Ganarse el cielo defendiendo la religión. Guerras civiles en Colômbia / Luis J. O. Mesa

O grupo de pesquisa Religión, Cultura y Socieáad, criado em 1998 em Medellín quando ali se realizou o X Congresso de História da Colômbia, propõe-se pensar historicamente os problemas da sociedade colombiana segundo padrões universais de conhecimento, partindo de perspectivas culturais, com ênfase nas manifestações religiosas. Considerando que as guerras e a Igreja Católica constituem duas chaves decisivas para a compreensão histórica, como fatores de longa duração operando no centro da lenta, gradual e violenta formação nacional do país, o grupo criou a linha de pesquisa “Guerras civis, religiões e religiosidades na Colômbia, 1840- 1902”. Ganarse el Cielo… é parte e resultado de uma série de atividades acadêmicas de pesquisadores colombianos e estrangeiros, privilegiando abordagens voltadas para as sociabilidades, vida cotidiana, iconografia, literatura, educação, memórias, recrutamento, eleições e formas de religiosidade, e indagando de que maneira indivíduos e grupos sociais viveram esta longa seqüência de guerras civis, como participaram, como as interpretaram, escreveram e representaram.

No preâmbulo, Diana L. Ceballos Gómez pergunta: por que a Colômbia parece irremediavelmente mergulhada no conflito? Por que, pelo menos desde o último quarto do século XIX, aí ocorre o emprego desmedido da força, dos meios políticos violentos, contrastando com a relativa estabilidade da maior parte dos países latino-americanos? Por que a violência parece ser o sangrento fio condutor da história colombiana? Após resenhar várias tentativas de resposta a tais angustiantes questões, Diana Ceballos indica a tipologia das guerras civis proposta por Peter Waldmann e Fernando Reinares como um instrumento a ser levado em conta.1 Entre 1830 e 1902, houve em território colombiano 9 grandes guerras civis generalizadas e 14 guerras localizadas; e, desde o assassinato do dirigente liberal Jorge Eliecer Gaitán, em abril de 1948, há guerrilhas em atividade no país.

No primeiro capítulo, “Guerras civiles e Iglesia católica en Colômbia en la segunda mitad dei siglo XIX”, Luis Javier Ortiz Mesa sistematiza teorias e concepções da guerra e da guerra civil, faz um balanço dos estudos sobre guerras civis e Igreja na formação da nação colombiana, e conclui com uma interessante comparação entre duas maneiras de fazer a guerra, contrapondo as regiões do Cauca (capital: Popayán) e Antioquia (capital: Medellín). As guerras civis e a intolerância religiosa foram fatores de polarização entre os colombianos e de exclusão de aspirações de grupos sociais cujos projetos de vida (“comunidades vividas”, cf. Eric Van Young2) não foram incorporados na formação das “comunidades imaginadas” pelas elites; mas, contraditoriamente, assim mesmo foram duas chaves de construção e integração do Estado e da Nação. A guerra é destruição, mas também é simultaneamente construção,3 e é festa de morte e de vida: Festa da comunidade finalmente unida pelo mais entranhado dos vínculos, o indivíduo finalmente dissolvido nela; capaz de dar tudo, até sua vida. Festa de poder-se afirmar sem sombras e sem dúvidas diante do inimigo perverso, de crer ingenuamente ter a razão, c de acreditar ainda mais ingenuamente que podemos dar testemunho da verdade com o nosso sangue.

A comparação entre os modos de fazer a guerra no Cauca e em Antioquia é particularmente interessante. Popayán, berço dos célebres caudilhos rivais Tomás Cipriano de Mosquera e José Maria Obando, foi o foco mais ativo das guerras civis até 1876, quando passam a triunfar na guerra os conservadores apoiados no modelo político da Regeneração e na profissionalização do exército. No Cauca, centro da mineração de ouro no período colonial, em crise desde a segunda metade do século X V I I I , a quebra dos laços de sujeição dos escravos e dos índios, a desarticulação do eixo hacienda-mina, a fragmentação regional — ascensão de Cali, proliferação de novos municípios no Vale do Cauca, expansão das fronteiras internas – favoreceram a emergência da guerra como meio de vida para muitas milícias de gente subalterna dispostas a acompanhar velhos ou novos caudilhos, geralmente de corte liberal. A sociedade antioquenha, com grupos de intermediação mais amplos e dotados de melhores condições econômicas e sociais (garimpeiros, pequenos e médios comerciantes, tropeiros, rede escolar mais extensa), era mais coesa e sua composição socio-racial mais homogênea que a caucana; seus circuitos comerciais articulavam eficazmente a mineração, a agricultura e a pecuária. Aí predominaram o conservadorismo, a Igreja e a família nuclear, e a guerra se fazia somente até certos limites, evitando-se maiores riscos de devastação, saques e endividamento.

No segundo capítulo, “La Constitución de Rionegro y el Syllabus como dos símbolos de nación y dos banderas de guerra”, Gloria Mercedes Arango de Res trepo e Carlos Arboleda Mora examinam o liberalismo radical da Constituição de 1863 e o integrismo do Syllabus do papa Pio IX, de 1864, como as duas modalidades possíveis de construção do Estado-Nação e da modernidade na Colômbia do século XIX: nação-cristandade ou nação liberal; modernidade tradicionalista, teocêntrica, controlada pelo clero, ou modernidade liberal, antropocêntrica, autônoma e legalmente ordenada. As divergências acerca da liberdade religiosa, do casamento civil, da presença dos jesuítas, da tutela estatal dos cultos, da desamortização, da educação laica, etc, começam com a independência, radicalizam-se no período 1861-1885 (separação entre a Igreja e o Estado) e quase silenciam por muitas décadas a partir de 1886/1887 (Regeneração e Concordata). A Colômbia vive ainda hoje sob o peso opressivo de um imaginário social extremamente belicoso, difundido pelos órgãos de imprensa do século XIX, que estigmatiza e exclui o opositor, tomado não como adversário, mas como um inimigo a abater.5 Também aqui, a comparação entre Antioquia e o Cauca é muito elucidativa.

Diana Luz Ceballos Gómez analisa, no capítulo 3, a iconografia colombiana das guerras civis do Oitocentos, dialogando com a perspectiva antropológica de Jack Goody sobre a imagem.’ Um CD-Rom com um conjunto precioso de imagens e de mapas históricos acompanha o livro. Juan Carlos Jurado Jurado trata de “Soldados, pobres y reclutas en Ias guerras civiles colombianas” e “Ganarse el cielo defendiendo la religión. Motivaciones en la guerra civil de 1851”. Seguem alguns estudos de caso sobre a guerra de 1876: Margarita Árias Mejía, “La reforma educativa de 1870, la reacción dei Estado de Antioquia y la guerra civil de 1876”; Paula Andréa Giraldo Restrepo, “La percepción de la prensa nacional y regional de Ias elecciones presidenciales de 1875 y sus implicaciones en la guerra civil de 1876”; Gloria Mercedes Arango de Restrepo, “Estado Soberano dei Cauca: asociaciones católicas, sociabilidades, conflictos y discursos político-religiosos, prolegómenos de la guerra de 1876”; e Luis Javier Ortiz Mesa, “Guerra, recursos y vida cotidiana en la guerra civil de 1876-1877 en los Estados Unidos de Colômbia”.

A última guerra civil do século X IX (1899-1902), conhecida como a Guerra dos Mil Dias, é abordada pelo viés das memórias publicadas por ex-combatentes em duas conjunturas distintas (início do século, conservador; anos 30, hegemonia liberal) por Brenda Escobar Guzmán. Ana Patrícia Ángel de Corrêa apresenta “Actores y formas de participación en la guerra vistos a través de la literatura”; Gloria Mercedes Arango de Restrepo destaca “Las mujeres, la política y la guerra vistas a través de la Asociación dei Sagrado Corazón de Jesus. Antioquia, 1870- 1885”. O volume se completa com um ensaio de Carlos Arboleda Mora sobre o pluralismo religioso na Colômbia.

Esta obra coletiva do grupo de pesquisa “Religión, cultura y sociedad” de Medellín, sobre a religião e as guerras civis do século X IX colombiano, é mais uma indicação da excelente qualidade da historiografia colombiana contemporânea, que acompanha as inquietações das demais disciplinas das ciências humanas e de toda a sociedade a propósito do problema crônico da violência. Além de Bogotá, que concentra o maior número de cursos universitários, pesquisadores e editoras, a historiografia acadêmica produzida em três capitais de departamentos: Medellín, Barranquilla e Cali, se destacam com maior visibilidade e merecem melhor divulgação no exterior. Sem maior espaço para prolongar esta resenha, cabe assinalar que os autores de Ganarse el cielo têm o privilégio de contar entre seus modelos de vida (e não somente de trabalho intelectual) com dois brilhantes historiadores precocemente desaparecidos: Germán Colmenares (1938-1990) e Luis Antônio Restrepo Arango (1938-2002).

Notas

1. WALDMANN, Peter e REINARES, Fernando (orgs.) Sociedades en guerra civil. Conflictos violentos de Europa y América Laúna. Barcelona: Paidós, 1999.

2. VAN YOUNG, Eric. Los sectores populares en el movimiento mexicano de independência, 1810-1821. Una perspectiva comparada, em URIBE URÁN, Victor Manuel e ORTIZ MESA, Luis Javier, (orgs.), Naciones, gentesj territórios. Ensayos de historia e historiografia comparada de América Latina y el Caribe. Medellín: Editorial Universidad de Antioquia, 2000.

3. Esse tema é tratado em detalhe no capítulo 10 por Luis Javier.

4. ZULETA, Estanislao. Elogio de la dificultady otros ensayos. Cali: Sáenz Editores, 1994.

5. V. a este respeito ACEVEDO CARMONA, Darío. La mentalidad de Ias elites sobre la violência en Colômbia (1936-1949). Bogotá: El Âncora, 1995.

6. GOODY, Jack. Contradicciones j representaciones. La ambivalência hacia Ias imágenes, el teatro, la ficción, Ias relíquias y la sexualidad. Barcelona: Paidós, 1999.

Jaime de Almeida – Universidade de Brasília


ORTIZ MESA, Luis Javier et ai. Ganarse el cielo defendiendo la religión. Guerras civiles en Colômbia, 1840-1902. Medellín: Universidad Nacional de Colômbia, 2005. Resenha de: ALMEIDA, Jaime. Textos de História, Brasília, v.13, n.1/2, p.245-249, 2005. Acessar publicação original. [IF]