Economia e Política dos Impérios Ibéricos / Faces da História / 2018

Estudos históricos sobre os Estados ibéricos e seus impérios transcontinentais entre os séculos XV e XX contemplam ampla gama de aspectos econômicos, políticos, sociais, culturais e demográficos. Os artigos apresentados no dossiê “Economia e Política dos Impérios Ibéricos” transitam por alguns desses temas, com destaque para a História Econômica e a História Política. Em termos temporais e geográficos, abrangem o Brasil, a Metrópole portuguesa e a possessão africana de Moçambique, entre os séculos XVII e XX. Revelam, ainda, densas pesquisas, fundamentadas em documentação de arquivos e bibliotecas – Arquivo Histórico Ultramarino, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Público Mineiro, Arquivo Público do Estado de São Paulo. Foram perscrutados ofícios e correspondências administrativas, maços de população, atas de câmaras, testamentos, documentos pessoais, contratos de transações comerciais, livros do Santo Ofício, periódicos, enfim, uma grande variedade de fontes com o objetivo de alcançar respostas atinentes às indagações de cada artigo.

Suzana do Nascimento Veiga estuda a religiosidade da quarta geração de mulheres da família Dias-Fernandes, todas levadas ao Tribunal da Inquisição de Lisboa para serem processadas pelo crime de judaísmo. O escopo de seu artigo é destacar o protagonismo das netas de Branca Dias – a matriarca da família – como participantes da resistência de uma forma de judaísmo clandestino relegado ao silêncio.

Sob a perspectiva da História Política, Pedro Henrique de Mello Rabelo analisa as alterações do conceito de soberania na modernidade. Através da repercussão da invasão napoleônica da península ibérica nos artigos de Hipólito José da Costa publicados no jornal Correio Braziliense, destaca a importância desse conceito nos discursos políticos constitucionais do mundo ibero-americano. Questões conceituais também são tema do artigo de Jorge Vinícius Monteiro Vianna. Apoiado em Koselleck, procura identificar os significados do conceito de Independência no periódico Reverbero Constitucional Fluminense, nos anos de 1821 e 1822, inserindo-o na complexidade histórica que permeou o processo de emancipação do Brasil. Victor Hugo Abril realiza um estudo sobre os governadores interinos no Rio de Janeiro, no período de 1680 a 1763, com o objetivo de esquadrinhar a atuação dos governadores coloniais quando a Capitania fluminense transformou-se na capital da América Portuguesa. Esforço necessário, na ótica do autor, para a compreensão da governança colonial e de sua dinâmica. Felipe de Moura Garrido, com o auxílio de um software, que faz representações gráficas das redes sociais a partir de dados compulsados, estuda as estratégias de manutenção de poder das elites na vila de Taubaté, na Capitania de São Paulo, entre 1780-1808, reconstruindo parte da rede social da câmara para perceber os sujeitos com maior participação nas vereanças e os protagonistas nas decisões centrais tomadas nas suas reuniões.

No âmbito da História Econômica, os artigos apresentados exploram a lógica comercial da relação Metrópole-colônia, destacando a organização administrativa do Império, a fiscalidade e a atuação de relevantes sujeitos ligados ao comércio colonial. Mario Francisco Simões Junior analisa as diferentes formas de reflexão e de intervenção econômica dos ministros portugueses durante o século XVIII, particularmente, os Secretários de Estado, destacando a necessidade de ampliação da análise das conjunturas econômicas para a compreensão dos conflitos e das transformações nas políticas econômicas, que delimitaram a conduta dos ministros portugueses. A política fiscal, elemento essencial na exploração colonial, é analisada em dois artigos. André Filippe de Mello e Paiva apresenta as bases da formação do que chama de “Estado Fiscal” na cronologia do Império Português. Parte da análise das estruturas ligadas ao centro do poder para identificar mudanças administrativas relacionadas às novas demandas da expansão ultramarina. Posteriormente, foca “as estruturas da periferia”, para discutir a composição dos órgãos de poder locais. Essas estruturas locais são abordadas por Valter Lenine Fernandes, na Capitania do Rio de Janeiro da primeira metade do século XVIII. O artigo trata das inflexões na economia da região a partir da descoberta das minas de ouro no Brasil, com a imposição da cobrança da dízima da Alfândega sobre todas as mercadorias que entravam no porto do Rio de Janeiro, e realça o descontentamento de homens de negócio que operavam no comércio colonial e dos senhores de engenho, a partir de então, obrigados a pagar esse novo tributo.

Estudos de caso também foram objeto de dois artigos. Thiago Enes utilizou-se da atuação de Francisco José da Silva Capanema, um homem de negócios das Minas Gerais, para discutir a relação entre economia de privilégios e a conversão da acumulação mercantil em status pela régia concessão de mercês e de benefícios em fins do século XVIII. Muito embora o ethos nobiliárquico e o desprezo ao trabalho manual vigorassem, em Portugal e em seus domínios, floresceu vultoso comércio e a consequente ascensão econômica de indivíduos que almejavam conquistar posição social nos antigos padrões. Felipe Souza Melo estudou a movimentação comercial de Bento José da Costa, um negociante em Pernambuco no final do século XVIII. Através da quantificação de seu diário de escrituração, o artigo faz uma análise detalhada das operações mercantis do negociante nos mercados colonial e metropolitano, ressaltando a diversidade dos negócios, a importância do dinheiro para o giro mercantil de sua Casa, a ampla rede que tinha com os mercadores coloniais e a demora para a concretização de seus investimentos.

Marco Volpini Micheli debruçou-se sobre a diversificação econômica na Capitania de São Paulo entre 1798-1821, apontando para importantes transformações em sua economia e no seu espaço agrário a partir das políticas de fomento agrícola estimuladas pela Coroa e pelos agentes metropolitanos, o que implicou no desenvolvimento de culturas de gêneros variados em grande parte de seu território. Tendo por objetivo delinear as principais características da economia agrícola das vilas na marinha da Capitania de São Paulo, o autor constata a existência de duas regiões com diferenças significativas em suas economias: ao Norte, as localidades mantinham conexões com a Capitania fluminense; ao Sul, prevaleciam as relações comerciais com a vila de Santos.

Saindo da América Portuguesa, Thiago Henrique Sampaio nos revela aspectos da relação entre Portugal e a colônia de Moçambique na perspectiva imperialista do final do Oitocentos. Analisando as exportações metropolitanas de vinho e algodão, destaca a importância das pautas protecionistas no incremento do comércio com a possessão africana e discute determinadas alterações na política colonial portuguesa em consonância com o temor da perda de seus territórios, a partir da intensificação da presença europeia no continente.

O Dossiê traz também uma entrevista com Vera Lucia Amaral Ferlini, Professora Titular em História Ibérica da Universidade de São Paulo. Além da trajetória acadêmica da professora, que praticamente se confunde com os estudos de História Ibérica no Brasil, alguns temas caros à História de Portugal e Brasil são tratados: a importância da disciplina História Ibérica no curso de graduação; o debate sobre o Antigo Sistema Colonial e a ideia de Império Português; a criação de espaços para desenvolvimento e divulgação de pesquisas, como a Cátedra Jaime Cortesão e o Engenho São Jorge dos Erasmos.

A organização da presente edição insere-se nos trabalhos do grupo de pesquisa, sediado na Cátedra Jaime Cortesão (FFLCH / USP), que tem o mesmo nome deste dossiê, e cujo objetivo é, congregando pesquisadores de variados níveis e de diferentes universidades, fomentar o desenvolvimento de novas investigações sobre a História Ibérica, no espaço tanto da península europeia como dos impérios transoceânicos. Quanto a esta breve apresentação, esperamos apenas que desperte o interesse do leitor a respeito do tema “Economia e Política dos Impérios Ibéricos”. Boa leitura!

Paulo Cesar Gonçalves – Departamento de História UNESP / Assis

Pablo Oller Mont Serrath – Cátedra Jaime Cortesão FFLCH / USP


GONÇALVES, Paulo Cesar; SERRATH, Pablo Oller Mont. Apresentação. Faces da História, Assis, v.5, n.1, jan / jun, 2018. Acessar publicação original [DR]

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