Dinâmica demográficas e estudos de população / Revista Brasileira de História & Ciências Sociais / 2015

No momento em que o mundo assiste a novas ondas migratórias internacionais, o dossiê “Dinâmicas demográficas e estudos de população” abre ao leitor a oportunidade de avaliar esse processo à luz de um estudo sobre as mudanças operadas na legislação argentina dos anos 2004- 2014. Diego Sebastián Crescentino apresenta um panorama histórico do processo de formação discursiva da identidade nacional homogênea, criando o mito do argentino branco-europeu, e assim tornando invisível os demais grupos étnicos. Aponta para a importância das discussões de conceitos que embasam os princípios do multiculturalismo, e convida a uma reflexão quanto a relevância e pertinência de tais políticas no contexto da realidade cultural argentina deste início de século.

Reavaliando um aspecto importante dos estudos populacionais, quer seja, o das relações interpessoais, Alexandre Assis Tomporoski retoma um tema clássico da historiografia como o movimento do Contestado, para nos apresentar uma análise detalhada dos costumes sertanistas ligados ao trabalho, como o pixirum, uma prática indígena conhecida também por muchiron (mutirão) em outras partes do território do país, e que redundou muitas vezes na formação de bairros rurais. Os resultados dessa pesquisa procuram revelar que o conflito não se revestiu pela presença de simples jagunços e fanáticos na região do conflito, mas de homens e mulheres ditos caboclos, que dotadas de profunda racionalidade e solidariedade, lutaram pelo que era seu por direito.

O final do século XIX foi marcado pelo crescimento populacional de inúmeras cidades e vilas, quer na Europa ou América. Londres, Paris, Rio de Janeiro e São Paulo, são alguns exemplos que revelam as preocupações higienistas que emergem na mesma medida que os elevados índices de mortalidade, muitos deles causados pelas grandes epidemias, como de febre amarela, por exemplo, que obrigou os políticos e administradores das cidades a tomarem novas posturas sociais. Assim, Daniel Oliveira nos brinda com um importante estudo que nos mostra a Porto Alegre dos anos 1880 por meio de análise da mortalidade gaúcha em comparação a outros centros de população.

Recuando mais algumas décadas, Ricardo Schmachtenberg passa a estudar duas instituições importantes para entendermos dinâmicas demográficas locais, a família e a Câmara Municipal. A primeira, quer pela sua constituição legal ou não, quer pelo seu tamanho ou composição, sempre nos impõe cuidados. A segunda, uma representação do poder local, representação do poder senhorial dos “homens bons”, foi a primeira instituição política que passou a definir os rumos de cada vila / cidade que nasceu no Brasil desde a fundação da vila de São Vicente em 1532. Assim, avaliar os mecanismos de poder dessas duas instituições por meio de um estudo das relações sociais e de poder que cercaram os homens bons permite entrever a importância dos estudos sobre família, quer no passado como no presente.

A expansão dos estudos sobre as populações no passado brasileiro não apenas abriram a visão para além da casa-grande e da senzala, como permitiram perceber a existência de relações que passaram a desvendar novos grupos sociais, o de livres pobres, muitos dos quais eram oriundos da senzala, outros descendentes de nativos – negros da terra – para usar uma expressão também corrente nos documentos. O fato é que o lugar social de muitos desses livres pobres era marcado pela cor, designados de “pardos”. Assim, Mateus Rezende Andrade a partir de um cuidadoso estudo procura revelar as nuances do processo de empoderamento de pessoas numa sociedade marcada pela estratificação social, utilizando de estratégias que permeavam a conformação de redes sociais promovidas ao longo da vida dessas pessoas em meio aos ritos religiosos do compadrio, ou seja, do parentesco espiritual.

Finalmente, o dossiê é encerrado com um estudo demográfico do distrito de Guaratiba, no Rio de Janeiro, a partir de um mapa populacional de 1797 com muitas informações que foram posteriormente tratadas com o cruzamento de outras fontes documentais com a finalidade de evidenciar o potencial dos estudos de população, e revelando algumas características da população livre e cativa que viveram no passado colonial.

Aos leitores da Revista Brasileira de História e Ciências Sociais o presente dossiê traduz, enfim, a riqueza teórico-metodológica aplicada ao conhecimento histórico, sociológico e demográfico, revelando inúmeras fontes de pesquisa que tem enriquecido as análises contemporâneas sobre o passado e o presente, e permitindo um olhar mais amplo da história latino-americana e suas conexões com o mundo.

Paulo Eduardo Teixeira – Professor Assistente Doutor da UNESP – Marília e vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Historiador, e atualmente coordenador da RED Demografia Histórica e História da População da Associação Latinoamericana de População – ALAP.


TEIXEIRA, Paulo Eduardo. Apresentação. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. Rio Grande, v.7, n. 14, jul. / dez., 2015. Acessar publicação original [DR]

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