História ambiental e ensino / Revista do LHISTE / 2017

Meio ambiente na aula de História: Interações entre ensino de história, história ambiental e educação ambiental

A questão ambiental vem se tornando, nas últimas décadas, debate incontornável na esfera pública, a partir da ocorrência de desastres socioambientais, das reivindicações dos movimentos ambientalistas, da realização de conferências internacionais, da apreensão gerada pelos impactos do desenvolvimento tecnocientífico, e da percepção cada vez mais difundida de uma crise de proporções planetárias. Desde os anos 1970, essas questões passaram a ser discutidas também no âmbito da educação e do ensino. Surgia a educação ambiental, como campo de conhecimento dedicado à formação de cidadãos aptos a uma atuação política, capazes de reivindicar “justiça social, cidadania nacional e planetária, auto-gestão e ética nas relações sociais e com a natureza” (REIGOTA, 2006, p. 10). Também a história passou a incorporar o estudo sobre as interações entre seres humanos e natureza ao longo da história, por meio da história ambiental. Essa área de conhecimento trata do papel e do lugar da natureza na vida humana (WORSTER, 1991).

Dada a urgência e importância do tema, o ensino de história não poderia abster-se de abordá-lo. Como bem colocou Circe Bittencourt (2003, p. 42), “a manipulação da natureza pelo homem possui uma longa história, com variações em intensidade e brutalidade”, que precisa estar presente nas aulas de história. Mais do que isso, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) preveem o tratamento da temática de forma transversal na Educação Básica.

Entre outras possibilidades, Gerhardt e Nodari (2010) apresentam algumas sugestões de como o meio ambiente pode ser alvo das aulas de história, por meio do estudo da história local, da toponímia e de fontes visuais e arquivísticas. Os relatos de viajantes que percorreram o território brasileiro ao longo dos períodos colonial e imperial podem ser alvo de investigação que interliga ensino de história e história ambiental, pois contém descrições da flora e fauna que podem ser comparadas com a situação atual de ecossistemas.

Este dossiê se propõe a unir textos que revelam como seus autores percebem as discussões atuais em torno da questão ambiental no ensino de história. Alguns trabalham em cima de suas próprias experiências em sala de aula, outros apresentam balanços históricos e historiográficos, em regiões delimitadas, e, um terceiro grupo apresenta desafios e perspectivas inovadoras para trabalhar o tema. Em função dessa subdivisão temática, o dossiê está organizado em três grupos que totalizam 10 artigos. Além disso, dois textos discutem o tema dos desastres ambientais, na seção Painel. Conta também com duas entrevistas, uma com historiador, outra com educador, ambos autores de obras referenciais nas áreas de história ambiental e educação ambiental.

No primeiro grupo de artigos, Experiências de Ensino, o primeiro texto, de Ely Bergo de Carvalho, busca refletir sobre as dificuldades de se trabalhar a educação ambiental na formação inicial de historiadores. A partir de suas pesquisas e experiências pessoais, o autor considera que essa dificuldade, entre outras razões, está no paradigma de pensamento hegemônico no mundo ocidental, fundado na disjunção sociedade / natureza que, por sua vez, condiciona o viés antropocêntrico com que as ciências humanas têm sido concebidas, ao longo da história.

Na sequência, Ana Marcela França apresenta uma proposta de curso universitário que conjuga história ambiental e história da arte. Além de discussão teórica sobre as duas áreas do conhecimento e sobre o conceito de paisagem, a autora acrescenta exemplos de análises de imagens a partir da interação entre as duas disciplinas.

O artigo de Wesley Kettle procura analisar de que maneira os professores e professoras de história da rede pública da cidade de Ananindeua-PA incorporam o tema do meio ambiente em suas práticas pedagógicas. A partir da realização de entrevistas, o autor percebe alguns problemas derivados da formação dos docentes, o que leva a um descompasso entre a história ensinada em sala de aula e os resultados das investigações oriundas dos programas de pós-graduação e projetos de pesquisa desenvolvidos nas universidades brasileiras.

No texto que fecha essa primeira parte do dossiê, Elenita Malta Pereira e Antônio Dias Prestes apresentam as discussões que foram objeto em aulas de História Ambiental ministradas pelos autores no curso de História da UFRGS, em 2012 e 2013. Além de expor a sequência dos conteúdos e temáticas abordados naquelas experiências, o artigo argumenta pela necessidade de aprofundamento da questão ambiental nas disciplinas voltadas à formação de professores de história, sem prejuízo de sua presença de forma transversal em todas as demais que compõem os cursos formadores.

No segundo grupo de textos que compõem o dossiê, História e historiografia, o artigo de Carla Oliveira de Lima apresenta um balanço historiográfico – não exaustivo – sobre abordagens que tematizaram sobre as interações entre o homem e o mundo natural no contexto da Amazônia brasileira. A autora defende que os trabalhos orientados pela história ambiental conseguem superar o determinismo geográfico e oferecem interpretações mais aprofundadas da região.

Fabiano Quadros Rückert, no segundo artigo da seção, constrói uma narrativa da história da educação ambiental na Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos. O texto aborda iniciativas individuais, a partir da atuação precursora de Henrique Roessler, bem como a atuação da sociedade civil em organizações ambientalistas e comitês de bacias.

No último artigo dessa seção, Bread Soares Estevam analisa o contexto de emergência da Educação Ambiental e da História Ambiental, como resultado do processo de busca por novos paradigmas para a superação da crise socioecológica configurada a partir da década de 1970. O autor defende a profunda conexão entre as duas disciplinas e oferece sugestões de eixos temáticos que podem ser trabalhados nas aulas de história, de forma a contribuir para a educação ambiental dos estudantes.

A terceira seção do dossiê, Desafios e Perspectivas, é aberta com o artigo de Jó Klanovicz, no qual o autor discute o impacto da política estadual de Educação Ambiental do Paraná no redimensionamento das matrizes curriculares dos cursos de graduação em História das universidades estaduais paranaenses. O artigo argumenta que a implementação da História Ambiental ocorre muito mais no âmbito da pesquisa do que do ensino, em função das especificidades desse campo do conhecimento histórico e de dificuldades no âmbito político das universidades estaduais.

Na sequência, o artigo de Rodrigo Barchi apresenta o discurso ecologista presente em um movimento (anti) musical chamado grindcore, surgido nos anos 80 e que se caracteriza tanto pela grande velocidade quanto pelo alto ruído de suas composições. A proposta do autor é, a partir do conceito de “saberes insurrectos” e das verdades construídas pelas pessoas infames, desvelar um pouco mais as ecologias e educações “menores” construídas por grupos menores e / ou marginais.

Encerrando a terceira seção, o artigo de Denis Fiuza traz uma proposta de análise de fontes impressas no ensino e na pesquisa em história, como periódicos, jornais e revistas relacionados à preservação ambiental, com o objetivo de aprofundar os debates sobre a ecologia e instrumentalizar os professores e estudantes em relação a essa temática, a partir do referencial teórico da ecocrítica.

O dossiê conta também com dois textos na seção Painel, que abordam o tema dos desastres socioambientais. O primeiro, escrito por Haruf Salmen Espindola e Cláudio Bueno Guerra, realiza um esforço no sentido de facilitar o entendimento do desastre socioambiental que abateu sobre o Rio Doce, nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, oferecendo elementos para se discutir criticamente riscos, impactos e desastres ligados aos grandes investimentos de capital. No segundo texto, Marcos Aurélio Espindola discute a importância de se abordar a temática dos desastres socioambientais no ensino de história, a partir de um ponto de vista não-antropocêntrico.

Encerram o dossiê duas entrevistas com professores que atuam intensamente pela interação da temática ambiental no Ensino de História a partir de suas respectivas áreas: Paulo Henrique Martinez, na história ambiental, e Marcos Reigota, na educação ambiental.

O dossiê, portanto, abriga artigos e entrevistas que trazem diferentes olhares e perspectivas para pensarmos a abordagem da questão ambiental no Ensino de História. Que frutifique e colabore para multiplicar as análises sobre o tema e, mais importante, que possa contribuir para qualificar a atuação docente no dia-a-dia da sala de aula. Dessa forma, quem sabe, o dossiê mesmo possa ser um instrumento de Educação Ambiental, ajudando a superar a disjunção sociedade-natureza, de forma a construir um ensino de história menos antropocêntrico.

Referências

BITTENCOURT, C. M. F. Meio ambiente e ensino de História. História & Ensino, Londrina, v. 9, p. 63-96, 2003.

GERHARDT, M.; NODARI, E. S. Aproximações entre História Ambiental, Ensino de História e Educação Ambiental. In: BARROSO, V. L. M. et al. Ensino de História: desafios contemporâneos. Porto Alegre: EST, 2010.

REIGOTA, M. O que é educação ambiental. São Paulo: Brasiliense, 2006.

WORSTER, D. Para fazer história ambiental. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 198-215, 1991.

Elenita Malta Pereira – Doutora em História (UFRGS). Professora no Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

A organizadora


PEREIRA, Elenita Malta. Editorial. Revista do LHISTE. Porto Alegre, v.4, n.6, 2017. Acessar publicação original [DR]

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