História Ambiental e Cultura da Natureza / Varia História / 2008

História ambiental e cultura da natureza. Quais relações se constituem entre tais termos? Entre história e natureza, ambiente e cultura, é possível delinear inúmeras tramas urdidas entre as sociedades humanas, o tempo histórico, a produção cultural da natureza e de suas representações, mas também as condições naturais nas quais o homem continuamente reinventa sua trajetória sobre o planeta.

Privilegiando esse campo de investigação, o volume que o leitor tem em mãos investe-se de significado duplamente especial. Em primeiro lugar, constrói-se em continuidade com dois outros organizados anteriormente. Em 2002, História e Natureza veiculou artigos estimulantes, assim como ocorreu em História Ambiental (feita) na América Latina, de 2005. História ambiental e cultura da natureza visa uma nova incursão à temática, inegavelmente decisiva na pauta historiográfica contemporânea. Em seu conjunto, tais dossiês formam um conjunto de vinte textos assinados por vinte e um autores pertencentes a diferentes instituições do Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Estados Unidos, México e Panamá. Apresentam-se como uma trilogia que merece tornar-se bibliografia obrigatória entre os pesquisadores dedicados ao tema da história ambiental na América Latina.

Em segundo lugar, esta publicação surge no interior das atividades relativas à organização do IV Simpósio da Sociedade Latino-americana e Caribenha de História Ambiental (SOLCHA), entre os dias 28 e 30 de maio de 2008, na Universidade Federal de Minas Gerais. Desde um primeiro encontro no Chile (2003), a sistematização dos esforços em Cuba (2004), a concretização da fundação da SOLCHA em Carmona (2006) e o quarto encontro desses pesquisadores a ser realizado no Brasil, a Varia História tem se oferecido como um rico canal de debate e divulgação de um conhecimento histórico sob a perspectiva ambiental. Atenta às possibilidades do diálogo entre várias disciplinas, assume um caráter pioneiro nos meios acadêmicos brasileiros, incentivando o contato e a troca de conhecimentos entre os pesquisadores de diversos países que têm freqüentado nossas páginas através de seus artigos. Os três dossiês apresentam-se, indiscutivelmente, ligados à trajetória primordial dessa sociedade científica internacional e ao desenvolvimento de um campo relativamente recente do saber histórico.

El papel del derecho en el cambio material y simbólico del paisaje Colombiano1850-1930, de Germán Palacio, é uma análise situada na interface entre a história do direito, o estudo da questão fundiária na Colômbia e a construção histórica das paisagens. Explorando o processo de regulamentação e codificação da propriedade privada da terra, o autor ressalta as dimensões simbólicas do direito na transformação ambiental.

John Soluri, em Consumo de massas, biodiversidade e fitomelhoramento da banana de exportação, 1920 a 1980, apresenta um quadro dinâmico do mercado de bananas e da demanda global de estoques genéticos diversificados, em franca contradição com a homogeneização crescente dos cultivos. Seu artigo evidencia relações entre agricultura, ciência, economia de mercados, e as condições sócio-ambientais no Novo Mundo.

Em A geografia histórico-cultural da Escola de Berkeley: um precursor ao surgimento da história ambiental, Mathewson e Seemann analisam uma tradição de pensamento, inaugurada por Carl Sauer, especialmente afinada à história ambiental contemporânea. Tal corrente combate o pensamento determinista, focaliza o contexto histórico-cultural das paisagens, reinterpreta características das sociedades pré-colombianas e postula a mudança das atitudes e valores das sociedades ocidentais.

Stuart McCook, em Crônica de uma praga anunciada: epidemias agrícolas e história ambiental do café nas Américas, realiza um estudo no qual se evidenciam as possibilidades da abordagem global e transnacional de problemas ambientais. Sem desconsiderar os vários fatores envolvidos na história ambiental do café, as pragas agrícolas apresentam-se como um ponto de vista privilegiado, envolvendo análises sobre agricultura, sociedade, ciência e economia global.

Substantivismo econômico e história florestal da América portuguesa, de Diogo Cabral, traz estimulante reflexão de um jovem pesquisador brasileiro sobre os caminhos abertos pelos diálogos entre a história ambiental, a história econômica (sob uma perspectiva dos atores e das redes de solidariedade social) e uma história social em que a natureza não é apenas uma paisagem geo-bio-física mas também um campo de batalha.

Dora Shellard questiona a naturalização de paisagens fronteiriças, como se nelas não houvesse a marca da interferência cultural de várias populações, legitimando sua ocupação. A partir de relatos de expedições, Descrições de paisagens: construindo vazios humanos e territórios indígenas na capitania de São Paulo ao final do século XVIII dirige-se a um debate contemporâneo sobre a justiça social e equilíbrio ambiental em torno das unidades de conservação e terras indígenas.

Rios e governos no estado do Paraná: pontes, ‘força hidráulica’ e a era das barragens (1853-1940), de Gilmar Arruda, enfoca o processo de transformações presentes nas ações governamentais, assim como nas condições tecnológicas em torno do aproveitamento econômico dos rios. Destaca-se como estudo da construção das pontes e do surgimento da ‘era das barragens’, mesclando abordagens sob as perspectivas da geografia histórica e da história social dos rios.

Espindola e Wendling constroem sua analise na confluência entre a história e a agronomia, discutindo o avanço do capim-colonião sobre as terras antes cobertas pela floresta da região do médio rio Doce. Entre os fatores socioeconômicos e as características biológicas dessa gramínea de origem africana, Elementos biológicos na configuração do território do rio Doce aborda aspectos da interação entre as atividades humanas e o mundo natural.

Enfim, Varia Historia apresenta, orgulhosamente, seu terceiro dossiê dedicado às relações entre a história e a natureza. Ao longo de todos os artigos, o estudo da diversidade social-histórica frente ao meio natural suscita o questionamento de vários mitos aos quais nossas sociedades têm rendido pesados tributos. Nesse sentido, nossa intenção é contribuir para despertar / alimentar uma inquietude positiva e propositiva, na qual nosso pensamento nunca se contente com respostas unívocas.

Belo Horizonte, outono de 2008

Regina Horta Duarte – Organizadora. Departamento História / UFMG. E-mail:
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DUARTE, Regina Horta. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.24, n.39, jan. / jun., 2008. Acessar publicação original [DR]

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História Ambiental (Feita) na América Latina / Varia História / 2005

Este dossiê traz artigos de historiadores que têm se orientado, no tratamento de seus objetos, por novos questionamentos e métodos da chamada História Ambiental. Nos últimos anos, associações e revistas norte-americanas e européias dedicaram-se à formulação de uma perspectiva histórica fundamentada na ênfase das relações entre a sociedade e a natureza. Sensível a tais tendências, a Varia História (em seu número 26 de janeiro de 2002), trouxe um primeiro dossiê sobre História e Natureza. Nele, o artigo do historiador panamenho Guillermo Castro ressaltava vários estudos já realizados sobre a história ambiental da América Latina, mas enfatizava a urgência de uma história a ser feita na América Latina, comprometida com a vida e o bem estar de nossas sociedades. A presente coletânea, cujo título alude ao referido artigo, deseja apresentar alguns trabalhos realizados por pesquisadores do Brasil, Chile, Colômbia, Cuba e México.

Ressaltamos ainda que esse dossiê é publicado no momento em que há uma promissora movimentação de profissionais de vários países em torno da fundação de uma instituição latino-americana de História Ambiental, a partir de grandes esforços coletivos que deram ensejo a um primeiro encontro realizado em Santiago do Chile, em julho de 2003, e a um recente Simpósio em Havana, em outubro de 2004, na qual se lançaram as bases da Sociedad Latinoamericana y Caribeña de Historia Ambiental (SOLCHA). Dentre os historiadores envolvidos, poderíamos citar vários autores participaram no dossiê anterior, História e Natureza (26), e neste que ora apresentamos ao leitor.

Nesse início de milênio, em que a história constitui-se ininterruptamente como uma atividade social de transformação e crítica, a História Ambiental passa a enfrentar indagações sobre seus métodos e seus pressupostos. Frente a esses desafios, se retomarmos a clássica assertiva de Nietzsche sobre a “utilidade dos estudos históricos” – segundo a qual a história servir á à vida ou não terá valor – diríamos que o vigor e a promessa dessa nova perspectiva é o fato de que ela poderá (ainda que não necessariamente, é claro) servir prioritariamente à vida e, mais que à sua mera conservação, ela poderá constituir-se em prol da afirmação de sua abundância.

O estimulante artigo de Enrique Leff oferece uma profícua reflexão metodológica e epistemológica sobre a história ambiental. Na discussão de suas vertentes, apresenta pertinentes questionamentos às análises constituídas como uma mera crônica da destruição, ou ao simplismo presente na atribuição de um caráter ambiental a tudo. Por outro lado, enfatiza o caráter precioso da ontologia antiessencialista possível na perspectiva histórica ambiental, além da positividade presente em seus enfoques prospectivos, fonte de transformação social em direção à sustentabilidade.

Maurício Folchi estuda os efeitos ambientais do processamento de minerais metálicos, exercitando um diálogo interdisciplinar que inclui a história ambiental, a história da técnica e da ciência, a química e a geologia. A análise de tais efeitos busca sua fundamentação na historicidade das relações entre as sociedades e o meio natural. O artigo assume especial interesse para os leitores brasileiros, haja vista a importância das atividades mineradoras em nossa sociedade, em diferentes lugares e variados períodos.

José Augusto Pádua investiga as conexões históricas entre a heran- ça romântica de fins do século XVIII ao XIX e o ecologismo contemporâneo. Apresenta uma visão panorâmica de tradições intelectuais francesas, alemãs, inglesas e americanas, argumentando a necessidade de reconhecer o hibridismo presente na mistura de influências românticas e iluministas. Ao fim, explora obras de alguns autores brasileiros, nas quais identifica uma crítica limitada da civilização, convidando o leitor à continuidade de pesquisas sobre essa temática.

O artigo de Stefania Gallini distingue-se pela elegância da narrativa, a densidade teórica e a propriedade com que a autora envereda-se em diálogos com a geografia, a geologia, a climatologia e a agronomia. Numa visão original e instigante sobre a cafeicultura na Guatemala, apresentanos o quadro complexo de uma perspectiva ambiental histórica em que se mesclam aspectos materiais e culturais. Um dos exemplos do vigor de sua argumentação pode ser localizado na discussão sobre os vulc ões e o que, naquela sociedade, eles representam de ameaça, força sagrada, continuum temporal e fator de fertilidade do solo.

Reinaldo Funes constrói sua análise sobre o avanço das plantações de açúcar no território cubano, na interface entre a perspectiva da história ambiental e da história econômica. Discute as transformações das paisagens, as mudanças das técnicas empregadas e das políticas do Estado em relação aos recursos florestais e sua exploração por particulares. Aborda alguns aspectos da fauna e flora da região e da diminuição da biodiversidade conseqüente do predomínio do projeto econômico agro-exportador.

José L. Franco e José Drummond analisam a trajetória do botânico José Alberto Sampaio (1881-1946), cientista do Museu Nacional. Privilegiando três de suas obras, escritas ente 1926 e 1935, discutem suas posturas pioneiras acerca da proteção à natureza, as relações entre nacionalismo e conservação naqueles anos, a preocupação com a pedagogia do homem brasileiro. Apontam ainda as complexas relações de Sampaio com a comunidade científica e intelectual de seu tempo.

Antes que o leitor siga a desbravar os vários artigos, lembraríamos a reflexão de Arturo Escobar acerca do sonho do desenvolvimentismo que tanto entusiasmou o chamado “terceiro mundo”, e rapidamente mostrouse como verdadeiro pesadelo, com o saldo da produção de maior pobreza, aumento da exploração e opressão e destruição do meio natural. Sem resvalar para uma visão ingênua de uma América Latina depositária de tradições, esse autor acena, entretanto, com o caráter promissor de algumas formas e práticas culturais que não se apresentam como um desenvolvimentismo alternativo, mas como alternativas ao desenvolvimentismo. Nesse sentido, resta-nos o desafio de sermos capazes da “invenção social de novas narrativas, novas formas de pensar e de fazer”.[1] Certamente, esse é também o desafio colocado por uma história ambiental a ser feita por nós.

Belo Horizonte, Verão de 2004 / 2005

Nota

1. Escobar, Arturo. Encountering Development. the making and unmaking of the Third World. New Jersey: Princeton University Press, 1995, p. 20. [ Links ]

Regina Horta Duarte – Organizadora. Departamento História / UFMG. E-mail:
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DUARTE, Regina Horta. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.21, n.33, 2005. Acessar publicação original [DR]

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História e natureza / Varia História / 2002

O presente número da revista Varia Historia conta com um dossiê organizado pela linha de pesquisa Ciência e Cultura na História, da pós-graduação em História da UFMG: “História e Natureza”.

O dossiê traz seis artigos que estabelecem diálogos entre a história e o mundo natural. Este debate, se fez presente há muitas décadas na historiografia – certamente desde os pioneiros dos Annales – encontra-se atualmente revigorado pelos estudos na área de uma nascente História Ambiental.

Os três primeiros artigos focalizam questões teórico-metodológicas de grande pertinência para os historiadores que queiram dedicar-se a esse tipo de abordagem. Em “Por que estudar a história ambiental do Brasil- ensaio temático”, José Augusto Drummond, pesquisador associado do Centro de Desenvolvimento Sustentável (UnB), discute as razões que tornam o Brasil um objeto de estudo invejável no campo da História Ambiental, indicando perspectivas de pesquisa e preciosas indicações comentadas de trabalhos contemporâneos já produzidos, tendo o Brasil como tema. Guillermo Castro, da Universidad de Panamá, autor de “História Ambiental {feita) na América Latina”, debate a relevância e a urgência de se fundar uma discussão latino-americana sobre a sua história ambiental, que tem sido prioritariamente feita com o apoio de instituições econômicas e financeiras de países do Atlântico Norte. Frente às várias conseqüências e limitações decorrentes dessa situação, o autor debate a diferença entre uma história ambiental sobre a América Latina e uma história ambiental latino-americana.

O artigo de Bernardo García Martinez, do Colegio de México, “Fronteiras Pré-Hispânicas e Ocupação da Terra: um traço básico para analisar a história ambiental do México nas épocas colonial e contemporânea”, privilegia questões e impasses na construção de um olhar historiográfico ambiental sobre a história colonial do México. Mostrando a necessidade de um redobrado cuidado na aceitação de generalizações ou paradigmas, recomenda ao historiador que se detenha na variedade e na complexidade dos fenômenos estudados, o que resultará, certamente, em análises mais pertinentes e sofisticadas das relações entre sociedade e natureza.

Christian Brannstrom, professor da Texas A&M University, realiza uma instigante discussão sobre a Mata Atlântica, introduzindo questionamentos sobre esse conceito a partir de uma minuciosa pesquisa nos inventários e processos de divisão e medição de terras no oeste paulista. Constatando a existência de um verdadeiro mosaico de vegetação, introduz um debate epistemológico da base biofísica de estudos histórico-ambientais.

O artigo de José Luiz de Andrade Franco, da União Pioneira de Integração Social (UPIS), “A Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza e a questão da Identidade Nacional”, analisa o pensamento social e as propostas formuladas naquele evento, realizado em 1934, no Rio de Janeiro, evidenciando as conexões entre a questão da proteção da natureza e uma idéia mais ampla de construção da nacionalidade.

Finalmente, no último artigo deste dossiê, Regina Horta Duarte, da UFMG, discute as relações entre homens e animais focalizando dois momentos históricos diferentes, a partir das práticas circenses no Brasil e da utilização dos animais nos espetáculos no artigo “Cavalinhos, leões e outros bichos: o circo e os animais”. A autora visa pontuar a transformação histórica de valores morais e o surgimento de novas sensibilidades, assim como compreender suas condições.

Compõem ainda este número da Varia Historia dois artigos. Em “Os cabeças e as cabeças: quilombos, liderança e degola nas Minas setecentistas”, Carlos Magno Magalhães aborda as hierarquias de poder instituídas no interior dos quilombos em Minas Gerais e as práticas de mutilação utilizadas pela sociedade colonial , expressas na degola e exposição de cabeças em praças públicas, com o objetivo de coibir a fuga de escravos e a formação de quilombos. Giselle Martins Venâncio investiga a relação entre o então editor Monteiro Lobato e o autor Oliveira Vianna em “Da Revista do Brasil ao Brasil em revista: breve análise da trajetória editorial de Oliveira Vianna “. A correspondência trocada entre os dois serve de fio condutor para compreender a consolidação da posição de Vianna no mercado editorial brasileiro e entre a intelectualidade brasileira na primeira metade do século XX.

O presente número contou com o apoio financeiro da Fundep e da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, a quem agradecemos.

Regina Horta Duarte – Organizadora.


DUARTE, Regina Horta. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.18, n.26, jan., 2002. Acessar publicação original [DR]

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