As Extremas Direitas e o Poder: leituras a partir da História/Faces da História/2022

Os anos 1920 foram contexto do refluxo de governos parlamentares e liberais (em suas diversas acepções). O encerramento da Primeira Guerra Mundial e convulsões políticas, sociais e econômicas associadas direta ou indiretamente ao fim do conflito, foram combustível para a ascensão da onda autoritária que assolou a Europa e influenciou experiências extremistas em diversas partes do globo. Passado um século, em termos geopolíticos, sintoma semelhante de esgotamento das democracias liberais se instala, apesar de não ter ocorrido fenômeno impactante e traumático de proporções globais tal como foram as Grandes Guerras. Leia Mais

A cultura cinematográfica e sua história | Faces da História | 2022

Paulo Emilio Salles Gomes em aula na USP Acervo Cinemateca Brasileira Imagem O homem que amava o cinema e nos que o amavamos tantosRevista Cult.

Paulo Emílio Salles Gomes em aula na USP (Acervo Cinemateca Brasileira) | Imagem: O homem que amava o cinema e nós que o amávamos tantos/Revista Cult.

Não se faz cinema sem cultura

cinematográfica e uma cultura viva

exige simultaneamente o conhecimento

do passado, a compreensão do presente

e uma perspectiva para o futuro

(Suplemento Literário do jornal OESP,

23 mar. 1957)

Funções da Cinemateca,

Paulo Emílio Sales Gomes

Para José Inácio de Melo Souza (Cinemateca Brasileira), pesquisador incansável da cultura cinematográfica.

Existem diferentes formas de começar um texto sobre o fenômeno cultural de massa que encantou gerações, comoveu audiências e participou da invenção da vida moderna. Na substituição das antigas formas artesanais de diversão, eruditas e populares, os filmes suscitaram a profunda transformação de diferentes práticas sociais como rituais, comportamentos, simbologias e ideias que, sujeitas à atmosfera de diferentes épocas e contextos geopolíticos, foram transmitidas de geração em geração em diferentes grupos humanos. De todos eles, os rastros mais quentes podem ser encontrados nas trajetórias intelectuais de críticos, cronistas e historiadores que participaram da formação da cultura cinematográfica: os primeiros, implicados no sucesso artístico ou comercial dos filmes; os historiadores, concentrados na preservação e difusão do patrimônio cultural cinematográfico. Leia Mais

História da Ciência em debate: possibilidades, fontes e horizontes de pesquisa | Faces da História | 2021

Não são muitas as áreas de conhecimento que apresentam um caráter tão multifacetado quanto a História da Ciência1. Localizada na intersecção entre Filosofia, Sociologia e Antropologia, a disciplina que dá nome ao presente dossiê passou por inúmeras transformações durante todo o século XX. George Sarton, e seu inspirador otimismo relacionado ao “Novo Humanismo” (1988), pôde ilustrar as expectativas em relação à História da Ciência nas primeiras décadas de 1900:

A história da ciência deve ser […] usada apenas para seus próprios fins, para ilustrar imparcialmente o funcionamento da razão contra a irracionalidade, o desdobramento gradual da verdade, em todas as suas formas, sejam agradáveis ou desagradáveis, úteis ou inúteis, bem-vindas ou indesejáveis2. (SARTON, 1952, p. XIV, tradução nossa). Leia Mais

Faces da História. Assis, v.8, n.2, 2021.

História da Ciência em debate: possibilidades, fontes e horizontes de pesquisa

Equipe Editorial

Apresentação

Entrevista

Artigos para Dossiê

Artigos Livres

Publicado: 2021-12-22

História Ambiental do Brasil Republicano: políticas ambientais, historiografias e mundo natural | Faces da História | 2021

Em 1989, diante de uma plateia estarrecida, a jovem indígena Tuíra Kayapó apontava um facão para o pescoço do então chefe da Eletronorte. O público era formado por diversos profissionais, populações tradicionais, políticos, jornalistas e outros, e estavam ali para o Primeiro Encontro dos Povos Indígenas do Xingu. Na ocasião, discutiam-se os diversos impactos na vida da população ocasionados pela construção de uma usina hidrelétrica no rio Xingu. O chefe da Eletronorte tentava convencer da necessidade da obra, Tuíra procurava, ao seu jeito, mostrar o contrário. Três décadas depois, a Usina de Hidrelétrica de Belo Monte ocupa a paisagem outrora marcada pela floresta, rio, ocas e animais de muitas espécies (COLACIOS, 2015). A cena é simbólica. Símbolo da situação do meio ambiente no Brasil, das leis, políticas públicas, dos povos indígenas, da justiça ambiental e das desigualdades sociais de vários tipos.

Anos antes dessa cena, em 1981, enquanto ainda perdurava a ditadura civil-militar brasileira, a política ambiental do país ganhava novos contornos. Foi instituída a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei n.º 6.983), com um peso significativo na perspectiva desenvolvimentista, nada diferente das ações na área ambiental promovidas até então pelo governo militar, tal como a Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), de 1973, que por sua inação deu o tom da década do suposto milagre econômico brasileiro e todas as suas consequências ambientais. No entanto, essa nova política abriu um leque de instrumentos legais que tencionava, dentre outras questões, a avaliação dos impactos ambientais e estabelecia padrões de qualidade ambiental. Leia Mais

História Cultural do humor | Faces da História | 2020

O riso e o humor sempre fizeram parte da cultura humana. Apesar disso, foi só a partir da segunda metade do século XX que as narrativas humorísticas passaram a ser legítimo objeto de estudo para a historiografia, a partir do advento da história cultural do humor. Mesmo que, metodologicamente, o estudo da comicidade seja ainda campo de difícil aproximação para o historiador devido à fragmentação dos objetos, é sempre válido apostar em uma leitura atenta das fontes, dialogando livremente com perspectivas epistemológicas.

Daí porque é possível afirmar que o estudo do humor tem se mostrado cada vez mais pujante e merecedor de abordagens originais nas mais diversas áreas do conhecimento. Leia Mais

Povos indígenas nas Américas: presenças, ocultamentos e resistências | Faces da História | 2020

Dossiês temáticos sobre os povos indígenas na História em revistas acadêmicas têm se tornado cada vez mais frequentes nos últimos anos. No mínimo, isso já demarca dois aspectos a se destacar, a fim de medir o impacto desta produção. O primeiro, ao considerar a quantidade de autores e autoras que compõem esta historiografia, evidencia que há trabalhos e pesquisas sendo desenvolvidas de maneira suficiente para tornar estes dossiês factíveis. O segundo, que complementa o primeiro, se dá através da demanda por este material, revelando um interesse por parte da academia e do público leitor em conhecer tal produção, apropriando-se do conhecimento gerado.

Há alguns anos atrás, a temática indígena entrou na fila dos temas elencados pelos então editores da Revista Faces da História para figurar como um dos dossiês que seriam feitos no futuro. Naquela ocasião, eu fui uma das pessoas chamadas para auxiliar na organização do mesmo. Alguns anos se passaram, finalmente chegou a vez deste Dossiê vir à luz e o produto final é este que os leitores agora têm acesso. Agradeço às colegas que em alguma fase deste processo dividiram a tarefa comigo, as professoras Mariana Albuquerque Dantas e Ana Raquel Portugal. Cabe outro destaque aos atuais editores da Revista, especialmente Benedito Inácio Ribeiro Junior, editor deste Dossiê, que de uma maneira heroicamente profissional tornaram esta edição possível. Lembrando que esta é uma revista criada e administrada por pós-graduandos da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Programa de Pós-Graduação em História de Assis, o que denota a seriedade com que estes historiadores, que são ao mesmo tempo profissionais e estudantes, dedicam-se ao seu ofício e à tarefa de manter esta revista de História existindo e resistindo, com muita qualidade. Leia Mais

História Cultural do humor / Faces da História / 2020

O riso e o humor sempre fizeram parte da cultura humana. Apesar disso, foi só a partir da segunda metade do século XX que as narrativas humorísticas passaram a ser legítimo objeto de estudo para a historiografia, a partir do advento da história cultural do humor. Mesmo que, metodologicamente, o estudo da comicidade seja ainda campo de difícil aproximação para o historiador devido à fragmentação dos objetos, é sempre válido apostar em uma leitura atenta das fontes, dialogando livremente com perspectivas epistemológicas.

Daí porque é possível afirmar que o estudo do humor tem se mostrado cada vez mais pujante e merecedor de abordagens originais nas mais diversas áreas do conhecimento.

Pensando historiograficamente, ainda que tenhamos acesso a publicações mais gerais do século XXI, como por exemplo Uma história cultural do humor (2000), organizado por Jan Bremmer e Herman Roodenburg, História do riso e do escárnio, de Georges Minois (2003), e sobretudo o largo compêndio de estudos sobre humor organizado por Salvatore Attardo, The Encyclopedia of Humor Studies (2014), esses volumes possam figurar como parâmetros para o historiador do humor, destacamos que no Brasil o crescimento deste campo ainda é lento, apesar do trabalho pioneiro de Elias Thomé Saliba (2002) e da existência de grupos de pesquisa e seminários sobre comicidade, apontando que esta é uma linha de pesquisa repleta de possibilidades de trabalho.

Este dossiê especial da revista Faces da História pretende celebrar exatamente este momento da pesquisa sobre humor no Brasil, registrando seus diálogos sobretudo com a história cultural, mas abrindo também espaço a interlocuções com a filosofia, a linguística, a literatura, o cinema, a música e o direito. A generosa acolhida da equipe editorial ao tema proposto para o dossiê, portanto, é nosso primeiro motivo de agradecimento como editores.

O segundo foi a boa receptividade encontrada pela chamada de artigos, não só por historiadores, público-alvo da revista, mas também por pesquisadores de outros campos do conhecimento – todos, porém, com propostas extremamente interessantes e inventivas, vindas de diversas partes do país.

Nessa aventura interdisciplinar, a lógica que pretendemos seguir com a ordem de apresentação dos artigos não foi a simples cronologia dos fatos históricos abordados em cada um dos trabalhos. Como o dossiê é composto por abordagens que vão desde a Grécia antiga ao direito contemporâneo, optamos pela divisão em quatro blocos temáticos.

No primeiro deles, reunimos quatro artigos que combinam historiografia e análise literária.

Em Tenupá-Oikó: a filosofia do “Deixa Está” como proposta humorística para a construção da legislação brasileira pela ótica antropofágica de Clóvis de Gusmão, Heraldo Márcio Galvão Júnior, doutor em história pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), resgata um nome pouco estudado do modernismo brasileiro, jogando luz sobre um autor profundamente original que ainda não obteve o merecido reconhecimento. Clóvis de Gusmão utilizava o folclore amazônico – anedotas, em especial – com o objetivo de, nas palavras de Galvão Junior, compreender “a verdadeira brasilidade” e “reedificar as concepções de sociedade, de cultura e de política”, inclusive por meio da substituição da legislação vigente, que seria mera cópia de modelos europeus, por algo verdadeiramente nacional.

Outro autor relativamente pouco estudado é o objeto do artigo de Leandro Antônio de Almeida, doutor em história pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Depois, miseravelmente depois, só rindo: a sátira cômica de João de Minas nos anos 1930 escrutiniza a vida e a obra do pseudônimo de Ariosto Palombo, escritor de matizes inicialmente sertanistas que enveredou mais tarde pelo romance mais popularesco, contudo, sem jamais, abandonar a sátira política como elemento central de suas narrativas ficcionais. Almeida compara esses dois momentos da obra de João de Minas, refletindo sobre o papel do distanciamento na sátira e demonstrando como o autor mesclava os dramas de seus protagonistas com referências explícitas a acontecimentos políticos da época – tudo envolto numa atmosfera um tanto iconoclasta, num “universo regido pela busca […] de poder e dinheiro por meio da corrupção generalizada”.

Fechando o bloco concernente à literatura, Luís Felipe Gonçalves do Nascimento, mestre em história pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), apresenta A Ressurreição de Vitorino Carneiro da Cunha: humor e ironia na obra de José Lins do Rego. O artigo mostra como o escritor paraibano utilizou um dos protagonistas do romance Fogo Morto para ironizar a crítica literária da época, e em certa medida a si mesmo, na medida em que se tratava de personagem inserido na mesma oligarquia canavieira na qual o próprio José Lins do Rego havia crescido. O artigo propõe, com isso, uma leitura que ilumina de modo inspirado toda a obra do autor: “É esta tensão que faz de José Lins do Rego um escritor intrigante, no aspecto de falar ou não falar do mundo em que viveu, de representá-lo, ou, de maneira intencional, desmontá-lo com ironia”.

O segundo bloco traz artigos que avaliam o humor na imprensa, começando com mais uma contribuição nordestina. Em O Jornal O Norte e o pioneirismo do humor gráfico na imprensa paraibana, Rosildo Raimundo de Brito, doutor em história pela USP e professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), analisou as edições que circularam entre 1968 e 1980 do primeiro periódico do estado a utilizar de modo consistente tiras e quadrinhos. Para se debruçar sobre as caricaturas do jornal, em especial sobre o personagem Zé da Silva, o autor parte da ampliação do conceito de “documento histórico” pela chamada “nova história cultural”, para concluir que “é possível, a partir das imagens, se conhecer a história social de um determinado tempo”, considerando que por meio delas é possível reconstruir acontecimentos “em toda sua espessura política, social e cultural” – como, por exemplo, as alusões feitas sobre a ausência de voto direto para presidente durante a ditadura civil-militar que governou o país de 1964 a 1985.

Já em “Adoradores de Baccho”: embriaguez, humor e ambivalência na imprensa pelotense (1930-1935), Thaís de Freitas Carvalho, mestre em história pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), retrata como o humor confere ambivalência ao retrato da vida noturna por dois jornais circulantes na cidade, que se equilibravam entre a condenação dos excessos alcoólicos por meio da derrisão e a celebração dos entreveros por meio de notas policiais bem-humoradas. A historiadora reconhece que “muitos dos causos e histórias vividas por entre bares e botequins permanecem inacessíveis aos historiadores”; porém, os fragmentos de brigas e vexames, que ganharam menções nos periódicos, permitem entrever e imaginar a dinâmica dessa sociabilidade, e o que ela revela a respeito do divertimento possível à classe trabalhadora pelotense da época.

No quarto bloco destacamos artigos que abordam o humor em narrativas musicais e cinematográficas, fontes caras aos estudos de história cultural e que aqui primeiro surgem com o artigo Humoristas-cantores: a comicidade na canção brasileira (1964-1985) entre tons de crítica e notas de acidez, de Gabriel Percegona Santos, mestrando em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Nele, Santos propõe estabelecer um “diálogo entre a história cultural do humor no Brasil entre os anos de 1964 e 1985 e sua expressão musical”, abordando a comicidade em registros fonográficos de artistas como Ary Toledo, Paulo Silvino, Chico Anísio e Arnaud Rodrigues (Baiano & Novos Caetanos), destacando como tais críticas, porque vieram através do humor, não fizeram com que as obras fossem censuradas e nem “tornaram seus autores e intérpretes personagens visados pela ditadura”, como era comum na época.

O humor no cinema aparece representado em Cinema e consumo popular de pornochanchadas: da nudez explorada às representações femininas (1970), de Julio Eduardo Soares de Sá Alvarenga, mestre em história pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), e Pedro Vilarinho Castelo Branco, doutor em história e professor da mesma universidade. No artigo, os autores não só abordam o gênero pornochanchada em geral como também apresentam análises mais detalhadas das comédias eróticas Um Virgem na Praça (1973), de Roberto Machado, e Mulheres Violentadas (1977), de Francisco Cavalcanti, para discutir a questão da nudez naqueles filmes e, sobretudo, “a dominação masculina e as formas de resistência feminina” e, com isso, esboçar possíveis papéis das mulheres naquele gênero cinematográfico de alto consumo na década de 1970.

Inaugurando a última e mais interdisciplinar seção do dossiê, dedicada a outros campos do conhecimento, Walter Claudius Rothenburg, livre-docente em direitos humanos pela USP e professor da Instituição Toledo de Ensino (ITE), apresenta O humor e seus limites jurídicos – amparado sobretudo no caráter paradoxal da manifestação humorística, que caminha quase sempre no fio da navalha entre a proteção e a repressão por parte do ordenamento jurídico. Escrito em linguagem clara e acessível a não-juristas, o autor defende que o humor pode iluminar determinados fatos e questões sociais de modo inestimável, porém, “[q]uando inferioriza, quando agride, o humor discriminatório deve ser encarado pelo Direito como ilícito: uma manifestação intolerável de ‘discriminação recreativa’”.

Segundo consta na Encyclopedia of humor studies (ATTARDO, 2014, p. 120-7) o campo do humor infantil é um dos mais considerados como tema de estudo pelos pesquisadores da comicidade e neste dossiê ele está representado pelo artigo Da compreensão à produção de incongruências por uma criança pequena: dados de humor, de Caroline Prado Gouvêa, graduada em letras e mestranda na área de linguística pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus Araraquara; Alessandra Del Ré, que é doutora e professora na área de linguística na UNESP / Araraquara, e Alessandra Jacqueline Vieira, que é doutora e professora do curso de letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Neste artigo, bastante empírico, as pesquisadoras se propuseram a considerar “o processo de compreensão e a produção das incongruências que vão produzir efeito humorístico no discurso” durante a interação com o outro. Essa pesquisa foi feita a partir da análise dos vídeos de crianças entre três e quatro anos de idade disponíveis no banco de dados do grupo NALingua (CNPq). Interessante é que os resultados parciais alcançados nesta pesquisa mais ampla na área de aquisição da linguagem infantil mostram que o humor estaria presente na fala da criança desde cedo.

Para finalizar nosso dossiê, apresentamos uma colaboração advinda da filosofia sobre a presença das narrativas cômicas na Antiguidade com o artigo A tripartição da retórica no cinismo de Diógenes de Sínope, de George Felipe Bernardes Barbosa, graduado e mestrando em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás (UFG), que se propõe a analisar trechos da obra de Diógenes, o Cão. Considerando aspectos cômicos no cinismo, Barbosa defende que se “dissipa a ideia de que o filósofo é sempre a figura séria, presas em pensamentos transcendentais”. Além de divertida e surpreendente, essa contribuição também é enriquecida com uma linguagem erudita e reflexões pertinentes sobre gêneros textuais humorísticos como anedotas.

A pluralidade do dossiê que temos a satisfação de apresentar ao público leitor é, portanto, espelho das próprias possibilidades oferecidas pelas diversas formas de manifestação humorística. Atravessando gêneros e formatos, séculos e povos, o humor ainda se apresenta intrigante e aberto às perguntas que, espera-se, lhe sejam feitas com frequência cada vez maior.

Boa leitura!

Referências

ATTARDO, Salvatore (org). Encyclopedia of humor studies. New York: SAGE Publications, 2014.

BREMMER, Jan; ROODENBURG (Org). Humor e história. Uma história cultural do humor. Trad. Cynthia Azevedo; Paulo Soares. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 13-25.

MINOIS, Georges. História do riso e do escárnio. Trad. Maria Helena O. Ortiz Assumpção. São Paulo: Editora Unesp, 2003.

SALIBA, Elias Thomé. Crocodilos, satíricos e humoristas involuntários: ensaios de história cultural do humor. São Paulo: Entremeios; USP-Programa de pós-graduação em história social, 2018.

SALIBA, Elias Thomé. Raízes do riso: a representação humorística na história brasileira da Belle Époque aos primeiros tempos do rádio. São Paulo: Cia das Letras, 2002.

Camila Rodrigues – Doutora em história pela Universidade de São Paulo (USP) https: / / orcid.org / 0000-0001-5842-8737

João Paulo Capelotti – Doutor em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) https: / / orcid.org / 0000-0003-3009-9729


RODRIGUES, Camila; CAPELOTTI, João Paulo. Apresentação. Faces da História, Assis, v.7, n.2, jul / dez, 2020. Acessar publicação original desta apresentação

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DR

 

Os estudos de Ásia e do Oriente no Brasil: objetos, problemáticas e desafios | Faces da História | 2019

A proposta desse dossiê partiu de um desafio e da busca de respostas a uma pergunta complexa: existem estudos de História da Ásia e do Oriente no Brasil? Se a resposta a essa pergunta fosse positiva, outras perguntas desafiadoras surgiriam: quais seriam os objetos, problemáticas e desafios enfrentados pelos pesquisadores de nossas universidades que se aventuram em um campo de estudos que, à primeira vista, carece de interlocutores, acesso às fontes, definição de temas e metodologias adequadas? Quais seriam as concepções de Ásia e de Oriente dos possíveis pesquisadores dessas temáticas? Em quais períodos essas pesquisas estariam centradas?

A repercussão positiva dessas perguntas desafiadoras veio com o grande número de propostas para a composição desse dossiê, bem como a diversidade temática, espacial e temporal das pesquisas realizadas por jovens pesquisadores de diferentes instituições brasileiras. Ao mesmo tempo, outro desafio seria compreender como temas tão diferentes dialogariam nesse dossiê, pois não poderiam ser agrupadas simplesmente pelo componente geográfico (as subdivisões asiáticas) ou pelo componente cultural (o Oriente e o orientalismo), nem simplesmente pelo recorte temporal (dos séculos XVI aos temas contemporâneos). Leia Mais

História oral e memória na construção das narrativas sobre as representações político-culturais do Brasil atual | Faces da História | 2019

Este número de Faces da História traz o dossiê História oral e memória na construção das narrativas sobre as representações político-culturais do Brasil atual que se propõe refletir sobre assuntos que estejam amparados nessas representações memoriais resultantes da produção direta, a partir do diálogo entre entrevistador e entrevistado e de fontes que contemplam outros suportes. Em decorrência da natureza dessas fontes, as pesquisas baseadas em tais registros são inseridas no campo da história do tempo presente e estruturam-se em dimensões transnacionais (TREBITSCH, 1994; MORAES, 2002; ALBERTI, 2005), tornando-se sustentáculos do debate especializado do ponto de vista teórico e historiográfico e de definição dos protocolos de pesquisa e reflexões desse campo (JOUTARD, 2000).

Certamente, qualquer fonte traz suas peculiaridades e dificuldades que sinalizam desafios ao processo de execução para se chegar ao conhecimento sobre o passado, mesmo que esteja subordinado às visões de mundo do pesquisador do presente. As narrativas orais, entretanto, foram e são percebidas prenhe de significados e paixões decorrentes dos envolvimentos dos protagonistas nas querelas, compromissos e inserções dos embates conjunturais que modulam suas vivências. Nesse sentido, foram e continuam sendo recorrentemente arguidas por evidenciarem subjetividades que inicialmente estiveram definidas como empecilho para chegar ao conhecimento sobre os fenômenos submetidos, unicamente, aos relatos desses narradores. Segundo os seus arguidores, por serem fontes inscritas em passado recente, não permitem aos atores envolvidos (entrevistador/entrevistado) certo distanciamento para lidar com esses registros de testemunhas oculares que trazem as marcas de suas implicações nas querelas de seu tempo. Leia Mais

História oral e memória na construção das narrativas sobre as representações político-culturais do Brasil atual / Faces da História / 2019

Este número de Faces da História traz o dossiê História oral e memória na construção das narrativas sobre as representações político-culturais do Brasil atual que se propõe refletir sobre assuntos que estejam amparados nessas representações memoriais resultantes da produção direta, a partir do diálogo entre entrevistador e entrevistado e de fontes que contemplam outros suportes. Em decorrência da natureza dessas fontes, as pesquisas baseadas em tais registros são inseridas no campo da história do tempo presente e estruturam-se em dimensões transnacionais (TREBITSCH, 1994; MORAES, 2002; ALBERTI, 2005), tornando-se sustentáculos do debate especializado do ponto de vista teórico e historiográfico e de definição dos protocolos de pesquisa e reflexões desse campo (JOUTARD, 2000).

Certamente, qualquer fonte traz suas peculiaridades e dificuldades que sinalizam desafios ao processo de execução para se chegar ao conhecimento sobre o passado, mesmo que esteja subordinado às visões de mundo do pesquisador do presente. As narrativas orais, entretanto, foram e são percebidas prenhe de significados e paixões decorrentes dos envolvimentos dos protagonistas nas querelas, compromissos e inserções dos embates conjunturais que modulam suas vivências. Nesse sentido, foram e continuam sendo recorrentemente arguidas por evidenciarem subjetividades que inicialmente estiveram definidas como empecilho para chegar ao conhecimento sobre os fenômenos submetidos, unicamente, aos relatos desses narradores. Segundo os seus arguidores, por serem fontes inscritas em passado recente, não permitem aos atores envolvidos (entrevistador / entrevistado) certo distanciamento para lidar com esses registros de testemunhas oculares que trazem as marcas de suas implicações nas querelas de seu tempo.

As discussões avançam no sentido de reconhecer a diversidade de narrativas e a formulação de outras para o mesmo evento, que esgarça a perspectiva da narrativa certa, em contraposição ao discurso errado sobre o acontecido. Portelli alerta à “atitude do narrador em relação a eventos, à subjetividade, à imaginação e ao desejo, que cada indivíduo investe em sua relação com a história” (PORTELLI, 1993, p. 41) que pode não incidir na realidade, mas na possibilidade. Ou seja, a representação de um “presente alternativo, uma espécie de universo paralelo no qual se cogita sobre um desdobramento de um evento histórico que não se efetuou” (PORTELLI, 1993, p. 50) que, na análise do autor, é característico da “narrativa ucrônica” que se inscreve em paradigma maior: a grande narrativa literária do inconformismo.

Isso não significa desconsiderar os lapsos, esquecimentos, omissões e reelaborações presentes nessas narrativas. Afirma-se sua importância para esclarecer não apenas ausências de informações e envolvimentos dos próprios narradores nos acontecimentos tratados, mas também o universo de valores e visões de mundo atinentes aos protagonistas em tela. E, ainda, ficar atenta para perceber aquelas memórias que foram soterradas ou silenciadas, como observou Michel Pollak (1989). O não-dito não significa o esquecimento, mas sim estratégias de sobrevivência diante de situações embaraçosas e sem solução, como a convivência com o inimigo de ontem.

No âmbito dessa trajetória, passa-se à arguição sobre a problemática da verdade, assunto de acalorado debate, chegando-se à formulação de sua ilusão por uns (BOURDIEU, 1998), ou à “produção de verdade”, para outros teóricos, como Beatriz Sarlo. A autora analisa a “transformação do testemunho em um ícone da verdade ou no recurso mais importante para a reconstrução do passado” (SARLO, 2007, p. 19), tecendo pesadas críticas a certos reducionismos de uso do relato oral, a partir de referencial que trata de situação-limite como o holocausto, para eventos corriqueiros.

Independentemente da complexidade teórica que envolve esse campo, o convite aos autores / autoras foi bem sucedido pela presença marcante de textos alusivos ao temário desse dossiê. Resultaram do processo avaliativo textos que foram estruturados em eixos temáticos, mesmo considerando as abordagens teóricas plurais, fruto das opções feitas pelos autores para suas análises sobre os assuntos pesquisados.

O primeiro deles agrega quatro artigos, sendo três que abordam aspectos da memória dos afrodescendentes e cultura africana, e que consistem, primeiramente, na abordagem dos autores Debora Linhares da Silva e José Maia Bezerra Neto sobre os processos de alforria que ocorreram na cidade de Belém / PA entre os anos de 1850 a 1880, estabelecendo um diálogo com as obras dos literatos Aluísio de Azevedo e Henry Walter Bates; na sequência, tem-se o trabalho de Leonam Maxney Carvalho que versa sobre a reconstrução das identidades dos quilombolas na localidade de Santa Efigênia, no município de Mariana / MG; ademais, o artigo de Mônica Pessoa que apresenta as tradições orais africanas como fonte de pesquisa interdisciplinar na busca da apreensão das vozes africanas e a potência de sua cultura oral; e fechando este bloco temático, o texto de Fábio do Espírito Santo Martins aborda a questão indígena no processo de luta que reivindica a demarcação da Terra Indígena (TI) Tekoá Mirim, localizada no litoral do Estado de São Paulo, e utiliza as tradições baseadas na cosmologia juntamente com o estabelecimento de uma práxis cotidiana indígena na luta pela demarcação territorial. Estes textos situam-se em tempos distintos na história do país e da África.

A segunda linha temática, composta de seis textos, apresenta discussões a respeito do patrimônio cultural material e imaterial brasileiro. O primeiro artigo, de Lourenço Resende da Costa e Jair Antunes, trabalha a questão da utilização da oralidade para os descendentes ucranianos brasileiros que vivem no município de Prudentópolis / PR, apresentando a importância do trabalho realizado pela Igreja Ucraniana juntamente com as escolas do município neste esforço de preservação identitária. O trabalho seguinte, de Priscila Onório Figueira, analisa as consequências do desastre ambiental provocado pela explosão do navio chileno Vicuña, no ano de 2004, cotejando as diferentes memórias e conflitos que a comunidade litorânea de Amparo, localizada na baía de Paranaguá / PR desenvolvem sobre esta trágica ocorrência.

O próximo artigo, de Mariana Schlickmann, concatena os relatos de oito moradores do bairro da Barra, localizado na cidade de Balneário Camboriú / SC, destacando as memórias sobre a atividade pesqueira, sufocada pela crescente especulação imobiliária, enfatizando as crescentes tensões entre os moradores sobre os bens culturais materiais e imateriais daquela localidade. A memória dos trabalhadores que transportam mercadorias e materiais de construção utilizando-se das carroças de tração animal na cidade de Montes Claros / MG é o enfoque do próximo texto, de Pedro Jardel Fonseca Pereira, que vincula estas memórias ao desenvolvimento histórico do município bem como ao processo de crescimento urbano e à inserção dos carroceiros nesta relação dinâmica.

Ainda nessa matriz temática, dois textos abordam a memória escolar: o primeiro deles, de Anne Caroline Peixer Abreu Neves, trata das memórias das alunas da Escola Pública Itoupava Norte, localizada em Blumenau / SC, que relatam suas percepções, adquiridas entre os anos de 1943 a 1950, em relação às experiências educacionais vivenciadas no período. Essas narradoras rememoram fragmentos da campanha de nacionalização do ensino e a exigência da língua vernácula e dos símbolos nacionais brasileiros impostos aos imigrantes e seus descendentes durante o período do Governo Vargas. O segundo trabalho, de Francine Suélen Assis Leite e Jairo Luis Fleck Falcão, expõe o processo de colonização do município de Juara / MT pelo depoimento de um professor aposentado, da disciplina de matemática, que relata o cotidiano escolar na jovem cidade mato-grossense que surgiu por meio do processo colonizador de expansão das fronteiras agrícolas.

Os últimos textos desse dossiê têm suas peculiaridades: o artigo de Filipe Arnaldo Cezarinho, embora se insira no debate sobre o patrimônio imaterial, apresenta questões de cunho metodológico no trato das fontes documentais orais e digitais e, em decorrência, foi agrupado no último eixo temático que traz questões metodológicas atinentes ao campo. O autor trata, por exemplo, da memória sobre a Guerra de Espadas que acontece em Cruz das Almas / BA, fortemente arraigada na tradição popular. A pesquisa analisa o discurso popular em contraposição ao presente processo de criminalização da manifestação cultural, onde estas fontes se constituem em desafio para os historiadores contemporâneos.

Aspecto assemelhado de disputa pela memória, sob outro viés, aparece no artigo Amerino Raposo e a Polícia Federal, de Priscila Brandão, que discute a trajetória dessa Instituição criada na década de 1960 e as disputas em torno do “ato fundador” recorrentemente acionado por grupos internos em disputa. A ala dos “novos” tenta descolar-se do envolvimento com as mazelas e da violência praticada pela ditadura militar contra seus opositores. A solução encontrada foi transferir a origem dessa Instituição para outra congênere, criada nos anos 1940 por Getúlio Vargas, que não tinha, de fato, esse papel federativo da PF criada na década de 1960 com os militares no poder. As disputas envolvem, além de outras questões, a recusa do legado recente sobre o envolvimento direto de alguns integrantes da Polícia Federal em atos de tortura e morte de opositores ao regime militar.

Por fim, o artigo sobre Paulo Emílio Sales Gomes, de Rafael Morato Zanatto, traz a contribuição do intelectual brasileiro na formação dos estudos históricos do cinema brasileiro e também suas contribuições para a História Oral pátria. O texto desvenda elementos significativos da trajetória em defesa da preservação desse passado, mostrando as preocupações de Paulo Emílio na prospecção de fontes variadas. A orientação na definição de roteiros parte da busca de informações diversificadas, com o objetivo de abordar os elementos que propiciam os passos dos cineastas, atores, cinegrafistas, fotógrafos, entre outros.

Mas, para o presente dossiê, sua importância assume papel estratégico por trazer a trajetória de formulação de procedimentos metodológicos para a consecução dos depoimentos orais, antecipando-se ao percurso posterior desse campo, ao trazer a relevância de seu uso, dúvidas e questões relativas à parcialidade, lacunas e produção de verdade desses depoimentos. Delineia todos os passos da pesquisa, desde o roteiro aos cuidados na abordagem do entrevistado, sua autorização para publicação, chamando a atenção para a necessidade de ouvir diferentes protagonistas sobre o mesmo assunto para sair das armadilhas do relato, mas ainda inscrito numa perspectiva de busca de informações corretas para, no caso, recuperar os primórdios da história do cinema brasileiro.

Para concluirmos esta Apresentação, queríamos registrar o reconhecimento dos desafios enfrentados por qualquer pesquisador do tempo presente para cumprir os protocolos do campo, cuja singularidade está marcada pelo diálogo (dúvidas e possíveis tensões) com os protagonistas de seu objeto de investigação.

Caros leitores / as, esperamos que gostem dos assuntos abordados nesse dossiê. Desejamos boa leitura e parabéns aos autores.

Assis, junho de 2019.

Referências

ALBERTI, Verena. Fontes Orais. Histórias dentro da História. In: Pinsky, Carla Bassanezi. Fontes Orais. São Paulo: Contexto. 2005, p. 155-202.

BOURDIEU, P. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, M. de M. & AMADO, J. Usos e abusos da História Oral. 2a ed. RJ: FGV, 1998.

JOUTARD, Philippe. Desafios da história oral do século XXI. In: FERREIRA, Marieta; FERNANDES, Tânia Maria e ALBERTI, Verena. (Orgs.) História Oral: desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: FGV, 2000.

MORAES, Marieta Ferreira de. História, tempo presente e história oral. Topoi, Rio de Janeiro, dezembro 2002, p. 314-332.

PORTELLI, Alessandro. Sonhos ucrônicos. Memórias e possíveis mundos dos trabalhadores. Projeto História, n. 10, dez / 1993, p. 41-58.

POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Rio de Janeiro: Estudos Históricos, vol. 2, 1989.

SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. Tradução: Rosa Freire d’Aguiar. Belo Horizonte: Companhia das Letras; UFMG, 2007.

TREBITSCH, Michel. A função epistemológica e ideológica da História oral no discurso da história contemporânea. In: MORAES, Marieta Ferreira (Org.). História Oral e multiplicinaridade. Rio de Janeiro: Diadorin / Finep / FGV, 1994.

Zélia Lopes da Silva – Professora Doutora (Unesp / Assis)

José Augusto Alves Netto – Professor Mestre (Unespar / Paranavaí), doutorando em História (Unesp / Assis)


SILVA, Zélia Lopes da; ALVES NETTO, José Augusto. Apresentação. Faces da História, Assis, v.6, n.1, jan / jun, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Os estudos de Ásia e do Oriente no Brasil: objetos, problemáticas e desafios / Faces da História / 2019

A proposta desse dossiê partiu de um desafio e da busca de respostas a uma pergunta complexa: existem estudos de História da Ásia e do Oriente no Brasil? Se a resposta a essa pergunta fosse positiva, outras perguntas desafiadoras surgiriam: quais seriam os objetos, problemáticas e desafios enfrentados pelos pesquisadores de nossas universidades que se aventuram em um campo de estudos que, à primeira vista, carece de interlocutores, acesso às fontes, definição de temas e metodologias adequadas? Quais seriam as concepções de Ásia e de Oriente dos possíveis pesquisadores dessas temáticas? Em quais períodos essas pesquisas estariam centradas?

A repercussão positiva dessas perguntas desafiadoras veio com o grande número de propostas para a composição desse dossiê, bem como a diversidade temática, espacial e temporal das pesquisas realizadas por jovens pesquisadores de diferentes instituições brasileiras. Ao mesmo tempo, outro desafio seria compreender como temas tão diferentes dialogariam nesse dossiê, pois não poderiam ser agrupadas simplesmente pelo componente geográfico (as subdivisões asiáticas) ou pelo componente cultural (o Oriente e o orientalismo), nem simplesmente pelo recorte temporal (dos séculos XVI aos temas contemporâneos).

Levando essas questões em consideração, os artigos foram agrupados em blocos temáticos. O primeiro deles compreende quatro artigos referentes à Índia (Goa), ao Ceilão e ao Japão a partir da presença das missões religiosas entre os séculos XV e XVI como forma de reafirmação da presença portuguesa no Oriente, as reações contrárias e as hibridizações possíveis.

No artigo “Para favorecer a cristandade: as iniciativas de coerção à conversão dos órfãos em Goa (1540-1606)”, com autoria de Camila Domingos Anjos, foi analisada uma coletânea de cartas e alvarás de reis de Portugal e de vice-reis do Estado da Índia, reunidas e organizadas no Arquivo Português Oriental, referentes às legislações e às estratégias dos agentes coloniais portugueses na catequização de jovens menores de 14 anos de idade, considerados passíveis de serem moldados, educados, disciplinados e aperfeiçoados na fé católica.

Já em “Um catolicismo possível: a Congregação do Oratório de Goa e sua inserção no Ceilão holandês”, Ana Paula Sena Gomide acessou a documentação dessa instituição religiosa para analisar a importância da ação dos oratorianos, formados por um clero mestiço, na manutenção, revitalização e sobrevivência do catolicismo no Ceilão, que passou do domínio português para o domínio holandês, calvinista e anticatólico.

Em outra vertente, Renata Cabral Bernabé, no artigo intitulado “A formulação do discurso anticristão no Japão dos séculos XVI-XVII”, analisou a promulgação de éditos anticristãos emitidos pelo governo japonês que tratavam da expulsão dos missionários e da proibição da prática religiosa cristã no território. Ainda que o cristianismo não tenha desaparecido do Japão, tal legislação foi responsável pelo fim da atividade missionária europeia assim como contribuiu para dificultar o intercâmbio com países ocidentais católicos, numa clara relação com a centralização política do Japão iniciada em meados do século XVI e consolidada no século XVII.

Finalizando esse bloco, o artigo de Laís Viena de Souza, “Os panditos e os jesuítas. Indícios da medicina ayuvérdica nos colégios da Companhia de Jesus no Estado da Índia (séculos XVI-XVIII)”, utiliza a documentação inaciana para discutir a presença na ordem religiosa de médicos indianos vaidyas, chamados de panditos pelos jesuítas, bem como tratar dos embates, das assimilações, da apropriação, e da hibridização da medicina ayurvérdica com os preceitos hipocráticos-galênicos que circulou pelo Império Português na era moderna.

O segundo bloco temático reúne mais quatro artigos cujo ponto em comum é a abordagem da temática acerca do Oriente Médio, Norte da África e o Islamismo no Brasil a partir de fontes documentais brasileiras. Frederico Antônio Ferreira em “Relações entre o Brasil e o norte da África no século XIX: migração e comércio” acessou os documentos da chancelaria brasileira custodiados pelo Arquivo Histórico do Itamaraty no Rio de Janeiro, referentes às relações externas do então Império Brasileiro com países do norte da África no contexto da proibição do tráfico de escravos, do incentivo à imigração e do crescimento da economia cafeeira.

“Conexões Rio de Janeiro-Cairo: possibilidades analíticas acerca das relações Brasil-Egito a partir da imprensa escrita (1950-1954)” de Mateus José da Silva Santos mantém o olhar sob as relações diplomáticas entre o Brasil e o Egito no início dos anos 1950, analisando um conjunto de textos publicados no periódico baiano A Tarde para tratar tanto do protagonismo dos dois países em seus respectivos continentes como para compreender a intersecção de seus interesses na ordem econômica e política mundial fora do eixo Europa, Estados Unidos e América Latina.

Já Felipe Yera Barchi em seu artigo “Referências Bibliográficas sobre o Islã no Brasil: um estudo de caso dos livros didáticos de Gilberto Cotrim e Cláudio Vicentino” centra-se na análise da forma como o Islã, e temas relacionados ao país, são abordados nos livros didáticos de História em nosso país e, entre suas conclusões, verifica-se uma cristalização da história do Islã nos títulos didáticos analisados pelo autor, a despeito das revisões feitas nas obras.

Por sua vez, Bruno Bartolo do Carmo, em “Memórias do Café Árabe: costumes, ritos e modos de preparo em narrativas de sírios e libaneses em São Paulo (1970-2019)”, oferece-nos as tradições e os rituais do preparo do café árabe pelas narrativas de imigrantes e refugiados de origem árabe radicados no Brasil, como uma forma de contribuir aos estudos sobre a imigração e sobre a própria história da bebida declarada como patrimônio pela UNESCO.

A partir de temas ligados à memória, ao testemunho, identidade, resistência e narrativas virtuais, o terceiro bloco agrega a Coreia do Sul, a Palestina e o Estado Islâmico. Camila Regina Oliveira no artigo “Museu, memória, testemunho e a construção do fato: um estudo do caso Seodaemun Prision History Hall, Seul-Coreia do Sul” toma como objeto de análise a exposição permanente desse Museu para tratar das narrativas, memórias e testemunhos sobre a colonização japonesa no país e, sobretudo, para problematizar a questão da construção da identidade cultural sul-coreana, bem como a concepção de uma consciência nacional.

É na perspectiva do debate sobre projeto nacional, identidade, resistência que Carolina Ferreira de Figueiredo desenvolve seu texto “O local e o global em charges: expressões de um artista palestino em Haifa nas décadas de 1970 e 1980”, analisando a obra de Abed Abdi, publicada no periódico comunista Al-Ittihad, baseado na cidade de Haifa. Usando a arte como expressão de um ativismo político, as charges abordam temas relacionados ao imperialismo, colonialismo, intervencionismo e invasões que ainda permanecem em terras palestinas, sem perder de vista as questões locais (o conflito) e as globais (a “grande” política).

De outra perspectiva, Gilvan Figueiredo Gomes em “Califado Virtual: a Hisbah como ferramenta de construção de um Estado Islâmico em Dabiq (2014-2016)” utiliza como fonte de pesquisa as narrativas veiculadas pela revista do grupo jihadista para analisar a ação midiática, os ambientes digitais e as redes sociais como meio de expressão de organizações políticas dessa natureza. Além disso, o autor problematiza os conceitos de Califado tanto do ponto de vista da disputa e da legitimidade do poder, como do ponto de vista Virtual não apenas vinculado ao digital, mas também na eminência do vir a ser, da possibilidade que se concretiza como fato.

Finalmente, o quarto bloco concentra os textos que partem das questões acerca do Orientalismo, tendo como referencial teórico a obra homônima de Edward Said. Paula Carolina de Andrade Carvalho, em seu artigo “Orientalizar-se: as representações dos ‘orientais’ em Personal Narrative of a Pilgrimage to Al-Madinah & Meccah, de Richard Francis Burton (1855-56)”, faz uma análise sobre as generalizações dos “orientais” feitas pelo explorador britânico, que criou o disfarce de Shaykh Abdullah para realizar o ritual sagrado do hajj permitido apenas aos muçulmanos. Ainda que Burton nunca tenha deixado de seguir a cartilha do discurso do orientalismo, a autora aponta que as representações dos “orientais” do autor estão pautadas muito mais pelas ambiguidades e pelos paradoxos.

No artigo “O Orientalismo como prática discursiva hegemônica no auge da expansão europeia”, Lucas Pereira Arruda realiza uma revisão bibliográfica de obras inglesas de diferentes naturezas para compreender como os agentes coloniais tratavam os povos nativos das colônias inglesas no final do século XIX, centrando sua análise em Joseph Conrad e Rudyard Kipling para falar do papel do romance na construção discursiva do outro. J

á em “Discursos Orientalistas sobre a dança: o caso de Almée, na egyptian dancer, de Gunnar Berndtson” de Nina Ingrid Paschoal, uma fonte pictórica é analisada para problematizar a pintura dita orientalista e seu papel na popularização da dança de mulheres orientais eternizada no Ocidente como “dança do ventre”. Entre fantasia e realidade, tais imagens contribuíram para uma construção sobre o Oriente atrelada aos movimentos de colonização, ainda repercutindo na forma de representação dessas mulheres. Por fim, Rafael dos Santos Pires, em seu artigo “O mito do Egito Eterno: desenvolvimento acadêmico, impactos políticos”, parte da associação entre orientalismo, mitos e elementos discursivos para compreender os impactos dos usos do passado no mundo contemporâneo do Egito, na constituição do próprio Estado egípcio e na forma de imaginar e escrever esse passado.

A escolha desses textos para encerrar o dossiê não foi fortuita. A proposta desse dossiê foi elaborada considerando alguns marcos fundamentais do debate que ora se discute: os 40 anos da primeira edição de Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente, os 30 anos da primeira edição brasileira e os 15 anos da morte de Edward Said. A obra do escritor de origem palestina tornou-se um marco fundamental nos diversos campos das humanidades, frente aos estudos que levariam o Oriente Médio e, consequentemente, a história da Ásia para um patamar que nas últimas décadas ampliouse em problematizações que inauguraram os estudos pós-coloniais. Outrossim, as inovações e as perspectivas teórico-metodológicas apontaram para revisionismos sobre leituras, interpretações e práticas interdisciplinares referentes ao sujeito histórico “oriental”, ao mundo islâmico, às sociedades do sul e do sudeste asiático, além do chamado “Extremo Oriente”.

Mas afinal, de qual Oriente e de qual Ásia estamos falando? Na perspectiva saidiana, o Oriente foi compreendido no Ocidente como algo imaginário, distante, misterioso e exótico, mas o que essas pesquisas têm demonstrado é a necessidade de compreensão e apreensão da História da Ásia a partir de um ponto de vista que supere as dicotomias oriental-ocidental e que faça prevalecer um olhar conectado entre passado e presente, entre o local e o global, entre o real e o virtual, entre assimilação e resistência. Não uma história do Oriente em oposição a uma história do Ocidente. Não uma História da Ásia em oposição a uma História da Europa. O que se buscou nesse dossiê foi analisar essas Histórias Conectadas, parafraseando Sanjay Subrahmanyam.

Por fim, nas entrevistas das professoras Mônica Muniz de Souza Simas e Marilia Vieira Soares apresentam-se alguns dos resultados e tendências dos estudos orientais e asiáticos no Brasil, no campo da Literatura e das Artes Cênicas, realizados em diferentes laboratórios e instituições, como relevantes contributos em seus diálogos interdisciplinares com a História da Ásia.

Gostaríamos de agradecer aos diversos autores que submeteram seus trabalhos para nossa avaliação, aos pareceristas de diferentes áreas de conhecimento que reforçaram essas conexões, e aos editores da Revista que acolheram essa proposta, bem como tornaram todo esse trabalho possível.

Boa leitura!

Samira Adel Osman – Professora Doutora (UNIFESP)

Jorge Lúzio Matos Silva – Professor Doutor (UNIFESP)


OSMAN, Samira Adel; SILVA, Jorge Lúzio Matos. Apresentação. Faces da História, Assis, v.6, n.2, jul / dez, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Arte e Literatura na Amazônia Global / Faces da História / 2018

Neste dossiê estão reunidos estudos acerca da arte e da literatura na Amazônia, aproximando pesquisadores interessados em problematizar os processos de criação, circulação, apropriação e consumo da arte e da literatura, assim como refletir sobre sua condição de fonte histórica. Rejeitamos o pensamento que, por um lado, interpreta a arte e a literatura como um universo autônomo, estudados por si mesmo e, por outro, considera-as como mero reflexo do seu contexto, isto é, consideramos que a obra expressa um processo ativo. Dessa maneira, deve-se relacionar o objeto de análise ao seu contexto, entendendo-o como interação social e não determinado por ela, pois compreendemos a arte e a literatura como expressões de cultura, não em sua totalidade harmônica, mas como zona de conflitos, contradições e oposições existentes no universo social. O autor, a obra e o observador adquirem significado quando colocados em seu contexto material e temporal, assim como a obra adquire uma maior significação quando entendida como parte da totalidade histórica.

Desta forma, temos a intenção, com este dossiê, de desconstruir antigos estereótipos que vislumbram a Amazônia, nascida, desde o século XVI, através do olhar do europeu sob o signo margem da margem do mundo, Eldorado: misto de espanto e expectativa (reduto de riquezas materiais), outrossim, na contemporaneidade, por conta de um exotismo herdeiro do oitocentos, apenas como terra de indígena, vazio populacional, localidade de violência, de florestas selvagens e animais perigosos. Interessa-nos expandir a historiografia da Amazônia como condições de possibilidades onde a voz dos artistas e intelectuais contribuíram com a criação / elucidação de identidades e realidades que por vezes são desconhecidas pela região centro-sul do país. Nessa medida, a intensão do dossiê é trazer à balia a Amazônia na sua alteridade. Daí a polifonia perceptível no conjunto de artigos que reunimos nessa coletânea.

Assim, sobre literatura, temos três artigos. Fadul Moura analisa o livro intitulado Frauta de Barro (2011 [1963]), de Luiz Bacellar, em dois momentos específicos: a visão do poeta acerca da cidade de Manaus e a presença poética de autores nacionais e internacionais em sua obra. Enquanto o autor baliza as tradições manuseadas por Bacellar a partir de sua “memória colecionadora”, vai deixando entrever a intenção do poeta em escapar da configuração tradicional do exótico em relação à Amazônia. Marinilce Oliveira Coelho examina a complexa relação entre a literatura e a memória na obra da escritora modernista paraense Sultana Levy Rosenblatt (1910-2007) a partir de elementos do testemunho pessoal e familiar de sua herança judaica. Observando por uma ótica histórica e literária, perpassa pela análise de diversas questões, como o movimento migratório de judeus para a Amazônia no final do século XIX e o antissemitismo. Matheus Villani Cordeiro, ao se basear na literatura produzida por relatos de viagem, apresenta a obra A Amazônia que eu vi: Óbidos – Tumucumaque (1930), de Gastão Cruls, para compreender a perspectiva deste em relação ao espaço amazônico e as influências que propiciaram a produção etnográfica a partir de sua obra.

Outra questão que se mostra importante no dossiê são as relações de intelectuais e artistas da Amazônia com escolas e movimentos artísticos europeus. Assim, João Augusto da Silva Neto apresenta as relações artísticas ocorridas entre o Brasil e a França na primeira metade do século XX por meio do pintor Manuel Santiago, amazonense, que viajou a Paris em 1928 com a finalidade de estudar arte. A partir de uma profunda análise da tela Tatuagem (1929), o autor discute o lugar de Paris no Brasil com base nas noções de centro e de periferia artísticas. Silvio Ferreira Rodrigues apresenta o vínculo entre o ambiente artístico paraense e a Itália, demonstrando que durante o Segundo Reinado Brasileiro a Amazônia foi palco de intenso intercâmbio cultural com o cenário artístico italiano pois, além de receber objetos de arte, artistas e inovadores movimentos estéticos, enviava para as academias italianas aspirantes a artistas, provendo intenso diálogo no campo das artes entre Brasil e Europa. Também em relação ao encontro com a Itália, Amanda Brito Paracampo analisa o meio artísticomusical belenense em relação à música operística e lírica em finais do século XIX e início do XX por meio de companhias italianas que se apresentavam no Teatro da Paz e da trajetória do maestro italiano erradicado em Belém, Ettore Bosio, em cuja modernidade musical incluía o folclorismo. Não só de encontros mas de desencontros trata Domingos Sávio de Castro Oliveira ao considerar a cidade de Belém do Grão-Pará do século XVIII enquanto local de intensa transculturação. O autor demonstra que o contato entre os saberes tradicionais e acadêmicos ocorrido entre indígenas, negros africanos, mestiços, religiosos e o arquiteto italiano Antônio José Landi deu origem a artes ornamentais e obras arquitetônicos repletas de matrizes culturais diversas adaptadas à região. Tunai Rehm, ao analisar a pintura Avenida Independência (1939), do artista belga Georges Wambach, fez uma leitura da história da cidade de Belém recorrendo a um encontro entre duas épocas, 1986, início do governo de Antonio Lemos, e 1939, ano da produção da tela.

As festas e folias como representações culturais e artísticas foram objetos de dois artigos. Letícia Souto Pantoja apresenta diversos festejos, círculos de sociabilidade e artísticos provenientes dos setores populares que habitavam Belém entre 1920 e 1940, período de decadência da borracha e aumento da miséria de grande parte da população do Norte. A autora demonstra que este período também foi de efervescência cultural articulada pelas camadas trabalhadoras pobres, culminando em muitas práticas festeiras cotidianas, como o boi bumbá e as pastorinhas. Já Leandro de Castro Tavares e Oseias de Oliveira pautam-se nas folias de santo nas áreas remanescentes de quilombos do município de Óbidos, Pará, resgatando seus traços étnicos enquanto cultura afro-brasileira. Além disso, ao discutir as dispersões escravas pela região e a formação de quilombos, apresentam cantos, folias e ladainhas das Folias de Santo que foram importantes para a formação de suas identidades.

Por fim, o cinema e o museu tem papel importante na cristalização de ideias e ideários e não poderiam ficar de fora. Para isto, Carlos Gabriel Sardinha de Medeiros analisa o filme Iracema, uma transa amazônica (1974) a partir de seu contexto de ditadura militar e de construção da Rodovia Transamazônica. Enfoca, no artigo, nas representações e alegorias apresentadas pelo filme que fizeram com que fosse censurado haja vista que apresentava, em tom de denúncia, o modo de vida da população amazônica na beira das estradas, assim como a caracterização dos indígenas enquanto entrave à modernização do país. Baseando sua análise em um guia de exposição chamado “Amazônia Urgente – cinco séculos de História e Ecologia”, Ellen Nicolau evoca narrativas e imagens que foram essenciais na ruptura de paisagens genéricas que estereotipam a Amazônia. A autora traz uma Amazônia enquanto fruto de conexões e materialização de diversidades históricas, assim como contribui para se pensar, a partir das exposições, sobre problemáticas ambientais e indigenistas.

Desejamos a todos uma excelente leitura.

Heraldo Márcio Galvão Júnior (UNIFESSPA)

Ana Clédina Rodrigues Gomes (UNIFESSPA)

Aldrin Moura de Figueiredo (UFPA)

Arcângelo da Silva Ferreira (UEA)


GALVÃO JÚNIOR, Heraldo Márcio; GOMES, Ana Clédina Rodrigues; FIGUEIREDO, Aldrin Moura de; FERREIRA, Arcângelo da Silva. Apresentação. Faces da História, Assis, v.5, n.2, jul / dez, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Economia e Política dos Impérios Ibéricos / Faces da História / 2018

Estudos históricos sobre os Estados ibéricos e seus impérios transcontinentais entre os séculos XV e XX contemplam ampla gama de aspectos econômicos, políticos, sociais, culturais e demográficos. Os artigos apresentados no dossiê “Economia e Política dos Impérios Ibéricos” transitam por alguns desses temas, com destaque para a História Econômica e a História Política. Em termos temporais e geográficos, abrangem o Brasil, a Metrópole portuguesa e a possessão africana de Moçambique, entre os séculos XVII e XX. Revelam, ainda, densas pesquisas, fundamentadas em documentação de arquivos e bibliotecas – Arquivo Histórico Ultramarino, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Público Mineiro, Arquivo Público do Estado de São Paulo. Foram perscrutados ofícios e correspondências administrativas, maços de população, atas de câmaras, testamentos, documentos pessoais, contratos de transações comerciais, livros do Santo Ofício, periódicos, enfim, uma grande variedade de fontes com o objetivo de alcançar respostas atinentes às indagações de cada artigo.

Suzana do Nascimento Veiga estuda a religiosidade da quarta geração de mulheres da família Dias-Fernandes, todas levadas ao Tribunal da Inquisição de Lisboa para serem processadas pelo crime de judaísmo. O escopo de seu artigo é destacar o protagonismo das netas de Branca Dias – a matriarca da família – como participantes da resistência de uma forma de judaísmo clandestino relegado ao silêncio.

Sob a perspectiva da História Política, Pedro Henrique de Mello Rabelo analisa as alterações do conceito de soberania na modernidade. Através da repercussão da invasão napoleônica da península ibérica nos artigos de Hipólito José da Costa publicados no jornal Correio Braziliense, destaca a importância desse conceito nos discursos políticos constitucionais do mundo ibero-americano. Questões conceituais também são tema do artigo de Jorge Vinícius Monteiro Vianna. Apoiado em Koselleck, procura identificar os significados do conceito de Independência no periódico Reverbero Constitucional Fluminense, nos anos de 1821 e 1822, inserindo-o na complexidade histórica que permeou o processo de emancipação do Brasil. Victor Hugo Abril realiza um estudo sobre os governadores interinos no Rio de Janeiro, no período de 1680 a 1763, com o objetivo de esquadrinhar a atuação dos governadores coloniais quando a Capitania fluminense transformou-se na capital da América Portuguesa. Esforço necessário, na ótica do autor, para a compreensão da governança colonial e de sua dinâmica. Felipe de Moura Garrido, com o auxílio de um software, que faz representações gráficas das redes sociais a partir de dados compulsados, estuda as estratégias de manutenção de poder das elites na vila de Taubaté, na Capitania de São Paulo, entre 1780-1808, reconstruindo parte da rede social da câmara para perceber os sujeitos com maior participação nas vereanças e os protagonistas nas decisões centrais tomadas nas suas reuniões.

No âmbito da História Econômica, os artigos apresentados exploram a lógica comercial da relação Metrópole-colônia, destacando a organização administrativa do Império, a fiscalidade e a atuação de relevantes sujeitos ligados ao comércio colonial. Mario Francisco Simões Junior analisa as diferentes formas de reflexão e de intervenção econômica dos ministros portugueses durante o século XVIII, particularmente, os Secretários de Estado, destacando a necessidade de ampliação da análise das conjunturas econômicas para a compreensão dos conflitos e das transformações nas políticas econômicas, que delimitaram a conduta dos ministros portugueses. A política fiscal, elemento essencial na exploração colonial, é analisada em dois artigos. André Filippe de Mello e Paiva apresenta as bases da formação do que chama de “Estado Fiscal” na cronologia do Império Português. Parte da análise das estruturas ligadas ao centro do poder para identificar mudanças administrativas relacionadas às novas demandas da expansão ultramarina. Posteriormente, foca “as estruturas da periferia”, para discutir a composição dos órgãos de poder locais. Essas estruturas locais são abordadas por Valter Lenine Fernandes, na Capitania do Rio de Janeiro da primeira metade do século XVIII. O artigo trata das inflexões na economia da região a partir da descoberta das minas de ouro no Brasil, com a imposição da cobrança da dízima da Alfândega sobre todas as mercadorias que entravam no porto do Rio de Janeiro, e realça o descontentamento de homens de negócio que operavam no comércio colonial e dos senhores de engenho, a partir de então, obrigados a pagar esse novo tributo.

Estudos de caso também foram objeto de dois artigos. Thiago Enes utilizou-se da atuação de Francisco José da Silva Capanema, um homem de negócios das Minas Gerais, para discutir a relação entre economia de privilégios e a conversão da acumulação mercantil em status pela régia concessão de mercês e de benefícios em fins do século XVIII. Muito embora o ethos nobiliárquico e o desprezo ao trabalho manual vigorassem, em Portugal e em seus domínios, floresceu vultoso comércio e a consequente ascensão econômica de indivíduos que almejavam conquistar posição social nos antigos padrões. Felipe Souza Melo estudou a movimentação comercial de Bento José da Costa, um negociante em Pernambuco no final do século XVIII. Através da quantificação de seu diário de escrituração, o artigo faz uma análise detalhada das operações mercantis do negociante nos mercados colonial e metropolitano, ressaltando a diversidade dos negócios, a importância do dinheiro para o giro mercantil de sua Casa, a ampla rede que tinha com os mercadores coloniais e a demora para a concretização de seus investimentos.

Marco Volpini Micheli debruçou-se sobre a diversificação econômica na Capitania de São Paulo entre 1798-1821, apontando para importantes transformações em sua economia e no seu espaço agrário a partir das políticas de fomento agrícola estimuladas pela Coroa e pelos agentes metropolitanos, o que implicou no desenvolvimento de culturas de gêneros variados em grande parte de seu território. Tendo por objetivo delinear as principais características da economia agrícola das vilas na marinha da Capitania de São Paulo, o autor constata a existência de duas regiões com diferenças significativas em suas economias: ao Norte, as localidades mantinham conexões com a Capitania fluminense; ao Sul, prevaleciam as relações comerciais com a vila de Santos.

Saindo da América Portuguesa, Thiago Henrique Sampaio nos revela aspectos da relação entre Portugal e a colônia de Moçambique na perspectiva imperialista do final do Oitocentos. Analisando as exportações metropolitanas de vinho e algodão, destaca a importância das pautas protecionistas no incremento do comércio com a possessão africana e discute determinadas alterações na política colonial portuguesa em consonância com o temor da perda de seus territórios, a partir da intensificação da presença europeia no continente.

O Dossiê traz também uma entrevista com Vera Lucia Amaral Ferlini, Professora Titular em História Ibérica da Universidade de São Paulo. Além da trajetória acadêmica da professora, que praticamente se confunde com os estudos de História Ibérica no Brasil, alguns temas caros à História de Portugal e Brasil são tratados: a importância da disciplina História Ibérica no curso de graduação; o debate sobre o Antigo Sistema Colonial e a ideia de Império Português; a criação de espaços para desenvolvimento e divulgação de pesquisas, como a Cátedra Jaime Cortesão e o Engenho São Jorge dos Erasmos.

A organização da presente edição insere-se nos trabalhos do grupo de pesquisa, sediado na Cátedra Jaime Cortesão (FFLCH / USP), que tem o mesmo nome deste dossiê, e cujo objetivo é, congregando pesquisadores de variados níveis e de diferentes universidades, fomentar o desenvolvimento de novas investigações sobre a História Ibérica, no espaço tanto da península europeia como dos impérios transoceânicos. Quanto a esta breve apresentação, esperamos apenas que desperte o interesse do leitor a respeito do tema “Economia e Política dos Impérios Ibéricos”. Boa leitura!

Paulo Cesar Gonçalves – Departamento de História UNESP / Assis

Pablo Oller Mont Serrath – Cátedra Jaime Cortesão FFLCH / USP


GONÇALVES, Paulo Cesar; SERRATH, Pablo Oller Mont. Apresentação. Faces da História, Assis, v.5, n.1, jan / jun, 2018. Acessar publicação original [DR]

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História e Patrimônio Industrial / Faces da História / 2017

A temática do Patrimônio vem ganhando cada vez mais espaço dentro das discussões do campo da História. Um esforço realizado não apenas por historiadores, mas por diversos pesquisadores de diversas áreas acadêmicas. Dentre as diversas possibilidades de compreensão dessa temática, temos as que se dedicam às estruturas provenientes da industrialização, que atualmente ganha destaque nas pesquisas nacionais.

De modo geral, as primeiras iniciativas que destacaram os vestígios industriais e sua importância, ocorreram na Inglaterra, por volta dos anos de 1950. Passado mais de uma década de discussões, em 1965, seria promovido um inventário do patrimônio industrial britânico e, a partir dai, a discussão ganharia mais espaço em diferentes países, surgindo nos anos seguintes, espaços de preservação de estruturas e vestígios industriais. Congressos e Convenções para discutir a temática, também se tornaram mais frequentes. Já em finais dos anos de 1970 e início de 1980, após a criação do Comitê Internacional para Conservação do Patrimônio Industrial – TICCHI, durante o Terceiro Congresso Internacional para a Conservação dos Monumentos Industriais, na Suécia (1978), a temática do patrimônio industrial é reconhecida institucionalmente e ganha destaque e força nas discussões acadêmicas em diversos países.

No Brasil, o tema e preocupação com estruturas e vestígios da industrialização ganhou destaque na academia a partir de finais dos anos de 1980 e início de 1990. Contudo, a preservação de bens, que hoje são caracterizados como patrimônios industriais, remetem os anos de 1950, quando foi considerado e preservado como patrimônio nacional o trecho da ferrovia Mauá-Fragoso e a locomotiva a vapor “Baronesa” (1954), e as estruturas remanescentes da Real Fábrica de Ferro São João de Ipanema, em Iperó (1964). Dentre os diferentes tipos de Patrimônio Industrial, o Ferroviário se destaca, principalmente, a partir da promulgação da lei 11.483 de 31 de maio de 2007, em que as estruturas e complexos ferroviários foram reconhecidos como patrimônio e necessários à preservação da memória e história nacional, devendo ser preservadas pelo IPHAN.

Assim, o dossiê que se segue é pautado pelo objetivo de apresentar resultados de pesquisas que tenham em foco a análise do Patrimônio Industrial e de seus conteúdos, buscando demonstrar seu caráter amplo e, dentro do possível, multidisciplinar, e suas relações com o universo social, político e cultural.

Nossa proposta foi sistematizada e composta por uma entrevista e 7 artigos, de especialistas de diferentes áreas acadêmicas, o que engrandece ainda mais a temática, trazendo diferentes perspectivas e olhares que contribuem para o enriquecimento da História. A entrevista foi feita com o historiador português José Lopes Cordeiro, pesquisador de grande importância mundial para a temática do Patrimônio e um dos responsáveis por chamar a atenção para a importância do Patrimônio Industrial e suas possibilidades.

Na seção de artigos, o primeiro texto é Reflexões acerca do Conceito de Patrimônio Cultural sob a Ótica do Patrimônio Industrial e da Arqueologia Industrial, de autoria de Ronaldo André Rodrigues da Silva e José Manuel Lopes Cordeiro. Os autores dissertam sobre a evolução histórica da ideia de patrimônio, problematizando o surgimento do conceito / ideia de Patrimônio Industrial, demonstrando sua importância para a compreensão socioeconômica e cultural da sociedade brasileira.

Por sua vez, o texto de Daniela Pistorello, Uma usina hidrelétrica ao sul do Brasil: tombar para preservar?, problematiza a ideia de preservação de estruturas industriais no país. Ao contextualizar o processo de tombamento e inscrição de seu objeto, a Usina Hidrelétrica Gustavo Richard (Santa Catarina), demonstra que a preservação gera diversos conflitos de interesses entre órgãos e secretarias, o que, por sua vez, acabou deixando a estrutura em questão sem qualquer uso, ou melhorias, sendo então o tombamento ineficaz ao propósito do Patrimônio.

Outras autoras também se debruçaram sobre um objeto em Santa Catariana, Michele Gonçalves Cardoso e Elaine Rodrigues, em Indústria Carbonífera em Siderópolis: Reflexões e disputas em torno dos patrimônios da Companhia de Siderurgia Nacional. Não obstante à Daniela Pistorello, relatam as disputas em torno do uso e preservação das estruturas da CSN, após o término de suas atividades no município em questão. Por meio de fontes orais, as pesquisadoras demonstram as diferentes tentativas de preservação e memória dos diferentes grupos e agentes, problematizando seus interesses e o processo de tombamento e preservação pelo poder público.

Em Biscoitos históricos: a musealização da Fábrica Leal Santos – Rio Grande / RS, Oliva Silva Nery discute a ideia de Patrimônio, com foco no Industrial, buscando compreender as possibilidades na reutilização de bens patrimoniais para compreender a história local. Em seu estudo, dedica-se às propostas de musealização de objetos de uma fábrica de biscoitos, parte do acervo de um museu local, a fim de problematizar a real abrangência e eficiência desse modelo de preservação patrimonial e se realmente contribui para preservação da história e memória.

Por fim, contamos com três manuscritos que se dedicam à compreensão de estruturas industriais similares e que, atualmente, é a mais discutida: as estruturas e complexos ferroviários. O primeiro texto a tratar dessa temática é o de Taís Schiavon, Patrimônio da Mobilidade no Brasil e o processo de identificação e valorização do território. Ferrovias e as paisagens industriais da região Oeste do Estado de São Paulo. Partindo da compreensão das estruturas ferroviárias enquanto estruturas da industrialização, essa autora faz um retrospecto histórico das ferrovias paulistas e sua função estruturante, como impulsionadora do surgimento de centros urbanos. Problematiza a relação das ferrovias com o crescimento e desenvolvimento, não apenas de cidades, mas de espaços industriais. Para atingir esses objetivos, faz uso de algo ainda pouco trabalhado pelos historiadores, ferramentas de georreferenciamento, resultando em diversos e importantes mapas. Por fim, ressalta a importância da preservação dessas estruturas e complexos industriais para a compreensão da memória e história de todo território paulista.

Já com objetivo de compreender como estão sendo realizados os processos de preservação do patrimônio ferroviário, Alice Bemvenuti, em Aspectos Históricos da musealização do Patrimônio Ferroviário brasileiro, busca problematizar a ação dos grupos que atuam em prol da conservação das estruturas das ferrovias no Brasil, mais especificamente da PRESERVE / PRESERFE. Essa pesquisadora, valendo-se de fontes orais, demonstra os conflitos e as memórias que esses grupos buscam preservar sobre as estradas de ferro no país.

Como último texto do dossiê, A História e o Patrimônio Industrial a partir de outro olhar: o que dizem os pisos do Complexo FEPASA (Jundiaí / SP, Brasil)?, de autoria de Juan Manuel Cano Sanchiz, procura agregar ao campo dos historiadores, a visão e compreensão da temática do Patrimônio Industrial Ferroviário brasileiro, a partir da ótica da Arqueologia Industrial, que ainda é pouco estudada. Valendo-se das metodologias da Arqueologia esse pesquisador demonstra como a arqueologia de vestígios materiais recentes, contribui de modo significativo para o campo da História. Dedicando-se ao estudo dos diferentes pisos do Complexo de Oficinas FEPASA, na cidade de Jundiaí, Sanchiz disserta que as estruturas industriais ferroviárias, principalmente as Oficinas, são locais de trocas de tecnologias e técnicas do Brasil, com outros países, demonstrando que o que era utilizado naquele espaço, era aplicado após o estudo e visitas em espaços industriais de outros países, como Inglaterra e Estados Unidos. Por fim, demonstra a importância da multidisciplinaridade e cruzamento de diversas fontes (orais, escritas, materiais), para compreender e preservar esses importantes espaços.

Por fim, esperamos cumprir com nosso objetivo de propor essa temática e que, com a leitura dos artigos e entrevista, possamos contribuir com a discussão e promoção da importância do Patrimônio Industrial, enriquecendo ainda mais suas relações com as pesquisas da área da História.

Eduardo Romero de Oliveira

Lucas Mariani Corrêa


OLIVEIRA, Eduardo Romero de; CORRÊA, Lucas Mariani. Apresentação. Faces da História, Assis, v.4, n.1, jan / jun, 2017. Acessar publicação original [DR]

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História Antiga: passado em conexão com o presente e diversidade nas abordagens / Faces da História / 2017

A proposta de publicação do Dossiê “História Antiga: passado em conexão com o presente e diversidade nas abordagens” está intrinsecamente relacionada com aspectos que permeiam o estudo da Antiguidade no Brasil e, tem como principais objetivos ressaltar a relevância dos estudos de História Antiga no país e evidenciar as contribuições promovidas por essas pesquisas nas pautas e questões da contemporaneidade.

Em tempos de intensos debates e indícios de que retrocessos sociais são cada vez mais possíveis – tanto em âmbito nacional, quanto internacional – o Dossiê enfrenta a tarefa de problematizar e desnaturalizar tópicos contemporâneos, a partir de objetos do passado. Tratam-se assim, notadamente, das discussões de gênero, dos direitos homossexuais e do sempre presente debate sobre a relação entre religião e política.

As pesquisas apresentadas no Dossiê estão em consonância com os principais expoentes teóricos de temas relacionados a questões de gênero e sexualidade, assim como destacam a voz de diferentes identidades através de perspectivas como a dos estudos pós-coloniais. Também possibilitam o debate sobre a complexa relação entre religião e política em um momento em que o princípio do Estado Laico tem sido ignorado.

Os artigos do dossiê foram organizados espacial e cronologicamente em quatro partes: I – Oriente / África; II – Grécia; III – Roma; IV – Usos do Passado. Dessa forma, os artigos integrantes desse dossiê congregam diversidades temáticas e de abordagem, contemplando assim, a força simbólica dos estudos desenvolvidos por autores de diferentes instituições universitárias do país.

Na parte I – Oriente / África, o foco está nos debates historiográficos relacionados aos estudos sobre a África Antiga. O artigo Miradas afrocêntricas em torno da africanização do Egito Antigo: entre racialização e identidades, de Raisa Barbosa Wentelemn Sagredo apresenta uma importante discussão da historiografia relacionada à África Antiga que considera corrente do afrocentrismo e os debate sobre as perspectivas de identidades e racialização. Em Antiguidade, afrocentrismo e crítica: invenção e mito na História Antiga, Gustavo de Andrade Durão evidencia o debate sobre a influência dos conceitos afrocentrismo e eurocentrismo nas análises da História Antiga.

A Parte II – Grécia é composta por artigos que atentam para aspectos como a etnicidade, sexualidade e política e, evidenciam diferentes formas de abordagens. No artigo A democracia ateniense e o ideal de liberdade na obra Os Heráclidas, de Eurípides, de Bruna Moraes da Silva, observa-se através da análise discursiva da tragédia elementos relevantes para a compreensão da sociedade ateniense. Por sua vez, o texto O relacionamento homoerótico na Grécia Antiga: uma prática pedagógica, de Tiago de Souza Monteiro de Andrade, discorre a respeito do homoerotismo e a construção social da sexualidade. Já Relações étnicas na obra de Eurípides (século V a.C.): uma análise de Alceste, Héracles e Andrômaca, de Renata Cardoso de Sousa, estabelece uma interessante análise sobre etnicidade e sua presença nos discursos, dos quais as tragédias faziam parte.

A parte III – Roma, os artigos trazem discussões sobre as perspectivas política, social e da historiografia romana. Adriele Andrade Ceola e Renata Lopes Biazotto Venturini, no artigo A interação entre o passado e o presente na construção da imagem imperial de Galba em Tácito, tratam da perspectiva da narrativa histórica taciteana e sua visão específica da figura imperial de Galba. Em A construção dos comportamentos cívicos: uma análise dos exempla no livro I de ab vrbe condita, Suiany Bueno Silva analisa o papel da historiografia antiga na manutenção da comunidade cívica. No artigo Eleições e boatos: O presente (de Trump) em conexão com o passado (de César), Ana Lucia Santos Coelho e Ygor Klain Belchior destacam, de acordo com a perspectiva dos Usos do Passado, uma discussão muito pertinente para a reflexão do atual cenário político. Nelson de Paiva Bondioli, no artigo Panegírico de Trajano: Da Antiguidade ao Presente, apresenta uma importante discussão sobre o trabalho com as fontes da Antiguidade e analisa a perspectiva das traduções do Latim para língua vernácula, aspecto de extrema importância no estudo da História Antiga.

Na parte IV – Recepção e Usos do Passado, o artigo O campo da História Antiga na Pós-Modernidade: do produtivismo ao consumo hipermidiático, de Rafael Virgilio de Carvalho e Daniela Dias Gomide, problematiza o lugar da cultura clássica na sociedade contemporânea, resultado das mudanças no campo científico.

Finalmente, os textos selecionados demonstram a diversidade de olhares e abordagens dos estudos desenvolvidos no contexto acadêmico atual. Dessa forma, pretendeu-se, com esse dossiê, evidenciar as temáticas sobre a Antiguidade e contribuir para os debates presentes.

Boa Leitura!

Andrea Lúcia Dorini de Oliveira Carvalho Rossi – Doutora (UNESP / Assis)

Amanda Giacon Parra – Doutora (UNESP / Assis)

Isadora Buono de Oliveira – Doutoranda (UNESP / Assis)

Organizadoras


ROSSI, Andrea Lúcia Dorini de Oliveira Carvalho; PARRA, Amanda Giacon; OLIVEIRA, Isadora Buono de. Apresentação. Faces da História, Assis, v.4, n.2, jul / dez, 2017. Acessar publicação original [DR]

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História antenada: mídias eletrônicas e a contemporaneidade / Faces da História / 2016

O dossiê que se segue é pautado pelo objetivo de apresentar resultados de pesquisas que tenham em foco a análise histórica de diferentes mídias eletrônicas e de seus conteúdos, bem como as diversas intersecções com o universo social, político e cultural, tanto no âmbito nacional quanto internacional.

A área de História ainda se ocupa muito parcialmente em constituir conhecimentos que, baseado em amplas e testadas pesquisas empírico-analíticas, forneça elementos de historicidade à realidade das mídias eletrônicas e de suas relações com outras instâncias da sociedade. Este dossiê é composto de alguns exemplos de trilhas que vão se abrindo para dotar de historicidade a formação e o desenvolvimento daquele fenômeno que é amplamente tocado a vida contemporânea.

Assim, os artigos selecionados demonstram o quanto conhecer e compreender historicamente as mídias eletrônicas e os seus conteúdos, seja na inter-relações entre as diferentes mídias, seja nas relações com as demais dimensões da sociedade, constituise em um caminho fértil para trazer a mídia eletrônica para o âmbito da pesquisa histórica e levar a história para o universo midiático. Procedimento capaz de romper com o presentismo reinante tanto no quadrante de conhecimento sobre os meios e seus usos, muitas vezes derivados de estudos da área de Comunicação ou Ciências Sociais, quanto nas visões e apreciações constantemente emitidas pelas mídias eletrônicas sobre diferentes aspectos da vida social, política e cultural, quer do presente quer do passado, ou, ainda do futuro.

O artigo que abre o dossiê, “O negacionismo do Holocausto na internet: o caso da Metapédia – a encicplopédia alternativa”, de autoria de Bruno Leal Pastor de Carvalho, problematiza a difusão dos conteúdos históricos na internet a partir do caso da Metapédia. O autor analisa o projeto de modo amplo, buscando compreender como as ideias negacionistas são veiculadas por meio daquela página eletrônica.

O segundo artigo, “Da história instantânea ao arquivo infinito: arquivo, memória e mídias eletrônicas a partir do Center for History and New Media (George Mason University, EUA)”, de Pedro Telles da Silveira, apresenta dois arquivos digitais norteamericanos relacionados aos eventos de 11 de setembro e a passagem do furacão Katrina. O autor os problematiza à partir dos debates contemporâneos sobre a memória e a escrita da história.

O terceiro artigo, “Juventudes, Socialização e temporalidades: vínculos midiatizados”, de Cirlene Cristina Souza e Marcial Maçaneiro, analisa a midiatização da cultura contemporânea tendo como eixo norteador a compreensão dos conceitos de juventudes, socialização e temporalidade.

O artigo “Mocidade independente: experimentalismo na TV brasileira”, de Rafael Paiva Alves, apresenta uma discussão sobre as relações entre indústria da música e televisão no Brasil a partir do estudo do programa “Mocidade Independente”, transmitido pela Rede Bandeirantes no ano de 1981.

O último artigo do dossiê, “Representação: construindo as diferenças em Rocks at Whiskey Trench”, de Luiz Alexandre Pinheiro Kosteczka, enfoca o documentário canadense de Alanis Obomsawin. O autor busca explicitar o conceito de representação no filme documentário, a constituição de identidade e as relações entre a produção audiovisual e a escrita de história.

O dossiê ainda conta com a entrevista da professora e pesquisadora Évelyne Cohen, da École Nationale Supérieure des Sciences des l’Information et des Bibliothèques (ENSSIB-Université de Lyon) contando com denotadas pesquisas e obras sobre a história da televisão francesa. A entrevista constitui-se em material indispensável aos historiadores ocupados com televisão como objeto ou fonte de estudo, bem como aos interessados em conhecer ou se aprofundar nas questões que têm sido pensadas e respondidas por historiadores franceses sobre o meio.

Áureo Busetto

Eduardo Amando de Barros Filho

Wellington Amarante Oliveira


BUSETTO, Áureo; BARROS FILHO, Eduardo Amando de; OLIVEIRA, Wellington Amarante. Apresentação. Faces da História, Assis, v.3, n.1, jan / jun, 2016. Acessar publicação original [DR]

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O lugar sem limites: América Latina em perspectiva / Faces da História / 2015

O v. 2 n.1 (jan / jun.2015) da Revista Faces da História apresenta o dossiê O lugar sem limites: América Latina em perspectiva. Diante do nítido crescimento e valorização dos estudos latino-americanistas no Brasil, o presente dossiê se mostra um espaço fértil para novas reflexões acerca do tema.

O amplo leque de possibilidades na abordagem de um território tão vasto se reflete nos artigos que compõe o dossiê, os quais traçam recortes que privilegiam a multiplicidade geográfica, política, social, cultural e mental do continente Americano, contemplando os mais variados períodos e espaços, utilizando-se de inúmeras fontes, metodologias e teorias.

O próprio entendimento do termo América Latina, no qual estão inseridos elementos políticos, geográficos, étnicos e identitários, abre o dossiê. O artigo Gênese e atualidade da noção de América Latina: uma reflexão sobre o sentido histórico da integração continental, de Fabio Luis Barbosa dos Santos, propõe um debate acerca do sentido e validade da expressão acima citada, além do pertencimento do Brasil à região. Para alcançar esse objetivo, o autor recupera discussões do século XIX, desde a paternidade da expressão, passando pelo pensamento do cubano José Martí e pelo significado nacional, anti-imperialista e político que ela adquire, chegando às considerações de Leslie Bethell sobre o esvaziamento de significado do termo.

Dialogam com os debates acerca do significado de América Latina os projetos de artistas e intelectuais que buscam integrar, representar e (re)pensar a região. Neste sentido, Fernanda Nunes Moya, no artigo Francisco Curt Lange e o Americanismo Musical nas décadas de 1930 e 1940, mostra como a integração cultural do continente foi buscada a partir da música. Para a concretização do projeto de “americanismo musical”, que reconhecia na música um elemento promotor da cooperação e agente da integração dos povos americanos, a colaboração dos intelectuais e artistas em torno do desenvolvimento de instituições e periódicos, pesquisa e divulgação da música americana, foi imprescindível.

Quezia Brandão e Wagner Pinheiro Pereira contribuem para o debate sobre a representação da América Latina através da análise do filme A Idade da Terra, de Glauber Rocha. Os autores, além de compreenderem a obra como “uma nova concepção de América Latina e do ser latino-americano”, que busca resgatar as raízes africanas e indígenas, a cultura mística e as heranças coloniais da região, inserem o filme no amplo contexto de discussões historiográficas que pensam a integração territorial e o reconhecimento do Brasil como parte da América Latina.

Eustáquio Ornelas Jr., partindo da relação interamericana entre Estados Unidos e América Latina, a qual entende como uma circulação, questionando a noção de imperialismo cultural, propõe analisar o desenvolvimento e organização da coleção de arte latino-americana desenvolvida pelo MoMA. No artigo Um “empreendimento pioneiro”: o catálogo da Coleção Latino-Americana do MoMA (1931-1943), o autor insere a produção do catálogo em um contexto político-cultural mais amplo: a Política de Boa Vizinhança. Ainda, busca mostrar, através do levantamento dos países e artistas em destaque nessa coleção, como o Museu entende e representa a arte latino-americana.

O desenvolvimento da produção historiográfica acerca dos estudos em América, produção esta que dialoga com os acontecimentos políticos e econômicos, nacionais e mundiais, também é contemplado no presente dossiê. Renato César Santejo Saiani, preocupado em entender “qual o espaço ocupado por Cuba na produção de História da América, quais os temas privilegiados e o que influenciou essas escolhas”, realiza um balanço oportuno sobre a produção historiográfica nacional e articula a produção de dissertações e teses com as mudanças e consolidação do campo de História da América no Brasil das últimas décadas.

Ainda referente à historiografia latino-americanista, é notável que países localizados ao norte do nosso continente ocupam um pequeno espaço. Iuri Cavlak em O Extremo Norte da América do Sul: A Guiana Inglesa e o Suriname no século XIX, apresenta raro estudo sobre essa região, no qual ressalta a dificuldade de acesso às fontes primárias e historiografia acerca do tema. O autor traça um panorama histórico das ex-colônias inglesa e holandesa durante o século XIX a partir de entrecruzamento da história social, política e econômica. Importante notar que, conforme esclarece Cavlak, embora situadas na América do Sul, a região em questão é englobada pela historiografia caribenha, campo que se debruça de forma mais intensa em ilhas como Cuba, Haiti e República Dominicana. No caso da historiografia brasileira e sul-americana de forma geral, a escassez de pesquisas provavelmente se justifica pela falta de contatos comerciais, políticos, sociais e culturais.

Marcus Vinicius da Costa também percorre regiões pouco exploradas pelos estudos latino-americanistas. Buscando entender a prática do contrabando na América Latina em uma zona específica, a fronteira oeste do Rio Grande do Sul, nas cidades-gêmeas de São Borja e Santo Tomé, se depara com a escassez de pesquisas sobre essas localidades e as práticas de contrabando no período, sendo necessário partir das fontes primárias para chegar ao objetivo proposto. Além da própria prática do “descaminho” entre as cidades, o autor se propõe a perceber a intervenção do governo imperial brasileiro para o combate a essa prática.

Apresentando a imprensa como ponto em comum, estão os artigos O “Jornal do Commercio” e as representações sobre a Argentina na crise do Brasil Império (1870-1889), de Paula da Silva Ramos, e O papel da imprensa na circulação de ideias e de intelectuais antifascistas entre a Argentina, Uruguai e a França (1933-1939), de Ângela Meirelles de Oliveira. Paula da Silva Ramos mostra a importância de analisar as representações produzidas pela intelectualidade brasileira sobre as repúblicas hispano-americanas. Isso, pois havia, entre as regiões citadas, grandes discrepâncias políticas, econômicas e sociais, além de disputas fronteiriças. Tais representações nos fornecem elementos para entender “as elaborações a respeito da própria identidade brasileira, construída no embate de interpretações sobre as nações vizinhas, com destaque à Argentina”. Já Ângela Meirelles de Oliveira mostra que a imprensa representou um meio privilegiado de intercâmbio político, intelectual e cultural entre os países do Cone Sul, Argentina e Uruguai, e a França, durante os anos de 1930. Sendo a principal “arma de combate” às ideias de Hitler, os jornais e revistas desenvolvidos pelos intelectuais serviam ao propósito de intervir na vida social.

Encerrando os artigos do dossiê temos o ensaio de Raul Aguilera Calderón, Proposta de um método para a análise das continuidades, passado-presente. O caso da dança entre os xi’iui (pames) de Santa María Acapulco. O autor propõe “apresentar uma proposta metodológica, com base na linguística saussuriana, para a análise historiográfica que ajude a estudar as continuidades entre passado e presente”. Ainda, como estudo de caso, apresenta a dança realizada pelos pames (xi’iui) de Santa María Acapulco, grupo indígena que habita a Serra Gorda de São Luis Potosí, México.

Ainda compondo o dossiê temos a entrevista com o historiador mexicano Doutor Álvaro Vázquez Mantecón, professor investigador da Universidad Autónoma Metropolitana – Azcapotzalco. Mantecón enriquece o debate em torno da América Latina através do diálogo entre história, política e cultura, utilizando-se principalmente das imagens fotográficas e cinematográficas. Na entrevista, fala sobre suas experiências com exposições, fotografia e cinema latino-americanos, além de reforçar os cuidados dos historiadores ao lidar com fontes imagéticas.

Carlos Alberto Sampaio Barbosa

Andréa Helena Puydinger De Fazio

Priscila Miraz de Freitas Greco

Organizadores


BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio; DE FAZIO, Andréa Helena Puydinger; GRECO, Priscila Miraz de Freitas. Apresentação. Faces da História, Assis, v.2, n.1, jan / jun, 2015. Acessar publicação original [DR]

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Olhares sobre o Medievo: fronteiras e problemas / Faces da História / 2015

 

O Dossiê dedicado aos estudos vinculados a Idade Média parece-nos que veio em boa hora, no sentido de firmar posição deste recorte espaço-temporal tanto no que se refere à relevância sobre os debates da medievalidade no campo da historiografia, como por valorizar a importância de se “fazer” e “ensinar” História Medieval no Brasil.

As assertivas acima apresentavam menor importância no cenário do país no momento em que o dossiê foi proposto, há quase um ano atrás. É certo que a história é encantadoramente dinâmica e está incondicionalmente ligada ao tempo presente. Assim sendo, nosso dossiê coloca-se em circulação hoje, em plena discussão sobre as alterações relacionadas ao ensino de história propostas em um projeto ligado ao Ministério da Educação (MEC), no qual se cria uma Base Nacional Curricular em que a Antiguidade e o Medievo são convidadas a se afastar das nossas salas de aula.

Desta maneira, postulamos que este dossiê se configura, não apenas como uma simples coletânea de textos, mas também como um grito de alerta quanto à importância da reflexão histórica sobre esse período. O roteiro de leituras que os artigos aqui publicados fornecem ao leitor, mostra a dinâmica destes estudos no que se refere a sua relação com problemas da sociedade contemporânea e o quanto esse exercício de alteridade pode contribuir para nossa formação social, cultural e política, posicionandose, portanto, de lado oposto a esta possível ingerência Estatal.

Partindo desta premissa, acreditamos que o dossiê “Olhares sobre o Medievo: fronteiras e problemas” tem por escopo apresentar ao leitor um amplo painel da História Medieval. Deste modo, a variedade de temáticas apresentadas pelos diferentes autores, possibilitam aos estudantes, pesquisadores, professores e demais leitores interessados, uma reflexão crítica, não apenas do processo histórico em questão ou de suas infinitas possibilidades de abordagem, mas também sobre a relevância de se manter tal campo da História no currículo escolar.

O artigo que abre o dossiê “O rei e a lei”, de autoria de Olga Pisnitchenko, faz uma análise acerca das relações entre realeza e direito medieval na Baixa Idade Média Ibérica. A partir de algumas reflexões em torno das obras jurídicas de Alfonso X, a autora realiza uma análise sobre a representação real a partir de três obras legislativas de Alfonso X: Fuero Real, Especulo e Siete Partidas. Em tais fontes podemos ver que o rei, apesar de ser apresentado tanto como o juiz e o legislador supremo, ao ser idealizado como persona publica, deve atuar sempre colocando em primeiro plano o bem do reino, e não sua vontade pessoal.

O segundo texto, de autoria de Rodrigo Prates de Andrade, intitulado “Repensar as muitas Idades Médias: os Estudos Medievais e a Historiografia Nacional”, voltase para a “eterna” questão do porque se estudar Idade Média no Brasil. O objetivo deste texto é problematizar um discurso corrente nas esferas acadêmicas nacionais e internacionais que atribui a Idade Média uma fase embrionária ou intermediária do processo histórico.

O terceiro artigo, “Aqui jaz Arthur: literatura arturiana no medievo e seu reflorescimento na Idade Contemporânea”, de Caio Fernando Flores Coelho, propõe analisar obras literárias chaves que criaram múltiplas versões da lenda arturiana durante a Idade Média, bem como, a retomada deste mote na Idade Contemporânea induzida, no século XIX, pelo Romantismo.

O quarto trabalho, de Vinicius Cesar Dreger de Araujo, que tem como título “Limites saxonicarum – Fronteiras militares na Inglaterra Anglo-saxônica e na Saxônia continental, séculos IX e X”, disserta sobre o conceito de fronteira como categoria para análise da Idade Média. O autor procura debater, dentro de uma perspectiva comparativa, as fronteiras militares estabelecidas entre os Anglo-saxões e Escandinavos na Inglaterra e as constituídas pelos Saxônios e Bávaros, contrapunha-se a Eslavos e Magiares entre os séculos IX e X.

O quinto texto, “Definindo Alteridade: um estudo sobre as noções de Raça e Etnia nas Siete Partidas e na Primera Crónica General de España de Afonso X”, de Carolina Ferreira de Figueiredo, propõe problematizar as noções sobre raça e etnia no período medieval. Para tal, a autora elegeu duas fontes documentais produzidas no tempo do governo de Afonso X, uma de cunho jurídico, a Siete Partidas, e outra de estilo cronístico, a Primera Crónica Generalde España. A escolha desses documentos e deste monarca se justifica pela intensa (e nem sempre pacífica) convivência entre cristãos, mouros e judeus no período estudado.

Como sexta produção do dossiê, temos o artigo “Entre a arte e a ciência: as visões sobre a cartografia medieval”, de Thiago José Borges. Neste trabalho, o autor disserta sobre as percepções e proposições que, em díspares contextos historiográficos, permearam o entendimento, a descrição e a sistematização dos testemunhos legados pela produção cartográfica medieval.

Finalizando nosso dossiê, apresentamos a entrevista com um dos mais importantes medievalistas brasileiros, o professor Hilário Franco Junior, que enriquece o debate em torno da produção científica sobre a relação entre medievo e a contemporaneidade, ao abordar por meio de um diálogo profícuo, temas ligados ao ofício de historiador, assim como questões voltadas diretamente ao panorama político e cultural brasileiro.

Ligia Cristina Carvalho

Pâmela Torres Michelette

Raquel de Fátima Parmegiani

João Paulo Charrone


CARVALHO, Ligia Cristina; MICHELETTE, Pâmela Torres; PARMEGIANI, Raquel de Fátima; CHARRONE, João Paulo. Apresentação. Faces da História, Assis, v.2, n.2, jul / dez, 2015. Acessar publicação original [DR]

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História e Filosofia: elos e confrontos entre genealogia e hermenêutica / Faces da História / 2014

História e Filosofia: elos e confrontos entre genealogia e hermenêutica na historiografia

Em seu segundo número, a revista Faces da História apresenta o dossiê História e Filosofia: elos e confrontos entre genealogia e hermenêutica.

As interfaces entre história e filosofia sempre se deram de forma mista: por vezes com importantes e produtivas interações; em outros momentos, todavia, uma surdez mútua ou mesmo rejeições caracterizaram esse difícil convívio.

Na historiografia contemporânea, dois importantes filósofos contribuem para a emergência de novas formas de diálogo entre os profissionais de ambas as disciplinas: Michel Foucault e Paul Ricoeur. A genealogia foucaultiana e a hermenêutica ricoeuriana constituem hoje importantes referenciais aos historiadores que se dedicam a uma reflexão crítica dos fundamentos históricos, epistemológicos, políticos e éticos que envolvem a produção e a recepção de um texto historiográfico.

Os trabalhos desenvolvidos por Michel Foucault buscaram, na esteira da genealogia nietzscheana, descrever as relações históricas entre saber e poder. Sua relação com os historiadores inicia-se desde a publicação de seu primeiro livro, História da Loucura na idade clássica, que, um ano após sua publicação, em 1962, recebeu uma resenha junto ao periódico então intitulado Annales. Économies, Sociétés, Civilisations, assinada por Robert Mandrou e Fernand Braudel. Esta relação se intensificou, principalmente, após a década de 1970, com a chamada terceira geração dos Annales. Se, por um lado, historiadores como Jacques Le Goff e Paul Veyne procuraram exaltar os textos de Foucault como um novo modo de pensar e escrever a história, por outro, historiadores como François Dosse e Carlo Ginzburg, por exemplo, não pouparam críticas às suas arqueologias e genealogias, sublinhando que elas possuíam caráter profuso e estetizante.

Ainda que a filosofia foucaultiana não tenha estabelecido bases teórico-metodológicas a serem seguidas, é inegável a presença desse pensamento permeando as discussões recentes tanto em torno do estatuto do saber historiográfico quanto contribuindo com problemas à prática de produção do conhecimento histórico; um uso como caixa de ferramentas, tal como o próprio Foucault propunha a leitura de seus trabalhos.

Quanto a Paul Ricoeur, após a publicação de Tempo e Narrativa (1983- 1985) e, principalmente, após A memória, a história, o esquecimento (2000), sua filosofia tornou-se mais conhecida entre os historiadores, ainda que a apropriação desta pela história seja bastante variável. Autores como Roger Chartier, François Hartog e Antoine Prost referem-se à filosofia ricoeuriana para debater questões ligadas às conexões e divergências entre memória e história, ao papel da narração em história, e para defender o discurso histórico enquanto produção que almeja a verdade, em oposição aos referentes ficcionais. Contudo, essa apropriação se dá ainda de forma parcial, cheia de reticências. Já outros historiadores como François Dosse, Patrick Garcia e Christian Delacroix concedem um espaço bem maior para a filosofia ricoeuriana: o pluralismo interpretativo, o círculo mimético e a hermenêutica histórica tornam-se referenciais em nível fundamental para a produção do conhecimento histórico com estes autores. As apropriações, críticas e dissociações entre a filosofia de Ricoeur e os historiadores são múltiplas e desiguais.

Genealogia e hermenêutica, portanto, tornam-se duas efêmeras rubricas. Elas cumprem o esforço de construir uma direção, ainda que provisória, a um conjunto de relações diversificadas entre a filosofia e a história. Relações estas que não se fiam somente nas figuras de Foucault e Ricouer.

Poderíamos, diacronicamente, nos remeter também aos diálogos e críticas de Friedrich Nietzsche a Friedrich Schleiermacher, aos debates suscitados por Wilhelm Dilthey, à crítica documental da escola metódica, à sociologia de Max Weber, às leituras desiguais da obra de Martin Heidegger por Hans-Georg Gadamer e pelos próprios Michel Foucault e Paul Ricoeur, a filosofia de Gilles Deleuze; enfim, as ressonâncias entre genealogia, hermenêutica, História e Filosofia são inúmeras e fundamentais para a historiografia contemporânea.

Os quatro artigos reunidos neste dossiê, assim, demonstram o quão múltiplas são as temáticas e as abordagens possíveis.

De início, temos a contribuição de Fabrício Pinto Monteiro que, a partir das memórias de alguns autores / militantes do chamado anarquismo pós-estruturalista, procura pensar as interfaces entre propostas políticas e formas de escrita da história. Para isso, perpassa pelas narrativas de diversos autores – cuja orientação política se alinha a essa renovação da política ácrata emergente na segunda metade do século XX -, e destaca a importância que os pensamentos de Max Stirner, Friedrich Nietzsche e Michel Foucault tiveram na constituição dos trabalhos desses intelectuais.

As relações entre a intelectualidade e a sociedade são o principal eixo da reflexão desenvolvida por Diogo Quirim. O autor propõe discutir o papel do intelectual a partir de uma perspectiva que não o aparte de sua imersão na sociedade e no tempo. O texto perfaz um duplo movimento: em primeiro lugar, o autor se debruça sobre o mito da caverna, de Platão, e sugere, como alternativa a esta imagem, a noção de kairós – oportunidade, ocasião ou circunstância particular -, de Isócrates, que propõe uma filosofia que não precisaria afastar- se da multidão para ter sua legitimidade; em seguida, esse debate é atualizado em função das diferentes formas pelas quais Carlo Ginzburg e Dominick LaCapra compreendem a historiografia.

Lucas Almeida Pereira, em seu texto O ser e a história: Uma análise da ontologia histórica em A memória, a história, o esquecimento de Paul Ricoeur, trata de um tema essencial para a historiografia contemporânea: a ontologia histórica de Ricoeur. Os debates epistemológicos dos historiadores há muito contornam as questões ontológicas, seja em função do distanciamento que se estabeleceu entre história e filosofia ao longo do século passado, seja para evitar os conflitos relacionados às teorias da história. O autor aborda com bastante clareza os temas da memória, narrativa, ontologia e representância na filosofia de Ricoeur e apresenta as possibilidades abertas por esses debates aos historiadores de ofício.

O artigo intitulado O Conceito Dialético de Interpretação na Filosofia Hermenêutica de Paul Ricoeur, de Filipe Caldas O. Passos, organiza-se em torno da filosofia de Ricoeur e da forma como ela abre espaço para vários níveis de análise, diferenciando-se por isso tanto da tradição hermenêutica quanto da tradição crítica. Demonstra tal objetivo a partir de certo elo que Ricoeur estabelece entre epistemologia e ontologia, tendo como foco o conceito de interpretação e os níveis dialéticos relativos a essa operação.

Além desses quatro artigos, João Rodolfo Munhoz Ohara nos apresenta sua tradução ao texto Tudo está estremecido: por que a filosofia da história floresce em tempos de crise?, de Hermann Paul – professor de Teoria da História da Universidade de Leiden, Holanda.

Por fim, o dossiê encerra-se com a entrevista do professor Dr. José Carlos Reis. Professor da Universidade Federal de Minas Gerias e com uma vasta contribuição bibliográfica às áreas de Teoria e Filosofia da História e História da Historiografia, Reis aborda o tema com o conhecimento de quem se dedica já há um bom à área. As questões abordadas são tratadas de forma franca e com a clareza que uma entrevista deve comportar. Sem dúvida uma contribuição impar para os estudantes e pesquisadores da área de Teoria e Filosofia da História.

Boa leitura!

Assis, 20 de dezembro de 2014

Hélio Rebello Cardoso Júnior

Rodrigo Bianchini Cracco

Tiago Viotto da Silva

Editores


CARDOSO JÚNIOR, Hélio Rebello; CRACCO, Rodrigo Bianchini; SILVA, Tiago Viotto da. Apresentação. Faces da História, Assis, v.1, n.2, jul / dez, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Impressos periódicos: debates e perspectivas / Faces da História / 2014

O lançamento de uma revista é sempre um acontecimento auspicioso, tendo em vista a relevância assumida por esse tipo de veículo na divulgação dos resultados das pesquisas concluídas ou em curso. Faces da História apresenta-se com importante particularidade, pois se trata de publicação concebida e organizada sob a responsabilidade dos alunos de mestrado e doutorado em História, do curso de Pós-graduação da Unesp, campus de Assis. Retomam-se assim os fios da tradição instituída pela revista Pós-História, que circulou entre 1993 e 2006 e somou catorze números.

Atualmente, o Qualis da Capes determina, de maneira bem explícita, os quesitos mínimos para que uma publicação seja considerada científica, o que inclui editor responsável, conselho editorial e consultivo, com a devida afiliação institucional, ISSN, linha editorial explícita, normas de submissão, avaliação por pares, mínimo de catorze artigos para as de periodicidade anual, resumos e descritores em duas línguas, data de recebimento e aceitação de cada artigo, além do cumprimento rigoroso da regularidade das datas de publicação. Para a atribuição da qualificação em extratos, a esses critérios obrigatórios somam-se as indexações em bases de dados e o pertencimento a portais, o aporte financeiro de agências de fomento, a ausência de endogenia, a composição dos conselhos, frequência de publicação (anual, semestral quadrimestral), ao lado da necessária qualidade do que se estampa nas páginas – em outros termos, o reconhecimento da publicação pelos pares.

A simples enumeração bem evidencia que a fatura de uma revista acadêmica não é tarefa simples e o domínio de suas etapas, bem como o esforço em colocar-se nos extratos superiores, requer um saber específico e de grande valia para os profissionais da área, razão pela qual deve ser saudada a disposição dos alunos de assumirem tal empreitada.

O dossiê desse número inaugural é dedicado aos impressos periódicos, tipo de documentação que ocupa lugar de destaque nos trabalhos historiográficos contemporâneos, que elegem temáticas e orientações metodológicas diversificadas, aliás, como se verifica nos oito artigos aqui reunidos.

Para começar, a contribuição de Mauro César Silveira que, em perspectiva comparativa, analisa a imprensa no Cone Sul. Passa em revista aspectos da trajetória dos jornais na região com destaque para o grupo argentino Clarín, além de deter-se nos estudos recentes sobre os jornais e revistas levados a cabo nesses países, com seu novo rol de indagações e sugestões de abordagem.

O Rio de Janeiro do século XIX e suas revistas humorísticas são objeto de reflexão de Renan Rivaben Pereira, que fornece um panorama das principais publicações lançadas a partir de 1850, seus responsáveis, objetivos e fontes de inspiração. O autor detém-se de forma mais pormenorizada nos projetos de Henrique Fleiuss e Angelo Agostini, evidenciando as possibilidades analíticas e os debates suscitados pela Semana Ilustrada e Revista da Semana. Camila Soares López, por sua vez, apresenta a fervilhante vida intelectual da Paris de fins do século XIX que se tem a oportunidade de adentrar por meio do Mercure de France, periódico de destaque no cenário francês e a partir do qual se acompanham os debates literários e culturais daquele tempo.

No que respeita às questões de gênero, não restam dúvidas quanto à importância dos periódicos para revelar valores, hábitos e prescrições que cercavam as mulheres, como bem evidencia o artigo de Tânia Regina Zimmermann e Ana Carolina Oliveira Carlos, que retoma o jornal A Cruz, em circulação em Cuiabá entre os anos 1910 e 1915. O título do periódico explicita sua a vinculação com a Igreja Católica, cuja intenção era a de definir papéis bem claros e distintos para homens e mulheres, confinando às últimas ao espaço doméstico e às obrigações para com os filhos, o marido e o lar, tal como se observa no exemplo estudado.

A imprensa periódica é um produto híbrido, de caráter transnacional cujos modelos e gêneros circulam para além das fronteiras nacionais, aspecto patente nos artigos já citados, mas que se assume o centro da cena no texto de Flavio Ribeiro Francisco. Este trata das apropriações entre o jornal da imprensa negra paulista Clarim da alvorada (1924-1926) e o norte-americano Negro World, que divulgava as atividades políticas do líder radical negro Marcus Garvey, o que acabou por alterar a linha editorial inicialmente adotada e reservar outro lugar à África.

Em contexto e registro diversos, é também a questão da linha política adotada na contribuição de Raquel Oliveira Silva, cujo tema é o posicionamento da imprensa baiana durante a Segunda Guerra Mundial frente ao tenso desenrolar dos acontecimentos daqueles anos, registrado nos jornais do estado. Se, antes de 1942, era possível a circulação de um periódico simpático aos regimes totalitários, a exemplo do que se observava no Rio de Janeiro com o diário Meio Dia, de Joaquim Inojosa, a situação alterou-se em 1942, com a entrada para a ordem do dia do esforço de guerra e a presença marcante dos EUA e sua política da Boa Vizinhança, como se observa no exemplo apresentado.

É também o contexto político que pode impor a decisão de abandonar o país de nascimento e partir em busca de refúgio, a exemplo do ocorrido por conta dos regimes de exceção que assolaram a América Latina no século passado, que resultou numa efetiva diáspora. O artigo de Raphael Coelho Neto e Thiago Henrique O. Prates analisa duas revistas: Araucaria de Chile (1978-1990), fundada em Paris por exilados do regime de Pinochet, e Encuentro de la Cultura Cubana (1996-2006), com sede em Madri, criada por um polêmico dissidente do regime. Espaços de agregação e de debates de ideias, essas publicações resultam do engajamento em prol da alteração da ordem vigente.

Os primeiros anos da revista Annales são objeto de análise de Andrew Lima, que retoma o percurso dos fundadores, Lucien Febvre e Marc Bloch, mas também Paul Leuilliot, nem sempre devidamente mencionado. O autor acompanha a publicação, tão simbólica para os historiadores, até o início da direção de Fernand Braudel.

O dossiê encerra-se com a entrevista de Marie-Éve Thérenty, renomada estudiosa das relações entre literatura e imprensa, professora da Universidade de Montpellier III, que tem a oportunidade de discutir sua trajetória intelectual e os seus temas de pesquisa.

Assis, 22 de junho de 2014.

Tania Regina de Luca – Unesp / CNPq


LUCA, Tania Regina de. Apresentação. Faces da História, Assis, v.1, n.1, jan / jun., 2014. Acessar publicação original [DR]

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Faces da História | UNESP | 2014

FACES DA HISTORIA1

A Revista Faces da História (Assis, 2014-), exclusivamente eletrônica, tem por finalidade publicar artigos originais e inéditos, traduções, resenhas e entrevistas relacionadas aos estudos na área da História e das Ciências Humanas e Sociais. A revista aceita trabalhos submetidos por alunos de mestrado e de doutorado, bem como doutores e professores. Os trabalhos poderão ser redigidos em português, espanhol, inglês e francês. A qualquer tempo, a critério do Conselho Editorial, a revista poderá publicar números especiais. As diretrizes para autores encontram-se no campo que trata das submissões (clique em sobre e depois em submissões).

A revista não possui fonte de financiamento e é produzida a partir do trabalho voluntário dos discentes do programa de Pós-Graduação em História da UNESP de Assis.

Periodicidade semestral (junho e dezembro).

Acesso livre

ISSN 2358-3878

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A História da África e afro-brasileira: perspectivas, experiências e diálogos / Faces da História / 2016

A História Africana e Afro-Brasileira tem alçado espaços antes limitados academicamente. Reflexo do esforço de militantes e acadêmicos, a preocupação com esse campo se mostra fortalecido e aberto às diferentes abordagens. O presente dossiê é pautado pelo objetivo de apresentar tais reflexões de pesquisa. Em 2018 serão comemorados os 130 anos da abolição da escravidão no Brasil, representada por imensas contribuições historiográficas, cujo tema permanece bastante longínquo de esgotar-se.

Ademais, impulsionados através da Lei n°. 10639 sancionada em 2003 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo partido tem desde sua formação contato com quadros do movimento negro, os estudos acerca da história africana cresceram consideravelmente nos últimos anos, fomentando uma série de análises e descobertas enriquecedoras.

Estudantes e pesquisadores de todo o país tem se dedicado à África pré-colonial, aos períodos de comércio atlântico no continente, às relações de gênero, às estruturas políticas, educacionais, econômicas, culturais, bem como os processos do pós- independência dos países.

Cada vez mais pensar este campo de saber representa, inclusive, observar as transformações que tais grupos sofreram com o passar dos séculos na sociedade. Ao pensarmos a formação étnico-racial do país, os afrodescendentes foram um dos poucos povos impedidos de conhecer a sua história e a de seus ancestrais. Tais fatos engendraram apropriações, padronizações de outros povos, marginalizando a história e a cultura afro-brasileira. Consequentemente, as práticas proporcionaram o racismo e a discriminação tão enraizados no Brasil.

Não obstante, graças a estes trabalhos de diferentes naturezas, seja na historiografia, ou até mesmo em projetos interdisciplinares, há cada vez mais o rompimento da ignorância e a incompreensão sobre a temática. Se antigamente a concepção de africanos, crioulos, escravizados e seus descendentes, era representa pela ideia de não-sujeitos, nos dias atuais existe uma conjuntura bastante diferenciada e consolidada, através das análises sobre as suas experiências, lutas, resistências, aspectos culturais, religiosos e estratégias de sobrevivências.

Assim, os artigos selecionados demonstram um campo fértil no âmbito da pesquisa histórica, cujas observações trazem à luz significativas colaborações quanto à pluralidade da África, as trocas, as conexões do continente em meio ao comércio escravista, as influências culturais vivenciadas pelos seus descendentes no Brasil, além do movimento abolicionista. Os trabalhos revelam metodologias elaboradas, análises de fontes diversificadas, dialogando e contribuindo com diversos eventos e perspectivas relativas aos temas.

O artigo que abre o dossiê, “Marfins africanos em trânsito: apontamentos sobre o comércio numa perspectiva atlântica (Angola, Benguela, Lisboa e Brasil, Séculos XVIII-XIX)”, de Rogéria Cristina Alves analisa a existência de um comércio transatlântico de marfins envolvendo a costa ocidental africana e o Brasil, elucidando alguns aspectos desse comércio – para além dos fatores econômicos – inserindo-o numa dinâmica cultural e social, que considera a atuação dos sujeitos envolvidos nesse trânsito, além de verificar os usos e valores desse material nas diferentes margens desse oceano.

Em “A produção e os usos de bebidas alcoólicas na América Portuguesa e nas praças da África Central Ocidental”, Raphael Martins Ricardo observa, de modo comparativo, como ocorria a produção e os usos de bebidas alcoólicas nos dois locais. O autor estuda como os portugueses se utilizaram desse gosto da população na tentativa de introduzir sua principal bebida alcoólica, o vinho, visando atingir objetivos distintos em cada localidade.

Na continuidade apresentamos “Cor e cidadania no jornal A Federação: fragmentos biográficos de abolicionistas negros”. Tuane Ludwig Dihl analisa, neste texto, a forma como abolicionistas negros – sujeitos que lutavam diariamente para conquistar e se manter nos círculos letrados e nos debates sobre os rumos do país – desvelam-se no jornal republicano A Federação. O estudo das vidas de José do Patrocínio, Aurélio de Bittencourt e Luiz Gama possibilitará observar como as categorias de cor e raça eram acionadas pelos periodistas dessa folha para identificá-los, e verificar como se vinculavam à demarcação de hierarquias sociais, especialmente à conquista e ao exercício da cidadania.

No quarto artigo “Negros de Mato Grosso: breve reflexão sobre as contribuições para a cultura”, Silbene Corrêa oferece uma breve reflexão sobre as contribuições do negro na formação do povo mato-grossense, em especial, nas manifestações culturais na dança do Siriri e Cururu, buscando as operações híbridas que resultaram nestes dois importantes símbolos de Mato Grosso. O autor (a) apresenta o palco e os atores que alavancaram as danças e os folguedos brasileiros, avaliando a plausibilidade das trocas híbridas entre várias etnias, na convivência entre português / negro / índios.

“As escolas de samba do Rio de Janeiro nos anos 1960 e as narrativas sobre a história do negro na avenida”, de Guilherme José Motta Faria, discute a partir de publicações de cronistas e notícias extraídas do Jornal do Brasil, que a temática afro-brasileira se tornou recorrente nos anos 1960 apresentando visões narrativas diferenciadas na abordagem do assunto, em diálogo com os acontecimentos políticos e as lutas de inserção social capitaneadas pelos movimentos negros.

A ideia do pioneirismo do Salgueiro na introdução de temáticas afro-brasileiras será relativizada com a apresentação de sambas e enredos sobre a questão do negro apresentados por outras agremiações cariocas. Mesmo não conquistando o reconhecimento na bibliografia sobre as associações culturais, as Escolas de Samba do Rio de Janeiro desempenharam um papel relevante no levantamento de temas e discussões acerca da história do negro na sociedade brasileira.

Por sua vez, o texto: “História da África e jogos: a lei 10.639 / 03 e o trabalho docente no ensino de história”, de Eduardo Mognon Ferreira, faz um balanço da lei e algumas de suas ações curriculares ao longo destes dez anos da implementação, como também reflete sobre um dos recursos trabalhados para a temática que são os jogos para o ensino de história, nas questões africanas. Sua intenção é relacionar o tema com a prática do recurso em sala de aula.

O sétimo artigo, “Cotidiano e escravidão urbana na Zona da Mata de Minas Gerais: Juiz de Fora Século XIX”, de Caio Batista, observa alguns aspectos do cotidiano da escravidão urbana em Juiz de Fora. Para tal, será analisado o processo de roubo ocorrido na casa do Barão da Bertioga em 1867. A partir do estudo desse documento e com o auxílio da produção historiográfica sobre o assunto é possível conhecer algumas redes sociais desenvolvidas entre escravos, livres e libertos na cidade. Além deste aspecto, o estudo processual permite resgatar elementos do cotidiano dos escravos, livres e libertos envolvidos na ação criminal.

O último artigo do dossiê, de Francielly Rocha Dossin, “História como fonte artística: explicando arquivos, criando imagens; criando arquivos, explicando imagens”, propõe a observação da obra Incômodo do artista Sidney Amaral compreendendo-a como um trabalho que atua entre as evidências visuais e a construção de novas histórias. O artista apresenta sua interpretação sobre a representação da abolição da escravatura no Brasil utilizando-se de história, arquivo e memória, como uma fonte para a criação artística. Em uma composição de três aquarelas e dois desenhos, Sidney Amaral monta um painel e convida o espectador a pensar na história, em especial as representações históricas da narrativa hegemônica, através de uma imagem outra.

Por fim, é com imensa satisfação que apresentamos, também, a resenha de livro desta edição, alinhada ao tema de nosso dossiê. O livro de Teresa Malatian, “O Cavaleiro Negro: Arlindo Veiga dos Santos e a Frente Negra Brasileira”, publicado pela Editora Alameda em 2015, recebe uma descrição feita por Lucas Suzigan Nachtigall. A obra aborda a participação de Arlindo Veiga dos Santos na Frente Negra Brasileira, desde sua fundação, em 1931, até sua dissolução, com o estabelecimento do Estado Novo, em 1937. Paralelamente, o livro compreende também a formação do intelectual e sua atuação em movimentos sociais pelo fim da segregação e pela inclusão do negro na sociedade brasileira.

Lúcia Helena Oliveira Silva

Mariana Alice Pereira Schatzer Ribeiro

Mírian Cristina de Moura Garrido


SILVA, Lúcia Helena Oliveira; RIBEIRO, Mariana Alice Pereira Schatzer; GARRIDO, Mírian Cristina de Moura. Apresentação. Faces da História, Assis, v.3, n.2, jul / dez, 2016. Acessar publicação original [DR]

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