Tan lejos de Dios… Ensayos sobre las relaciones del Caribe con Estados Unidos | Antonio Gaztambide-Géigel

Tan Lejos de Dios… é o instigante título do livro de Antônio Gaztambide, uma co-edição, lançada simultaneamente (2006) em Porto Rico e Cuba. O historiador, no prefácio, completa a expressão que dá nome ao conjunto de ensaios: “Tan lejos de Dios… y tan cerca de los Estados Unidos”.

A anedota política tem origem mexicana, onde era precedida de um lamento: “Pobre México…”. Difundida em outras sociedades, a expressão reflete a experiência caribenha em sua dimensão de região. A proximidade com o poderoso vizinho tem influência na dinâmica de identidades e trocas regionais, fato diretamente relacionado às definições de Caribe. Reside aí a maior originalidade da abordagem, pensar o Caribe como categoria histórica. O livro se desdobra, então, num duplo movimento, investigar as políticas norteamericanas para a região no contexto das contradições internas àquele país, e, desde um lugar de fala demarcado, nuestra región, nela descortinar relações políticas e simbólicas, com ênfase no século passado. Tarefa cumprida com a autoridade de quem, como educador e pesquisador acostumado a construir pontes entre insularidades, conhece muito bem aquelas águas.

O primeiro ensaio, “A invenção do Caribe a partir de 1898”, nos remete à questão das concepções colonialistas, desde afuera, mas também à apropriação e redefinição conduzida regionalmente, desde adentro. A invenção tardia do Caribe seria resultado de arrafjos naquela “fronteira imperial”, que culminaram na hegemonia estadunidense. Não que a palavra fosse nova, havia sido empregada já por Colombo, para distinguir etnias que ‘resistiam à conquista’ e depois por ingleses (caribby). Porém, Antilhas e West Indies eram as designações mais comuns em diferentes concepções da região até o século XX. A partir daí emerge o signo Caribe e, no sentido de suas múltiplas definições, é que Gaztambide nos sugere pensar em muchos Caribes.

Duas tendências são discutidas no viés geopolítico. A primeira marca o período da intervenção militar norte-americana, iniciada com a ocupação de Cuba, ao fim da “Guerra Cubano-Hispano-Estadunidense” (p. 214) e com a anexação de Porto Rico. Este Caribe, aceito por boa parte da historiografia, reunia a princípio as Antilhas (quatro ilhas maiores) e o continente, de Belize ao Panamá, e, depois de 1945, todo o Caribe insular. A outra tendência propõe pensar um Grande Caribe, com a presença de México, Colômbia, Venezuela, originada em parte por interesses intrarregionais, mas também desde afuera, como ilustra a “contra-ofensiva” dos EUA sobre a Cuenca del Caribe. De maior complexidade são as definições menos territorializadas, o Caribe “etnohistórico” e o “cultural”. Trata-se de relações entre as Antilhas, sobretudo as hispanófonas (Cuba, República Dominicana e Porto Rico) e as repúblicas das West Indies, antes colônias inglesas, neerlandesas ou francesas, sempre associadas às Guianas e a Belize. No interior de cada um desses universos e entre eles, a afirmação de uma identidade caribenha permanece coftroversa: basta indicar que para uma dúzia de tarritórios a descolonização sequer se completou.

Os ensaios “A geopolítica do antilhanismo de fins do século XIX” e “Identidades internacionais e cooperação regional no Caribe” ampliam o debate anterior, sem perder de vista que as palavras “estão carregadas de histórias e, portanto, de ideologias e discursos, de imaginários”. Somos apresentados ao pensamento republicano e antilhanista de Ramón Betances e Eugenio Hostos, nascidos em Porto Rico, e às idéias do poeta e revolucionário cubano José Martí; ambos lutaram pela emancipação de Porto Rico e de Cuba. A proposta de Confederación de las Antillas surgiria em manifesto pioneiro de Betances, de 1867, logo partilhada, com nuanças, por Hostos. De um antilhanismo concebido para Cuba, República Dominicana, Porto Rico e Haiti, caminhava-se para a categoria Hispano-América; tendiam a excluir o Brasil, uma monarquia escravista. José Martí propõe uma categoria particular, Nuestra América. Ele postula, a partir da rejeição de modelos sociais e raciais derivados das metrópoles, a independência política e econômica diante da Europa e dos Estados Unidos. Mais tarde, Martí teria uma práxis mais antilhanista, com a fundação do Partido Revolucionário Cubano, em 1892.

As relações internacionais entre Estados Unidos e Caribe são o tema dos demais ensaios. Gaztambide defende uma história internacional que transcenda os espaços governamentais e a diplomacia, incluindo “classes, interesses e grupos culturais e étnicos” que atravessam as fronteiras nacionais.

O terceiro e o quarto estudo situam essas relações a partir da irrupção dos EUA como potência colonial ultramarina no fim do século XIX, passando pela(s) Política(s) de Boa Vizinhança, até 1945. As resistências internas não conseguiriam impedir a ambigüidade de um discurso anticolonial acompanhado de freqüentes agressões aos países vizinhos, tais como as intervenções no Haiti (1915) e na República Dominicana (1916). A luta pelo poder econômico e político sobre o Caribe continuaria mesmo sob a face da Buena Vecindad. Poucos “tratados de reciprocidade” repercutiram, de fato, nas economias do Caribe, mas o governo de Roosevelt, a partir da entrada na segunda grande guerra, ampliou a cooperação cultural e militar, “aparentando apoiar um sistema formal de Estados iguais” (p. 127).

“Hacia una historia social de las relaciones latinoamericanas” e “Estados Unidos, la idea de desarrollo y el Gran Caribe”, por sua vez, são parte, como se anuncia, de um próximo livro: “Camino al Desarrollismo”. Constituem uma análise profunda dos embates no interior da elite que conduz a política exterior norte-americana, e da transição para o imperialismo hegemônico.

Os confrontos entre corporações predominantemente nacionais, de um lado, e a burguesia internacional do Nordeste dos EUA, mais voltada para as articulações multinacionais, de outro, refletiam posições diferentes quanto à industrialização do continente. Nessa época, vemos surgir a política do “Bom Sócio”, nome genérico que se dá a vários ajustes a partir da Guerra Fria, marcada pelo combate ao desenvolvimento independente e ao comunismo, que implicaram ora em intervenções abertas, ora em apoio encoberto a regimes ditatoriais. Também surgem iniciativas no sentido de construir um modelo de desenvolvimento periférico. O autor destaca aí a trajetória da Comissão Econômica para América Latina (CEPAL), criada em 1948. O segundo livro de Gaztambide, certamente, trará análises ainda mais valiosas sobre esses fenômenos, centrais para uma história contemporânea do Caribe.

Trata-se, por tudo isso, de leitura proveitosa para os estudiosos das relações internacionais e da história caribenha. Os historiadores brasileiros, mais acostumados a olhar o Caribe desde o Brasil,1 provavelmente sentirão falta da presença brasileira no cenário das relações internacionais abordado pelo autor. Particularmente, na discussão sobre o Caribe cultural, baseada na concepção de Charles Wagley de esferas culturais americanas. Uma dessas esferas, relativa às heranças da empresa açucareira escravista (plantation), em que se inclui o Brasil, é adotada no livro para fundamentar a definição do Caribe como “Afro-América”. Embora outros autores pensem o Caribe nessa dimensão ampliada, Gaztambide enfatiza que seu entendimento do Caribe cultural é como “Afro-América Central”: ao sul dos Estados Unidos e ao norte do Brasil, “porém sem incluí-los” (p. 53). A pesquisa histórica, de outro modo, vem revelando, cada vez mais, os “matizes caribenhos” (cf.Maria T. Negrão de Mello) de realidades brasileiras, no passado e no presente.

A perspectiva cultural será enriquecida, como penso, quando integrar o Brasil na compreensão desses muchos Caribes. Afinal, Tan lejos de Dios nos alerta para a impossibilidade de uma definição inequívoca de Caribe. O mais importante para fazer avançar o debate será o esclarecimento, em cada contexto, de que Caribe se está falando e por quê.

Notas

1 Refiro-me, especialmente, aos inúmeros diálogos entre o Brasil e o Caribe presentes em alguns livros recentes e na Revista Brasileira do Caribe, organizados pelo Centro de Estudos do Caribe no Brasil, com a participação de pesquisadores como Olga Cabrera, Jaime de Almeida e Maria T. Negrão de Mello, entre outros.

Alex de Oliveira – Doutorando do PPGHIS/UnB.


GAZTAMBIDE-GÉIGEL, Antonio. Tan lejos de Dios… Ensayos sobre las relaciones del Caribe con Estados Unidos. San Juan: Ediciones Callejón; La Habana: Centro de Investigación y Desarrollo de la Cultura Cubana Juan Marinello, 2006. Resenha de: OLIVEIRA, Alex de. Tan lejos de Dios. Textos de História, Brasília, v.16, n.1, p.189-192, 2008. Acessar publicação original. [IF]

Tan lejos de Dios… Ensayos sobre las relaciones del Caribe con Estados Unidos | Antonio Gaztambide-Geigel

Ao nomear ensaios aparentemente dispersos sob o título de um dito popular, ainda mais estando este incompleto, uma idéia de unidade se entrelaça com o omitido e suspenso pelas reticências: “… e tão perto dos Estados Unidos”. A invocação de um dito popular não se dá de forma gratuita, dela decorre um sentido que expressa a novidade deste trabalho. Mesmo o dito sendo de origem mexicana, como Gaztambide-Geigel faz questão de ressaltar, este dito expressa uma condição de existência comum a países do continente meso e sul americano: a proximidade física em relação aos Estados Unidos, potência esta que teve uma sobressalente mudança hierárquica no cenário econômico mundial, na qual se elevara ao avatar de maior poderio atual. E a novidade deste trabalho é justamente se adentrar no conjunto de relações que presidiram o processo de emergência da potência norte americana em relação aos vizinhos do sul, particularmente os antilhanos. A atualidade do dito faz-se clara.

Seu sentido coloca em xeque o paradoxo implicado na bandeira política norte americana: um imperialismo salvífico quase natural que na prática é muito distante disso—a recente investida democrática em terras iraquianas é exemplo atual de peso. Além levar este paradoxo acerca da política americana com meticulosidade, e se servir de um avantajado corpo material, a apresentação do presente trabalho se releva não só entre os pesquisadores caribenhos, radicados no Brasil ou não, como também para interessados no tema da “identidade” na contemporaneidade.

É certo que as discussões identitárias provêem de pesquisas inscritas metodicamente no campo dos estudos culturais. Entretanto, o conceito de identidade não deixou de se atravessar por objetos os mais distintos, oriundos de outros campos de saber. De modo que tal temática fora incorporada nas ciências humanas, em geral, história, antropologia, sociologia, geografia e mesmo, a filosofia. O que atesta seu estatuto de relevante acontecimento no pensamento das ditas “ciências humanas”. Todavia, seria uma ingenuidade supor que seus métodos permaneceriam os mesmos submetidos a objetos tão singulares. Hoje oferece tal diversidade, que consuma ainda mais o seu valor analítico. São muitas as perspectivas de utilização.

E, apoiado em uma massa documentária de fôlego e decorrente de vários anos de pesquisa, Gaztambide-Geigel abordou tal temática numa dimensão bem delimitada. Seu problema foi como se construiu o termo Caribe em relação à política internacional norteamericana para os vizinhos antilhanos. Desse modo, se se pode falar de um tema central coordenador dos setes ensaios constituintes da presente coletânea, este sem dúvida é o jogo implícito em vista das circunstâncias pelas quais se forma o conceito Caribe, ou melhor, se formam as identidades postas em jogo ao evocar os Caribes.

No primeiro ensaio, “La invención del Caribe a partir de 1898”, submete o termo Caribe à sua análise historiográfica. Situa seu caráter enquanto invenção. Desse modo, tomado como invenção, o Caribe não é um objeto fixo e estático, que bastaria ao historiador expor suas formas e conteúdos, e sim um objeto inventado, que não cessa de se recriar e reiterar-se. E ao inquirir quanto às relações políticas embutidas no momento de sua construção, busca-se ver justamente as circunstâncias em jogo no momento de sua criação, as contingências e encontros que marcaram sua emergência.

O que o jogo em torno da criação do termo Caribe revela é que não há um Caribe, pronto e acabado, e sim como houve, e há, vários Caribes de maneira que, em cada situação histórica em que é invocado, o termo não se refere às mesmas coisas, não falam dos mesmos objetos. Em vista disso, o autor propôs uma historicização do termo, e pôde ver suas diversas usagens mediante as situações próprias e específicas à história antilhana: de um arquipélago atlântico fragmentado submisso à metrópoles coloniais ao “Gran Caribe” em vias de emancipação cultural, foram decorridas enunciações bem diversas para o conceito “caribe”.

Por conseguinte, Gaztambide cunhou quatro momentos que são decisivos para a significação do termo caribe, do final do século XIX aos dias atuais: o caribe insular, o caribe geopolítico, o Gran Caribe ou Cuenca del Caribe e o caribe cultural.

No segundo ensaio, “La geopolítica del antillanismo de fines del siglo XIX”, procura-se destacar as forças motrizes do latinoamericanismo, sob as luzes antilhanas. Mostra como, por volta da metade do século XIX, começa-se a convergir às idéias de hispanoamericanismo e de latinoamericanismo, numa engrenagem à qual as Antilhas estariam em função otimizada, dado sua localização estratégica em relação ao mercado mundial internacional. Assim, as Antilhas espanholas, Cuba, Porto Rico e República Dominicana, encabeçariam o sonho da “nuestra América”. Situação que muda, já na década de 90 deste mesmo século, diante da ameaça imperial norteamericana.

Gaztambide avalia as idéias antilhanas a partir de figuras históricas inseridas no redemoinho hispanoamericano e antilhano: Marti, Hostos e Betonces. Personagens que dedicaram à luta emancipatória dos territórios coloniais da metrópole espanhola.

Mesmo que uma primeira onda de independência arrebatara o continente décadas antes, persistia uma colonialidade já dita como “cultural” e combatida pelos libertários antilhanos. O papel deles expressam um movimento, cujo sentido atravessaria a história latinoamericana. E a emancipação devia ser alçada nem tanto em relação aos velhos impérios europeus, bem como devia ser buscada em vista da potência emergente: a República norte americana. A política imperial desta potência emergente aos fins do século XIX, que a partir da compra da Lousiana começou a deferir ações com finalidade de expandir sua soberania, estava constituída às voltas de ambigüidades visíveis. E a emergência dos Estados Unidos, como defende Gaztambide, foi fator de grande determinação no caso de invenção do Caribe, já que é das ambigüidades geradas no interior da política imperial americana a razão das variações acerca deste processo de invenção.

E explorar as ambigüidades por detrás das políticas internacionais norte americana é o tema central do terceiro ensaio: “El imperio ‘bueno’ del 98”. Pois ao mesmo tempo em que o final do século XIX foi marcado por projetos políticos de cunho expansionista, encontrava-se também mostras de uma ação não imperialista, defendida como verdadeira representante do ideal republicano. São ambigüidades deste tipo que se alocam no cerne da campanha norte americana rumo à ascensão econômica e que foi aplicada aos vizinhos do Sul, continentais e antilhanos. O conceito de ambigüidade, como atributo qualitativo da política externa norte americana, marca de maneira decisiva a postura específica de seu imperialismo.

Em “La Buena vencidad y populismo”, como o título mesmo diz, trata das relações da política internacional norte americana, posta em prática no terço inicial do século XX e alterada com o término da Segunda Guerra Mundial, com a práxis política do populismo. Ressaltando a particularidade do populismo caribenho, seguindo assim o exemplo do populismo de Porto Rico, este ensaio propõe a hipótese de como os efeitos da política de boa vizinhança fizeram valer no modo de organização interno dos países atingidos por tal postura ambígua.

Entretanto, passada a Segunda Guerra Mundial e com a efetivação do poderio norte americano, a política da boa vizinhança cede lugar à política do bom sócio. Essa transição é o tema dos ensaios “Hacia uma historia social de las relaciones interamericanas: El camino del desarrollismo: 1946-1960” e “Estados Unidos, la idea del desarrolismo y el Caribe: Los orígenes”. A política do bom sócio nada mais é que a adaptação da política externa norte americana no momento em que esta nação acede ao topo econômico da economia mundial. O projeto desenvolvimentista que esta política visa suplantar nos sócios do sul adapta-os aos moldes do capitalismo mundial integrado sob a égide do desenvolvimento econômico, ajustando de forma a assegurar ainda mais a supremacia americana.

O tema do ultimo ensaio, “Identidades internacionales y cooperación regional en el Caribe”, é o modo como a política do bom sócio criou um imaginário internacional que abaixo suas variações locais possibilitou a criação de identidades multiculturais, o Gran Caribe e o latinoamericano.

Desse modo o que o trajeto destes ensaios evidenciam é como as políticas internacionais não são exercidas de forma aleatória, e sim são efeitos da historicidade que perpassam as formações históricas. E também que não é simplesmente a modulação dos estratos interiores de uma sociedade por um fora, e sim o que se dá é um complexo jogo no qual relações de forças heterogêneas se interagem incessantemente.

Leonardo de Melo Rodrigues


GAZTAMBIDE-GEIGEL, Antonio. Tan lejos de Dios… Ensayos sobre las relaciones del Caribe con Estados Unidos. San Ruan: Edicines Callejón, Porto Rico; 2006. 242 p. Resenha de: RODRIGUES, Leonardo Melo Rodrigues. Revista Brasileira do Caribe, São Luís, v.8, n.15, p.283-287, 2007. Acessar publicação original. [IF].