Cecine: transformações no ensino de ciências no Nordeste – SILVA et. al (HCS-M)

SILVA, Ascendino Dias e; SILVA, Beatriz Coelho; LUCENA, Liacir dos Santos (Org.). Cecine: transformações no ensino de ciências no Nordeste. Recife: Editora da UFPE, 2013. 251pp. Resenha de: ZAIDAN, Tiago Eloy. Science centers and elementary education: teacher training and science communication. História Ciência Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 22 n.4 Rio de Janeiro Oct./Dec. 2015.

O físico norte-americano Richard Feynman (1918-1988) já era famoso quando veio ao Brasil, na primeira metade da década de 1950. Chegou a desfilar em uma pequena escola de samba, no carnaval de 1952, conforme faz saber o físico pernambucano José Leite Lopes (1918-2006),

tocando uma frigideira com uma colher. Adorou as festas de carnaval, compareceu ao baile do Teatro Municipal fantasiado de Mefistófeles e neste baile foi buscar a saída de incêndio, uma preocupação que tinha em tais ambientes, quando encontrou a porta fechada à chave – de cujo paradeiro não tinham a menor ideia os auxiliares da portaria (citado em Silva, A., 2013a, p.24).

Em solo brasileiro, Feynman – que viria a ganhar o prêmio Nobel de Física em 1965 – colheu impressões sobre a educação no país, comentadas, mais tarde, no livro autobiográfico O senhor está brincando, Sr. Feynman? Aqui, o cientista relembra um episódio em que, ministrando aula para futuros professores, no mais avançado dos módulos, constatou a metodologia de como se “aprendia” física por estas paragens. “Depois de muita investigação, descobri que os estudantes haviam decorado tudo, mas não sabiam o que queria dizer…” (citado em Silva, A., 2013a, p.22).

O nobelista notou também a deficiência dos livros de física elementar, em que resultados experimentais eram ilustres ausentes. Tais carências poderiam estar por trás do seguinte paradoxo: a despeito do notável quantitativo de estudo em física pelos jovens brasileiros, o país registrava um baixo número de físicos. A ineficiência dos métodos e instrumentos utilizados não gerava resultados.

As palavras do visitante corroborariam as ações pioneiras do professor Isaias Raw, diretor do Instituto Brasileiro de Educação, Cultura e Ciências (Ibecc), de São Paulo, órgão criado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Ciente das lacunas na literatura de física elementar em circulação no Brasil, Raw, por meio do Ibecc, articulava a tradução e a publicação de livros editados no bojo do projeto Physical Science Study Committee (PSSC) nos EUA.

A falta de estímulo dos estudantes para o aprendizado da física também havia sido um problema nos EUA. No contexto da Guerra Fria, com os avanços significativos da rival União Soviética no campo científico, o governo norte-americano passou a apoiar um projeto desenvolvido por professores de física do Massachusetts Institute of Technology, que redundou na publicação da série de livros do PSSC.

Isaias Raw, que esteve nos EUA em 1957 e conheceu o projeto, tornou-se articulador da publicação dos livros do PSSC no Brasil, ação que se transformou em um dos emblemas do Ibecc. O instituto, dirigido por Raw, acabou por inspirar o Ministério da Educação, ainda durante o governo João Goulart (1961-1964), com a tradução dos livros norte-americanos e a idealização de centros de ensino de ciências no país – rede que ficaria conhecida por Ceci.

O primeiro dos centros nasceu em Recife, no ano de 1963, a partir de um convênio entre a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e a Fundação Ford. Surgia assim o Centro de Ensino de Ciências do Nordeste (Cecine). Ao Cecine,1seguiram-se a implantação do Centro de Ensino de Ciências de São Paulo; o Centro de Ensino de Ciências de Minas Gerais; o Centro de Ensino de Ciências da Bahia, o Centro de Ensino de Ciências da Guanabara2 e, por fim, o Centro de Ensino de Ciências do Rio Grande do Sul, todos em 1965.

O advento do Cecine contou com o particular esforço do professor Marcionilo de Barros Lins. Diretor do Instituto de Química da então Universidade do Recife, futura UFPE, Marcionilo foi o primeiro gestor da entidade, cuja repercussão geraria um efeito em cadeia.Com os cursos,

estimulou-se o aparecimento de lideranças em vários estados, que se organizaram para criar outros núcleos de ensino de ciência com objetivos mais restritos. No Rio Grande do Norte, por exemplo, foi criado o Cetene, Centro de Tecnologia do Nordeste, para capacitação de professores das Escolas Técnicas Federais (Silva, A., 2013a, p.49).

Isto, em uma conjuntura na qual “havia uma carência quase absoluta de professores de ciências em Pernambuco, em particular, e no Nordeste, em geral” (Silva, B., 2013, p.58).

Tais centros se diferenciavam, sobretudo, pela metodologia experimental, com uso de equipamentos como laboratórios, propiciando uma nova visão para os docentes do ensino básico. Pari passu à consolidação dos empreendimentos, houve a publicação de materiais didáticos e oferecimento de cursos, aos quais se somaram as traduções de livros norte-americanos. Em muitos desses projetos, houve interação entre os centros.

Exemplo de obra publicada por um professor do Cecine é o opúsculo “Uma vela no laboratório”, de Luiz de Oliveira, em 1967, cujo conteúdo “É um texto que apresenta uma série de experiências simples com uma vela” (Silva, A., 2013a, p.46) – passíveis, portanto, de ser apresentadas por professores secundaristas em suas escolas – além de versar sobre a história e a importância desse apetrecho no passado.

É sobre essa história de pioneirismo e dedicação à pavimentação de uma cultura científica no Brasil que versa a obra Cecine: transformações no ensino de ciências no Nordeste, organizado pelo professor da UFPE Ascendino Flávio Dias e Silva, em coautoria com a jornalista Beatriz Coelho Silva e o professor emérito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Liacir dos Santos Lucena. O volume é composto por quatro artigos e um vasto apêndice, em que consta a transcrição de documentos da história da Cecine.

A concepção do livro é consequência de um projeto anterior, encetado pela professora Regina Maria Rabello Borges, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, cuja pesquisa inclui um resgate histórico dos centros de treinamento de professores de ciências. O artigo sobre a Cecine, no seio da pesquisa, fruto da investigação de Beatriz Silva, acabou inspirando a realização de um trabalho maior, que discorresse detalhadamente sobre o centro pernambucano.

A busca de recortes de jornais, fotografias e documentos que dessem conta da história da Cecine exigiu tempo e o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, através de edital do programa Pró-Cultura. O levantamento também não seria viável sem o mosaico possibilitado pela história oral. A colheita de depoimentos de pessoas que fizeram a história da Cecine ficou a cargo, sobretudo, da jornalista Beatriz Silva. Em menor escala, constam citações de depoimentos obtidos por Ascendino Silva e pelo também professor da UFPE Ari Luiz da Cruz, para um documentário em elaboração sobre a trajetória dos Cecis.

Um dos grandes méritos do livro é o de não resvalar para o ufanismo. Pressões vinculadas ao contexto histórico e os jogos de poder que permeiam praticamente qualquer atividade humana afetam, da mesma forma, as ciências e os esforços para popularizá-la. No artigo “Os centros de ensino de ciências em 1965”, Dias e Silva versa, por exemplo, sobre o fato de que as relações dos Cecis com a ditadura militar instaurada a partir de março de 1964 foram contraditórias. Foi sob o jugo da ditadura que os centros de ciências passaram a funcionar efetivamente, inclusive o Cecine, embora os primeiros movimentos de articulação da rede tenham sido engendrados durante o governo de João Goulart. Parte significativa dos professores envolvidos com o projeto não concordava com o regime instituído após a deposição de Jango.

A maior ironia, todavia, ficou reservada ao destino do intelectual Isaias Raw, pioneiro que buscou nos EUA as bases que, adaptadas à realidade local, inspiraram a criação dos centros de ciências e revolucionaram a educação científica no país. Raw acabou exilado (Silva, A., 2013a, p.34) por uma ditadura patrocinada pelo governo norte-americano, o mesmo país que exportou os livros do PSSC.

Com o decorrer dos anos de chumbo, inicia-se uma nova fase dos Cecis, que acontece no período em que o Brasil passa por ciclos que não foram muito bons para a educação nacional. Houve o período do Milagre Econômico (1969-1973) e em seguida a crise mundial do petróleo e o aumento da dívida externa, que fez o país amargar longo período de recessão (Silva, A., 2013b, p.116).

O governo federal, que se fazia presente por meio do Ministério da Educação e da Sudene, afasta-se dos centros de ciência e de seus programas de qualificação de professores. Em Pernambuco, o centro perde espaço e tem sua denominação alterada de “centro” para “coordenadoria”.

Em meados da década de 1980, mergulhada na ressaca dos anos da ditadura, mesmo enfrentado escassez de recursos, a Cecine emplacou, graças ao apoio de professores apo-sentados, as escolinhas de iniciação científica. Oferecidas aos estudantes do ensino básico nos períodos de férias, a iniciativa era mantida pela inscrição dos alunos – o que possibilitava a realização das oficinas, o fornecimento de lanche e a remuneração e despesas de deslocamento dos monitores.

Ainda assim, o legado da Cecine era indubitável: “Quase dois mil professores passaram por seus laboratórios, cursos e estágios de formação ou treinamento, apenas entre 1965 e 1981” (Silva, B., 2013, p.55). Com o passar das décadas, pode-se dizer, a Cecine mudou o seu foco: de formadora de professores de ciência para iniciadora de jovens e adolescentes no mundo da ciência.

Somente na metade da década de 2000, na conjuntura da política de investimentos na rede federal de ensino superior, a Cecine recuperou parte do prestígio. Inserida na Pró-reitoria de Extensão da UFPE, o antigo centro beneficiou-se de editais oficiais, publicados por agências federais e estadual, para obter recursos e tocar projetos como a série de programas televisivos “Falando de ciência e tecnologia” e a série radiofônica “Ondas da ciência”, exibidos nas emissoras do núcleo de rádio e televisão da UFPE e na TV Senado.

Cecine: transformações no ensino de ciências no Nordeste é um memorial à parte da história da ciência e de seu ensino no Brasil, especialmente no Nordeste. As conexões que a obra estabelece entre episódios do ensino de ciências no Brasil e a conjuntura sociopolítica a torna uma leitura para curiosos em geral. É interessante saber, por exemplo, como a viagem pioneira do cosmonauta soviético Yuri Gagarin ao espaço repercutiu no ensino de ciências no Brasil. O sucesso soviético foi o estopim para o desenvolvimento de uma nova metodologia na educação científica norte-americana, que, por sua vez, exportou seus métodos para o Brasil.

Referências

SILVA, Ascendino Flávio Dias e.Os centros de ensino de ciências em 1965. In: Silva, Ascendino Dias e; Silva, Beatriz Coelho; Lucena, Liacir dos Santos (Org.). Cecine: transformações no ensino de ciências no Nordeste. Recife: EdUFPE. p.17-51. 2013a. [ Links ]

SILVA, Ascendino Flávio Dias e. A Cecine algum tempo depois. In: Silva, Ascendino Dias e; Silva, Beatriz Coelho; Lucena, Liacir dos Santos (Org.). Cecine: transformações no ensino de ciências no Nordeste. Recife: EdUFPE. p.115-133. 2013b. [ Links ]

SILVA, Beatriz Coelho. Breve história do Cecine: como a verdade científica virou dúvida e experimentação. In: Silva, Ascendino Dias e; Silva, Beatriz Coelho; Lucena, Liacir dos Santos (Org.). Cecine: transformações no ensino de ciências no Nordeste. Recife: EdUPFE. p.53-113. 2013. [ Links ]

Notas

1 O Cecine, em dado momento, passou de centro a coordenadoria, motivo pelo qual, ao longo deste trabalho, ora é empregado o artigo masculino, ora, o artigo feminino, a depender do contexto temporal em que a sigla está inserida.

2Após a extinção da Guanabara, mudou de nome várias vezes. Atualmente é denominado Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro.

Tiago Eloy Zaidan – Professor, Curso de Comunicação Social/Faculdade Joaquim Nabuco. [email protected]

Educación de las artes visuales y plásticas en educación primaria – MERILLAS et al (C-HHT)

MERILLAS, Olaia Fontal; CEPEDA, Sofía Marín; CEBALLOS, Silvia García. Educación de las artes visuales y plásticas en educación primaria. Paraninfo, 2015. 204p. Resenha de: LÓPEZ, Sara; REDONDO, Carmen Gómez. Clío – History and History Teaching, Zaragoza, n.41, 2015.

En el camino que dibuja la didáctica de la expresión plástica aún perviven algunos obstáculos que, lejos de frenar su desarrollo, motivan su constante replanteamiento, dotándola de un cuerpo teórico cada vez más sólido. ¿Es la educación artística una asignatura maría?, ¿es la expresión artística un espacio para el ocio?, ¿es un privilegio sólo para unos pocos?
En Educación de las artes visuales y plásticas en educación primaria, encuentra el lector un manual que aborda el problema de las falsas creencias que hoy en día siguen limitando la enseñanza de la educación artística, argumentando más allá del “qué se debe” al “qué se puede hacer”, pasando por los contenidos mínimos que fija el currículum, el qué enseñar y el cómo, todo ello a través de nuevas miradas, ejemplos didácticos, experiencias artísticas, reflexiones y posibilidades donde la creatividad es la clave.

Como si de una obra de teatro se tratase, en este libro destacan como protagonistas a los maestros de primaria en formación, quienes se encuentran en un periodo donde es necesario abordar la educación artística como clave para completar su educación de manera holística; un libro con el objetivo fijado en acercar y conectar a los alumnos con la dimensión creativa en su labor docente, buscando establecer puentes que conecten al futuro maestro con una visión de la materia libre de estereotipos, facilitando estrategias didácticas a partir de los tesoros que guarda el currículum, y más allá de sus límites.

Los antagonistas del libro se definen a través de las falsas creencias que limitan su radio de acción: el artista nace, no se hacela educación artística es una maría, para ser artista lo primero que hay que saber es dibujar, para disfrutar el arte hay que entenderlo, barreras que limitan nuestro modo de comprender y nuestro modo de enfrentarnos al mundo del arte y a la educación artística. Sus autoras ofrecen, a la luz de los argumentos, una visión alejada de los mitos, en pro de una educación artística actualizada, como parte fundamental en la educación del alumnado, a quienes no se forma para ser artistas sino para ser individuos críticos capaces de desarrollar todo su potencial creativo.

Avanzando en sus páginas se sumerge el lector en diversos espacios escénicos. El aula se configura como principal escenografía y los espacios no formales como lugares donde, en ocasiones, pasan las escenas más interesantes del guión, que inundan de sentido y llenan de significado a la obra. Nos referimos a las acciones didácticas que complementan y afianzan los aprendizajes desarrollados en el espacio escolar, los espacios del entorno, los museos, las redes, las instituciones, a través de iniciativas que desarrollan y amplían la formación artística en la escuela, motivando prácticas que conectan al alumno con la realidad de su entorno, contribuyendo en la construcción de aprendizajes de manera sólida.

El atrezo, conjunto de objetos y enseres que aparecen en escena, lo componen en este caso los recursos, las estrategias y las fuentes documentales de donde tomar la materia prima para crear nuevos diseños, proyectos de calidad y estrategias de enseñanza-aprendizaje. Es la metodología, en este punto, un aspecto clave. La educación artística arrastra un historial cargado de prácticas simplistas que limitan el potencial de la materia, es por ello que las autoras lo abordan desde la importancia del enfoque metodológico como eje que vertebre la materia, a la luz de las directrices UNESCO, para después romper la barrera entre teoría y práctica, como caras de una misma realidad. De nuevo se presenta desde una óptica orientada a desmontar prejuicios: hacemos manualidadeselaboramos objetos decorativosinterpretamos los dibujos de los alumnoscreamos al margen de la realidad actual, para plantear un nuevo enfoque, transformando prácticas poco o nada didácticas en oportunidades de aprendizaje, invitando así a la reflexión sobre las prácticas docentes.

Esa transformación se orienta a conectar tradición y presente a través del uso de las tecnologías de la información y la comunicación, los recursos tecnológicos y las herramientas virtuales, potenciales herramientas que aparecen contenidas en el curículum y que conectan la educación artística con la realidad de nuestros alumnos. Internet como plataforma de investigación, como puente de colaboración, como soporte creador on-line o como medio de difusión y comunicación, representa hoy en día un soporte necesario en las prácticas didácticas.

En línea con esto, las autoras proponen un novedoso enfoque relacional, la educación artística basada en el concepto de patrimonio, una didáctica basada en las personas y las relaciones que establecen con los contenidos artísticos, con su contexto, con su cultura y su realidad identitaria. Proponen la comprensión de los procesos de enseñanza/aprendizaje a partir de los procesos de generación de patrimonios, a medida que se tejen hilos, uniones y conexiones con los contenidos. A partir de este enfoque se comprende la educación artística como construcción social en relación activa con los alumnos, generando en él valores de apropiación simbólica.
De este modo, encontramos en este manual una reconceptualización de la disciplina, una puesta en valor de los ejemplos de buenas prácticas que ofrecen una visión actualizada de la educación artística en primaria, que camine al compás de la revolución tecnológica de la sociedad cada vez más globalizada en que vivimos; un libro concebido como herramienta útil para el alumnado que se forma en los grados de magisterio de educación primaria, como baúl de recursos, autores, argumentos y prácticas que puedan servir para romper con una visión limitada y sesgada de la materia.

Encontramos, en resumen, un espacio de reflexión y constante cuestionamiento donde el lector es invitado a posicionarse desde una perspectiva activa, invitándole a recorrer sus páginas como el pintor que se enfrenta a un lienzo en blanco, construyendo de la nada un paisaje, un retrato de las muchas educaciones artísticas posibles en los escenarios de nuestro presente. Paisaje donde cada pincelada cambia la configuración del espacio para generar una nueva mirada que cada lector ha de construir en torno a la educación de las artes visuales y plásticas en educación primaria.

Sara Pérez López – Universidad de Valladolid. E-mail: [email protected].

Carmen Gómez Redondo – Universidad de Valladolid. E-mail: [email protected]

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