A atuação de Joel Silveira na imprensa carioca (1937-1944) – FERRARI (CTP)

FERRARI, Danilo Wenseslau. A atuação de Joel Silveira na imprensa carioca (1937-1944). São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012. Resenha de: LIMA, Cleverton Barros de. Atuação de Joel Silveira na imprensa carioca entre 1937 a 1944. Cadernos do Tempo Presente, São Cristóvão, n. 16, p. 76-79, mai./jul. 2014.

O reconhecimento da maestria jornalística do escritor Joel Silveira é algo notório, desde que escreveu, em 1943, a reportagem “Granfinos em São Paulo” para as páginas da revista Diretrizes. Com estilo apurado, pelos anos de escrita jornalística e literária, o autor de Onda Raivosa, título do primeiro livro de contos publicado em 1939, construiu uma marca inconfundível na forma de escrever para a imprensa.

A respeito desta rica produção de Joel Silveira, Danilo Ferrari debate nas 260 páginas do livro A atuação de Joel Silveira na imprensa carioca (1937-1944). Na realidade, a obra é fruto de um trabalho de mestrado com o mesmo título, desenvolvido programa de pós-graduação em História na Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Assis, em 2011. A obra também é um marco importante na historiografia sobre Joel Silveira, visto que, os poucos estudos são da área de comunicação social e letras.

O enfoque central desta investigação historiográfica é a profissionalização de Joel Silveira na imprensa carioca entre os anos de 1937 a 1944. Sendo assim, o autor recorreu principalmente aos dois periódicos, Dom Casmurro e Diretrizes, no qual o sergipano trabalhou, inclusive, na condição de diretor. Nestes anos de trabalho profissional nos jornais cariocas, Joel Silveira tornou-se um autor celebrado por seu estilo enxuto, mas evidentemente sofisticado. Reconhecido, inclusive, por Graciliano Ramos, o escritor mais admirado por Silveira, como expresso no seu livro de memórias, Na Fogueira (1998).

Assim, nos três capítulos de seu livro, Danilo Ferrari debate a respeito das nuances de um escritor que procurou seu espaço na imprensa da capital federal com obstinação e zelo de escritor. No primeiro capítulo do livro, o foco do trabalho é a biografia de Joel Silveira, seguida por um debate sobre sua obra memorialística. Neste tocante, o historiador utiliza a estratégia de compreender a autoimagem deste escritor nos diversos relatos em que se coloca como testemunha dos acontecimentos históricos. A primeira parte deste capítulo, se restringe a tratar Joel Silveira com a imagem publica vigente: o escritor que saiu do nordeste para buscar o sonho de tornar-se escritor. Não é sensato discordar desta linha de raciocínio, parte dela embasada na pena de Joel Silveira. Mas, ela é parcial, visto que o sergipano já possuía uma caminhada como escritor, pouco explorado na parte biográfica deste livro e pela historiografia.

Lembro ao leitor que Joel Silveira escreveu seu primeiro ensaio, a respeito do professor de sociologia do Atheneu Pedro II (Aracaju), Florentino Menezes, em 1934; dois anos depois, ele publicou pelo Grêmio Clodomir Silva, a novela vencedora do premio literário deste grêmio, intitulada Desespero; ainda deste momento de formação, o autor foi diretor do jornal A voz do Ateneu, órgão criado pelos alunos do “Grêmio Clodomir Silva”. São todas, experiências inegáveis do jovem escritor Joel Silveira, atraído pela reflexão política, e, sobretudo, pela literatura. Aliás, ao chegar ao Rio de Janeiro, em 1937, ele republicou a novela Desespero, uma declaração de sua paixão pela arte literária, tratada por ele de forma concomitante ao jornalismo. A propósito, essa novela, traz um debate interessante a respeito da condição do sertanejo fustigado pelas constantes secas o que decerto foi escrita em diálogo com romances como, Os Corumbas (1933), do escritor também sergipano, Amando Fontes.

No mais, Danilo Ferrari conclui o primeiro capítulo com um levantamento importante das obras de Joel Silveira e, em sequência, trabalha neste sumário bibliográfico, a produção memorialística. Excetuando-se os dois textos que citei, isto é, o ensaio de 1934 e a novela de 1936, o autor elenca as demais obras de Silveira, no período entre 1939 a 2004. De certo, um recurso imprescindível para os estudos sobre Joel Silveira, visto que, sumariza um quadro maior dos interesses intelectuais durante os mais de sessenta anos de atividade intelectual.

Com base no debate sobre as “escritas autorreferenciais”, Ferrari observa a construção da imagem de Silveira como parte de uma “disputa pela representação legítima de um passado” II·. Então, os embates entre Joel Silveira e outros intelectuais envolvidos na imprensa, como Carlos Lacerda, Samuel Wainer, Rivadavia de Souza e Edmar Morel, são parte da leitura que o historiador empreende em sua pesquisa. Ao que indica, a imagem sugerida neste estudo, parte dos jogos de poder para definir os lugares ocupados durante o período ditatorial, quando os atores utilizam da memória como ferramenta de construção da imagem pública.

No segundo capítulo, intitulado, “Nasce um jornalista: a experiência em Dom Casmurro”, o autor aprofunda seu olhar a respeito do trabalho de Silveira neste importante jornal opositor do Estado Novo. O Dom Casmurro tornou-se um veículo expressivo, desde os primeiros números, naquele fatídico ano de 1937. Fundado por dois conhecidos escritores, Brício de Abreu e Álvaro Moreyra, o jornal trouxe um profícuo debate a respeito da cultura brasileira, com forte ênfase na política inscrita nas questões estéticas. Mesmo ao afirmar-se contrário através do seu primeiro editorial, o Dom Casmurro, entrou na vida cultural brasileira, como forma de inscrever-se politicamente, como bem discutiu Ferrari. A longevidade desse periódico que remonta o período do Estado Novo, bem como, o jornal Diretrizes, sinaliza para a força do debate político que ali transcorria.

Joel Silveira aparece nas páginas do Dom Casmurro ainda em 1937, recém-chegado de Aracaju, e inicia sua participação como jornalista na redação. Ele aproveitou para inserir-se numa ampla rede de intelectuais que colaboravam neste jornal, que de certa forma dava espaço ao campo literário. Na realidade, a promoção intelectual de Joel Silveira, deveu-se, sobretudo, a um espaço de aperfeiçoamento de sua linguagem nos anos em que passou neste jornal; ele escreveu em diversos gêneros literários, como conto, crônicas, poesias, nas várias secções do periódico, sempre utilizando a seu favor o tom confessional, que marcou toda sua trajetória. Essa tática foi utilizada para analisar personagens históricos como Maria Antonieta, por exemplo, num intuito de trazer ao debate político a punição num período censório. Infelizmente, Ferrari pensa nos personagens utilizados por Joel Silveira nos artigos, nestes termos: “o conjunto desses artigos não possuía um objetivo com contornos definidos” III. Na sua acepção, os textos tratavam somente de uma estratégia de encontrar um espaço no jornal. É permissível pensar também que, Joel Silveira além de referendar o importante biografo de Maria Antonieta, Stefan Zweig, utilizou-a para denunciar a atitude impiedosa com os revoltosos. O certo é que, Silveira não escrevia nenhum texto sem uma resoluta estratégia política, no caso da rainha, o problema apontado para época foi à frivolidade. Ou seja, a escrita de perfis por Joel Silveira transita por um ato politico por excelência; entendendo assim, toda a escrita,IV como escrita política.

No último capítulo, intitulado, “Nasce um repórter: a atuação em Diretrizes”, Danilo Ferrari concluiu sua análise ao pensar o tempo de trabalho de Joel Silveira na revista Diretrizes. Antes, ele traz um apanhado interessante sobre esse periódico, ao discutir o papel político deste órgão inicialmente pró Vargas. Dirigido por Azedo Amaral e Samuel Wainer, o jornal, que saiu em abril de 1938, tornou-se espaço de trabalho de Joel Silveira no final de 1940. Apesar de sua vertente autoritária, na pessoa de Azedo Amaral, Diretrizes não manteve um discurso acolhedor das ingerências do Estado Novo. Entre os muitos colaboradores deste periódico, estavam os que não concordavam com a política de repressão, como “Graciliano Ramos, Gilberto Freyre, Rachel de Queiroz, Artur Ramos, Augusto Frederico Schmidt, Cassiano Ricardo, Sérgio Milliet, Manuel Bandeira, José Lins do Rego entre outros” V.

A mudança de Joel Silveira da revista Dom Casmurro para Diretrizes enquadra-se no momento de afirmação como repórter, segundo Danilo Ferrari. Neste novo espaço, Silveira escreveu uma das reportagens mais célebres do jornalismo brasileiro em 1943; “Granfinos em São Paulo”, chegou ao público como uma reportagem bem humorada dos ricos paulistanos e das figuras que mantinham a sociedade de luxo: os operários fabris. Nestas, e em outras reportagens de Joel Silveira, o elemento que traz o debate é a relação entre reportagem e ficção. Neste contexto, o historiador faz menção ao conceito de reportagem ao refletir, por exemplo, as contribuições de Paulo BarretoVI, o João do Rio.

De fato, nas primeiras décadas do século XX, o autor de A Alma encantadora das Ruas (1914-1917) delineou uma busca do repórter pelo ritmo frenético da rua. Apesar disso, é preciso considerar que a tradição do literato envolvido com jornalismo tem uma longa história no jornalismo inglês, quando pensamos em Charles Dickens, ao sair às ruas de Londres perseguindo as diversas ocupações da cidade. O uso das ferramentas literárias nas reportagens não denotou, desde Dickens, numa falta de rigor objetivo e factual; as imbricações de linguagens estiveram no fazer jornalístico, como em outros campos do pensamento. No século XIX, as ruas de Londres e Paris propiciaram na multidão, o espetáculo da pobrezaVII sem precedentes na história. Pensemos, por exemplo, em Jack London, quando se imiscuiu entre os moradores de ruas em Londres e escreveu o aclamado O povo do abismo (1903). Ou até, George Orwerll com os seus relatos sobre a experiência de mergulhar na pobreza extrema nos anos 1920, em Paris e Londres. Todos esses exemplos asseguram o caráter de proximidade entre o escritor e a reportagem e do uso das ferramentas literárias nestes relatos. Por isso, acredito que é necessário transpor as barreiras geográficas e perceber esse movimento de construção de um gênero difuso, pouco ortodoxo.

Com este estudo importante sobre a trajetória de Joel Silveira, a historiografia deixa os receios de trabalhar um autor não consagrado pelo cânon literário; é possível observar, então, novos sopros nos estudos de autores pouco celebrados. A contribuição desta leitura alarga a amplitude dos objetos de pesquisas, pois, problematiza uma percepção míope da trajetória deste escritor. O livro, então, debate sobre autoimagem, mas, sobretudo, nas memórias que Silveira escreveu como estratégia de endossar sua inserção profissional como repórter e, em sequência, recontar sua versão de um tempo passado e vivido, nesta era do testemunho.

Notas

2 FERRARI, Danilo Wenseslau. A atuação de Joel Silveira na imprensa carioca (1937-1944). São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012. p.40.

3 FERRARI, Danilo Wenseslau. A atuação de Joel Silveira na imprensa carioca (1937-1944). São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012. p. 81.

4 RANCIÈRE, Jacques. Políticas da escrita. Tradução de Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995.

5 FERRARI, Danilo Wenseslau. A atuação de Joel Silveira na imprensa carioca (1937-1944). São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012, p.144.

6 CAMILOTTI, Virgínia C. João do Rio: ideias sem lugar. Uberlândia: EDUFU, 2008.

7 BRESCIANI, Maria Stella Martins. Londres e Paris no século XIX. O espetáculo da pobreza.10ª. Reimpressão. São Paulo: Brasiliense, 2004.

Referências

BRESCIANI, Maria Stella Martins. Londres e Paris no século XIX: O espetáculo da pobreza. 10ª. Reimpressão. São Paulo: Brasiliense, 2004.

CAMILOTTI, Virgínia C. João do Rio: ideias sem lugar. Uberlândia: EDUFU, 2008.

FERRARI, Danilo Wenseslau. A atuação de Joel Silveira na imprensa carioca (1937-1944). São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012.

FONTES, Amando. Os Corumbas. Rio de Janeiro: Schmidt, 1933.

LONDON, Jack. O Povo do Abismo. Tradução de Ana Barradas. Lisboa: Antígona, 2002.

RANCIÈRE, Jacques. Políticas da escrita. Tradução de Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995.

RIO, João do. A Alma encantadora das ruas. (Org.) Raul Antelo, São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

SILVEIRA, Joel. Desespero. Novela. Aracaju, 1936.

SILVEIRA, Joel. Florentino Menezes: ensaio. Aracaju: Ávila, 1934.

SILVEIRA, Joel. Onda raivosa. Contos. Rio de Janeiro: Editora Guairá. 1939.

SILVEIRA, Joel. Na Fogueira: Memórias. Rio de Janeiro: Mauad, 1998.

ORWELL, George. Na pior em Paris e Londres. Tradução de Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

ZWEIG, Stefan. Maria Antonieta. Retrato de uma mulher comum. Tradução de Irene Aron. Rio Janeiro: Zahar Editor, 2013.

Cleverton Barros de Lima – Mestre e doutorando em História pela UNICAMP, na área Política, Memória e Cidade. Bolsista FAPESP, e-mail: [email protected].

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