História Ambiental / História Unisinos / 2008

O dossiê que a Revista História apresenta neste número, abre espaço para divulgar pesquisas sobre uma dimensão da história que muito recentemente começou a ser explorada., ou seja, a de investigar e refletir sobre as interações entre as sociedades humanas e a natureza, trabalhando com variáveis ambientais em uma perspectiva histórica.

As questões que envolvem as transformações ambientais estão a exigir nossa atenção, o que significa, na esfera intelectual, a contribuição dos diferentes campos de conhecimento na sua análise e compreensão. Para além da difusão da problemática ambiental nos meios de comunicação, questões de fundo estão sendo colocadas, levando ao questionamento acerca da cultura ocidental e da lógica econômica, características do padrão de organização social construído com a modernidade. A inteligibilidade dessas questões e as respostas possíveis são aspectos em discussão, em debate. Neste sentido, uma das respostas a esses problemas aposta e reforça a racionalidade científica, tentando atribuir valores e criando critérios quantitativos para avaliação dos efeitos das ações humanas no ambiente. Nessa perspectiva, perseguem e aprofundam a intervenção do homem sobre a natureza, o que vem sendo potencializado como nunca pelo avanço tecnológico inigualável dos últimos 50 anos. Mas essa não é uma posição unânime. Para muitos pensadores, está cada vez mais claro que a racionalidade econômica que vem norteando as sociedades atuais não oferece respostas para a problemática ambiental.

Outro aspecto importante, cujo questionamento acompanha a reflexão sobre o meio ambiente refere-se à concepção de desenvolvimento. Pensar em desenvolvimento já não pode ser feito apenas em termos econômicos, ou falaciosamente sociais. Os argumentos do emprego, da arrecadação de tributos e da geração de riquezas estão sendo confrontados e fragilizados, na medida em que são levados em consideração os efeitos ambientais das medidas produtivistas. O futuro está cobrando a sua parte e a responsabilidade, o compromisso com as gerações futuras aparecem como um forte fundamento moral e ético a orientar as condutas e as decisões. O processo é recente, diríamos incipiente e, por isso, não conseguimos ainda perceber todos os seus elementos e os seus desdobramentos. Mas seu potencial é revolucionário, não por inspirar discursos e projetos. Seus efeitos são de outra ordem: modificam comportamentos e hábitos, difundem novos valores, ampliam nossa noção do que seja o coletivo, introduzem mudanças no direito da propriedade privada, e, fundamentalmente, está sendo alterada a forma como pensamos as relações entre a sociedade e a natureza. Nessa perspectiva, considero muito importante a contribuição que os historiadores podem dar pesquisando e refletindo sobre os movimentos ambientais, estudando os ambientes naturais do passado, investigando as técnicas e os conhecimentos usados na exploração do ambiente e as mudanças provocadas por essas interações, que são inspiradas e / ou orientadas por percepções, valores e significados que também precisam ser desvelados. Os artigos que integram esse dossiê são uma pequena mostra das possibilidades e caminhos utilizados nas pesquisas de História Ambiental.

Lucrecia Wagner em La lucha contra la contaminación y el saquero: de las movilizaciones em Mendonza a la unión de las reivindicaciones socioambientales em América Latina explora o embate entre o interesse econômico pela expansão da mineração na Argentina e a resistência crescente da população em assumir os riscos ambientais desse programa de desenvolvimento, que, mesmo não sendo recente, recebeu nas últimas décadas um incremento expressivo. A análise desse movimento social, seu surgimento e formas de atuação é o foco de interesse do artigo.

Em O recomeço na mata: notas para uma história ambiental da colonização alemã no Rio Grande do Sul, Juliana Bublitz procura esclarecer e discutir elementos da relação que os imigrantes alemães estabeleceram com a natureza, recém chegados à região sul do país, nos primórdios do Brasil independente. Explora as impressões e sensibilidades desses imigrantes nos primeiros contatos, revelando o estranhamento e o medo profundo que certamente enfrentaram.

Marcos Montysuma e Tereza Almeida da Cruz em Perspectivas de gênero acerca da experiência cotidiana no Seringal Cachoeira – Acre (1964-2006) preocupam-se em analisar, por meio da história oral, as visões de gênero que perpassam as narrativas sobre a utilização e a luta em defesa dos recursos da floresta.

Marluza Marques Harres, em A paisagem em movimento: marcas do aproveitamento dos recursos hídricos (bacia hidrográfica do rio Camaquã, Rio Grande do Sul, Brasil), analisa as transformações ambientais, explorando antigas descrições a respeito de uma área alagada na região do baixo Camaquã. Faz isso, relacionando a análise socio-econômica dessa região com a gradativa alteração dos mananciais de água. A lógica que permeia a relação com essas áreas alagadas, na época analisada, é a da possibilidade e a das facilidades visualizadas para os empreendimentos econômicos.

Na seção Artigos, publicamos um conjunto de textos relacionados com a história das Américas.

O de Guilherme Felippe, intitulado Casar sim, mas não para sempre: o matrimônio cristão e a dinâmica cultural indígena nas reduções do Paraguai, analisa, através do discurso registrado na correspondência inaciana, o ocorrido na cultura guarani, a partir do momento em que os padres jesuítas iniciaram sua tentativa de substituir os costumes matrimoniais nativos pelo modelo cristão.

Maria Elisa Mäder, partindo do argumento central de que a dicotomia civilização / barbárie pode ser considerada um dos eixos centrais da representação da nação nas Américas, no século XIX, em Civilização, barbárie e as representações espaciais da nação nas Américas no século XIX, analisa como o conceito de nação foi elaborado e concretizado nos textos e ações de alguns intelectuais latino-americanos, enfatizando o papel e a importância que eles atribuíam à natureza na constituição das características particulares e nacionais de um território, de um povo e de sua história.

No último artigo, Alessander Kerber, em O nacionalismo na construção das identidades nacionais da Argentina e do Brasil dos anos 1920 e 1930 através da trajetória artística de Carlos Gardel e Carmen Miranda, analisa a participação desses cantores na construção das identidades nacionais de seus respectivos países, focalizando, especialmente, o nacionalismo representado em suas músicas e filmes.

Na seção Entrevista, a atuação de militante do Pastor Genote Gilberto Kirinus junto a movimentos sociais e políticos no Oeste do Paraná durante o período da ditadura militar no Brasil

Ao concluir, manifestamos nosso agradecimento à profa. Dra. Marluza Marques Harres pela inestimável colaboração que deu à revista, responsabilizando-se pela organização do dossiê publicado nesse volume.

A Comissão Editorial.


Comissão Editorial. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.12, n.3., setembro / dezembro, 2008. Acessar publicação original [DR]

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