Justiça de Transição, experiências autoritárias e democracia / Estudos Ibero-Americanos / 2019

Ao longo das últimas décadas, o debate sobre Justiça de Transição ganhou novos contornos e direcionamentos. Por se tratar de um campo reflexivo intrinsecamente interdisciplinar, envolvendo, entre outros, pesquisadores vinculados à História, às Ciências Sociais e ao Direito, a justiça de transição tem sido abordada a partir de perspectivas diversas, possibilitando uma compreensão multifacetada sobre a busca de verdade e de justiça em contextos democráticos de países que passaram por experiências de autoritarismo ou guerra.

No Brasil, em particular, a produção bibliográfica orientada pela busca de justiça em relação aos crimes da ditadura militar, ainda que relevante, é reduzida frente à importância do tema. Sob a sombra da Lei de Anistia de 1979, muitos anos transcorreram antes que a agenda da justiça de transição fosse nomeada e ganhasse fôlego no País. O olhar investigativo para o passado padecia – e ainda padece – do estigma do revanchismo. A partir de 2007, com a inflexão que Paulo Abrão imprimiu na Comissão de Anistia, o vocabulário e os enquadramentos da justiça de transição aportaram no Brasil. Temos ali uma primeira leva de estudos dedicados a compreender – em perspectiva comparada ou não – a trajetória transicional brasileira, fortemente ancorada no princípio de reparação. Mais recentemente, em 2012, com a Comissão Nacional da Verdade e a onda de outras comissões da verdade que a sucederam – municipais, estaduais, universitárias, sindicais, entre outras –, novo impulso foi dado às pesquisas sobre justiça de transição. Contudo, há ainda vasto território a ser explorado sobre o assunto.

Este dossiê se insere precisamente nessa agenda de reflexões, buscando preservar a sua vocação plural e interdisciplinar. Ele é composto por uma entrevista e cinco artigos. Na entrevista com Paulo Abrão, o leitor tem um precioso relato sobre a trajetória brasileira de institucionalização das políticas de memória e verdade. Nosso entrevistado foi presidente da Comissão de Anistia (2007-2016) do Ministério da Justiça, Secretário Nacional de Justiça (2011-2016), diretor do Instituto em Políticas Públicas dos Direitos Humanos do Mercosul (2015-2017) e, atualmente, exerce o cargo de Secretário Executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (2016-2020). Em um impressionante exercício de articulação e síntese, ele percorre um grande arco temporal, partindo da primeira geração de ativistas, que enfrentaram as portas fechadas do Estado, até o evento mais recente das comissões da verdade, quando setores do Estado e da sociedade atuaram em redes de cooperação e conflito. Trata-se de um importante panorama da justiça de transição no País, de interesse para iniciantes e iniciados no assunto.

Quanto à seção de artigos, ela se inicia com texto de Pedro Rolo Benetti, intitulado “Excessos, exceção e ordem: entraves para a construção democrática póstransições”. Nele, o autor aborda de que maneira setores das Forças Armadas no Brasil buscaram construir uma retórica orientada para a legitimação da violência sistemática do Estado durante o período da ditadura militar no País, com ênfase nas noções de excessos, exceção e ordem. Para tanto, o autor se vale de duas fontes principais produzidas em contextos distintos: os debates em torno das Forças Armadas do Estado durante o processo da Constituinte de 1987-1988 e os depoimentos prestados por militares à Comissão Nacional da Verdade.

O segundo artigo do dossiê, de autoria de Maria Inácia Rezola, direciona o olhar para a justiça de transição no contexto português. Em seu texto “Punir ou perdoar? A difícil gestão do passado ditatorial no Portugal democrático – o caso dos seneamentos”, a autora chama a atenção para o fato de que, em Portugal, a conjuntura de transição da ditadura para a democracia abriu uma “janela de oportunidade” para a investigação de crimes cometidos durante o período autoritário. Para discutir esse cenário, Rezola analisa a legislação e a prática dos chamados “saneamentos”, que foram processos de exclusão do serviço público de funcionários considerados como autoritários ou corruptos.

San Romanelli Assumpção é autora do terceiro artigo do dossiê, com o título “Comissões da verdade e justiça de transição: problemas de fundações morais deliberativas para se pensar graves violações de direitos humanos massivamente praticadas”. Em diálogo com as obras de Amy Gutmann e Dennis Thompson, a autora busca refletir sobre as “fundações morais” das comissões da verdade, com o intuito de analisá-las tendo-se em vista a relação entre a normatividade da justiça de transição e as teorias deliberativas da democracia. Ainda que sustente as virtudes e os aspectos positivos dos requisitos e dos processos democráticos deliberativos, para a autora, eles não devem ser priorizados para se pensar normativamente acerca dos períodos de transição de regimes autoritários para democracias.

O quarto artigo do dossiê se intitula “Patrimônio, mudanças e memórias traumáticas: a Arqueologia da Repressão e da Resistência”, de autoria de Pedro Paulo Abreu Funari, Rita Juliana Soares Poloni e Darlan de Mamann Marchi. Ancorados na discussão teórica sobre os Estudos Patrimoniais e a Arqueologia da Repressão e da Resistência, os autores desse texto abordam novas interpretações da questão patrimonial e a sua relação com as memórias traumáticas no Brasil e na América Latina no contexto democrático. Ao colocar em diálogo diferentes campos do conhecimento, como a História, os Estudos Patrimoniais e a Arqueologia, o artigo contribui para uma reflexão ampla sobre as políticas patrimoniais e a justiça de transição em diferentes contextos.

O último artigo do dossiê, de autoria de Wallace Andrioli Guedes, intitulado “A freira, a tortura e a censura: um filme de Ozualdo R. Candeias entre a crítica política e a ofensa moral”, se dedica a analisar o filme A freira e a tortura, do diretor Ozualdo R. Candeias, lançado em 1983, que aborda a repressão sofrida por uma religiosa durante a ditadura militar brasileira. O autor busca refletir sobre a obra, censurada pela Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP) no período final do regime ditatorial, com o objetivo de refletir sobre os processos de censuras moral e política em um contexto de transição do período autoritário para a democracia.

A publicação de um dossiê sobre justiça de transição já se justificaria pela grande relevância do campo, sempre ocupado em depurar os lastros do passado autoritário no presente democrático. Em uma conjuntura marcada pela disseminação de discursos que buscam negar a ditadura ou relativizar os processos de repressão no País, esse dossiê também se propõe como um gesto político e uma afirmação da democracia qualificada pela devida compreensão e enfrentamento do passado autoritário e pela defesa dos direitos humanos.

Cristina Buarque de Hollanda – Doutora em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ); Professora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP / UERJ), Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. Também é Secretária Executiva da Associação Brasileira de Ciência Política. E-mail: [email protected] https: / / orcid.org / 0000-0002-1600-4044

Fernando Perlatto – Doutorado em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-UERJ); Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. E-mail: [email protected]  https: / / orcid.org / 0000-0003-4301-0826


HOLLANDA, Cristina Buarque de; PERLATTO, Fernando. Apresentação. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v. 45, n. 3, set. / dez., 2019. Acessar publicação original [DR]

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Experiências Autoritárias: Política, Instituição e Sociedade / Faces de Clio / 2018

A Revista Faces de Clio, periódico discente vinculado ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora, publica, com grande satisfação, a sua 8ª edição com o dossiê temático Experiências Autoritárias: Política, Instituição e Sociedade. Contamos nesta edição com quinze trabalhos de pesquisadores: nove artigos relacionados à temática do dossiê e seis artigos livres.

A organização desta publicação foi realizada com o objetivo de integrar pesquisas que abordam o conceito de autoritarismo enquanto corrente do pensamento político ao longo da história mundial a partir do século XX. A proposta, portanto, foi de reunir trabalhos com enfoques em regimes políticos, eventos, personalidades, intelectuais, ideias ou instituições que experienciaram essa ideologia ou forma de governo. A ideia é problematizar as participações sociais vivenciadas nesses regimes.

Regimes autoritários, na tipologia dos sistemas políticos, conforme nos esclarece o Dicionário de Política1, são aqueles que privilegiam a autoridade governamental, reduzem o consenso e concentram o poder político em apenas uma pessoa ou órgão, posicionando secundariamente as instituições representativas. Por esse motivo, excluem ou reduzem a participação do povo no poder e empregam meios coercitivos. Ideologias autoritárias são aquelas que negam a igualdade dos homens, colocam em destaque o princípio hierárquico e defendem formas de regimes autoritários e personalidades autoritárias.

O autoritarismo foi uma característica presente no pensamento político alemão do século XIX com Carl Ludwig Haller; Friedrich Stahl e Heinrich Treitschke. Na primeira metade do século XX, Charles Maurras encabeçou o movimento de extrema direita da Action Fran-çaise na França da III República. A partir da Primeira Guerra Mundial novas correntes políticas e ideológicas emergiram representando a crise do sistema liberal com novas formas de se compreender a realidade. Partindo de questionamentos sobre o liberalismo, desenvolveram-se correntes ideológicas autoritárias. Depois da Segunda Guerra Mundial e de duas consequências, entretanto, o autoritarismo encontrou-se frente a uma realidade fechada para lançar suas profundas raízes2.

A partir disso, estudiosos acreditavam que a ideologia autoritária não teria futuro. Ao contrário, nossa conjuntura política atual nos demonstra um ressurgimento e uma readaptação aos novos tempos. Deste modo, a organização deste dossiê temático responde a algumas das prioridades e tendências atuais e nos ajuda a empreender uma análise crítica e apropriada desse passado político recente.

O artigo de Álvaro Ribeiro Regiani, A Recepção do Holocausto na América: os artigos de Hannah Arendt na Partisan Review e a elaboração de Origens do Totalitarismo, interpreta alguns ensaios de Hannah Arendt publicados na revista literária Partisan Review entre 1944 e 1954. Seu objetivo é estabelecer uma conexão entre esses textos e os temas centrais apresentados em Origens do totalitarismo (1951). Além disso, o seu intuito é compreender as considerações de Arendt sobre o cotidiano, a tradição e a filosofia da história para indicar o sentido que atribuiu à crise política e moral do século XX, que se iniciou com o sistema totalitário.

Trabalhadores Rurais e Movimentos Reivindicatórios no Regime Militar: greve nos engenhos da zona canavieira de Pernambuco – 1979, de Cristhiane Laysa Andrade Teixeira Raposo, trata das experiências trabalhistas coletivas no mundo dos engenhos e usinas da zona canavieira de Pernambuco através das paralisações e mobilizações trabalhistas do final da década de 1970. Para tal abordagem, a autora utiliza prontuários arquivados pelo DOPS de Pernambuco, processos trabalhistas e registros na imprensa local e nacional sobre a paralisação no campo. A intenção é refletir sobre a organização dos trabalhadores rurais, suas reivindicações por espaços de luta e a repercussão legal do movimento com a primeira Convenção Coletiva do Trabalho no campo em meio ao regime autoritário instaurado com o golpe civil-militar de 1964.

O artigo intitulado Repressão ao Parlamento: as cassações de mandatos dos arenistas paraibanos em 1969, de Dmitri da Silva Bichara Sobreira, analisa o processo de cassação do mandato e dos direitos políticos dos membros da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), secção Paraíba, no ano de 1969, através das atas do Conselho de Segurança Nacional (CSN) e de jornais locais. O objetivo é investigar os motivos que levaram a ditadura a expurgar membros de sua base aliada.

Em Definindo o Fascismo: comparando análises e interpretações, Gustavo Feital Monteiro analisa duas obras sobre a história do fascismo: A anatomia do fascismo, de Robert Paxton, e Fascistas, de Michael Mann. Através da comparação das interpretações, o autor busca identificar quais os pontos entre as duas obras que se assemelham e quais se diferem. A análise crítica dos textos em questão permite a percepção de questões complexas voltadas à compreensão do fascismo, além das diferenças entre perspectivas analíticas deste tema tão complexo.

O Antiliberalismo de Alberto Torres e Andrés Molina Enríquez: a formação do pensamento autoritário no Brasil e no México em princípios do século XX, de Jorge Eschriqui Vieira Pinto, tem como proposta a análise de uma corrente de pensamento autoritário no Brasil e no México a partir do entendimento e da reflexão das ideias de Alberto Torres e Andrés Molina Enríquez. Ambos, nas primeiras décadas do século XX, esforçaram-se na reflexão de suas respectivas sociedades nacionais e elaboraram um projeto de política nacional para a promoção do desenvolvimento e a construção de uma unidade nacional por meio de uma ação efetiva de um governo central forte.

O artigo As Resistências à Organização Corporativa Portuguesa: a perspectiva regional do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, de Jorge Mano Torres, propõe-se a esclarecer aspectos sobre o Estado Novo português, que criou um aparato para o regime corporativo, como o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência. O INTP possuía funções de coordenação e controle sob a organização corporativa lançada a nível nacional e regulava o trabalho e a previdência. Desse modo, esse texto procura analisar as dificuldades / constrangimentos para a implementação da organização corporativa sindical e patronal no olhar dos delegados distritais do Instituto.

Rafael Athaides, com seu artigo Liderança Carismática e Mobilização Afetiva na Ação Integralista Brasileira: a “fascinação do predestinado” no Paraná (1935), procura analisar a liderança carismática de Plínio Salgado na Ação Integralista Brasileira, observando seus aspectos afetivos. Para isso, a fonte utilizada é o jornal A Razão, pertencente ao movimento no Paraná. É uma documentação de caráter regional / local que revela os níveis de devoção carismática tanto em aglomerações urbanas, quanto em lugares longínquos.

No trabalho Nacionalismo, Educação e Conflitos Religiosos Durante o Período Estadonovista no Rio Grande do Sul, Rodrigo Luis dos Santos analisa os conflitos políticos que que envolveram os campos educacionais e religiosos no Rio Grande do Sul, entre os anos de 1937 e 1945, permeados pelo pensamento e discurso nacionalista impetrado pelo regime do Estado Novo. Para tanto, seu recorte espacial se dará no município de Novo Hamburgo, localizado próximo da capital do estado, Porto Alegre.

Já o artigo La Dictadura Perfecta: una analisis de las estrategias de permanencia del régimen priista en México, Romulo Gabriel de Barros Gomes empreende uma análise a respeito do Partido Revolucionário Institucional (PRI) no México. O autor discute aspectos que levaram o governo do PRI a mergulhar nos eixos mais profundos da vida cotidiana dos cidadãos mexicanos. Também, reflete sobre a permanência do partido no poder durante décadas, a partir do uso da violência e controle ideológico através do discurso da imprensa e da difusão de material cinematográfico erótico influenciando, pois, a dinâmica cultural deste país. Assim, o artigo analisa o impacto cultural de tais ações no âmbito das relações cotidianas do referido país.

Quanto aos artigos livres, iniciaremos com as contribuições da historiadora da arte Clara Habib de Salles Abreu. Em seu artigo Da “Mimese” na Antiguidade à “Imitatio” Renascentista: Reflexões Sobre O Conceito De Imitação Na Teoria Da Pintura, Clara levanta uma discussão acerca dos usos dos conceitos de imitação e imagem, presente desde os debates filosóficos da antiguidade clássica, entre os renascentistas, como: Leon Battista Alberti, o escritor Aretino e o gramático Fabrini.

A respeito das questões de gênero, raça e justiça, Ceudiza Fernandes de Souza expõe em Trajetórias E Experiências De Gênero, Racialização e Liberdade no Âmbito Judicial do Pós-Abolição os resultados de sua recente pesquisa sobre um caso criminal ocorrido em Oliveira de Minas Gerais, em 1983. O evento está relacionado a Narciza da Conceição, uma ex – escrava.

Em seu artigo Antônio Carlos Ribeiro de Andrada e o Personalismo na Memória sobre a Revolução de 1930, o historiador Danyllo Di Giorgio Martins da Mota explica, tomando como base textos de Aurino Morais, como os mitos que envolveram o referido momento político ajudaram a afirmar a imagem de Antônio Carlos no cenário político mineiro.

Tendo como fundamento as contribuições de Peter Burke no trato das imagens enquanto fontes históricas, Lorenzo Silva Ortiz tece apontamentos acerca das composições e posições sociais da Nova Espanha em seu artigo Castas y Posición Social: Un Cuadro de Mestizaje como Reflejo del Poder en la Sociedad Novohispana del Siglo XVIII.

Para esboçar respostas à pergunta lançada em seu título Relação Brasil – França no Oitocentos: Fruto de uma Empatia Cultural ou de um Projeto de Hegemônia, a historiadora Thalita Moreira Barbosa utiliza como aporte teórico as contribuições de Raymond Willians sobre cultura e materialismo.

Finalizamos esta edição com a apresentação dos resultados das pesquisas de Yobani Maikel Gonzales Jauregui, que parte de uma abordagem comparativa para investigar a questão do matrimônio entre escravos, haja vista a legislação canônica em seu artigo La Legislación Canónica y el Matrimonio de Esclavos en la América Española y la América Portuguesa.

Agradecemos a todos os pesquisadores que confiaram na Revista Faces de Clio e enviaram artigos para serem publicados. Indubitavelmente, para nós é uma grande honra receber trabalhos concernentes às diversas e importantes temáticas advindas de distintas regiões do Brasil e do exterior.

Agradecemos aos professores pareceristas, membros de nosso Conselho Consultivo, que, gentilmente, dedicaram tempo nas análises dos artigos.

Agradecemos à nossa equipe do Conselho Editorial por toda dedicação e empenho neste trabalho junto conosco ao longo do semestre. Vocês são peças-chave para o êxito da revista.

Notas

1 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (orgs.). Dicionário de política I. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1 la ed., 1998

2 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (orgs.). Dicionário de política I. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1 la ed., 1998

Daniela de Miranda dos Santos

Jorge William Falcão Junior


SANTOS, Daniela de Miranda dos; FALCÃO JUNIOR, Jorge William. Editorial. Faces de Clio, Juiz de Fora, v.4, n.8, jul / dez, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Ideias e Experiências Autoritárias no Brasil / Locus – Revista de História / 2010

Este é um número especial para a Locus, Revista de História. A Revista está completando 15 anos em 2010. Tal marca não se adquire facilmente. Resulta do trabalho e do comprometimento daqueles que estiveram à frente de sua edição; do apoio institucional recebido; das agências de fomento que garantiram o financiamento parcial de muitas edições; da ação de nossos Conselhos (editorial e consultivo), que sempre trabalharam com competência na condição de “guardiões” da qualidade de nossa Revista; daqueles pesquisadores que confiaram no veículo e divulgaram nele valiosos resultados de suas pesquisas; e, sobretudo, dos leitores que sempre nos acompanharam nesta trajetória, sem os quais a Revista não teria sentido. A todos, que fizeram parte desta jornada, aproveitamos a oportunidade para agradecer.

Ao longo desses quinze anos completaremos a edição ininterrupta de trinta exemplares de nosso periódico. Nesta data, que para nós é motivo de muita comemoração, apresentamos aos leitores que nos acompanham duas importantes modificações. A primeira delas está relacionada à adaptação da Revista aos novos instrumentos midiáticos que têm marcado a veiculação de informações no Brasil e no mundo. A Revista terá a sua edição em papel limitada a poucos exemplares, os quais serão destinados às bibliotecas e arquivos, aos autores dos artigos, aos membros de nossos Conselhos e ao corpo de assinantes. Aos demais leitores a Revista será disponibilizada exclusivamente on line no sítio do SEER-Ibict, instrumento valioso de divulgação de periódicos eletrônicos no Brasil. A segunda mudança consiste na ampliação dos meios de interatividade entre os leitores e a Revista, através da presença do veículo nas mais populares redes sociais virtuais no Brasil, tais como o twitter (http: / / twitter.com / locusufj f), o orkut e o facebook, além da já consolidada página na rede (www.ufj f.br / locus), de visual recentemente modificado. Os interessados poderão nos acompanhar, recebendo informes sobre a Locus.

Este é mais um número especial de nossa Revista. Não só pelas mudanças que inaugura, mas pelo conteúdo que disponibilizamos aos leitores. Trata-se de uma reflexão em torno das ideias e das experiências autoritárias, realizada ao longo de dois eventos conjuntamente realizados entre os dias 10 e 13 de maio, de 2010, na Universidade Federal de Juiz de Fora: o IV Encontro Nacional de Pesquisadores do Integralismo e o III Simpósio do Laboratório de História Política e Social (LAHPS), equipamento de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em História da UFJF. Ao longo desses breves dias foram apresentadas cento e quatorze comunicações (a maior parte delas publicadas eletronicamente no sítio do Laboratório (www.ufj f.br / lahps), realizadas sete conferências, ministrados seis mini- cursos e lançados dez livros e revistas, o que demonstrou um grande vigor da produção científica na área. As atividades foram direcionadas a um público superior a quatrocentos participantes, o que atestou igualmente forte interesse pelos temas abordados ao longo do evento.

Dadas as dimensões apresentadas, a Locus abre espaço para a publicação das conferências e mini- cursos apresentados no referido evento, como um meio de tornar pública a valiosa discussão empreendida por especialistas renomados da área. O dossiê “Ideias e Experiências Autoritárias no Brasil” encontra-se dividido em três modalidades de publicação: conferências transcritas, conferências em formato de artigos e resenhas de obras sobre o tema. Na primeira modalidade enquadram-se os textos do Prof. Gilberto Vasconcellos, cuja obra “Ideologia Curupira”, editada há trinta anos, recebe uma releitura do próprio autor. No texto os leitores podem acompanhar o relato de um pesquisador maduro sobre sua obra de juventude, suas principais influências, diálogos estabelecidos, relatos de acontecimentos de época, entre outras considerações que compõem um texto além de estimulante, muito divertido de ser lido. O que seu autor não ressaltou, por modéstia natural, foi o impacto que a obra teve sobre os pesquisadores do tema, até hoje reconhecida como uma das mais importantes referências para o estudo do fenômeno Integralista no Brasil. Ainda na primeira modalidade foi incluída a conferência do Prof. Rodrigo Patto S. Motta, conhecido especialista da temática anticomunista. Em sua conferência, o autor enfocou com prioridade o anticomunismo sob o olhar da polícia política e dos demais órgãos de inteligência e informação do regime militar brasileiro. No texto o autor fez igualmente uma reflexão sobre o contexto de produção de seu primeiro trabalho sobre o anticomunismo (Em guarda contra o perigo vermelho), tese de doutorado concluída em 2000 e publicada dois anos mais tarde, refletindo sobre as pesquisas que envolveram o pensamento e a ação dos grupos de direita no país. Suas experiências pessoais, desde a escolha do tema até as opções teóricas construídas, constituem-se em importante reflexão para pesquisadores mais jovens, interessados pelo campo.

Em seguida apresentamos aos leitores seis artigos que espelham pesquisas sobre o tema do autoritarismo no Brasil, abarcando um período que vai desde o final do Império até os dias de hoje. Os professores Diogo T. Souza e Fernando Perlatto abrem esta segunda modalidade de artigos com um texto que discute a produção intelectual brasileira, divulgada ao longo das últimas décadas do Império, com o fim de analisar seu potencial normativo, formador de opinião e modelador de uma nova sociedade. Ressalta-se a vinculação dessas ideias à formação do pensamento autoritário e conservador no Brasil. O segundo texto é o do Prof. Alexandre Pinheiro Ramos, no qual o autor faz uma análise original do Integralismo, a partir das fotografias publicadas na Revista Anauê, no que tange a seus aspectos sociais e culturais. O terceiro artigo, de autoria do Prof. Gilberto Calil, trata especificamente das ambíguas relações estabelecidas entre os integralistas e o governo Vargas, que envolviam a oposição e o colaboracionismo. Em seguida apresentamos ao leitor o quarto artigo, de autoria da Profa. Gizele Zanotto. Nele a autora faz importante reflexão sobre uma das organizações mais destacadas na defesa dos valores conservadores no Brasil, a TFP (Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade). Aborda as culturas políticas compartilhadas por seus militantes, seus métodos e suas relações com a sociedade contemporânea. O quinto artigo conta com a autoria de três pesquisadores, os professores Vera Lúcia Vieira, Nilo Dias de Oliveira e Jussaramar Silva. Dedicado à análise do funcionamento da complexa rede de segurança nacional montada nas últimas décadas do século XX, o artigo se fundamenta em rica documentação reunida nos acervos do Dops. Por fim, o sexto artigo, de autoria da Profa. Márcia Regina da S. R. Carneiro, faz uma análise dos movimentos e organizações reunidos em torno da doutrina do sigma que existem atualmente no Brasil, mapeando seus núcleos e refletindo sobre a dinâmica de suas atuações.

A terceira modalidade que encerra este dossiê é composta por duas resenhas de obras recentemente publicadas acerca da temática autoritária no Brasil. O Prof. Leandro Gonçalves apresenta ao leitor a obra de João Fábio Bertonha, Bibliografia Orientativa sobre o Integralismo (1932-2007) e o Prof. Mateus Almeida nos apresenta obra conjunta, organizada por Giselda Brito Silva e outros autores, intitulada História das Políticas Autoritárias: Integralismos, Nacional-Sindicalismo, Nazismo e Fascismos.

Para além do dossiê a Revista apresenta aos leitores dois outros artigos. O primeiro, de autoria do Prof. Dorval do Nascimento, nos conduz a uma viagem pelo interior de Santa Catarina, através dos cartões postais que retrataram Criciúma ao longo de boa parte do século XX. Através de uma análise sensível das imagens, somos levados a conhecer o processo de construção das identidades urbanas da região. O segundo artigo, de Daniela Magalhães da Silveira, busca estabelecer uma interessante relação entre os intelectuais e os cientistas com as questões de gênero, sobretudo em relação ao papel da mulher na família, em contos de Machado de Assis publicados no Jornal das Famílias, no Rio de Janeiro.

Acreditamos que este dossiê traga relevante contribuição para os pesquisadores de temas relacionados ao conservadorismo e aos grupos normalmente categorizados como “de direita”, objeto nem sempre muito caro aos historiadores mais maduros, mas que desperta progressivo interesse das gerações mais jovens. Esperamos nós que tal interesse esteja se dando com o objetivo de conhecerem melhor as experiências autoritárias para que valores como os da democracia, liberdade, tolerância e da igualdade sejam cada vez mais compartilhados e consolidados na sociedade brasileira.

Cláudia Maria R. Viscardi – Editora-Chefe


VISCARDI, Cláudia Maria R. Editorial. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.16, n.1, 2010. Acessar publicação original [DR]

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