contexto colonial andino. Serulnikov afirma que suas práticas – reconstruindo essas práticas em seu desenvolvimento contextual dentro da esfera pública – são mais significativas do que declarações formais de lealdade. Seu artigo mostra como a profunda história do engajamento dos índios com a lei (que estava ligada a questões de justiça e direitos) politizou as relações sociais no contexto colonial andino.

O caso fascinante do monarquismo quando os súditos populares se moviam através do Atlântico aparece no artigo de Ruma Chopra no dossiê, onde ela traça a origem da lealdade entre os quilombolas jamaicanos e suas mudanças em diferentes contextos geográficos ao longo do final do século XVIII. O estudo de Chopra analisa o Atlântico britânico e como a busca por liberdade legal estava ligada às estratégias políticas de pessoas que escaparam da escravidão na Jamaica. Os quilombolas da cidade de Trelawney que viviam na parte norte da ilha fizeram alianças com a coroa britânica, ganhando autonomia em troca de sua lealdade e defesa militar do poder colonial e de suas instituições econômicas. Chopra desenvolve esse caso bem conhecido seguindo esses quilombolas da Jamaica à Nova Escócia e depois à Serra Leoa.Jasanoff, 2008 ; 2010 ; 2011 ; Pybus, 2006) Depois que a comunidade quilombola viajou para fora da Jamaica, ela contrasta os interesses e a tomada de decisões dos quilombolas aos dos legalistas negros que defenderam a coroa naquela revolução. Como uma comunidade pré-existente dentro do império, os quilombolas usavam a lealdade ao rei como uma ferramenta política “elástica” para defender seus privilégios em diferentes cenários políticos. No entanto, essa história também envolve uma transformação na linguagem que os quilombolas usavam para reivindicar seus interesses. Quando sua posição como súditos imperiais mudou, eles continuaram a definir sua identidade em relação à sua lealdade. Não que os objetivos dos quilombolas tenham mudado em sua transição da Jamaica para a Nova Escócia e Serra Leoa. Foi a mudança de contexto que disponibilizou novos quadros políticos e institucionais, que deu um novo sentido às suas lutas por autonomia e inclusão. A ênfase analítica de Chopra no artigo está em como os quilombolas instrumentalizaram sua longa história de reconhecimento pela coroa e seu serviço a ela.

Ao longo da costa caribenha de Nova Granada estão duas regiões representativas – Santa Marta e Venezuela – onde indígenas, escravos e afrodescendentes foram decididos defensores da coroa espanhola durante as guerras de independência na América do Sul entre 1809 e 1823. Ambos são ricos casos de compreensão do realismo popular que Steinar Saether e Tomás Straka, respectivamente, tratam neste dossiê. Saether se concentra em uma cidade em Santa Marta onde a coroa recompensou uma autoridade indígena, o cacique Antonio Nuñez, por sua defesa dos territórios contestados sob controle monárquico por meio de ações militares heróicas. Saether interroga os dois lados desse noivado. Em primeiro lugar, ele explora a estrutura da criação de sistemas de recompensas, mostrando que ela estava inserida em uma tradição militar europeia mais profunda. Segundo, ele investiga a interpretação que o próprio cacique Nuñez – e seus seguidores – fizeram das condecorações. Como Serulnikov, Saether sugere ainda que não é possível tirar conclusões de um monarquismo sincero subjacente à ação política e militar entre monarquistas indígenas. Colocando as decorações em um contexto mais amplo de confronto entre as forças republicanas e monarquistas, ele chama esse sistema de recompensas de “uma guerra de símbolos”. Saether mostra até que ponto as decorações buscavam não apenas recompensar a lealdade, mas também garantir a lealdade futura e garantir a obediência. Sua interpretação da perspectiva dos índios é que, para eles, esta foi principalmente uma aliança estratégica. Além disso, ele diz que,

Embora focados em diferentes casos e fontes, Straka e Saether comentam sobre a pouca evidência disponível para obter uma noção exata do que o monarquismo significava para os índios ou afrodescendentes na América do Sul. De fato, Saether afirma que não é possível saber como Nuñez “realmente concebeu o título”. Straka enfrenta o problema metodológico de encontrar referências claras ao entendimento que os grupos monarquistas tinham de conceitos cruciais que evidentemente se engajaram, como coroa, igualdade ou liberdade. Como em Santa Marta, na Venezuela, estudo de caso de Straka, os atores populares reagiram contra a organização experimental entre as elites crioulas que rejeitavam o domínio espanhol. No entanto, a abordagem de Straka ao tema do realismo popular é diferente. Primeiro, em vez de discutir o contexto atlântico de lealdade e recompensas, ele situa seu estudo no contexto local. Ele aponta para o fenômeno massivo do monarquismo popular na Venezuela, um lugar que exemplifica o significado sustentado do apoio popular à monarquia durante as guerras de independência na América espanhola. Em segundo lugar, Straka, como Chopra, também lida com a questão fascinante de como as lealdades das classes populares mudaram com o tempo. O que Straka mostra é que uma questão importante para os historiadores do monarquismo popular no caso venezuelano é a continuidade entre o monarquismo e o liberalismo após a independência ( também trata da questão fascinante de como as lealdades das classes populares mudaram ao longo do tempo. O que Straka mostra é que uma questão importante para os historiadores do monarquismo popular no caso venezuelano é a continuidade entre o monarquismo e o liberalismo após a independência ( também trata da questão fascinante de como as lealdades das classes populares mudaram ao longo do tempo. O que Straka mostra é que uma questão importante para os historiadores do realismo popular no caso venezuelano é a continuidade entre o monarquismo e o liberalismo após a independência (Zahler, 2013 ). Outra contribuição de Straka é sua observação sobre como é preocupante ter tão pouco conhecimento do realismo popular na Venezuela, dada a falta de trabalhos sobre o assunto, apesar de sua inegável importância histórica. [3] E sua interpretação ressoa com o que Serulnikov e Saether sugerem, que os monarquistas populares tinham uma compreensão diferente da monarquia e de sua lealdade do que a institucional. Além disso, destacando a interseção entre a luta pela independência e raça – uma questão que atravessa caracteristicamente a política nas Américas – ele descobre que os objetivos por trás das rebeliões anti-republicanas na Venezuela realmente revelam uma conexão entre democracia e realismo. [4]

Simon Sarlin oferece uma estrutura analítica completa para estudar e comparar diferentes mobilizações monarquistas na Europa durante o período de restaurações monárquicas. Seu trabalho concentra-se em casos de recrutamento voluntário na França, Espanha, Portugal, Estados Papais e Nápoles entre 1815 e 1848. Seu estudo orienta nossas lentes comparativas para novos temas, metodologias e contextos geográficos. Para começar, ao nos levar ao espaço europeu, ele ilustra a existência de uma sólida tradição nos estudos do monarquismo popular, da revolução e da construção do Estado, especialmente na Espanha. Sarlin se propõe a desemaranhar os mecanismos de mobilização que eram elementos processuais ligados ao maciço apoio popular às monarquias. Para traçar os processos que caracterizam cada caso, ele estabelece quatro categorias de análise baseadas em sua perspectiva sociológica: processo de criação, modelos de referência, conexão da constituição sociológica com o compromisso e efeito na estabilidade política. Os regimes que os setores populares defenderam nesses casos são historicamente entendidos como conservadores. A questão então é como desassociar essa categoria generalizante de acordo com a multiplicidade de casos e dinâmicas. Ao contrastar seu estudo com outros que tratam de casos no Caribe e nas Américas espanholas e portuguesas, aliás, fica claro o que está em jogo quando se pensa comparativamente o realismo popular. A relação entre monarquia e sociedade – tanto a elite quanto os setores populares – não é a mesma nos contextos europeu e americano. De certa forma, a natureza dos regimes imperiais refrata a questão da lealdade com implicações distintas. No último, é claro, a revolução está ligada ao anticolonialismo, assim como o realismo. Por outro lado, como Lisly, Kraay e Straka apontam em seus artigos, as distinções raciais e de classe estruturam alianças e interesses monarquistas de maneira diferente.

A perspectiva comparativa embutida no estudo de Sarlin para o contexto europeu também está presente no artigo de Andrea Lisly, no qual ela expande o quadro analítico para o Atlântico português. Lisly reúne os casos de Portugal e do Brasil em sua obra para ilustrar os múltiplos significados do monarquismo para as classes populares naqueles dois ambientes onde, mesmo se dentro de um Atlântico português fortemente conectado, a monarquia representava coisas diferentes no final da década de 1820 e início da década de 1830. De um lado do Atlântico – o Brasil – era uma monarquia constitucional e do outro – Portugal – era uma monarquia absolutista. Ao mostrar que havia uma diferença fundamental (geralmente mal compreendida ou apagada nas fontes primárias e na historiografia) entre a defesa de Pedro I no Brasil como liberal e o realismo associado à figura de Miguel em Portugal, Lisly abraça o realismo popular em todas as suas complexidade. Como é óbvio, também do lado brasileiro a questão era ainda mais complexa na medida em que implicava a opção de defender os laços com o monarca em Portugal, Miguel, como alternativa à monarquia liberal defendida por Pedro I. Lisly enquadra a sua análise aliás, num cuidadoso paralelo com estudos anteriores do “Miguelismo”, cuja abordagem de classe enfatizava os fatores econômicos associados ao apoio popular ao rei português. Esses estudos, ela argumenta, implicavam ainda que por trás dessa participação havia processos de recrutamento forçado.

Somando-se à discussão sobre o importante elemento de múltiplas perspectivas sobre o monarquismo a partir de pontos de vista culturais contrastantes, o artigo de Hendrik Kraay analisa três episódios em que afrodescendentes manifestaram identificação monárquica no Brasil, entre 1832 e 1889. Na leitura de Kraay, os três casos ilustram como os entendimentos populares da monarquia eram radicais e não conservadores como foram, em todos os três casos, geralmente retratados. Kraay estuda as definições afro-brasileiras populares do regime imperial, e sua análise representa um importante contraponto regional aos casos estudados por Saether, Serulnikov e Chopra. Ou seja, é significativo que Kraay não encontre no Brasil as bases institucionais que explicam o realismo indígena nos Andes ou o realismo quilombola no Atlântico britânico. No entanto, as evidências sugerem que o monarquismo constituiu uma opção para os afro-brasileiros expressarem suas demandas políticas. Curiosamente, também, Kraay faz uma abordagem diferente para Serulnikov quando diz que “a compreensão popular da monarquia brasileira … vai além do pragmatismo”. Mostra, aliás, que mais do que subsumir aos interesses das elites monarquistas, no Brasil setores populares “de várias cores” se mobilizaram de forma autônoma. O estudo de Kraay acrescenta outro elemento fascinante a este dossiê: o imaginário popular sobre a monarquia que além de se expressar em rituais cívicos tinha ligações com as eleições de rainhas e reis negros nas irmandades afro-brasileiras. Essas práticas e as relações sociais que elas personificaram e recriaram também estavam ligadas ao catolicismo congolês (Kiddy, 2002 ; Thornton, 1993 ). É importante, também, que no estudo de Kraay vemos um assunto que é igualmente relevante para os outros casos apresentados por todos os autores – especialmente Sarlin – a tensão entre a mobilização autônoma dos grupos populares e o medo das elites de que eles pudessem se expandir em manifestações mais potentes. de poder popular que poderia ser incontrolável e ameaçador. Em outras palavras, o estudo de caso de Kraay enfatiza até que ponto, além de ser um objetivo implícito ou explícito dos monarquistas populares, a autonomia estava em jogo e, com o empoderamento, em muitos casos ela se tornou uma conquista.

Uma visão sintética do trabalho dos autores deste dossiê produz pelo menos quatro conclusões sobre o estado atual do debate. Em primeiro lugar, os estudos continuam a fornecer evidências irrefutáveis ​​sobre a importância da política popular, e especificamente do monarquismo popular, no mundo atlântico durante a Era das Revoluções. Mas eles mostram mais importante que não é suficiente inserir os monarquistas na narrativa da revolução ou independência; esse é apenas o primeiro passo. Na verdade, como já foi mencionado, geralmente há um espaço claro e uma representação dos monarquistas nas narrativas tradicionais que os enquadram como obstáculos anormais, pré-políticos ou reais à modernização. Abordar o “problema” do monarquismo popular requer uma abordagem que busque sua explicação como um tema histórico e, tratado desta forma, é uma lente que transforma a história da revolução e do mundo atlântico. Em segundo lugar, o ponto de partida de todos os artigos do dossiê é que a associação entre adesão à monarquia e contra-revolução – entendida como inerentemente conservadora – precisa ser questionada. Como resposta, esses estudiosos ilustram por que também é relevante reconstruir a compreensão dos monarquistas populares sobre a monarquia ao lado do estudo de seus interesses específicos. Ao mesmo tempo, eles destacam a natureza estratégica da política popular monárquica, especialmente porque ela respondeu ao conflito visível entre as elites. Em outras palavras, eles analisam o monarquismo popular em relação a oportunidades e recompensas. Terceiro, em todos os casos, os autores veem impulsos e consequências radicais – em vez de raciocínio ingênuo e retrógrado.

Em quarto e último lugar, a partir desses diferentes casos e abordagens, podemos ver que um tema tão variado é um ponto de vista particularmente criativo a partir do qual refletir não apenas sobre a especificidade da lealdade popular à monarquia, mas também sobre temas mais amplos, como política popular, revolução e contra-revolução, alianças verticais, religião, colonialismo e história atlântica. A contribuição mais rica deste dossiê é justamente colocar esses artigos lado a lado e, ao fazê-lo, ilustrar por que sob a categoria do realismo reside uma multiplicidade de fenômenos históricos. Na verdade, ao mesmo tempo que o monarquismo popular precisa ser definido para além das categorias maniqueístas, como tradicional / moderno ou liberal / conservador, ele também deve ser explorado em sua multiplicidade social. Os atores sociais que estão englobados no termopopulares são tudo menos homogêneos. As particularidades que os separam principalmente em relação às diferentes localidades, África, América e Europa, são uma dimensão dessa diversidade. O outro associado a ele – especialmente em ambientes coloniais – é a raça, que também permeia as características definidoras de interesses particulares que estão por trás do realismo popular. O dossiê está expandindo os limites do campo, explorando essas complexidades e exibindo a análise do monarquismo em várias camadas: conceitual, geográfica, social e política. Uma mudança de perspectiva que é bem-vinda e que certamente produzirá muitos estudos e percepções mais valiosos.

Notas

  1. A conferência ocorreu de 28 a 29 de outubro de 2016 na Universidade de Yale, financiada pela STARACO, Université de Nantes, Fundo Kempf do Centro MacMillan de Yale e Departamento de História de Yale. Desejo reiterar a atualidade deste dossiê como reflexo da situação de um campo em franca expansão. Prova desse dinamismo é outra conferência recente da qual participei em outubro deste ano (2018) na Universidade del País Vasco em Vitória (Espanha). Esta experiência merece um comentário porque me revelou a existência de uma comunidade profunda e coesa de estudiosos dedicados ao estudo do realismo popular no contexto europeu. As apresentações ilustraram a importância que a história do monarquismo teve e ainda tem para as tradições historiográficas nacionais da França, Espanha e Portugal. Essas histórias são baseadas em experiências que começaram com a Revolução Francesa, se expandiram para a Península Ibérica em 1808 e ganharam novos significados durante a ascensão contenciosa do liberalismo nas décadas de 1830 e 1840. Um tema indubitavelmente significativo do ponto de vista europeu pode ser transformado produtivamente e desvinculado do quadro nacionalista, uma vez que é colocado em conversação comparativa com as histórias do monarquismo popular nas Américas, como vemos neste dossiê.
  2. O capítulo de Andrea Lisly neste dossiê ilustra essa compreensão complexa das monarquias atlânticas e do liberalismo.
  3. Uma exceção é CARRERA DAMAS, 1972.
  4. Straka não se refere à história do liberalismo no império espanhol e na Venezuela, nem durante a crise monárquica (a constituição de Cádiz) nem durante o Triênio Liberal(1820-1823), mas ele olha para o período de formação republicana e pergunta por quê os setores populares monarquistas durante a guerra da independência se voltaram para o liberalismo como uma ideologia que representava seus interesses.

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ECHEVERRI, Marcela. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.35, n.67, jan. / abr., 2019. Acessar publicação original [DR]

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Nas Teias do Império: Poder e Propriedades no Brasil Oitocentista / Cantareira / 2018

Depois de um longo período de descrédito, os estudos em História Política voltaram ao centro dos debates historiográficos. Graças a um importante movimento de renovação ocorrido nas últimas décadas – como a descoberta e utilização de novas fontes e objetos de estudo, assim como de novas abordagens teórico-metodológicas–, pesquisas políticas antes consideradas esgotadas ganharam um novo fôlego. Um exemplo disso são os diversos trabalhos que propõem um novo olhar sobre o processo de construção do Estado e da Nação brasileira ao longo de todo o século XIX, nos mostrando que, apesar de clássico, o tema em questão é ainda um terreno fértil.

Profundamente relacionado ao contexto econômico-social em suas múltiplas facetas, o tradicional estudo das ideias, do pensamento e das práticas políticas foi revolucionado. Tanto as doutrinas – o liberalismo e o conservadorismo –, quanto as disputas partidárias que as materializavam em projetos de governo ganharam novas dimensões ao serem vinculadas às manifestações culturais e religiosas; aos diversos movimentos sociais que demandavam direitos; aos interesses ligados ao escravismo, a posse de terras e a modernização econômica; a preocupação de forjar uma história nacional no qual o progresso e a civilidade fossem possíveis; e a uma ação diplomática que lutava pela manutenção da unidade e das fronteiras políticas brasileiras.

Nesta perspectiva, cremos que os elementos supracitados orbitam em duas grandes temáticas que particularizam o século XIX: a liberdade e a propriedade. Como sabemos, essa centúria foi marcada pela disputa entre duas linguagens políticas – uma ligada ao Antigo Regime e a outra ao Iluminismo. Este embate marcou a construção de uma nova concepção de mundo, a Modernidade, que estava completamente entrelaçada ao surgimento do liberalismo. Impulsionadas por essas novas ideias, várias regiões do mundo iniciaram um processo de transformação de suas estruturas políticas, econômicas e sociais, o que gerou impactos, interpretações e usos variados.

Não à toa, é justamente no decorrer desse mesmo século que a maior parte das ex-colônias americanas iniciaram seu processo de emancipação política e, consequentemente, a construção dos seus Estados e de suas Nações. Segundo Hespanha, alguns elementos aproximam estes diferentes processos, como o surgimento de grandes Estados bem como de suas gestões, que envolviam a administração de grandes territórios, a implantação de uma nova soberania e de uma nova organização da vida política baseada nas ideias de cidadania e de direitos3.

No caso brasileiro não foi diferente. A independência do Brasil e a posterior formação de suas instituições políticas e de seus cidadãos conciliaram as ideias liberais modernas com a persistência de antigas práticas do Antigo Regime. Nesse sentido, apesar do liberalismo ser central em todo este processo, ele foi apropriado e transformado para adaptar-se às características sociais brasileiras, cujas bases eram a escravidão, o patriarcalismo e o clientelismo.

Se tais questões de âmbito político e social demarcaram – e seguem a demarcar – diversos estudos acerca do oitocentos no Brasil, não diferente foram aqueles que alçaram a propriedade como fio-condutor. Terras, escravos e direitos são algumas das assertivas que norteiam as diversas leituras sobre as dimensões da propriedade no país.

Como produto histórico, a propriedade é marcada por diversas percepções e distintas análises, muito embora seja vista, ainda hoje, como algo natural e, consequentemente, a-histórico. Na contramão dessa interpretação estão autores nacionais e estrangeiros que defendem uma acepção mais plural para o conceito e para as experiências históricas a ela vinculadas, consagrando o que pode ser definido como uma História Social das Propriedades.

No exterior, destacam-se as clássicas obras de E. P. Thompson [4] que, atualmente, se somam às ilações de Rui Santos e Rosa Congost [5], como também as da economista Elionor Ostrom [6]. Em relação ao Brasil, verificamos uma gama de historiadores e cientistas sociais que se debruçaram – e debruçam – sobre o tema.

Em O Rural à la gauche, a historiadora Márcia Motta resgatou as principais interpretações da esquerda sobre o mundo rural brasileiro na segunda metade do século XX. De Nelson Werneck Sodré à Maria Yedda Linhares, Motta apresentou quais eram as concepções sobre o campesinato e os latifúndios para os autores e, de forma particular, demonstrou as razões que levaram à criação da linha de História Agrária no país, como também as novas marcas interpretativas que surgiram a partir dela [7].

Estruturado em três grandes blocos, a 28ª. edição da Revista Cantareira é resultado de um conjunto de investigações recebidas de diversas partes do Brasil e do exterior. No dossiê temático, composto por dez artigos, são propostas reflexões sobre o poder e as propriedades no oitocentos, com enfoque nas relações de dominação e de conflito que demarcam este momento da história nacional. Na seção de artigos livres encontramos uma série de trabalhos originais de graduandos e pós-graduandos de diversas instituições do país, complementadas com as transcrições e resenhas submetidas e aprovadas. A entrevista desta edição foi realizada com a Prof.ª. Dr.ª. Márcia Motta, considerada a maior especialista sobre propriedades no Brasil e que coordena, atualmente, o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia História Social das Propriedades e Direitos de Acesso.

O dossiê temático é iniciado pela discussão do artigo, Ânderson Schmitt. Em “Se não cuidarmos em conservar as estâncias, donde e como teremos o necessário para sustentar a guerra?”: as propriedades embargadas durante a Guerra dos Farrapos (1835-1845), o autor analisou o tratamento dado às propriedades rurais durante a Guerra dos Farrapos, entre os anos de 1835 e 1845 no Rio Grande do Sul. Desnudou, a partir da documentação contemporânea ao conflito, a ação dos grupos revoltosos em um contexto de ação restrita. Ainda em relação à atual região do Sul do país escreveu Vinícius de Assis. Baseado em inventários post-mortem e outras fontes, seu artigo intitulado Do porto às casas de sobrado: cultura material e riqueza nos inventários de negociantes (Paranaguá / PR, século XIX) descortinou a materialidade presente no cotidiano dos comerciantes de grosso trato e fazendeiros do Paranaguá.

A freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Bananal foi a região investigada por Jessica Alves. Em Donas e Foreiras: Senhoras proprietárias de escravos e terras na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Bananal de Itaguaí em meados do século XIX, a pesquisadora resgatou a atuação de mulheres proprietárias de terras e escravos nesta localidade, ao demarcar suas estratégias para manutenção ou ampliação de seus patrimônios.

As relações de poder são resgatadas no trabalho de Flávia Darossi. Em “Benefícios reais da Lei de Terras”: uma releitura política com base na experiência do termo de Lages em Santa Catarina, a investigadora esmiuçou a forma como o Estado Imperial adequou o seu projeto centralizador em correspondência com as elites regionais e locais a partir da Lei de Terras. Como forma de sustentar sua hipótese, tomou como objeto de estudo a municipalidade de Lages, Santa Catarina. Eder de Carvalho e Carlos Gileno também desnudam debates característicos do período de consolidação do Estado brasileiro em Poder Moderador e a responsabilidade jurídica e política: polêmica constitucional da segunda metade do século XIX, mas a partir de outra questão chave: a polêmica constitucional que envolvia o Poder Moderador.

Mirian de Cristo, autora de A Elite Imperial do Porto das Caixas: Saquaremas no poder, se preocupou em relatar a influência política e econômica da família Rodrigues Torres na Freguesia de Nossa Senhora Imaculada Conceição do Porto das Caixas, como também no que concerne ao Império brasileiro. Thomaz Leite, posteriormente, sintetizou suas ilações em “Resta só o Brasil; resta o Brasil só!”: A primeira proposta de emancipação do ventre escravo, sua recepção e discussão no Conselho de Estado Imperial (1866-1868). Em seu texto discutiu a liberdade de ventre a partir do projeto escrito pelo conselheiro de Estado Pimenta Bueno e resgatou as querelas que constituíram os debates abolicionistas.

À luz dos embates periodísticos escreveu Ana Elisa Arêdes o artigo Liberdade e acesso à terra: debates acerca da colônia de libertos de Cantagallo, Paraíba do Sul (1882- 1888). Fundamentada na percepção da imprensa como uma ferramenta de luta política, a pesquisadora recuperou o caso da colônia de libertos de Cantagallo, Paraíba do Sul, para destrinchar as diferentes percepções sobre a abolição, manutenção da escravidão e trabalho nas lavouras.

Para finalizar o dossiê contamos com as instigantes contribuições de Pedro Parga e Rachel Lima. Em A experimentação literária de Machado de Assis e o tema da propriedade da terra no XIX, Pedro Parga refletiu sobre a presença temática do conflito de terras e da crítica à visão senhorial sobre a propriedade territorial em duas obras machadianas. Rachel Lima em Senhores, possuidores e outras coisas mais: As múltiplas funções dos proprietários do rural carioca no oitocentos, se preocupou em discutir as diversas funções dos proprietários de terras do rural carioca, especificamente da freguesia de Inhaúma, para demarcar a posição privilegiada que lhes eram outorgadas em virtude dessa variedade de atribuições.

Em conclusão, esperamos que o leitor se beneficie dos diálogos propostos neste dossiê, ao adensar cada dia mais as reflexões que norteiam a questão do poder e das propriedades no oitocentos.

Boa Leitura!

Notas

  1. HESPANHA, Antônio Manuel. “Pequenas repúblicas, grandes estados. Problemas de organização política entre antigo regime e liberalismo” In.: JANCSÓN, István (org.). Brasil: formação do Estado e da Nação. São Paulo: UCITEC; Jundiaí: FAPESP, 2003.
  2. THOMPSON, E. P. Costumes em Comum. São Paulo: Companhia da Letras, 1998; THOMPSON, E. P. Senhores e caçadores: a origem da lei negra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
  3. CONGOST Rosa, Selman, Jorge & Santos, Rui.”Property Rights in Land: institutional innovations, social appropriations, And path dependence. Keynote” in: Presented at the XVIth World Economic History Congress, 9-13 July 2012, Stellenbosch University,South Africa.
  4. OSTROM, Elinor, HESS, Charlotte. “Private and common property rights” In: BOUCKAERT, Boudewijn (ed). Property Law and Economics. Cheltenham, UK / Northampton, MA, USA: NATIONAL BUREAU OF ECONOMIC RESEARCH, 2010; OSTROM, Elinor. Governing the Commons: The Evolution of Institutions for Collective Action. Cambridge University Press, 1990.
  5. MOTTA, Márcia. O Rural à la gauche: campesinato e latifúndio nas interpretações de esquerda (1955-1996). Niterói: EdUFF, 2014. Mais recentemente, no âmbito do INCT-Proprietas, reúnem-se pesquisadores de múltiplas áreas do conhecimento com o objetivo de analisar criticamente a propriedade enquanto instituição social.

Alan Dutra Cardoso – Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História Social na Universidade Federal Fluminense e graduado (bacharelado e licenciado) pela mesma instituição. Desenvolve projeto de pesquisa sob orientação da Profª. Drª. Márcia Maria Menendes Motta, atuando principalmente nos seguintes temas: História Social das Propriedades, Fronteiras Políticas, Segundo Reinado do Brasil Império, República de Nova Granada / República de Colômbia (séc. XIX), Patrimônio material e Educação. Foi intercambista na Universidad del Rosario, Colômbia, sendo contemplado com o Edital Mobilidade para América Latina UFF / DRI 18 / 2013. Integra a Rede Proprietas, hoje INCT – Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia, projeto internacional: História Social das Propriedades e Direitos de Acesso (Disponível em: www.proprietas.com.br). É membro da comissão editorial da Revista Cantareira (www.historia.uff.br / cantareira) e bolsista do CNPq. E-mail: [email protected]

Luaia da Silva Rodrigues – Doutoranda e bolsista Capes pelo programa de Pós-Graduação de História da UFF. Possui graduação e mestrado pela mesma universidade. Especialista em História do Brasil Império, com ênfase nos seguintes temas: regências, Regresso, conservadorismo, liberalismo, Bernardo Pereira de Vasconcelos, identidades e partidos políticos. Atualmente é pesquisadora vinculada aos seguintes laboratórios de pesquisa: CEO, NEMIC e Primeiro reinado em Revisão e professora do pré vestibular social do Estado do Rio de Janeiro (PVS). E-mail: [email protected]


CARDOSO, Alan Dutra; RODRIGUES, Luaia da Silva. Apresentação. Revista Cantareira, Niterói- RJ, n.28, jan / jun, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Dimensões da política na História – Estado, Nação, Império / Locus – Revista de História / 2007

Neste número, Locus – Revista de História dá continuidade à publicação de dossiês temáticos e abre espaço para a publicação dos textos apresentados no I Seminário Dimensões da Política na História: Estado, Nação, Império, realizado na UFJF entre 22 e 24 de maio de 2007. Com origem numa iniciativa do programa de pós-graduação desta universidade, em conjunto com seu Núcleo de Estudos em História Social da Política, os trabalhos resultantes deste seminário e aqui publicados retratam um pouco da renovação e da diversidade de um campo de discussões que vem se consolidando e se ampliando nos últimos anos.

O trabalho de Gladys Sabina Ribeiro, proferido como conferência de abertura do evento, focaliza os processos de construção da cidadania e da identidade nacional dialogando com contribuições historiográficas de diferentes linhagens, as quais convergem, em seu texto, para uma abordagem profundamente enraizada na tradição da história social, que substitui a imagem de um Estado demiurgo atuando na formação da nação por uma pluralidade de sujeitos sociais, com necessidades específicas, a partir das quais vão ganhando sentido os conceitos políticos em circulação.

Nesse mesmo sentido, a maneira como as estruturas políticas vão se definindo em consonância com a necessidade de lidar com demandas sociais é o que encontramos nos textos de Andréa Slemian e de Silvana Mota Barbosa. No primeiro, o período compreendido entre a Independência e o Ato Adicional é analisado sob o prisma da institucionalização dos canais de representação política, num processo que conduziria à hegemonia da moderação e ao fechamento das vias legais ao radicalismo. No segundo, a clássica interpretação de Ilmar Rohloff de Mattos sobre a construção do Estado imperial é o ponto de partida para uma reflexão a respeito do caráter assumido pelo parlamentarismo brasileiro no século XIX, demonstrando que, muito além do que possa ser visto como uma instituição lacunar ou imperfeita, encontra-se a relação hierarquizada entre os grupos políticos em disputa.

Da definição da política em seu nível institucional passamos às suas práticas sociais com os trabalhos de Jefferson Cano e Maria Fernanda Vieira Martins. Esta última investiga a trajetória política de um indivíduo reconstruindo as redes sociais em que ele se inseria e mostrando como essas redes podiam definir interesses que, em última análise, se sobrepunham a outras formas de identificação política, como os campos partidários. Já o artigo de Jefferson Cano se detém sobre a construção das identidades políticas, e dos próprios campos partidários, como um processo que ocorre na interação de grupos sociais em torno de questões cujos significados extrapolam os projetos que disputam espaço nas instâncias políticas institucionalizadas.

Por fim, a maneira como se dá a politização de diferentes espaços da sociedade por diferentes sujeitos é o problema que surge nos textos de Elciene Azevedo, Ronaldo Pereira de Jesus e Marco Antonio Cabral dos Santos. No artigo de Elciene Azevedo, esse problema é tratado a partir da atuação do abolicionista Antonio Bento como magistrado, que, ao mover-se nas margens das normas legais, transformava os tribunais numa arena dentro da qual desenrolavam-se os embates em que se testavam as estratégias de construção da liberdade por dentro do direito escravista. Ronaldo Pereira de Jesus enfoca a problemática do associativismo numa abordagem que busca cruzar a experiência dos trabalhadores livres do Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX com a crise das políticas de dominação paternalista que marcaram as últimas duas décadas da história da escravidão. O estudo de Marco Antonio Cabral dos Santos sobre a polícia paulistana do início do século XX mostra como um projeto modernizador, no qual se inseria o controle de uma crescente população trabalhadora por parte do aparato policial, via-se condicionado pelos limites que seus próprios agentes lhe impunham, buscando garantir o cumprimento da lei por meio de práticas muitas vezes arbitrárias, e decisivas para a definição de cidadania naqueles primeiros momentos de vida republicana.

Dessa maneira, delineia-se, em meio a diferentes recortes temáticos e temporais, por meio de diferentes procedimentos metodológicos e diálogos historiográficos, o eixo de uma problemática comum que estrutura as discussões realizadas nesse seminário, e que busca perceber os múltiplos sujeitos sociais que atuam junto aos diversos espaços institucionais da vida pública.

Sirva este dossiê como um convite para futuras reflexões, e que a diversidade e a renovação constantes continuem ditando os caminhos da ampliação dessa área de estudos.

O presente número da Locus inclui, ainda, mais dois artigos, além dos que compõem o dossiê Dimensões da Política na História. Em Ode a Salvador Dalí e O mel é mais doce que o sangue, Ângela Brandão analisa um período específico da produção poética de Federico García Lorca e da obra pictórica de Salvador Dalí, por meio da interseção das duas biografias, com ênfase em um poema de Lorca: Ode a Salvador Dalí, e um quadro: O mel é mais doce que o sangue. A partir daí, desvenda alguns dos tantos elementos simbólicos já presentes nas origens do surrealismo nas obras do pintor e do poeta.

José D’Assunção Barros busca elaborar uma visão panorâmica sobre a História das Idéias, apresentada em suas relações dialógicas com a História Cultural, a História Política e outras modalidades historiográficas, em História das Idéias – em torno de um domínio historiográfico. São discutidos alguns conceitos envolvidos na perspectiva da História Cultural e da História das Idéias, a partir de uma produção historiográfica diversificada que se desenvolveu ao longo do século XX.

Por fim, Lucilha de Oliveira Magalhães resenha a obra Introdução ao pensamento de Bakhtin, de José Luiz de Fiorin.

Boa leitura!

Alexandre Mansur Barata

Ignacio Godinho Delgado

Jefferson Cano

Silvana Mota Barbosa

Organizadores do volume.


BARATA, Alexandre Mansur; DELGADO, Ignacio Godinho; CANO, Jefferson; BARBOSA, Silvana Mota. Apresentação. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.13, n.1, 2007. Acessar publicação original [DR]

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Guerra, Império e Revolução / Projeto História / 2005

Este número da revista Projeto História atenta às repetições dos desmandos, humilhações e contínuas tragédias humanas, faz um chamamento à reflexão sobre temas que marcam nossos próprios destinos. Guerras, impérios e revoluções nascem de processos sociais contraditórios, que ganham configurações específicas, inusitadas, em suas próprias singularidades. A dominação de grupos sociais sobre outros; os embates político, religioso e étnico; a conquista de domínios territoriais; o gigantismo da subjugação e extermínio de populações civis; a regressão dos direitos sociais dos indivíduos são produtos da interatividade societária, todavia, não são traços perenes e eternos, são, sim, formas transitórias, históricas.

Paul Celan, em Fuga da morte (1952), escreveu que “a morte é um dos mestres da Alemanha seu olho é azul acerta-te com uma bala de chumbo acerta-te em cheio”.1 Adorno, detendo-se sobre essa poética pós-Auschwitz, com indignação e coragem, enfatizou que essa regressividade jamais poderia ser repetida, pois “a barbárie continuará existindo enquanto persistirem no que têm de fundamental as condições que geram esta regressão. É isto que apavora”.2 É possível agir sem ter essa indignação como móvel? É possível criar, educar, poetizar, cantar tendo em mente o que se passou? Mas a barbárie parece não ter fim. O revisionismo atual continua com sua pregação criminosa recheada de inverdades históricas. Pierre Vidal-Naquet arrolou essas concepções negacionistas, relativistas, neonazistas, que se disseminam: a inexistência do genocídio e da câmara de gás; a “solução final” vista como “recuo” ou “expulsão dos judeus para o Leste europeu”; o número de vítimas é bem menor, pois, dizem, há grande número de casos de morte natural; o maior inimigo da humanidade foi Stálin e não Hitler; a Alemanha hitlerista não foi a única responsável da Segunda Guerra Mundial; o genocídio é mero recurso propagandístico judaico e sionista.3

Não nos esqueçamos que as guerras mundiais do século passado foram guerras intercapitalistas. Os potentados imperialistas que conheceram a via sinuosa, tortuosa, retardatária de objetivação do capital tinham como meta uma nova partilha do mundo. Para tal era necessária uma ideologia de guerra, uma ideologia de mobilização nacional – e não importam aqui os nódulos que a sustentam, se montada no darwinismo social, no anti-semitismo, no anticomunismo, no ideal nazista de beleza, na pureza e superioridade da raça, no irracionalismo de todos os matizes –, uma ideologia que pusesse em marcha multidões em nome de um patriotismo visceral que vingasse o extermínio de outros povos.

Mas, nos dias que correm, as atuais guerras, genocídios, torturas e práticas criminosas, como jogos de diversão sexual, como as verificadas nas prisões de Abu Ghraib e Guantánamo, as ocupações de territórios como na guerra do Iraque, são expressões do novo imperialismo ou do domínio do Império, tal como Toni Negri e Michael Hardt tentam conceituar a nova configuração mundial?

Domenico Losurdo tenta problematizar esta nova quadra histórica, retomando as teses leninianas sobre o imperialismo. Tenta responder acerca da natureza dessas intervenções bélicas; seriam, em verdade, imperialistas ou, como quer Michael Hardt, balizadas para tutelar os direitos humanos? Seria a intervenção norte-americana no Iraque uma aposta, por meio da brutal violência, pela defesa intransigente de concretização da democracia para um povo incivilizado? Como explicar que, no momento em que se busca invalidar a categoria do imperialismo, se assiste, ao mesmo tempo, a uma série de operações militares que reforçam a tese leniniana da essencialidade da guerra de talhe imperialista? Losurdo visa, em confronto com o conceito de Império, dos filósofos Negri e Hardt, responder a esta e outras questões: “Por que a derrota do ‘campo socialista’ abriu o caminho, não para o afrouxamento, quanto para um enrijecimento da situação internacional? Por que à Guerra Fria não se seguiu a paz perpétua prometida pelos vencedores, quanto uma série de guerras quentes que parece não ter fim?”.

No mesmo diapasão, Christian Castillo investe contra as teses inscritas em Império. Segundo esse autor, com a persistência do desemprego de massas, da precarização do trabalho, vários autores passaram a discorrer sobre o “fim do trabalho”, a “sociedade pósindustrial” regida pelo “capitalismo cognitivo”, que superaria a teoria marxiana do valor. Com a diminuição crescente do proletariado industrial teria emergido na cena histórica um novo sujeito social: a “multidão” constituída de indivíduos independentes e autônomos. Para essa perspectiva, segundo Castillo, “a atividade cognitiva torna-se o fator essencial de criação de valor, calculando-se este em grande parte por fora dos lugares e do tempo de trabalho”. Com o predomínio do “trabalho imaterial” no mercado globalizado, a cooperação social do “general intellect”, o cérebro se torna, na acepção de Negri, a “máquina útil que cada um de nós carrega em si”. Surge, daí, uma nova configuração da luta social não engendrada por relações contraditórias, dialéticas, mas uma nova alternativa que prescinde da transição. O conceito de “transição” é substituído pelo de “poder constituinte”. Castillo tenta rebater esse “novo antagonismo” a partir da dialética imanente ao sociometabolismo do capital e da determinação do trabalho alienado, visando à compreensão dos verdadeiros limites e potencialidades da categoria social dos trabalhadores.

Márcio Seligmann-Silva nos oferece um competente e rigoroso ensaio sobre o conceito de testemunho em vários registros, todavia, buscando o dialógico entre paradigmas que certa interpretação busca separar, e ele, ao contrário, os integra respeitando suas diferenças. Trata-se, de um lado, do testemunho enquanto testis, que tem como centralidade a visão, e o testemunho como experiência vivida, supertestes, concernente àquele que está na condição de “manter-se no fato”, “como alguém que habita na clausura de um acontecimento extremo que o aproximou da morte”. Na rica seara dos estudos literários e suas ramificações, o autor tece os imbricamentos entre narrativas ficcionais e as ações dispostas no mundo efetivo, valendo-se desses modelos. Os estudos sobre a Shoah e o “testimonio” hispano-americano, entretanto, apontam para a virada de paradigma que vem ocorrendo no campo das artes e da literatura.

Modesto Florenzano apresenta os caminhos do revisionismo na historiografia contemporânea da Revolução Inglesa. Traça um paralelo com a historiografia francesa e examina as confluências e diferenças que apontam para essa “herança conflituosa”. Considera François Furet e Lawrence Stone como as principais figuras desse “embate”, que põe de ponta-cabeça os resultados do conhecimento histórico sobre o processo revolucionário. No caso inglês, desde 1953, Trevor-Roper propiciou outra interpretação acerca da visão de Tawney sobre “a ascensão da gentry”, simplesmente negando sua condição de classe empreendedora e capitalista. Acabava por inverter o caráter e o significado de seu ser revolucionário. Modesto sinaliza que a historiografia conservadora, com referência ao revisionismo francês, vai além, passando a negar a própria existência da revolução. Respondendo às principais questões do debate em solo inglês, o historiador destaca o vigor das análises de Thompson, Christopher Hill, Hobsbawm e Perry Anderson, nessas “batalhas espetaculares”.

Izabel Marson retoma as interpretações históricas de Marx e de Victor Hugo no que tange ao Golpe de Estado de 2 de dezembro de 1851. O contraponto se faz por meio das obras O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte e Napoleão, o pequeno. Golpe de Estado que inaugura pelas armas o II Império francês e dissolve a República Parlamentar. Victor Hugo, que jogara seu prestígio na eleição presidencial de Luis Bonaparte, agora, desiludido, parte para o ataque. Marson resgata a qualidade da narrativa-testemunho, mas aponta para os limites dos princípios e métodos praticados pela historiografia liberal francesa. O dramaturgo francês é levado à inevitável comparação com a grandeza de um, o tio, e a pequenez política e moral do sobrinho, Napoleão III. Do prisma marxiano, é o processo histórico que torna inteligível os movimentos de indivíduos, grupos, classes sociais, nos episódios do 2 de dezembro e seus desdobramentos. No confronto, a narrativa de Victor Hugo elide a complexidade histórico-social, reduzindo as tramas sociais às ações de um indivíduo. “O acontecimento propriamente dito aparece em sua obra como um raio caído de um céu azul”. Por isto, analisando os eventos políticos, Marx especifica como a luta de classes engendrou “as circunstâncias e condições que possibilitaram a uma personagem medíocre e grotesca desempenhar um papel de herói”.

Vera Lucia Vieira, num esforço exemplar, expõe os limites e as possibilidades das constituições burguesas. Enfrentando questões espinhosas das relações entre iluminismo, liberalismo, constitucionalismo e também o fluxo da democracia para formas autocráticas no bojo das lutas de classe, a autora aponta para a determinação ontonegativa da politicidade que perpassa o aparato jurídico da dominação proprietária. Do prisma marxiano, mostra como os passos constitucionais não se separam dos conflitos práticos que se estampam na consolidação conservadora após os processos sociais advindos com as revoluções burguesas. É na própria organização social, em sua disposição assimétrica, que se encontram os pilares que estruturam a base do poder político do capital. E não na busca da inteligência ou vontade políticas. Com as intervenções revolucionárias da classe trabalhadora, os proprietários, em sua resposta contra-revolucionária, sedimentaram seu mando com uma legislação feroz e violenta regrando a mobilização das classes subalternas.

Lincoln Secco apresenta um amplo balanço das configurações do “comunismo histórico”, expressão que denota o papel dos partidos comunistas no poder político de várias formações sociais cuja organização produtiva se estruturou a partir da abolição da propriedade privada dos meios de produção. O autor investiga a complexidade do movimento comunista, desde a revolução russa de 1917, os impasses do drama histórico e da crise advinda com o relatório dos crimes de Stalin revelado no XX Congresso do PCUS em 1956, assim como a ruptura entre URSS e China, em 1961. Passa em exame as revoltas estudantis e populares, como a invasão da Tchecoslováquia, em 1968, os conflitos fronteiriços entre China e URSS, de 1969, assim como o declínio e a estagnação de suas formas produtivas e a crise social aberta no sistema. O historiador fornece um quadro preciso da distribuição das forças comunistas em vários países, não apenas na Europa, mas também na Ásia e na América Latina.

Valério Arcary intenta a crítica da “teoria dos campos progressivos” de Eduard Bernstein. A inflexão da nova teoria política que desanca a filosofia marxiana, jogando-a ao limbo, é aqui desvelada à luz da história. Ponto de confluência com o stalinismo, o revisionismo de Bernstein também opera a naturalização da história e projeta uma catástrofe final. O télos da história é o socialismo democrático. Só que no terreno das reformas graduais, lentas e pacíficas. Valério Arcary dilucida as circunstâncias dessa ideologia, que se despe da necessidade histórica, em tempo de normalidade aparente, e se põe na ruptura com o objetivo final, a estratégia da revolução social. Recorde-se que, para Bernstein, o capitalismo monopolista superara o caos do sistema, as contradições internas do próprio capital. Daí a crítica à dialética hegeliana, as contradições que se resolvem em nova síntese, com suposta (falsa) base teórica de Marx e o alinhamento ao “retorno de Kant”. Uma vez banida a revolução social, o imperativo categórico da liberdade atua como retor moral, como idéia reguladora de atos possíveis, porém jamais atendidos. Daí a teoria da revolução, da luta de classes e do valor-trabalho serem inteiramente descartados. Só é possível a diminuição das desigualdades, ajustes possíveis, por meio da ação parlamentar. Daí que somente com esse “método”– a estratégia gradualista, a defesa da centralidade dos meios sobre os fins e da moral sobre a política revolucionária – o apóstata de Marx vislumbra a democracia como valor universal como paradigma civilizatório do socialismo, a via parlamentar sempre em permanente aperfeiçoamento e progressão.

A seção Entrevista apresenta o ensaísta consagrado, Boris Schnaiderman, que além de ter contemplado nossa “República das letras” com traduções primorosas de clássicos russos como Dostoiévski, Tchekhov, Púchkin, entre outros, e como memorialista e romancista, a tornada clássica Guerra em surdina, dispõe-se mais uma vez a narrar suas experiências sobre a Segunda Guerra Mundial. Ao lembrar daquela “estranha epopéia dos brasileiros”, a combatividade dos nossos soldados da FEB, Boris Schnaiderman, com seu humanismo incontrastável, diz que esperava por um desastre. Porém, “o soldado brasileiro teve uma atuação surpreendente na guerra. Comportou-se muito bem”. Isso se deve ao fato de que “o brasileiro era mais hábil inclusive porque vinha de ambientes mais pobres. Geralmente pessoas originárias de tais circunstâncias têm uma capacidade maior de improvisação”.

A Guerra de Canudos recebe um tratamento crítico que se contrapõe à versão consagrada por Euclídes da Cunha. José Maria de Oliveira Silva examina As prédicas de Antonio Conselheiro e refuta a imputação de elementos messiânicos a milenaristas ao beato. Dessa maneira, o historiador ressalta novas especificidades desse fenômeno histórico, a partir das pregações, como a concepção providencialista da história, a pobreza edificante e o caráter piedoso de A. Conselheiro.

O artigo de Giselda Brito põe à prova algo cristalizado pela análise convencional em nosso país, a saber: o Estado Novo seria o projeto integralista abocanhado por Getulio Vargas. Segundo sua interpretação, o integralismo e o Estado Novo não seriam a mesma coisa. Acentuando traços comuns como o anticomunismo, a crítica à liberal-democracia, a luta de classes, a busca de coesão nacional contra os regionalismos, a necessidade de um Estado forte e intervencionista, por si só, no nível de generalidades abstratas, a analítica convencional acaba por elidir as diferenças, suas especificidades históricas. Destrinçando a natureza do discurso ideológico de Vargas, a autora revela como o bonapartista do entre guerras esmera em atacar os “adeptos de idéias externas”, “os desordeiros e perigosos inimigos” do “destino imortal” da nação. Vargas imputa aos comunistas e integralistas a disseminação de ideologias nefastas que causam instabilidade política.

Em nossos tempos, o casamento do projeto neoconservador americano com a investida política de Bush sob o signo da guerra preventiva, batizada de “Choque e Pavor”, contra o Iraque, faz parte da nova estratégia (ou arquiantiga?) de vingar o modus vivendi da única superpotência mundial para o “resto do mundo”. Afinado com a ideologia neoconservadora do “fim da história” e do triunfo do modus vivendi norte-americano, segundo o qual testemunhamos, na última quadra histórica do século passado – como rezava o ideólogo Francis Fukuyama –, “o fim da História enquanto tal: ou seja, o ponto final da evolução ideológica da humanidade e a universalização da democracia liberal ocidental como forma última de governo humano”. Mas que isso não encubra os propósitos declarados de subjugação e domínio das reservas de petróleo, gás, água, minérios, etc., em especial assegurados para os monopólios norte-americanos. Bem antes do monstruoso ataque às torres gêmeas de 11 de setembro de 2001, por membros do grupo AlQaeda, os neoconservadores como Paul Wolfowitz, Donald Rumsfeld, Francis Fukuyama, entre outros, ainda sob a administração de Bill Clinton, sugeriam o ataque e destronamento de Saddam Hussein. O Oriente se apresenta como esfera de influência, parte anexada ou controlada pela grande potência com seu projeto “hegemônico benevolente”.

Enfocando essas questões, Paulo Edgar-Resende põe a nu a doutrina da guerra preventiva, estabelecendo nexos com a política imperialista do “Destino Manifesto”. Daí a atualidade da interpretação do sociólogo Max Weber ao imputar influências entre a ética protestante e o espírito do capitalismo. Segundo o autor, “a presença tentacular dos Estados Unidos no mundo atual tem justificativa religiosa, expressa na direção de cruzada do eixo do bem contra o eixo do mal”.

O historiador Ettore Quaranta, com fina erudição, examina a influência da tradição grega e do Oriente no que tange ao significado essencial do culto ao soberano. A partir da “Vitória guerreira”, oriunda da epopéia de Alexandre, o autor sinaliza como a cultura grega nutriu o regime da realeza no período helenístico configurando um novo mundo heterogêneo, com os aportes do estoicismo e a divinização real. Projeto História retoma também a problemática da guerra e do poderio romano, a formação e ampliação do imperium. A interpretação de Políbio sobre o império romano é retomada por Breno Sebastiani. Este autor busca compreender, no interior da historiografia polibiana, as conexões íntimas entre a Segunda Guerra Púnica e a Constituição romana desse período e, com isso, o suceder de atos que potencializam o poderio romano. Na visão de Políbio, tanto a guerra como a estrutura constitucional romana são tomadas como causa preponderante de sua política expansionista e domínio militar sobre outros povos.

O protagonismo das mulheres é retomado em nossas páginas por Vanessa Cavalcanti ao tratar da “politização do privado” e do combate aos silêncios da esfera doméstica. A revolução das mulheres tornou-se, de modo irreversível, metro societário que dispõe as potencialidades de novas maneiras de viver por meio dessa conquista do gênero humano. Tematizando tanto experiências pessoais e subjetivas, quanto aquelas da esfera pública, a autora demonstra o papel efetivo das lutas feministas na desconstrução das práticas discursivas que, em tempos de guerra, ressurgem com suas formas virulentas e garras inumanas.

Questionando a concepção habermasiana de “esfera pública”, Giulia Crippa e Marco Antonio de Almeida buscam apreender as relações recíprocas entre mídia, guerra e cultura, a partir da complexidade que aflora na “sociedade de informação”. Confluindo com as reflexões de Rancière, que ampliam a acepção de democracia como “democracia enquanto regime de escrita”, não apenas reduzida ao âmbito da política, os críticos apontam para a constituição de uma opinião pública sem coações, livre e aberta. Com Walter Benjamin, os autores atestam que a malha formada, na modernidade, pela circulação de mercadorias e troca de informações “proporciona o compartilhamento da experiência (Erfahrung) e aciona a possibilidade da narração dessa experiência”. Todavia, como é possível ultrapassar os limites iluministas da concepção habermasiana de espaço público sem a banalização dos grandes temas da experiência humana? Como superar a supremacia ideológica do “pensamento único”, da perspectiva de esquerda, de um modelo único de democracia?

A cobertura do “11 de setembro” da revista Veja aponta para a unilateralidade e posicionamento comprometido ante os métodos imperialistas do “presidente da guerra”. A historiadora Carla Silva mostra que, nas páginas de Veja, não há espaço para o contraditório. Com coragem, a autora, pela crítica imanente, desmonta os preconceitos e argumentos falaciosos, ao mesmo tempo em que revela as ligações entre Bin Laden e a CIA, o apoio dado pelo governo estadunidense a outrora aliados, que se transformaram no “fascismo islâmico”.

Hannah Arendt considera uma “confusão moral” a atribuição de uma culpabilidade coletiva de modo indistinto; enquanto os verdadeiros responsáveis por atos criminosos e inumanos continuam sem ter sequer o mais tênue remorso. Acusava cada “dente da engrenagem”, pessoas que cumpriam funções burocráticas no interior do sistema repressivo. Nos julgamentos do pós-guerra, de indivíduos que praticaram o terror em maciça escala, que se tornaram assassinos de multidões, muitos dos criminosos lesa-humanidade corroboraram a idéia de que “se eu não tivesse feito isso, outra pessoa poderia ter feito e faria”. Há que denunciar aqueles que se valem do “método de cavar buracos gigantescos para enterrar fatos e acontecimentos indesejados”.4

Em tempos de barbárie inaudita – no repor-se de formas de talhe imperialista, com a ocupação de terras alheias, que significa imposição violenta de modos de vida estranhos, com a utilização da guerra preventiva, do assassinato seletivo, do terror sem limites, e de tantas outras formas que dilaceram os indivíduos e suas sociedades –, há que se perguntar, como fez Primo Levi diante do holocausto, a que ponto ficamos reduzidos: “Isto é um homem?”. Isto somos nós? Ou como vozeirava Susan Sontag: é possível ser indiferente diante dos horrores dos genocídios, das ocupações, dos massacres, das violentações que passam diante dos nossos olhos, e não se indignar diante da dor dos outros?

Em tempos tensos, de predomínio do niilismo, numa era de supremacia bélica da grande potência, a decomposição do caráter tem levado ao pessimismo cego e incondicional que não mais acredita em possibilidades humanas mais autênticas. Nessa quadra histórica, com a revolução tecnológica sem precedentes, com o desfazimento do Leste europeu e o prolongamento da utilidade histórica do capital, é premente perguntar se é possível sonhar ainda com uma vida humanamente social, a liberdade da vida cotidiana, da comunidade interativa de indivíduos livres em permanente autoconstrução, na qual, como frisa Marx, “o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos”.5

Notas

1. Cf. Epígrafe (Todesfuge, tradução de Modesto Carone). In: RHODES, R. Mestres da morte. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2003.

2. ADORNO, T. W. Educação e emancipação. São Paulo, Paz e Terra, 1995, p. 119.

3. VIDAL-NAQUET, P. Os assassinos da memória. Campinas, São Paulo, Papirus, 1988, pp. 37-38.

4. ARENDT, H. Responsabilidade e julgamento. São Paulo, Companhia das Letras, 2004, p. 340.

5. MARX, K e ENGELS, F. Manifesto comunista. São Paulo, Boitempo, 1998, p. 59.

Antonio Rago Filho

Editor científico


FILHO RAGO, Antonio. Apresentação. Projeto História, São Paulo, v. 30, 2005. Acessar publicação original [DR]

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