Estética  / Especiaria / 2008

Este número da Especiaria – Cadernos de Ciências Humanas traz como temática de seu dossiê a estética. Como uma ramificação da Filosofia, a estética possui um significado complexo e de definição pouco homogênea. De seu significado etimológico, do grego aisthésis, termo traduzido por sensação, sensibilidade ou percepção sensível, ao significado moderno de conhecimento sensível (ou percepção) associado à questão do gosto, ao juízo de gosto ou juízo estético e, em sentido mais abrangente, como toda a reflexão filosófica sobre a arte, o termo estética comporta uma variação de entendimentos e diferentes abordagens que transitam pelo campo do conhecimento, da moral e da política em associação com a arte.

A maioria dos artigos presentes neste número foi debatida no IV Encontro do GT de Estética da Associação Nacional de Pós-gradução em Filosofia – ANPOF, realizado em junho de 2008, na Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC.

Os dois primeiros assuntos do dossiê, de Jeanne Marie Gagnebin e Virginia Araújo Figueiredo, resultam de palestras proferidas nas Plenárias de Estética dos dois últimos encontros da Associação Nacional de Pós-gradução em Filosofia – ANPOF, respectivamente o XII e o XIII, em 2006 e 2008.

O artigo de Jeanne Marie Gagnebin busca afirmar uma reciprocidade do sentido de estética como percepção unida às transformações históricas e sociais, cujo alcance sugere um entrelaçamento entre as reflexões filosóficas sobre as artes e as práticas artísticas.

Virginia Figueiredo faz uma abordagem contemporânea da estética de Kant, relacionando-a com a teoria de Thierry de Duve, em particular com o que a autora chama de “juízo deduviano – isto é arte? -” e o juízo reflexionante estético de Kant.

Rodrigo Duarte se debruça sobre as teorias que consideram as linguagens artísticas, desde o Trattato della pinttura, de Da Vinci, às teorias contemporâneas sobre arte e estética, em particular de Clement Greenberg e Theodor Adorno.

O texto de Wolfgang Bock lida com a ambiguidade de algumas categorias do pensamento de Walter Benjamin, quais sejam: a relação entre memória e esquecimento, de barbárie “negativa” e barbárie “positiva”, e, principalmente, a de história e obra de arte, no sentido em que a obra de arte se relaciona com a tradição histórica e ao mesmo tempo é capaz de romper com a tradição.

João Emiliano de Aquino Fortaleza traz à tona o sentido etimológico da palavra estética – aisthésis – considerando encontrar no diálogo Fédon, de Platão, em suas palavras, uma “teoria positiva da percepção sensível”.

Transitando entre a Antiguidade e o Renascimento, Ronel Alberti Rosa traça, pormenorizadamente, em seu artigo, a origem da ópera. Do imaginário do mundo antigo emerge a figura de Orfeu, como se sabe, ligada à música, e concomitantemente um projeto de recuperação da tragédia clássica. Da junção entre a música e a tragédia e seus efeitos catárticos, teria, então, surgido a ópera.

Romero Freitas pretende constituir, em sua fala, uma relação entre o trágico e o cômico no romantismo alemão. A denominada estética da ironia encontra, segundo o autor, um exemplo prático nas comédias de Tieck. É por meio de uma ambiguidade da ironia, que comporta em sua expressão tanto o cômico quanto o trágico, que é possível a aproximação entre os gêneros.

Pedro Süssekind recupera a importância de Winckelmann para a teoria estética de Goethe, em vista de um projeto de recuperar o ideal de beleza grega na arte e literatura alemãs, projeto que teria constituído o que conhecemos sob o nome de classicismo alemão.

O classicismo alemão no século XVIII é também o foco de atenção do trabalho de Luisa Severo Buarque de Holanda. Seu objetivo é o de recuperar o conceito de mímesis da Antiguidade e mostrar como o classicismo alemão incorpora esse conceito, transformando-o e ampliando seu significado do campo da teoria da arte para a filosofia da história.

Graciela Deri de Codina apresenta, em seu texto, uma leitura dialética, no sentido hegeliano do termo, da obra de Marcel Proust Em busca do tempo perdido, tendo em vista os extremos “transformação-esquecimento” e “permanência-memória”.

A crítica nietzscheana às obras de arte convencionais e a busca por superar seu sentido a fim de fazer emergir um sentido legítimo de arte é o assunto do discurso de Iracema Macedo ao trabalhar com a expressão “contra a arte das obras de arte”.

Os quatro artigos seguintes participam da discussão estética do início do século XX. O de Sara Pozzer avalia a correspondência entre a estética kantiana e a adorniana, encontrando a maior divergência entre essas na passagem do transcendental, em Kant, para o entendimento de Adorno que tem por base não o transcendental, mas o histórico.

Luciano Gatti considera a transformação por Heiner Müller da proposta brechtiana da peça didática que se tratava de um modelo de educação político-estético e de experimentação teatral. Esta transformação teria sido cumprida por Heiner Müller ao recuperar, do próprio Brecht, um questionamento sobre a forma dramática.

Márcia Tiburi reflete sobre a teoria de Vilém Flusser que, a seu ver, “inaugurou um novo contexto para a discussão sobre a estética ao investigar o sentido ontológico do mundo tecnológico ao qual ele chamou mundo codificado”.

Ricardo Fabbrini remete a outro sentido de estética ao falar da aparência ou da forma como se apresenta na arquitetura, no planejamento das construções e exposições dos novos museus no período que vai de 1980 a 2000. Para tanto, ele reavalia o sentido de “fruição estética” e de crítica com base na ideia de experiência da negatividade da arte.

A sessão artigos que compõe o presente número da revista conta com textos de Márcia Zebina, Ernani Chaves e Gilson Ianini. O artigo de Márcia Zebina relaciona a Crítica da faculdade do juízo, de Kant, à Ciência da lógica, de Hegel, com o intuito, segundo a autora, “de defender a posição hegeliana, de que o recurso à teleologia explicita o ordenamento da natureza e a estrutura interna do conceito como liberdade”.

Ernani Chaves reflete acerca da interpretação de Ricouer sobre Freud em seu livro A memória, a história, o esquecimento, com base nos textos de Freud: “Lembrar, repetir, elaborar” e “Luto e melancolia”, ressaltando a importância dessa interpretação, nem sempre considerada, possuindo o mérito de transpor a análise individual para o plano do coletivo.

Gilson Ianini tem em vista o pragmatismo de Rorty, com ênfase na crítica da representação e de sua dissolução com base na questão moderna do conhecimento, a fim de alcançar problemas filosóficos contemporâneos, encerrando com um questionamento sobre os limites do pragmatismo.

A atual edição conta com a tradução de um pequeno artigo de Marcel Proust, que precedido pela apresentação de Carla Milani Damião, trata dos componentes do movimento artístico do século XIX conhecido como Fraternidade Pré-Rafaelita e de seu teórico John Ruskin. O objetivo da articulista é indicar, para o debate contemporâneo, a questão do esteticismo.

A resenha de Imaculada Kangussu sobre o livro de Rodrigo Duarte, intitulado Dizer o que não se deixa dizer: para uma filosofia da expressão, publicado em 2008, encerra essa edição com a indicação de uma leitura profícua para refletirmos sobre categorias e alcances da estética e sua relação com o contexto político, artístico e cultural.

Não poderíamos deixar de agradecer às artistas Iole de Freitas e Anne Moreno a gentileza de permitirem a reprodução das imagens de suas obras no artigo de Virginia Figueiredo e na capa deste número de Especiaria – Cadernos de Ciências Humanas.

Carla Milani Damião – Organizadora.

Paulo Cesar Pontes Fraga –  Editor.

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