Histórias ambientais do clima e as baixas temperaturas: perspectivas diante do antropoceno | História Unisinos | 2022

Greta Thunberg Foto Michael CampanellaGetty ImagesVeja

Greta Thunberg | Foto: Michael Campanella/Getty Images/Veja

A história ambiental produzida, tematizada e difundida no e a partir do Brasil tem sido extremamente exitosa. O número de pesquisadores aumentou exponencialmente na mesma medida em que a relevância dos temas ambientais invadiu as sensibilidades sociais e as vozes daqueles que clamavam por relações sustentáveis ou amigáveis com a natureza têm sido minimamente ouvidas. Passando ao largo dos temas clássicos de mobilização social pelo meio ambiente como o desmatamento e a poluição, o clima parece não ter ainda formado um horizonte de trabalho para muitos especialistas envolvidos na arena da história ambiental, pelo menos no Brasil – de onde escrevemos. Em que pese a centralidade desse tema na discussão internacional – representado, principalmente, pela criação, em 1988, do Intergovernmental Panel for Climate Change da ONU e pelo tratado Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima de 1992 e replicado pelas frequentes conferências das partes (COPs) – e na agenda do ativismo (vide o sucesso do movimento Fridays for Future de Greta Thunberg, por exemplo), o clima não logrou alterar significativamente as pesquisas na seara da História. Em geral, a relação climática com a sociedade se manteve no interior das ciências climatológicas, sem que ela assim propusesse um diálogo com conceitos e temas-chave da análise histórica como, por exemplo, colonialismo, gênero, migrações, capitalismo, etc. Leia Mais

La ciencia y sus públicos: circulación, apropiación y creación científica en Iberoamérica (s. XIX-XX) | História Unisinos | 2021

Henri Poincare
Henri Poincare | Imagen: Bill Sanderson

¿Cómo se produce el conocimiento científico? ¿Cómo circula este en un nivel global y local? ¿Qué roles ejercen y cómo interactúan los “expertos” y los públicos profanos en estos procesos? Estas son algunas de las preguntas que motivaron la coordinación de este dossier, que propone una revisión del estatus de la comunicación científica en la construcción del saber desde una perspectiva histórica. Tradicionalmente, el llamado modelo del “déficit” ha influido en las últimas décadas y todavía hoy en la manera de entender la circulación del conocimiento científico. En este marco interpretativo, se percibe la ciencia como el quehacer de un grupo de expertos, que, habiendo elaborado su trabajo y realizado los esperados hallazgos en una primera etapa, difunden posteriormente sus resultados a la sociedad o públicos legos. De este modo, el saber circula desde los expertos dentro de las instituciones, hacia los inexpertos que están fuera de estas. Esta perspectiva asume a su vez que la circulación del saber científico opera bajo la lógica de transmisión desde el centro experto de la producción científica hacia la periferia profana. No obstante, los enfoques teóricos desarrollados durante los últimos años (Hilgartner, 1990; Broks, 1993; Secord, 2004; Topham, 2009; Lipphardt y Ludwig, 2011; Nieto-Galan, 2011) han revisado y cuestionado dicho modelo, al proponer a “los públicos” como agentes activos del proceso de construcción de conocimiento científico. Esta aproximación ha permitido constatar que la ciencia es afectada, moldeada y generada por diferentes personas dentro de la sociedad, más allá de los científicos, de tal modo que la interacción entre estos y aquellos se ha convertido en un asunto importante de analizar. La ciencia, bajo este nuevo paradigma, es entendida como un acto de comunicación en sí misma, por lo que no sería factible desvincular el hacer ciencia con su divulgación (Secord, 2004). Leia Mais

Neoliberalismo: Linajes cursos y discursos en América Latina | História Unisinos | 2021

Neoliberalismo 2
Neoliberalismo | Fotomontagem: Juliana Pereira/Guia do Estudante/Reprodução

Leia mais em: https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/o-que-e-o-neoliberalismo-e-qual-sua-relacao-com-o-brasil-de-2020/

De tiempo en tiempo, cuando se abate una crisis, es recurrente que se desempolven viejos obituarios acerca del neoliberalismo. Los Estados rápidamente activan sus estructuras para socorrer al sistema capitalista en apuros adelantando políticas que antes se habrían visto renegadas, pero que vuelven al ruedo.

Hemos observamos entonces, desde otras experiencias similares, que, una vez pasado el cimbrón, ciertas ideas retornan a sus carriles habituales mostrando y demostrando en medio de la disfunción un enorme poder de resiliencia. Se trata de una palabra algo bastardeada, pero que -en este caso- se podría aplicar a pie juntillas. El neoliberalismo parecería tener tantas vidas como los gatos, tal y como juguetea -a través de esa metáfora- el título de una reciente compilación de Dieter Plehwe, Quinn Slobodian y Phillip Mirowski (2020). Por ello, puede ser prematuro decretar un réquiem para el neoliberalismo. Las hipótesis sobre su reformulación entonces no pueden ser desacartadas como apuntaron diversos trabajos formulados tiempo antes de la actual coyuntura. Leia Mais

Os investimentos estrangeiros em serviços públicos: América Latina e Espanha (século XIX e XX) / História Unisinos / 2020

O Dossiê que apresentamos para a apreciação dos leitores reuniu um conjunto de textos que contempla, a partir de diferentes perspectivas de análise, a historicidade dos investimentos estrangeiros na América Latina e na Espanha, dentro do marco cronológico dos séculos XIX e XX.

As pesquisas que originaram os artigos, apesar de procedentes de tradições historiográficas distintas – a europeia e a latino-americana – buscam explorar duas questões relevantes para a História Econômica. São elas: (1) Quais as relações existentes entre conjunturas nacionais / regionais e o fluxo de capitais estrangeiros para um determinado país? (2) Como as instituições políticas nacionais / regionais conduziram as tensões geradas entre os adeptos da captação de investimentos estrangeiros e os adeptos da valorização de capitais internos?

As questões supracitadas advertem para a necessidade de refutarmos uma leitura homogênea sobre os fatores que determinam o fluxo de capitais externos na direção da América Latina ou da Espanha. Neste sentido, para além da intencionalidade do lucro sempre presente na transferência de capitais de um país para outro, fatores como cooperação tecnológica, avaliação de riscos, previsão de demanda e os atrativos oferecidos pelo poder público são aspectos importantes para a compreensão da dinâmica dos investimentos externos. Igualmente importante é a percepção de que determinados setores da economia receberam maior afluxo de capitais externos em determinadas conjunturas históricas. E, no caso específico deste Dossiê, os setores contemplados foram o transporte ferroviário; o serviço de abastecimento de água; a indústria de gás e a geração / transmissão de energia elétrica.

No primeiro texto, Miguel Muñoz Rubio e Pedro Pablo Ortúñez revisam a discussão historiográfica sobre o impacto que a importação das primeiras locomotivas provocou na economia espanhola. Concentrando a abordagem no período entre 1848-1855, os autores constataram que a importação de locomotivas possibilitou uma transferência de tecnologias que foi fundamental para impulsionar a organização do sistema de transporte ferroviário da Espanha.

A gradual expansão do sistema de transporte ferroviário, primeiro da Inglaterra para a Europa continental e, posteriormente, da Europa para os outros continentes, pode ser considerada um dos capítulos mais interessantes na História Econômica mundial. Financiado na sua maior parte com capitais europeus, o novo sistema de transporte alcançou a América Latina, onde se tornou símbolo de modernização econômica, e, ao mesmo tempo, provocou tensões entre os investidores externos e as autoridades políticas locais. O artigo de Gunter Axt aborda este tipo de tensão. O autor pesquisou o embate entre o poder público e as empresas estrangeiras que atuavam no transporte ferroviário no Rio Grande do Sul da Primeira República. O desfecho do embate foi a encampação das empresas e a ampliação da intervenção do poder público na economia sul-rio-grandense.

Na mesma época em que as ferrovias facilitavam a circulação de passageiros e mercadorias e participavam da consolidação do chamado “sistema-mundo”, o fenômeno da urbanização se intensificava. Inseridas nas rotas de um comércio internacional que estava em expansão no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, algumas cidades portuárias atraíram grandes contingentes populacionais e se defrontaram com a urgente necessidade de ampliar a oferta de água potável. Este foi o caso da cidade chilena de Iquique – objeto de estudo do artigo escrito por Inmaculada Simón Ruiz e Luis Castro Castro. Localizada no extremo norte do Chile, numa região de clima árido, no final do século XIX, durante o ciclo de extração / exportação do salitre, a cidade portuária de Iquique se expandiu convivendo com o problema da disparidade entre a demanda por água potável e a escassez de recursos hídricos. A pesquisa de Ruiz e Castro constatou que a redução parcial da disparidade foi financiada com capitais externos que priorizaram o lucro dos investimentos e prolongaram a situação precária do abastecimento de água em Iquique – situação que só foi revertida a partir de intervenção do poder público no serviço.

A relação entre aumento na demanda por água e o desenvolvimento de um serviço de abastecimento controlado pelo capital privado e externo também está presente no texto de Alberte Martínez López, que escreveu sobre os investimentos da empresa britânica Algeciras Water Works Company Limited na cidade de Algeciras, Espanha. O estudo realizado pelo autor abrange o período entre 1912, ano de fundação da empresa, e 1952, ano da sua dissolução. Dentro deste recorte cronológico a atuação da Algeciras Water Works foi afetada pela Primeira Guerra Mundial, pela crise econômica dos anos 30 e por mudanças na política cambial praticada pela Espanha. Diante destas adversidades e de uma crescente demanda por ampliação na oferta de água, a empresa se endividou e não foi capaz de atender de forma satisfatória os compromissos assumidos no contrato de concessão.

O fracasso de empresas estrangeiras é uma parte da história do fluxo de capitais internacionais. Outra parte desta história diz respeito aos padrões de investimentos estrangeiros observados em determinados locais e conjunturas históricas. Identificar estes padrões a partir da realidade da Espanha na segunda metade do século XIX e nos primeiros decênios do século XX é o propósito do artigo de Juan Manuel Matés Barco e Mariano Castro Valdivia. Os autores analisaram os investimentos estrangeiros nos setores de abastecimento de gás e água – ambos organizados a partir de indústrias de rede –, e concederam uma especial atenção para o fenômeno de retração dos investimentos estrangeiros na Espanha a partir de 1914 – um fenômeno ligado ao contexto da Primeira Guerra Mundial e às estratégias adotadas pelo governo para fortalecer a economia espanhola.

No sexto artigo do Dossiê, Alexandre Machione Saes aborda as mudanças ocorridas na política norte-americana de financiamento para o setor de energia elétrica no Brasil no período entre 1945-1954. O estudo de Saes ressalta a importância da pesquisa em fontes documentais diplomáticas no âmbito da História Econômica e oferece elementos para a compreensão das estratégias adotadas pelo Brasil e pelos Estados Unidos no fomento de um setor que ambos consideravam relevante.

Dentro do habitus da escrita acadêmica, a função do texto de Apresentação de um Dossiê é oferecer ao leitor pistas sobre um conjunto de artigos que pode ser lido em partes ou na sua totalidade. Acreditamos que nossa Apresentação, apesar de sucinta, atende esta função. No entanto, na condição de organizadores, consideramos pertinente registrar a constatação de que os seis textos reunidos tratam de investimentos estrangeiros diretos (IED), e, consequentemente, os investimentos estrangeiros em carteira (IEC) não foram contemplados. Apontando a ausência de estudos sobre a história dos investimentos estrangeiros em carteira neste Dossiê, sinalizamos para os leitores uma tendência no âmbito da História Econômica – a tendência de conceder maior atenção para pesquisas que abordam os investimentos estrangeiros diretos.

Diante do que foi exposto, finalizamos a nossa Apresentação agradecendo aos pesquisadores que participaram deste Dossiê como autores ou como avaliadores. E, da mesma forma, estendemos nosso sincero agradecimento para a Equipe Editorial da revista História Unisinos.

Fabiano Quadros Rückert

Guillermo Banzato

Os Organizadores

Corumbá / Buenos Aires, maio de 2020.


RÜCKERT, Fabiano Quadros; BANZATO, Guillermo. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.24, n.2., maio / agosto, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Fragmentos de un mundo en tránsito entre América y Europa. Experimentos desde Chile / História Unisinos / 2019

Fragmentos de un mundo en tránsito entre América y Europa. Experimentos desde Chile1

El 21 de julio de 1773, en la fragata Venus, que navegaba desde Manila, Filipinas, arribó a Cádiz un pequeño elefante enviado por Simón Pérez de Anda y Salazar –gobernador general de las Islas– al rey Carlos III. La carta de recepción escrita en Cádiz daba cuenta que todas las “incidencias” de su transporte “por mar y tierra” estaban en la secretaría de Marina. Después de cuatro meses, el 22 de noviembre de ese mismo año, desde San Lorenzo, se manifestaba “gratitud” por el obsequio. Lo mismo sucedió, el 2 de mayo de 1778, cuando la fragata Juno, proveniente de la bahía de las Tablas, partió hacia Cádiz llegando el 28 de julio. Esta vez, sin embargo, los obsequios eran más numerosos y diversos: otro elefante; cuatro corzos o “venaditos”; una paloma; un pájaro muerto, “pero bien conservado”; tres cajones de conchas y caracoles. El elefante y los venados llegaron vivos, mientras que los demás animales estaban embalsamados (AGI, Filipinas, 390). Esto que, a primera vista, parecían agasajos materiales al rey, hoy se estudian a través del paradigma de circulaciones de objetos y curiosidades de la naturaleza hacia Europa. Tal proceso historiográfico nos ha permitido repensar de manera muy distinta la relación que se estableció desde los primeros años del siglo XVI entre el mundo europeo (y la Península Ibérica en primer lugar) y América a través de las rutas que se construyeron en relación con dinámicas imperiales y coloniales conflictuales, donde España, Portugal, Francia, Holanda, Inglaterra intentaban apropiarse del mundo (Cañizares-Esguerra, 2007; Bleichmar et al., 2008; Yun Casalilla, 2019). Y como muchos estudios lo han subrayado, dentro de tales procesos, entre América y Europa existía también Asia (Padron, 2004, 2016; Romano, 2002, 2008; Yun Casalilla, 2019).

Desde esta perspectiva, los espacios de circulación de objetos y animales, seres humanos y artefactos no son solo fragmentados y discontinuos, sino también se trazan a medida que el historiador tiene que identificarlos para aproximarse al sentido de tales objetos en los lugares y los actores que estudia (Romano y Brevaglieri, 2013). Así, por ejemplo, los primeros elefantes indios (los africanos ya hacían parte del Imperio Romano como nos lo recuerdan los frescos de Ostia, el puerto de su capital) que llegaron del mundo ibérico a Roma en 1514 eran parte de una embajada portuguesa de obediencia al nuevo papa, León X, y, con ellos, el mundo natural europeo y sus saberes zoológicos, botánicos, minerales, basados en los Antiguos y sus interpretaciones, se estaban transformando radicalmente (Bedini, 1997; Burucúa y Kwiatkowski, 2019). Para seguir tal proceso de producción de saber, el historiador tiene que apoyarse en una documentación estructural, general y burocrática que, por su cantidad y amplitud, definía la importancia científica, política y cultural para la Península Ibérica, así como también el conocimiento que se esperaba de ellos. Sin duda, en ese proceso hay que individualizar los diferentes saberes en el tiempo y en los lugares donde se producían (Bleichmar y Mancall, 2011; Bleichmar, 2012; Portuondo, 2009).

Desde el siglo XVI, se organizó por parte de las varias metrópolis europeas la “medida” del mundo, así como su domesticación y dominación. Y, en ese sentido, España mandó sus cuestionarios a través de todas las tierras que colonizaba o quería colonizar con este propósito (Pardo-Tomas, 2014, 2016). En ese sentido, se apoyó en el trabajo de sus administradores y misioneros que tomaron un papel fundamental en el englobamiento del mundo (Castelneau et al., 2011; Palomo, 2014, 2016; Romano, 2016; Gaune, 2016; Wilde, 2011). Con la Ilustración, y atrás de una leyenda negra que ha sido nuevamente discutida, el trabajo no se terminó. Por solo nombrar algunos documentos que siguen a la expulsión de la Compañía de Jesús, se encuentra, por ejemplo, la pionera Real Cédula del 10 de mayo 1776, firmada en Aranjuez, que solicita “recoger y dirigir para el Gabinete de Historia Natural [fundado en 1771] las piezas curiosas que se encuentren en los distritos de su mando”2; siendo leído dicho documento en Lima el 31 de octubre de 17763. Otro texto importante es la “Instrucción para la remisión a España de los ejemplares del reino vegetal o mineral”, firmada en San Ildefonso el 27 de agosto de 1788, que reafirmaba lo expresado en la Real Cédula de 1776. Del mismo modo, la “Orden circular”, enviada el 21 de marzo de 1779, seguía las instrucciones del importante catedrático y director del Real Jardín Botánico de Madrid (fundado en 1755), Casimiro Gómez de Ortega (1741-1818) (Gómez de Ortega, 1795; Colmeiro, 1858; Nieto, 2000; Schiebinger y Swan, 2005) de cómo se debían “recoger, encajonar y remitir plantas vivas con el fin de que se propaguen en esta península las muchas útiles de América”:

Merece especial cuidado al piadoso ánimo del Rey, siempre atento al beneficio de sus vasallos, la adquisición y multiplicación en España de los árboles, arbustos y plantas útiles de sus vastos dominios de América, e Islas de Filipinas, considerando S.M. este asunto como un objeto, no solo de loable curiosidad y ornato, sino también de manifiesta importancia para los progresos de la enseñanza en sus jardines botánicos, de la medicina, de la agricultura, y en general de muchas artes, y ciencias físicas.4

En Chile, y en sintonía con ese espíritu de los tiempos, el obispo de Concepción, fray Pedro Ángel de Espiñeira, el 7 de junio de 1777, exteriorizaba la misión de “escoger, preparar y remitir las curiosas producciones de la naturaleza” para el Gabinete de Historia Natural de Madrid, en una carta enviada al gobernador de Chile, Agustín de Jáuregui. El obispo, además, nos entrega una importante pista de investigación que dice que él, junto a “sus curas”, debían ocuparse “en esta curiosa colección de las particulares especies que se hallen en el obispado”5 . Lo mismo realizó, desde Copiapó, el vicario Pedro de Fraga, que enviaba piedras de oro a la península, informándole desde Aranjuez, el 1 de junio de 1791, “haberse mandado colocar en el Gabinete de Historia Natural”6. O bien, en marzo de 1793, se comunicó que llegaron a Cádiz “cien piezas de madera de luma de Concepción”, remitidas a través del virrey del Perú, para construir un palacio en Madrid por la dureza del material y las descripciones científicas asociadas a la remesa (AGI, Indiferente General, 1546).

América, en esa documentación burocrática, se fragmentaba en un gran puzle que debía reconfigurarse en la Península Ibérica a través de detallados manuales de instrucción para encajonar y remitir correctamente fragmentos de mundo, tal como indicaba la “Instrucción” de 1788:

Se ha experimentado, que muchas cosas pertenecientes a Historia natural, y otras curiosidades, que en virtud de reales ordenes se conducen a esta corte de las indias orientales y occidentales, vienen confundidas unas con otras, sin bastante expresión de cualidades, y sin el cuidado necesario a su integridad y conservación (AGI, Indiferente General, 1544).

Recoger, encajonar y remitir, nomenclatura utilizada en los documentos y en las grandes empresas naturalistas europeas post-buffonianas, se estableció en el siglo XVIII en una política del conocimiento que sustentó el gran movimiento de expediciones científicas con sus variados administradores, marineros, viajeros, dibujantes y botánicos que redefinieron los espacios americanos. Se completó así el proceso de conocimiento de los espacios interiores (Calatayud, 1984; Safier, 2016; Figueroa, 2016), convirtiendo a dichos actores, siguiendo a Juan Pimentel, en “testigos del mundo” (2003). Sin embargo, como ha demostrado Arndt Brendecke, el “saber soberano”, la “corte epistémica” y el “dominio colonial” a partir de objetos y “prácticas de adquisición de saberes” se sistematizaron en los tiempos de Felipe II y su reforma de poseer “entera noticia” del mundo (2012).

En la misma dirección analítica, José Ramón Marcaida (2014) y Juan Pimentel (2008) vinculan en sus investigaciones dos términos que parecían historiográficamente un oxímoron: “ciencia” y “barroco” en la cultura de la posesión de objetos en el siglo XVI y XVII. De este modo, muchos trabajos en la encrucijada de una nueva historia de las ciencias e historia del arte, siguiendo la línea de reflexión abierta por Krzysztof Pomian, nos han permitido descubrir e integrar en nuestros análisis el papel de las colecciones privadas y públicas en donde se cruzan pinturas, objetos naturales, mapas, curiosidades (Pomian, 1987); así que, para nosotros, el coleccionismo está incluido en ese proceso de producción de los saberes. Las colecciones no solo eran de la nobleza, sino también de gentes de saber, como el boloñés Ulisse Aldrovandi, que lo demuestra a través de sus herbarios y correspondencias que delineaban al mundo desde su gabinete (Olmi, 1992; Findlen, 1994).

Los múltiples intentos que se encuentran entre los siglos XVI y XIX para encajar todo el mundo (una totalidad que cambiaba continuamente) poseen muchas rupturas, geografías, actores, discontinuidades y pluralidades de sentido, como demuestran los casos estudiados por nuestra parte. Por ejemplo, el jesuita Alonso de Ovalle, que, en 1641, fue enviado como Procurador de la Viceprovincia de Chile de la Compañía de Jesús para que participara de la Congregación General de la Orden. El objetivo de los procuradores era informar en Roma sobre el desarrollo misionero e institucional de los jesuitas en las Indias Occidentales y Orientales. Asimismo, debían conseguir recursos económicos y nuevos misioneros dispuestos a viajar y sacrificar sus vidas por la conversión religiosa más allá de los límites fronterizos europeos. Los viajes de los procuradores en el caso americano, en un segundo plano, eran la oportunidad para enviar todo tipo de documentos a Europa. El procurador, en ese sentido, se convirtió en un pasador de documentos, en un mediador de información y un negociador de saberes entre América, España y Roma. Ovalle, una vez instalado en Roma, publicó en 1646 su Histórica relación del reino de Chile, en castellano e italiano, con la finalidad de dar a conocer Chile a los novicios italianos que no tenían mayores referencias de la región. Aparte de publicar ese libro, Ovalle dio algunas lecciones sobre Chile en el Colegio Romano. Uno de los asistentes a esas charlas fue el joven jesuita italiano Nicolás Mascardi –alumno del gran erudito Athanasius Kircher–, quien escuchó atentamente a Ovalle. Empujado por la convicción misionera que exteriorizó en su carta indipetae y, sobre todo, incentivado por las palabras de Kircher, decidió viajar junto con Ovalle a Chile. Con una carta del alemán y diversos artefactos científicos, emprendió el viaje que lo llevaría al fin del mundo, en donde encontró la muerte martirizado en 1674 en el Lago Nahuelhapi (Acuña, 2014). Sin embargo, hasta su muerte, envió sistemáticamente a Roma descripciones del cielo de Chiloé, piedras y caracterizaciones de la cordillera de los Andes para que su maestro sistematizara dicha información que, posteriormente, fue utilizada para sustentar las teorías generales sobre el mundo que Kircher construía desde su taller y museo del Colegio Romano (Findlen, 2004).

Lo anterior es solo un pequeño fragmento, o más bien una astilla, de los viajes, mediadores, objetos y saberes del mundo que confluían y transitaban desde América a Europa, produciendo movimientos constantes y duraderos. En ese sentido, en este dossier analizamos esos fragmentos a través de varios paradigmas, entre los cuales podemos mencionar los de apropiación y clasificación (Foucault, 1968; Baudrillard, 1969; Perec, 1986; Blom, 2013) para seguir el tránsito entre Chile, América y Europa de trozos de mundo. A través de estos tránsitos se negociaban saberes y conceptos entre actores e instituciones, entre saberes establecidos y saberes mundanos. Se apropiaban objetos resignificados por mediadores, iniciando así procesos de apropiación y desposesión, abriendo deslegitimaciones y nuevas legitimidades de uso y sentido. Más aún, nos remiten a la generación de un conocimiento objetual y con pretensiones “científicas” que ha marcado el tránsito y las relaciones históricas entre Europa y América.

Este dossier propone además hacer un estudio histórico del tránsito de objetos, artefactos e ideas como problema histórico vinculado a los estudios de la cultura material que señalan el interés de estas huellas de la historia y los consideran verdaderos agentes sociales (Dant, 1999). El significado de los objetos es construido socialmente y está modelado por las interacciones entre los sujetos y los objetos. Los objetos no están solo materialmente hechos por una cultura, sino culturalmente significados por ella. Ann Brower Stahl incluso argumenta que el estudio de la cultura material proporciona tanta o más información que los testimonios escritos, ya que los objetos son modificados por las personas, pero, al mismo tiempo, transforman el contexto en el que la vida social se sitúa (2010). En los estudios de cultura material se ha hablado de la agencia que tienen los objetos inanimados (Gell, 1998), es decir, se les da una cierta voluntad propia. Los objetos, en este contexto, tendrían poder sobre los humanos y sus vidas a través de sus propiedades transformativas. Esta idea no es nueva: está en las cosmogonías de muchos pueblos y es la base de las ideas de Marx respecto a la importancia de las condiciones materiales de la vida humana para comprender los modos en que se comporta la sociedad. La propuesta, entonces, hará un seguimiento a los derroteros de objetos y artefactos americanos que nace, de alguna forma, de la inspiración proporcionada por las ideas de Arjun Appadurai (1986). Este postula que los objetos, al igual que los sujetos, tienen una vida social. Y el valor de estos objetos está modelado por el juicio que emiten los sujetos en torno a ellos. Esto significa que el valor de los objetos no es algo inherente a ellos, sino que varía en el tiempo y en el espacio y según el sujeto que se relacione con el objeto. Esta premisa es la que motiva la pesquisa de los escenarios, actores, prácticas y condiciones que permiten y alientan la circulación de objetos y grupos de objetos. Appadurai, en ese sentido, habla de hacer esta pesquisa en diferentes regímenes de valor. Y como una conjetura preliminar a este respecto, veremos que las valoraciones serán heterogéneas, tanto en términos espaciales como temporales. Tomaremos, además, las categorías espaciales y escalas que, según Daniel Miller (1998), constituyen una de las bondades de los estudios de la cultura material, pues ayuda a resolver las contradicciones entre los conceptos de lo local y lo global.

Otra categoría de análisis fundamental para esta propuesta es “tránsito de objetos”. Tim Dant nos proporciona también algunas ideas útiles para los efectos de este proyecto (1999). Sostiene que hay algunos objetos que son mediadores, pues transportan mensajes a través del tiempo y el espacio, haciendo circular ideas, información, emociones, transformándose en verdaderos protagonistas de la interacción social. Los objetos propios de la alteridad normalmente se colocan en espacios de exhibición, como consecuencia de la dificultad de nombrarlos, utilizarlos y darles sentidos. Desde sus vitrinas se muestran como vestigios del pasado y por tanto mediadores en el tiempo; o bien, como curiosidades de otras culturas y, por lo tanto, mediadores espaciales. Algo similar es lo que nos aporta George Stocking (1985), quien argumenta que los objetos exhibidos en los museos han sido tradicionalmente aquellos pertenecientes a “los otros”. Estos objetos son recontextualizados y resignificados en el espacio museal, por lo que su significado es problemático e inadecuado (Handler, 1985). Respecto a esta descontextualización, Richard Handler alude a los postulados de Frans Boas al referirse a la inadecuada contextualización de los objetos que suele hacerse en los museos. La considera artificial, así como otros postulan que la descontextualización del marco original altera características y usos.

Por último, los artículos de este dossier se enmarcan en los parámetros historiográficos de una historia cultural y global de la ciencia (Romano; Schaffer, 2015) que estudia la circulación modelada por el intercambio global y los vínculos culturales entrecruzados (cross-cultural) (Secord, 2004; Aram y Yun-Casalilla, 2014). Al interior de esta perspectiva, es importante subrayar que la historia de la ciencia de las últimas décadas se ha reconfigurado alrededor de la categoría “historia de los saberes” con el objetivo de “descentralizar” un modelo eurocentrista de reflexión. De este modo, se analizan las dinámicas de negociación entre actores de varios grupos sociales y diversos espacios, para finalmente rechazar el modelo difusionista vinculado con la hegemonía de producción de “ciencia” desde un centro o una metrópolis (Van Damme, 2015). Así, con “fragmentos de mundo” nos referimos a espacios pluricentrados (Kontler et al., 2014) y epistemológicamente plurales que permiten examinar las intersecciones, la pluridireccionalidad y la multidimensionalidad de las producciones de saberes cuando transitan (Werner y Zimmermann, 2006).

Para efectos de este dossier, proponemos algunos experimentos desde Chile en relación con algunas partes del mundo. Es así como el Hospital San Juan de Dios en el siglo XVIII, en Santiago, se posiciona como un espacio no sólo de control social y control de enfermedades, sino también en un lugar de producción de imágenes sobre dimensiones históricas de la santidad. La imagen como objeto permite conjurar el dolor de los pacientes, transmitir un mensaje de salvación, pero también constituir a un hospital como un espacio en donde circulan imágenes que, a su vez, traducen matrices europeas y americanas de santidad (M. Cordero). Del mismo modo, el Gabinete de Historia Natural de la Real Academia de San Luis, entre 1790 y 1810, se transforma en el primer espacio público para la producción del saber científico natural en Chile, luego de un frustrado envío de remesas de un conjunto de minerales del reino de Chile que debían ser enviados a Madrid. Así, en este artículo se estudian las prácticas de clasificación y los saberes científicos que posicionaron a Chile en una empresa global de la historia natural europea (D. Serra). Asimismo, el tránsito en la segunda mitad del siglo XIX, por ejemplo, de nuevas manufacturas derivadas de procesos productivos como los venenos, permite complejizar los vínculos entre circulación de objetos y emociones (temor y fascinación), así como las relaciones de fuerza entre justicia y ciencia y entre cultural material y práctica científica en los espacios urbanos de Santiago (M.J. Correa).

Otros tipos de circulación, lugares y actores se producen durante el siglo XX que tensionan, al mismo tiempo, el largo tránsito del siglo XIX. Esto se evidencia, particularmente, en la construcción a inicios del siglo XX de un observatorio astronómico en Santiago de Chile que replicaba un observatorio en California. La constitución de un observatorio gemelo en diferentes hemisferios permite establecer y analizar los vínculos entre la producción de conocimientos, la circulación de objetos científicos (espejos y espectrógrafos) y las similitudes geográficas, sin olvidar la dimensión política intrínseca a dicha circulación (B. Silva). Del mismo modo, otro tipo de circulación, vinculada al tránsito de ideas entre Europa y Chile, se instala, por ejemplo, con las resignificaciones, traducciones y usos del hispanismo que se instalará en el pensamiento conservador y en la dimensión política durante la segunda mitad del siglo XX. Transmitido por textos, actores e instituciones, el hispanismo se convertirá en pieza clave del conocimiento entre las iglesias europeas y americanas (R. Sagredo). A partir de la etnohistoria y de la categoría “objetos poderosos”, se analizan los cruces culturales híbridos europeos-andinos de cajas de madera dedicadas a San Antonio de Padua (caja de santo) en la localidad de San Pedro Estación (norte de Chile), así como los universos simbólicos y las vidas sociales de dichos objetos (C. Odone).

Referencias

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Antonella Romano – Centre Alexandre-Koyré / École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris. E-mail: [email protected]


GAUNE, Rafael; ROMANO, Antonella. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.23, n.2., maio / agosto, 2019. Acessar publicação original desta apresentação

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DR

A história do Paraguai no contexto latino-americano: velhos e novos temas, enfoques e fontes de pesquisa / História Unisinos / 2019

Com o fim dos processos ditatoriais na região do Prata durante a década de 1980, a historiografia local passou por uma renovação que acompanhou os próprios processos políticos de fins do século XX e início do XXI. Isso se traduziu na formulação de novas perspectivas de análises, na organização de novos arquivos, bem como na formação acadêmica de pesquisadores que procuram desvendar o passado da região. A história do Paraguai vem sendo reconstruída nesse contexto de novos aportes metodológicos e de abertura de repositórios documentais após a queda de Alfredo Stroessner em 1989, que convocam a pesquisadores do país e do exterior.

Durante o século XX, a escrita da história nacional paraguaia foi o eixo tanto de disputas políticas internas como de relações internacionais com as nações vizinhas. Os vínculos do país mediterrâneo com toda a região rio-platense remontam a épocas distantes, inclusive anteriores à chegada dos europeus no século XVI. Porém, foi a partir do conflito militar do século XIX conhecido como a Guerra do Paraguai, Guerra da Tríplice Aliança ou Guerra Guasu que intelectuais paraguaios se voltaram a explicar a história nacional a partir do prisma bélico que o país enfrentou com seus vizinhos Argentina, Brasil e Uruguai.

Paulatinamente, com o decorrer da centúria passada, uma leitura que revisava a interpretação liberal foi-se impondo. Esta interpretação argumentava que, apesar da derrota paraguaia, a Guerra Guasu (grande em guarani) tinha demonstrado o heroísmo do povo e de seu grande líder, o marechal Francisco Solano López, devido a que ambos lutaram até a última gota de sangue para defender a pátria. Os fundamentos desse heroísmo ímpar foram procurados na história indígena, na colonial e na oitocentista. A bravura e a coragem dos paraguaios tinham raízes profundas na história do Paraguai, segundo a interpretação de revisionistas como Juan O’Leary, Manuel Domínguez e Juan Natalicio González.

Com a chegada dos governos militares em 1936 (com Rafael Franco), em 1940 (com Higinio Morínigo) e em 1954 (com Alfredo Stroessner), esta história revisitada adquiriu progressivamente o status de história oficial. Uma série de governos interrompidos por uma violência política que caracterizou a história paraguaia do século XX com uma sequência de guerras civis e golpes de Estado – genericamente denominados de “revoluções” – não mudou esse cenário de autoritarismo que acabou definindo a segunda metade do século passado.

O revisionismo histórico paraguaio impôs a leitura de um passado sem conflitos e de uma sociedade harmônica, o que se converteu em ferramenta de legitimação do regime stronista (1954-1989) que negava as lutas sociais e impunha a figura do próprio Alfredo Stroessner como continuador dos heróis nacionais, entre eles, Solano López. O uso político da história para convalidar o stronismo contribuiu, e muito, para a longevidade do regime. Além do ensino dessa história nas escolas, as restrições impostas à pesquisa acadêmica inibiram a divulgação de outras produções, à exceção de honradas exceções. Cabe lembrar que tais restrições não se limitaram apenas à escrita da história do século XX. Elas monitoravam também a história indígena, a colonial e a oitocentista com o mesmo fervor, ou melhor, com o mesmo controle ideológico que censurava aquelas interpretações que questionassem o revisionismo inaugurado no início do século XX por intelectuais que não tinham maior preocupação com a pesquisa historiográfica, mas tinham, isto sim, vínculos com o Partido Colorado, agremiação que se manteve no poder desde 1946 até os dias atuais, à exceção da presidência de Fernando Lugo (2008-2012).

Daí a importância de diversas produções surgidas principalmente nas últimas duas décadas que, apoiadas na formação acadêmica de seus autores e na análise séria das fontes, permitem desmitificar e desconstruir diversos conceitos do revisionismo histórico paraguaio, consolidados não apenas no Paraguai, mas amplamente difundidos também nos países vizinhos.

Os artigos que integram este dossiê deixam em evidência a renovação historiográfica, no que se refere a metodologias, objetos e perspectivas de análise. Mas também revelam a transnacionalidade tanto dos processos históricos como das pesquisas. A pesquisadora Jéssica de Freitas e Gonzaga da Silva analisa, em “A guerra como instrumento da política imperial brasileira na Bacia do Prata (1852-1858)”, as manifestações de diplomatas brasileiros do século XIX para identificar de que modo e em que momentos foi construído um discurso a favor da guerra como instrumento para a preservação e expansão da dita “civilização” brasileira, em oposição a seus vizinhos do Rio da Prata.

Os historiadores André Mendes Salles, Ana Beatriz Ramos de Souza e Hevelly Ferreira Acruche tomam em consideração elementos vinculados com a Guerra Guasu. O primeiro autor, em “A Guerra da Tríplice Aliança como conhecimento escolar no Paraguai”, escolheu como fonte os livros didáticos utilizados no ensino fundamental no Paraguai para indagar de que modo é apresentado o conflito bélico a partir de seus personagens e das narrativas, contribuindo para a construção da identidade nacional. Ramos de Souza e Acruche, também preocupadas pela construção da memória e da identidade nacional, no texto “O Panteón Nacional de los Héroes e a construção do mito de Solano López”, optaram pelo estudo do processo que levou à transformação do Oratório para a Virgem Maria em Panteão Nacional dos Heróis. Um dos objetivos é observar o momento da consagração de Solano López como herói nacional.

Jiani Fernando Langaro, no texto “Entre viagens e narrativas de desnacionalização”, se debruça sobre relatos de viajantes brasileiros que, entre 1920 e 1940, comentam a suposta situação de desnacionalização da fronteira do Paraná com a Argentina e o Paraguai devido à marcante presença de imigrantes argentinos e paraguaios, bem como ao predomínio das línguas espanhola e guarani.

Por fim, Lorena Zomer, em “Contos de Guido Rodríguez Alcalá: sentidos e representações da ditadura militar do Paraguai (1954-1989)”, reflexiona sobre as representações elaboradas pelo escritor paraguaio Guido Rodríguez Alcalá em torno do stronismo. Partindo de uma análise que vincula história e literatura, a investigadora se centrou nos contos para identificar sua posição crítica da ditadura stronista e dos mitos elaborados pelo revisionismo histórico paraguaio.

Acreditamos que os textos apresentados neste dossiê contribuirão para divulgar os avanços na pesquisa sobre a história do Paraguai e do Rio da Prata, bem como fomentarão a publicação de outros trabalhos em desenvolvimento, principalmente por parte de mestrandos e doutorandos que vêm apresentando importantes investigações sobre o tema e que integram a Rede de Pesquisadoras e Pesquisadores sobre o Paraguay Ñande.

Marcela Cristina Quinteros – Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), MS

Ana Paula Squinelo – Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), MS


QUINTEROS, Marcela Cristina; SQUINELO, Ana Paula. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.23, n.3., setembro / dezembro, 2019. Acessar publicação original [DR]

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De mujeres y niños. Apuntes para re-pensar lo femenino y lo infantil a partir de un diálogo entre historiadores / História Unisinos / 2020

La investigación histórica parte de un diálogo; algunas veces en solitario y teniendo como interlocutor al cuerpo documental que hemos seleccionado para el desarrollo de nuestra pesquisa histórica y, en otras ocasiones, el intercambio de ideas es con colegas y amigos que sentimos de modo entrañable. En ambos campos de interacción, el individuo en sí mismo no es relevante per se sino que se define en sociedad; una sociedad con el cuerpo documental o bien, con colegas. En esta ocasión las líneas que continúan intentan reflejar un proceso de construcción de un diálogo que se enmarca dentro del segundo orden presentado y, valga la redundancia, para presentar nuestras reflexiones conjuntas sobre el motivo que hoy nos nuclea.

Para reflexionar y re-pensar lo femenino y lo infantil en un marco temporal amplio como el que hemos considerado para este Dossier, es necesario introducir una breve digresión que elucida las condiciones de producción de estas líneas. Esta compilación de artículos se generó en la UNISINOS allá por octubre de 2018 aunque, como toda gestación, si consideramos a la misma desde ciertas consideraciones amerindias sobre el cuerpo, la persona y la personalidad, comenzó mucho antes. Quizás en el mismo momento, difícil de precisar por cierto, en que la amistad de quiénes suscriben comenzaba a crecer. En ese proceso de crecimiento, y así como los niños descubren sus cuerpos en la confrontación con sus pares, en aquella ocasión, en un bar cercano al Predio B, en medio de un intercambio de presentes, Karina indagó, no sin cierta preocupación, “Carlos, me deixa saber uma questão? qual é seu marco teórico?”. Una pregunta que fue respondida con una sinceridad necesaria, propia de la edad –de quiénes escriben así como del tiempo por venir que auguran las grandes amistades- y con ánimos de calmar ánimos inquietos. Claro que para poder llevar a cabo esa tarea las ‘certezas teóricas’ deben de revisarse rápidamente. De aquella veloz reconsideración de algunos supuestos iniciales emergieron consideraciones sobre los puntos blandos de nuestra formación y cómo es que la misma se incrementa por medio de una interacción dinámica y constante entre tasas de energía inercial en reposo –aquello que consideramos nuestro bagaje intelectual- y un trabajo de archivo que nos proporciona la materia prima de la que se nutren nuestros ejercicios de investigación. Un diálogo, una práctica retórica, que crece al amparo de un decurso que articula el tránsito del ‘archivo al campo’ [1], con idas y vueltas, así como con sucesivos retornos que hacen posible indagar más en nuestras intencionalidades y en qué medida las mismas se ven incrementadas en la búsqueda y reflexión de piezas e indicios documentales que complejicen nuestro conocimiento del pasado.

De aquellos reparos y miramientos teóricos –porque la teoría mira; indaga; cuestiona al objeto de estudio y este desde su propio lenguaje dialoga con nosotros-, y de cuestiones personales como dudas existenciales confesadas a la luz de aquel intercambio de posiciones teóricas, en algunos casos no compartidas, emergió el problema que anima este Dossier: cómo pensar en las mujeres y en los niños del pasado y, en segundo lugar, en qué manera podemos dar cuenta de ellos desde nuestras ‘certezas’. Aquellas mismas que son validadas, o no, por un cuerpo documental que brinda menciones, algunas veces, esquivas y otras certeras, sobre los sujetos que habitaron aquel pasado.

Una de las primeras cuestiones que se dieron cita en este ejercicio de revisión, historiográfico y personal, fue indagarnos sobre qué considera, y consideraba, cada uno de nosotros sobre qué es una mujer y un niño en un contexto histórico amplio y, cabe remarcar, definido por un cuerpo documental vasto y, obviamente, con lagunas que son necesarias de, al menos, comprender. Un universo que crece, en posibilidades heurísticas, desde nuevas miradas historiográficas; las mismas que han sido pensadas desde un diálogo con ‘nuestros mayores’, con aquellas figuras de una historiografía que ha marcado un camino y que, como niños curiosos osamos cuestionar.

En esta revisión conceptual que impulsó el debate, nuestras experiencias personales aportaron tintes al intercambio de ideas. Desde allí emergieron, además, nuances que balancearon nuestros esquemas ideo-lógicos, porque no se puede construir Ciencia sin ideología y la misma parte de nuestras consideraciones ideo-lógicas sobre el pasado y su relación con el futuro y el presente. Allí, desde los lugares de enunciación de cada uno de nosotros (de Certeau, 2007), anidaba una primera proposición. Revisar nuestras suposiciones y conocimientos nos colocaba frente a aquello que la historiografía francesa denominó ego-historie; siendo Nora (1987) uno de sus mayores representantes teóricos [2]. Nora se refería a sí mismo, y por extensión sobre su trabajo, como ‘un marginal central’; es decir, un sujeto que se ocupaba centralmente de aquellos problemas, como las tribulaciones de los investigadores, que inciden sobre la construcción del conocimiento histórico. En ese mismo punto nos encontrábamos nosotros en aquel debate y sobre ese aspecto debíamos de centrar la mirada – um olhar distanciado que hace que el objeto bajo inquisición tome distintas expresiones en virtud de la posición del observador. Las mujeres y los niños fueron centrales el proceso de reproducción social de cualquier grupo y para poder historizar su función dentro de un marco que los identificaba como tales es necesario, entonces, ponderar aspectos simbólicos, ideológicos, imaginarios, económicos y sociales. Proposición que equivale a examinar que una mujer y / o un niño es un producto histórico de su sociedad y que la misma lo identifica como tal en virtud de ciertas capacidades posibles de ser movilizadas dentro de la interacción con su grupo de referencia. Dicho de otro modo, y recogiendo abordajes notables que proponen la invención de la niñez como esfera social (del Priore 1999), en el pasado, o en nuestro presente pero en sociedades distantes de las nuestras, cuáles son los diacríticos que hacen posible identificar un niño o una mujer? Una pregunta que debe de responderse considerando lo que aquellas sociedades del pasado tienen para decir de sí mismas.

Esta última proposición nos llevó a preguntarnos sobre el rol del conocimiento y en qué manera miramos; indagamos; sentimos el pasado –sí! en qué forma experimentamos el pasado que nos llega como testimonio, a veces mudo, o bien como reflejo indirecto desde el prisma constituido por la documentación resguardada en el archivo, de un tiempo que ya no está presente ni nos pertenece –quizás un tiempo que ni siquiera perteneció a quiénes lo transitaron.[3] En cierta medida el investigador trabaja; opera –en el sentido en que de Certeau propuso a su operation historiographique- con una mirada distante que se construye sobre cierta saudade que pone en funcionamiento ‘la máquina de reproducir el tiempo’ (Lévi-Strauss 2014).[4] Es decir, la investigación histórica, desde la formulación de explicaciones que se construyen, intenta re-crear el tiempo en el cual se sucedieron aquellos procesos que se abordan pero la re-creación posee sus límites y estos pueden ser identificados mediante una reflexión realizada por cada uno de nosotros como profesionales de la Historia en dónde explayemos nuestros supuestos. Allí radicaba la intencionalidad de aquella pregunta sobre el marco teórico de uno de nosotros.

En este punto es donde aquella cuestión de la ego-histoire, entendida como trayectos y tramas personales de formación e interacción con nuestro medio, entra en acción con notable pujanza. Los recorridos intelectuales de cada uno de nosotros habían encontrado, en la documentación que sustentó nuestras Tesis doctorales, menciones, no completamente tangenciales por cierto, a mujeres y niños como actores plenos y con un protagonismo notable en procesos históricos complejos. Las mujeres y los niños, tal y como nuestros análisis así lo mostraban, poseyeron un protagonismo –y recalcamos esta noción por sobre la de agencia- que fue desatendido, en partes, por una lógica que sustentó modelos historiográficos; modelos que se constituyeron en prácticas que desatendieron el rol de la experiencia.

Niños y mujeres, con las salvedades que merecen ambas categorías, son la base material desde la que una sociedad se reproduce y re-actualiza constantemente, mediante el peso de la Historia de cada grupo. Una reactualización que muestra no sólo el dinamismo social sino que, en primer lugar, obliga a centrar, desde otro ángulo, nuestras miradas sobre el cuerpo documental, formular preguntas que indaguen de modo topológico cómo es que se construyó el estado actual de nuestros des-conocimientos así como que reposicione al investigador en su rol de observador de las sociedades del pasado. Por otra parte, y ante algunas lagunas documentales, parte de esa centralidad de lo marginal puede mostrarnos el camino para dejar de pensar en niños y mujeres como un agente colectivo pudiendo considerar trayectorias personales de individuos que complejicen nuestro conocimiento así como el arsenal de preguntas por medio del cual revisamos nuestra intencionalidad como investigadores.

Esa cuestión ego histórica es, por lo tanto, un modo de acercarnos a sujetos históricos considerados, en cierto modo, marginales así como parte de una revisión de nuestros caminos de formación, investigación y trayectorias personales y en qué medida los mismos nos han colocado frente a problemáticas de pesquisa que poseen un vínculo con motivaciones propias de cada uno. Aquellos caminos de formación, y de reflexión, por otra parte, indican tiempos propios de cada uno de nosotros, como individuos y en sociedad; cuestiones que permiten formular una nueva digresión que haga posible incrementar el debate que hoy nos anima.

En las sociedades indígenas americanas la condición de niño y / o mujer no aparece marcada o definida por una cuestión etaria; la edad, el tiempo transcurrido desde el nacimiento, en sí mismo no es un indicador que coloca o define al sujeto dentro de un sub-conjutno de la sociedad. Los niños, que luego se han de transformar en los hombres a los que aluden nuestros documentos, o bien las mujeres, si bien pueden ser identificados desde el registro documental como un sector social distinguible en sí mismo, no representan un todo homogéneo en la sociedad nativa. Allí la condición que los ha de identificar en el cuerpo documental es posible de definirla en función de una habilidad manifiesta en el transcurso de su vida social. Es decir la sociedad define al individuo, aunque sin anularlo. Junto con esta cuestión es necesario remarcar que las sociedades indígenas distaron en mucho del mito del buen salvaje que algunas corrientes teóricas intentaron mostrar como igualitarias. Las sociedades nativas no fueron, ni lo son, sociedades en dónde no existen diferencias de rango y / o condición. Dentro de ellas es posible señalar la existencia de diferenciaciones sociales que en buena medida ayudan a explicar las tensiones grupales que dinamizaron aquellas sociedades. Todo ello sin perder de vista que el ejercicio de reflexión que realizamos está más próximo de una Antropología asimétrica que de una Antropología simétrica. Un aspecto que no debe de olvidarse en el proceso de construcción de los debates; la relación con el pasado no puede plantearse, imaginarse si quiera, de modo simétrico como tampoco debe de olvidarse que las categorías desde las cuáles emprendemos nuestra tarea de investigación son un recorte parcial de la realidad bajo observación.

Dentro de las más notables marcas de percepción que Edward Palmer Thompson (1997) formuló sobre las dinámicas humanas, prevalece la importancia de las acciones desarrolladas en contextos sociales que inciden sobre la formación de conceptos que, ancorados en el tiempo, se cierran sobre sí mismos no generando posibles y nuevos debates. Tal y como se muestra en Senhores e Caçadores, por ejemplo, las teorías serían las encargadas de capturar analíticamente los registros generados en virtud de las acciones humanas a lo largo del tiempo. Por ello, nuestro debate teórico dialoga desde dos formas disímiles de indagar en el pasado; aspecto sumamente provechoso en sí mismo para el crecimiento personal e historiográfico.

Por otra parte, cabe señalar que, en la sociedad colonial, mujeres y niños no reconocidos como indígenas fueron actores que tuvieron una activa participación aunque no siempre reflejada en intensidad por un cuerpo documental atento a vicisitudes consideradas notables. Empero, aquellos estaban presentes y los mismos pueden ser indagados, proponemos, volviendo sobre la misma lógica que los colocó en un segundo plano, a modo de filigrana, y dando cuenta cómo este plano evidencia vínculos sociales que generan la posibilidad de volver a pensar, reflexionar y debatir el contexto histórico que generó las acciones que tornan a un sujeto mayormente visible que el resto de sus pares. Aspecto que, además, permite reflexionar sobre la construcción de la muestra y si la misma es representativa al punto en que podamos afirmar qué es una mujer o un niño –e incluso pudiendo trasladar esta inquietud al conjunto de la sociedad bajo análisis.

El Dossier “Mujeres, niños e Historia: lo ‘femenino’ e ‘infantil’ en la sociedad americana. Siglos XVI-XIX” se compone de seis artículos; investigaciones originales que, en el caso de alguna de ellas, compusieron el Simposio Mujeres, niños e Historia: lo ‘femenino’ e ‘infantil’ en la sociedad americana. Siglos XVI-XIX, que tuvo lugar en el marco del 3º Congresso Internacional Povos Indígenas da América Latina, Trajetórias, narrativas e epistemologias plurais, desafios comuns; 3 al 5 de julio de 2019, Brasília – DF, Brasil. Momento de reflexión colectiva desde el cual se construyó la presente publicación.

En el artículo de Cássia Rita Santos, emerge el papel de la mujer en la producción de colecciones arqueológicas y etnográficas así como, en consecuencia, el lugar que ocupa en la producción de conocimiento antropológico así como el arqueológico a través de los itinerarios de la Colección Marquesa de Cavalcanti resguardada en el Museo Volkenkunde en Leiden en Holanda. La autora demuestra que, a pesar de las lagunas documentales, investigar el tránsito de los objetos permite conocer regiones coloniales con áreas metropolitanas en la segunda mitad del siglo XIX; en este caso Brasil, Paris y Holanda. Además, las variadas relaciones establecidas a partir del flujo de los objetos pueden brindar una clave para la comprensión de la Historia, la Etnografía y de la Arqueología.

Vania Losada aborda el tráfico de niños indígenas durante el régimen imperial en las regiones interiores de Espírito Santo, Minas y Bahía. En su análisis la autora descentra el supuesto aspecto residual de la cuestión, para una lectura más sistemática, conectando los gabinetes de la Corte de Río de Janeiro y de las provincias vinculadas con aquella. En su visión, el tráfico de las kurukas estuvo en ciernes en el proceso de colonización de nuevos territorios y organizando el mundo del trabajo en el Brasil del período imperial. La práctica del tráfico y las guerras contra las poblaciones indígenas afectaron y desorganizaron diferentes grupos indígenas que buscaron actuar frente a nuevos frentes de ocupación.

En lo que refiere a los estudios de las infancias, Adriana Fraga coloca en discusión aspectos sobre las fronteras establecidas entre el mundo adulto y el infantil a partir de los estudios en distintos campos del conocimiento. Con especial énfasis en la Arqueología, la autora problematiza abordajes que, a priori, identifican a las infancias así como a los niños como temas tangenciales. Desde su interpretación las nuevas formas conceptuales y analíticas de pensar en la niñez apuntan a una superación epistemológica de imágenes consolidadas por la retórica de su tiempo.

‘Charrúas, guenoa minuanos y rapto’ de Diego Bracco pone en debate cómo la práctica del cautiverio, la captura de ‘piezas’, primordialmente centrada sobre aquellos grupos considerados infieles atentó sobre la continuidad material de aquellos. Empero, cabe remarcarse, la práctica de toma de cautivos fue un modo social relacional que vinculó distintos grupos sociales, con intensidades variables a lo largo de la interacción de la sociedad colonial con los grupos nativos de la Banda Oriental.

Por su parte Avellaneda y Quarleri indagan sobre cómo las mujeres, como sector social, constituyeron una preocupación para la política misional reduccional implementada por la Compañía de Jesús y en qué medida esas prácticas pueden ser observadas por una amplia documentación producida por los ignacianos. Registro documental que, entre otras cuestiones, permite esclarecer la existencia de jerarquías de género dentro de las reducciones jesuíticas implementadas para grupos guarani.

Olga María Rodríguez Bolufé y Greyser Coto Sardina cierran el Dossier y se preguntan qué esconde el proceso de sexualización de la mujer mulata y si existen modos de pluralizar el ser mujer mulata en Cuba y cómo es que esta sexualización, fuertemente vinculada con una racialización, posee un vínculo con un pasado colonial de presencia notable en la isla. Proceso para el cual analizan una serie de pinturas desde las cuales se proyectan imágenes que dan cuenta sobre en qué medida los cuerpos mulatos femeninos son apropiados como tipificación de una alteridad convertida en identidad.

Todos estos artículos son un reflejo de intencionalidades, apasionadas por cierto, propias de cada uno de los autores y que señalan direcciones y sentidos diversos, aunque interconectados entre sí, que posibilitan transitar distintos debates historiográficos. Estos debates, con sus sentidos, nos han de conducir por nuevos lares con renovados aires.

Somos nómades por ‘naturaleza’; vamos de un lado a otro –algunas veces sin darnos cuenta que eso mismo está sucediendo porque ese nomadismo no debe de encasillarse como un desplazamiento por territorios, espacios, ambientes o paisajes o categorías sociales. Somos nómades porque la vida de las personas en sí mismo es un andar por distintos estados que pueden ser conceptualizados de diferente modo. Empero aquellas categorías, tomadas a la ligera, sólo refieren a momentos sociales los cuales se encuentran definidos por capacidades que, a su vez, se definen por un estadío posterior que indica el estado que se ha abandonado. Por eso es que proponemos la idea de nociones diversas que, por momentos, se movilizan de modo nómade. Aquella no quietud de los sujetos, y menos aún de sus acciones, es el guante que recogen todos los artículos aquí considerados.

Para finalizar sólo queremos remarcar que uno de los mayores desafíos que se presentan en el binomio investigación / educación es el problema de la transferencia no sólo de los resultados de la investigación sino también de los supuestos desde los que parte el investigador dado que, en algunos casos, éstos poseen una distancia intrínseca y por demás significativa con los supuestos ontológicos propios del sujeto que se analiza. Supuestos de investigación qué, además, son resultado de procesos sociales posibles de ser historizados. Reflexión que bien puede aplicarse a los abordajes que se formulan sobre mujeres y niños. El objetivo del dossier es, por lo tanto, además de poner en discusión resultados de investigación, reflexionar, desde nodos de conocimiento alcanzados, cómo es necesario ponderar y re-pensar distanciamientos metodológicos, entre investigadores y aquellos que consideramos como ‘sujeto de investigación’, que anquilosan la posibilidad de rescatar la diversidad de experiencias y sentidos que las categorías ocluyen. Mujeres y niños son categorías propias de un Occidente moderno que intenta explicar lo que sucede allende sus fronteras.

Sin embargo poco se reflexiona sobre cómo estas dos porciones de la sociedad se conciben y dialogan consigo mismas y entre sí; ello sin olvidar cómo se articulan con el resto de la sociedad. Desde esta última proposición es que animamos que se realice la lectura de los trabajos aquí publicados.

Notas

1. La noción de transitar de los archivos al campo está tomada de la obra de Nathan Wachtel Des Archives aux Terrains. Essais d’Anthropologie historique. Paris. EHESS; Gallimard; Seuil; 2014. Obra de cuño inspirador que recoje diversos ensayos dónde uno de nuestros maestros reflexiona sobre el oficio, práctica y destino de la profesión del historiador / antropólogo en su posición frente a las sociedades del pasado y su relación con nuestro presente

2. Además de la proposición de Pierre Nora cabe mencionar un trabajo de reflexión sobre el oficio de investigar el pasado y su pervivencia y proyección sobre nuestro tiempo y nuestras emotividades y en que medida las mismas originan debates. Invitamos al lector a confrontar Paletó e Eu. Memórias de meu pai indígena de Aparecida Vilaça; São Paulo. Todavia, 2018. Ensayo profundo que incidió notablemente sobre uno de nosotros, llevándonos de la mano por contemplaciones sobre nuestros vínculos afectivos con aquellos que hemos reconocido, y aún reconocemos, como nuestros mentores. Aquí no podemos dejar de mencionar a John Monteiro y Daniel J. Santamaría por todo aquello que nos transmitieron.

3. Reflexionar sobre el pasado exige dejar de lado la pretensión de poder acercarnos a él sin que nuestros ropajes no incidan en la relación que construímos con un tiempo ausente. El tiempo, aquella dimensión esencial y esquiva por momentos, es el telón de fondo de nuestras investigaciones; momentos en dónde, quizás, aquellos sujetos del pasado no pensaron en que sus voces resonarían más allá de su futuro. Por ello es que estas reflexiones no deben de perder de vista que nuestro presente incide sobre nuestro indagar e indagarnos.

4. La mención a una de las obras de Lévi-Strauss no porta la intención de definir, encasillar, esta presentación dentro del Estructuralismo. Todo lo contrario. Aquella reflexión sobre máquinas de reproducir el tiempo debe de alertarnos sobre la necesidad constante de atender sobre otros modos de relacionaros con otras y variadas formas de tiempo, temporalidad y acontecimiento. Un ejemplo de ello lo encontramos en A Queda do Céu. Palavras de um xamã yanomami. Kopenawa, Davi y Bruce Albert; São Paulo. Companhia das Letras. 2015

Referencias

DE CERTEAU, Michel L´écriture de l´histoire. Paris, Gallimard, 2007.

DEL PRIORE, Mary História das Crianças no Brasil. São Paulo, Contexto, 1999.

LÉVI-STRAUSS, Claude Todos somos caníbales. Buenos Aires, Libros del Zorzal, 2014.

NORA, Pierre Essais d’ego-histoire. Paris, Gallimard, 1987.

THOMPSON, Edward P. Senhores e Caçadores: a origen da Lei Negra. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997.

Karina Melo – Doutora Professora Adjunta da Universidade de Pernambuco (UPE) / Brasil. E-mail: [email protected]

Carlos D. Paz – Doutor Professor do Departamento de Historia – FCH-UNCPBA / Argentina. E-mail: [email protected] / [email protected]


MELO, Karina; PAZ, Carlos D. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.24, n.3., setembro / dezembro, 2020. Acessar publicação original  [DR]

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Formação de profissões de natureza técnica ou científica / História Unisinos / 2018

O presente dossiê propôs-se a reunir trabalhos de pesquisadores interessados na análise de processos sociais que se situam na origem da formação de profissões de natureza técnica ou científica, na especialização crescente de meios profissionais ligados ao conhecimento científico e na formação de burocracias públicas de perfil tecnocientífico.

Optamos deliberadamente por uma categorização ampla de profissão “técnica” e / ou “científica”, incluindo sob esta uma série de atividades assentadas em formação acadêmica específica, muito especializadas e cujo exercício profissional se encontra altamente codificado. Assim, além dos trabalhos mais frequentes no meio, como aqueles sobre engenheiros e médicos, também nos interessava destacar outras profissões, bem como a burocracia pública ligada a diferentes formas de expertise científica. Nossa aspiração se confirmou, e este dossiê reúne, além dos atores habituais, uma gama variada de profissões e espaços institucionais pouco frequentes no campo da história social, como aqueles onde atuavam comerciantes, enfermeiras, assistentes sociais ou advogados.

Na maior parte das vezes, deparamo-nos com estudos que se debruçam sobre as características sociais de indivíduos e coletivos envolvidos em projetos de organização profissional, ou seja, sobre situações em que indivíduos tomam parte em projetos institucionais que poderão vir a ter sucesso, mas que ainda não o são. Logo, não se trata aqui de enxergar sob a etiqueta “profissional” papéis estabelecidos e inconfundíveis, mas de se buscar perscrutar os caminhos sociais que levaram à construção das profissões em destaque, às identidades básicas propiciadas pela experiência do trabalho ou da formação escolar, aos sucessos evidentes de empreendimentos “de classe”, mas também aos seus fracassos memoráveis.

Os trabalhos aqui reunidos trazem recortes temporais concentrados, em sua maioria, no século XX, e apresentam análises prosopográficas, de trajetória, da relação entre Estado e profissionais e de projetos políticos e institucionais de formação profissional, entre outras perspectivas.

Embora os textos aqui presentes pudessem ser organizados de diferentes formas, sobretudo obedecendo a algum ordenamento temático, optamos pela distribuição por ordem cronológica aproximada.

Em Francisco Antônio de Sampaio: de cirurgião a homem de ciências (Vila de Cachoeira, Bahia, c. 1780), Lorelai Kury e André Nogueira problematizam as práticas médicas e científicas de Francisco Antônio de Sampaio. Cirurgião, segundo os autores, quase totalmente esquecido pela historiografia das ciências do mundo colonial, Sampaio foi alvo de fiscalização do Protomedicato por extrapolar seu ofício num período em que há, justamente, um aumento desta fiscalização por parte do Reino. Analisando fontes que incluem quatro cartas enviadas por Sampaio à Academia das Ciências de Lisboa, entre 1783 e 1793, e que fornecem informações sobre acontecimentos relevantes de sua atuação profissional e sobre seus estudos relativos à natureza da região em que vivia, os autores concluem que a produção científica do cirurgião visava à sua afirmação como produtor de conhecimento e sua inserção na República das Ciências lusa e brasileira no período da Ilustração.

Em Tentativas de organização do ensino técnico para o comércio e as funções públicas no Instituto Comercial do Rio de Janeiro (1856-1880), Gladys Sabina Ribeiro e Paulo Cruz Terra analisam os esforços públicos para, através da criação do Instituto Comercial do Rio de Janeiro, em 1856, e até o seu fechamento, em 1880, dotar o país de um espaço de formação técnica profissional do pessoal do comércio, mas, igualmente, preparar adequadamente a burocracia pública destinada ao Tesouro, às Alfândegas e aos consulados. Restando incumpridas as promessas e se vendo declinar a atração dessa formação entre os potenciais interessados, o projeto do Instituto Comercial vai sofrendo ajustes até terminar por ser extinto pouco mais de duas décadas depois. O que os autores nos mostram é o possível descompasso entre a percepção dos agentes públicos promotores da criação e institucionalização do Instituto Comercial e a realidade do ambiente dos diferentes estratos de trabalhadores do comércio, menos propensos a um nível de especialização cuja utilidade não parecia de todo evidente, assim como a existência de incertezas face ao aproveitamento real dos egressos na administração pública, promessa central da formação e que seria objeto de uma reforma parcialmente bem-sucedida, já no início dos anos 1860. Caso interessante de análise, a criação e o desaparecimento do Instituto Comercial permite vislumbrar o caráter efêmero de certos projetos institucionais não associados diretamente, ou associados apenas parcialmente, à pressão social de grupos por formação técnica ou acadêmica, formação que oferecesse recursos tangíveis para sua promoção social.

O texto seguinte, de Rogério Monteiro, Pureza e desinteresse como distinção: as matemáticas entre engenheiros politécnicos na virada do século XIX para o XX, coloca em primeiro plano os processos de autonomização profissional da Engenharia e das Matemáticas. O autor mostra como o declínio em importância das Matemáticas entre os engenheiros, nas últimas décadas do século XIX e primeiras do século passado, coincidiu com a aceleração dos processos de institucionalização profissional da engenharia e, ato contínuo, da busca, pelos matemáticos, de um reposicionamento no campo profissional, reivindicando para si o reconhecimento da ciência pura e, portanto, da profissão de cientista: “Pressionados pela desvalorização daquilo que faziam, ao invés de abraçarem a profissionalização da carreira dos engenheiros […] procuraram construir um outro espaço institucional”. Os marcadores desse movimento dos matemáticos seriam os ideais de pureza e desinteresse.

Interações entre os espaços públicos e privados também aparecem, e são mesmo elemento de destaque, no texto de Henry Marcelo Martins da Silva, Nos trilhos do capital: “engenheiros industriais” e ferrovias em São Paulo no início do século XX. Partindo do decreto de falência de quatro companhias ferroviárias paulistas, em março de 1914, o autor vai desvelando as circunstâncias e as personagens do processo, sugerindo que ambiente econômico favorável, disseminação de práticas de participação acionária em investimentos públicos e privados e ausência de instrumentos de regulação, permitiram o florescimento de negócios de legalidade duvidosa, capitaneados por ditos “industriais”, no caso “engenheiros industriais”. Trata-se aqui de um estudo muito rico em evidências acerca de práticas financeiras abusivas que surgem na esteira das grandes oportunidades abertas pela rápida expansão econômica e, sobretudo, pela expansão dos serviços públicos. Neste cenário, o conhecimento, por parte de certos agentes, os “engenheiros industriais”, acerca do funcionamento e das iniciativas dos setores públicos, sua capacidade de antecipação e mesmo de impulsionar a agenda de atuação pública, dela capitalizando os dividendos, oferecem um diferencial importante e reforçam sua posição. Cabe-nos arrolar aqui os recursos e circunstâncias que viabilizaram a rápida ascensão e o declínio desse grupo de “engenheiros industriais”: trajetória e contatos acadêmicos, percurso inicial no serviço público, ambiente de forte expansão econômica e de serviços públicos, acesso facilitado a recursos e investimento público e privado, baixo escrutínio público sobre essas atividades.

O artigo O serviço público de saúde no município de Araraquara. Do Posto Sanitário ao Health Training Center: análise de uma trajetória, de autoria de Cristina de Campos, Maria Gabriela Silva Martins da Cunha Marinho e Soraya Lódola, apresenta o percurso da saúde pública em Araraquara, São Paulo, a partir da análise dos serviços de saúde locais durante a primeira metade do século XX. Durante o período analisado, os poderes públicos municipal e estadual e a instituição filantrópica norte-americana Fundação Rockefeller atuaram no município conduzindo e orientando a saúde pública. A alternância e a atuação destes entes públicos e privados na questão da saúde criaram um ambiente diferenciado, onde circularam diferentes agentes regionais, nacionais e internacionais que marcaram presença dominante na administração da saúde do município. Foram analisadas, para o desenvolvimento do projeto, fontes salvaguardadas em arquivos nacionais e internacionais, relatórios do poder público municipal e estadual, além dos produzidos pela Fundação Rockefeller.

Luiz Otávio Ferreira e Renata Batista Brotto analisam, em Nordestinas e normalistas: um estudo sobre as características socioculturais das alunas de uma escola católica de enfermagem no Brasil (1940-1960), a ação institucional da Igreja Católica brasileira no campo da enfermagem ao longo da primeira metade do século XX. A partir de um estudo prosopográfico que utiliza como fontes informações encontradas em dossiês de 408 alunas da Escola de Enfermagem Luiza de Marillac (EELM), a primeira escola de enfermagem de orientação católica fundada no Brasil (Rio de Janeiro, 1939), o estudo busca estabelecer as características socioculturais e econômicas das enfermeiras diplomadas pelas escolas de enfermagem de orientação católica analisando variáveis como ocupação econômica dos pais, escolaridade, faixa etária e estado civil, entre outras. Os autores destacam a restrição à presença de mulheres negras entre as alunas da EELM.

Em Estado, capitalismo e profissão: metamorfoses da advocacia nas décadas de 1940 a 1960, Marco Aurélio Vannucchi oferece uma análise densa do perfil mutante da profissão de advogado num período-chave da modernização social, política e institucional do país. Neste, ocorre a consolidação das entidades representativas, particularmente a OAB, mas também a disputa pela representação se acelera. Crescimento do assalariamento, expansão vertiginosa dos cursos de formação da profissão, perda relativa de importância na concorrência com outros profissionais – cientistas sociais, economistas – no tocante a posições no Estado, mas institucionalização de novos órgãos públicos de acesso exclusivo pela profissão jurídica, como é o caso do Ministério Público, são algumas das muitas mudanças que ocorrem no cenário profissional dos advogados no período em análise.

O artigo de Bruno Sanches Mariante Silva, por sua vez, intitulado Tecnificação e gênero no corpo laboral da Legião Brasileira de Assistência: assistência social e modernidade (1945-1964), discute a atuação da Legião Brasileira de Assistência (LBA), fundada por Darcy Vargas em 1942, no contexto da II Guerra Mundial. Utilizando como fonte principal o Boletim da Legião Brasileira de Assistência e se valendo de conceitos como gênero, o autor analisa, entre outras questões, a estrutura do corpo laboral da LBA e as transformações que a instituição sofreria ao longo do período analisado, quando se observaria a passagem de uma atuação orientada pela caridade para uma assistência mais técnica e científica, em que se destacariam os(as) assistentes sociais.

Em Aparato estadístico, paradigma de la planificación y desarrollismo en Argentina (1955-1970), Claudia Daniel analisa o espaço de produção das estatísticas públicas argentinas ao longo dos governos desenvolvimentistas. No texto são tratados o regime de produção estatístico que vigorava no período, as relações entre a agência oficial e as novas dinâmicas institucionais apresentadas pelo Estado desenvolvimentista, as disputas entre diferentes agências que produziam conhecimentos relevantes para o Estado e a profissionalização do setor. Daniel oferece um olhar mais amplo sobre a complexidade do Estado e de seus agentes, entre os quais ganham destaque as elites técnicas estatais, seus saberes e estratégias. Em suas palavras: “o caso da estatística pública [poderia ser também o caso de várias outras especialidades ou espaços profissionais descritos neste dossiê] serve como uma porta de entrada para entender o funcionamento do Estado moderno tomando em consideração as tensões que se dão em seu interior, as distintas dinâmicas e temporalidades que o habitam”.

Em nosso último artigo, intitulado La capacitación en salud pública en la Argentina entre 1900-1960, Carolina Biernat, Karina Ramacciotti e Federico Rayez têm como objetivo refletir sobre os projetos e a implementação de sistemas estatais e universitários de formação de médicos sanitaristas na Argentina durante o século XX. Estes sistemas buscavam formar quadros técnicos e administrativos para satisfazer as demandas de saúde pública e aperfeiçoar o pessoal que já ocupava cargos no sistema sanitário do país. A partir da análise de fontes como os Archivos de la Secretaría de Salud Pública (1946-1949), a Memoria del Ministerio de Salud Pública de la Nación (1946-1952), a Revista de Salud Pública (1962-1969) e o Boletín de la Asociación Argentina de Salud Pública (1963- 1970), entre outras, os autores discutem a formação histórica da saúde pública como especialidade na Argentina e a formação de médicos especialistas na área entre o final de 1950 e início de 1960. São enfocadas, ao longo do texto, experiências ocorridas em Buenos Aires, entre as quais a instituição, em 1958, de um curso universitária a partir da fundação da Escuela de Salud Pública de la Universidad de Buenos Aires.

Desejamos a todos uma boa leitura!

Ana Cardoso de Matos – Universidade de Évora

Ana Paula Korndörfer – Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Flávio Madureira Heinz – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro


MATOS, Ana Cardoso de; KORNDÖRFER, Ana Paula; HEINZ, Flávio Madureira. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.22, n.4., novembro / dezembro, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Políticas migratorias entre Europa y América: un escenario de cambios legislativos en el último siglo / História Unisinos / 2018

El 21 de diciembre de 1907 se promulgó en España la primera ley emigratoria, posteriormente se sancionó, el 30 de abril de 1908, su Reglamento. Tal medida fue similar a las adoptadas para entonces por varios países europeos, entre otros, Italia, que en 1901 había aprobado su Ley de Emigración.

Esta legislación se integra en el corpus de disposiciones que sobre reformas sociales estuvieron vigentes en el país desde comienzos del siglo XX. Su aplicación permitiría garantizar la acción protectora del estado sobre los que abandonaban España, para lo cual fueron creados distintos organismos e instituciones que, a lo largo de los años, evolucionaron a medida que proseguían los desplazamientos y se extendían los destinos escogidos, incluyendo el de los emigrantes que se dirigían hacia dentro de las propias fronteras europeas.

Concomitantemente también los diferentes países receptores de inmigración, ante la masividad que adquirió el proceso, se vieron obligados a regular y orientar los movimientos de entrada de personas. Si bien, como dice Sassen (2007) cada país es único y cada flujo migratorio se produce en unas condiciones específicas de tiempo y lugar, las políticas migratorias desarrolladas en el Cono Sur responden a cierto paradigma, se pueden detectar mecanismos de cambio que se repiten en las políticas migratorias nacionales, observando lógicas y dinámicas que pasan desapercibidas desde una mirada de lo nacional excluyente, que desdibuja las conexiones entre las actuaciones e ideologías, por ejemplo, de gobiernos locales y organismos intergubernamentales.

En este dossier presentamos un panorama de las políticas estatales y de las prácticas institucionales migratorias que se implementaron en los últimos cien años, para de esta manera tener una mejor comprensión del papel que asumió España como país expulsor de población, y los países americanos con fuerte tradición inmigratoria como fueron Argentina y Brasil. Entre otras cuestiones se dilucidó el papel de los organismos internacionales, en especial el Comité Intergubernamental para las Migraciones Europeas (CIME), la coordinación existente entre ellos y las dependencias estatales creadas en los citados países para gestionar los desplazamientos. Incluir a los actores estatales permitió comprobar el acrecentamiento de poder que llegaron a detentar, sobre todo a partir de mediados del siglo pasado.

La implementación de las políticas nacionales difícilmente puede proponerse al margen de las demandas internas de políticos, ciudadanos, empresarios y asociaciones de inmigrantes, como tampoco pueden sustraerse de las sugerencias y decisiones de comités intergubernamentales u otras instituciones internacionales, ni de las decisiones que asumen los países limítrofes; influidas en diferente grado, según el momento, por lobbies de empresarios nativos o de emigrantes a través de sus líderes, medios de comunicación, obligaciones derivadas de acuerdos internacionales, decisiones de otros países vecinos, etc.

De allí la pertinencia del estudio histórico de las políticas de países receptores de inmigración, atendiendo a la región del Cono Sur de América, Argentina y Brasil. La elección de estos destinos se fundamenta en el hecho de que no solo han sido lugares de recepción para millones de inmigrantes europeos en la misma época, sino que pronto dispusieron de aparatos estatales para la gestión de su llegada, por lo cual ostentan una prolija experiencia en la enunciación de políticas en materia de inmigración. A partir del primer tercio del siglo XX, las medidas y prácticas políticas de estos países coinciden en orientarse hacia la restricción y mayor dirección de los flujos inmigratorios, mientras, varias décadas después, poco a poco, comienzan a ser testigos de su conversión en países emisores hacia Europa y Estados Unidos.

Si bien el marco nacional (ya sea referido a la Administración central o a las autonomías) ha sido el locus por excelencia del análisis de las migraciones y el referente necesario para comprender el fenómeno en su dimensión política, incluso se valora la capacidad de gestión de los Estados nación a la hora de convertirse en un factor más de la dirección, intensidad o mantenimiento de los flujos (Arango, 2003), cada vez resulta más clara la necesidad de considerar también otras escalas de análisis, locales y globales, en el estudio de la gestación e implementación de las políticas migratorias.

Dichas políticas se piensan, gestan y ejecutan a partir de la articulación de las dinámicas, insistimos, entre organizaciones locales, agencias estatales y organismos internacionales. Desde ese lugar se puede entender mejor el papel de la política migratoria en la dirección, intensidad y duración de los flujos migratorios.

En este número, desde una perspectiva histórica de medio plazo, se analiza cómo se gesta la política inmigratoria en su transformación, y qué discursos se utilizan cada vez, tratando de suministrar contexto de estos cambios, desde el ámbito local, internacional y transnacional. Entendemos que tales políticas migratorias están constituidas por un corpus legal que las regula y que sistematiza los preceptos que la rigen y que, en cada país, están recopilados. Este es un principio básico que las engloba, independientemente del país que las impulse. Ahora bien, la aplicación de la normativa está en manos de dependencias administrativas a nivel nacional, que la llevan a la práctica, que están influenciadas por agencias internacionales y locales, gestionando la llegada y asentamiento de los inmigrantes.

En este dossier se reúnen trabajos que abordan el estudio de las políticas estatales migratorias implementadas en Europa y América Latina a lo largo del siglo XX. Es una cuestión indudable que la gestión de la política inmigratoria fue un tema prioritario en las agendas de los gobiernos latinoamericanos, en especial cuando se comenzaron a implementar medidas selectivas, pero también en los europeos.

Posteriormente la regulación de los flujos se ha mantenido, aunque con variaciones, a lo largo de los años. Por tanto, nos enfrentamos a un asunto que tiene una proyección social que trasciende hasta el presente.

Ahora bien, en relación con la producción científica que ha generado la temática apenas constatamos monografías que aborden el tema de las políticas desarrolladas por el Estado español. No obstante, existen obras contemporáneas de este período, a medio camino entre la fuente primaria y la fuente bibliográfica, que resulta imposible no referir. Es el caso del trabajo de Mariano González-Rothvoss y Gil, publicado en tres partes a lo largo de 1949. El que fuera entonces director del Departamento de Emigración del Ministerio de Trabajo, realizó un completo análisis de la emigración española desde una perspectiva social que incidía en la supuesta necesidad de tutelar y proteger al emigrante.

De similares características son los estudios de otros autores vinculados a la estructura organizativa del Estado, como los Vicente Borregón Ribes (1952), o Carlos Martí Bufill (1949, 1955), que reflejan la preocupación paternalista del Gobierno franquista por los españoles afincados en otros países, especialmente en América, y su interés por controlar los flujos migratorios hacia los mismos. Algo más cercana en el tiempo, se encuentra la monografía La emigración española y su régimen jurídico, de José Serrano Carvajal (1966), quien fue secretario general técnico del Instituto Español de Emigración durante los años sesenta. Este realiza en la obra un repaso exhaustivo de la legislación migratoria y sus implicaciones sociales desde el siglo XIX hasta esa época.

En los últimos años, destaca la tesis de María José Fernández Vicente (2006), que efectúa un análisis comparativo de las políticas públicas desarrolladas por el Gobierno franquista, en relación con la emigración española hacia Francia y Argentina y la recientísima obra de Emilio Redondo Carrero sobre la participación española en el CIME (2017).

También es posible citar algunos artículos y obras colectivas que se ocupan de esta problemática, aunque sea parcialmente, o se centran en aspectos concretos, la Historia del Instituto Español de Emigración (2009), publicada por Luis M. Calvo, Axel Freienbrink y Carlos Sanz; el artículo de Blanca Sánchez Alonso en su revisión de la política emigratoria española a lo largo de todo el siglo XX (2011). Sin embargo, debemos hacer la salvedad de que, cuando el ámbito político es la Unión Europea o algún país de los que ahora la integran, los trabajos son abundantes.

Una rápida mirada sobre la historiografía respecto a las políticas inmigratorias de los países de recepción nos permite observar la existencia de trabajos generales referidos a la cuestión inmigratoria en Iberoamérica (Lattes y Recchini de Lattes, 1992), la recopilación acerca de la legislación en el cono sur (Silva et al., 1987), o la caracterización de los fundamentos de las políticas migratorias internacionales (Mármora, 1988, 2003).

Para el caso argentino hay que subrayar estudios más específicos y muy sugerentes como los de Fernando Devoto (2001, 2003) acerca del entramado y las contradicciones entre los distintos organismos encargados de la gestión inmigratoria a la luz de la discriminación histórica que sufrieron algunos colectivos. Durante el peronismo, los de Novick, centrándose en el Primero y Segundo Plan Quinquenal, pero que se extiende y analiza la política inmigratoria argentina formulada por los gobiernos posteriores (in Oteiza et al., 1997). También debemos indicar los de Oteiza (2006) focalizados en la conocida como Ley Videla, y la obra conjunta de este autor, junto a Novick y Aruj (Oteiza et al., 1997), que aborda el discurso oficial argentino sobre los extranjeros analizando los artículos aparecidos en la prensa y las leyes y decretos que regulan la inmigración.

En el caso brasileño encontramos publicaciones originadas en el seno de los organismos del Estado implicados en la cuestión inmigratoria, como la realizada por Ilmar Penha Marinho (1961) o las editadas en los Boletines del Departamento de Inmigración y Colonización en la década de los años 50 del siglo pasado. Más actual y abordando la política migratoria en relación a la llegada de los españoles es el trabajo de González Martínez (2003) y el artículo de Cook-Martín y Fitgerald (2015) sobre selección racial. Así mismo, es necesario señalar que, en la mayoría de la extensísima y relevante producción científica que se ha publicado acerca de las diferentes comunidades inmigrantes, existen referencias a la política migratoria que permitió su llegada. En concreto, un tema al que se le ha prestado mucha atención tiene que ver la cuestión de los refugiados judíos; sobre esta cuestión un estudio clásico es el de Lesser (1995).

Los artículos que integran este volumen se centran tanto en las iniciativas tendientes a encauzar los procesos de desplazamiento poblacional, como a aquellas otras enfocadas a paliar las consecuencias del mismo en los respectivos ámbitos nacionales. Así mismo, se atiende al complejo espacio, entre social y político, generado alrededor por las sugerencias de instituciones internacionales.

No nos sorprendente que los estudiosos examinen las políticas oficiales de control migratorio. Estas dan testimonio del crecimiento de la capacidad infraestructural de los Estados para controlar “sus” poblaciones durante períodos de formación del Estado nación. Contribuye a esta tendencia la existencia de fuentes cuidadosamente producidas y conservadas por los Estados. Por otro lado, es comprensible también que los autores enfaticen la historia de sujetos que aparecen en las fuentes disponibles para mostrar el significado concreto de las políticas oficiales y cómo reaccionarán las personas afectadas.

El dossier incluye varios trabajos que reflejan distintos momentos de las políticas migratorias, y los recursos que se implementaron en especial en Argentina, pero también se introduce un artículo que se refiere a Brasil, centrado en la temática de las migraciones internas.

Alejandro Fernández se ocupa de la inmigracimigratoria argentina y sobre todo cuales fueron los problemas que llevaron a igraciesos años ón subsidiada a la Argentina. Durante un muy corto periodo de tiempo este país se apartó del modelo que caracterizó la llegada de inmigrantes en la etapa de inmigración masiva, me refiero al que se denomina como “inmigración espontánea”. Su artículo explica las claves de este cambio en la política inmigratoria argentina y sobre todo cuáles fueron los problemas que influyeron para que dicho nuevo modelo fracasara.

La regulación jurídica global del fenómeno emigratorio, a través de los planteamientos de una figura poco reconocida en el tratamiento de este tema, Estanislao Zeballos, es el objetivo que persigue el análisis de Pilar González Bernaldo.

La participación de Estanislao Zeballos en instituciones transnacionales permite a la autora adentrarse en una temática muy poco abordada, los mecanismos por los cuales se negocian las políticas migratorias como principios universales.

Otro bloque de trabajos tiene que ver con la llegada de inmigrantes en la segunda etapa migratoria en la Argentina, la de los individuos que arribaron al país a partir de mediados del siglo XX.

Emilio Redondo Cerrero y Eugenia Scarzanella analizan cómo, cuando la emigración europea hacia ultramar ya no tiene el significado cuantitativo que la caracterizó en la época anterior, se intentan revitalizar las corrientes migratorias que unían Europa –España e Italia–, con América Latina.

Gracias al impulso dado por un organismo internacional, el Comité intergubernamental para las migraciones Europeas (CIME), y a los acuerdos bilaterales que éste firmaba con distintos gobiernos de dicho continente, se inició en esos años la emigración asistida.

En el caso de Emilio Redondo, su trabajo examina la emigración de españoles a la Argentina. El Comité intergubernamental para las migraciones europeas (CIME), con la colaboración de instituciones locales españolas, llevaron adelante programas como el denominado “mano de obra” y el de “reagrupación familiar”, los que, y a pesar del esfuerzo económico que supusieron, tuvieron grandes fallos que los condujeron al fracaso.

Mientras que Eugenia Scarzanella estudia la emigración italiana a la Argentina, Chile, Brasil, Venezuela y Uruguay, a través también de la intervención del CIME.

Su trabajo refleja no solo la experiencia de estos inmigrantes sino también como la presencia de una fuerte burocracia en el país de origen, en el propio Comité intergubernamental para las migraciones europeas, y en las agencias de los diferentes países latinoamericanos influyen y obstaculizan los desplazamientos

El trabajo de Enrique Mases se ubica también en el ámbito argentino, una década más tarde, analizando en este caso el ingreso al país de los franco argelinos. En su artículo se muestra cómo la política inmigratoria pretende estimular el arribo de individuos calificados, “dotados de herramientas y capital otorgados por el gobierno francés”, que contribuyan al engrandecimiento del país, sobre todo en las áreas rurales.

Un enfoque diferente es el que se observa en el estudio de Esmeralda Broullón, quien a través del análisis de la trayectoria de una asociación de inmigrantes, El Rincón familiar andaluz, en Buenos Aires, examina las imágenes e identidades que representan a los oriundos de esta Autonomía en las últimas décadas.

El trabajo de Asunción Merino Hernando complementa el anterior ya que investiga los vínculos entre los inmigrantes españoles y la sociedad receptora. Las entrevistas realizadas a los dirigentes de las asociaciones étnicas le permite a la autora indagar cómo confluye la política migratoria del lugar de destino, la del lugar de origen y la actuación de los propios inmigrantes.

Por último, encontramos el artículo de Natália Araújo de Oliveira. La autora explora las políticas migratorias que se han desarrollado en torno a la Amazonía legal brasileña en dos etapas, durante el gobierno de Vargas y más tarde en la dictadura militar.

Se trata de un estudio centrado no ya en la llegada de inmigración extranjera sino en los desplazamientos de brasileños dentro de las propias fronteras del país. En el primer caso los migrantes fueron mayoritariamente nordestinos y goianos, mientras que en el segundo los elegidos fueron los gauchos, es decir provenientes de una región que había sido poblada por alemanes e italianos, por tanto podía esperarse que sus descendientes llevaran, tal como lo habían hecho en el sur, el progreso al área.

Referencias

ARANGO, J. 2003. La explicación teórica de las migraciones: luz y sombra. Migración y Desarrollo, 1:1-31.

BORREGÓN RIBES, V. 1952. La emigración española a América. Vigo, [s.n.].

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Marcos Witt – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil

Elda González – Martínez Instituto de Historia, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, España

Organizadores do Dossiê


WITT, Marcos; GONZÁLEZ, Elda. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.22, n.2., maio / agosto, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Ensino de História e profissionalização do professor / historiador no Brasil / História Unisinos / 2017

Qual será o lugar da História na vida dos humanos? Este era um dos questionamentos levantados por Marc Bloch na abertura do seu livro A sociedade feudal. Hoje talvez devêssemos pluralizar a questão, não apenas no sentido de incluir os lugares ocupados pela História na vida dos diferentes humanos, mas de considerar as múltiplas narrativas históricas produzidas por diversos sujeitos sociais no presente. Sem deixar de reconhecer essa difusão de pluralidades de sentidos atribuídos ao passado – chamado por Le Goff já nos anos 1970 de “cultura histórica” – e do papel reflexivo colocado ao historiador e ao professor de História sobre a dinâmica dos usos e das utilizações políticas desse passado, cabe destacar que a profissionalização está longe de pretender consolidar discursos de verdade por parte dos historiadores – aliás, há muito superado – mas de possibilitar que tais profissionais atuem, com o devido reconhecimento da especificidade do seu saber, em diferentes espaços.

Reflexões que conjugam escrita da História, ensino de História, Educação e o papel do professor de História com profissionalização do historiador e do professor de História têm sido bastante discutidas nos últimos anos, especialmente em função do Projeto de Regulamentação da Profissão de Historiador, cuja última versão foi aprovada na Câmara dos Deputados em 2015, ainda aguardando tramitação no Senado Federal. Todavia, a crise política que vigora atualmente, demonstra que, talvez, faltem interesses políticos na regulamentação. Mas, na roda viva tudo pode mudar, embora o foco dos próprios historiadores nos parece estar mais voltado para outras discussões atuais em função dos diferentes projetos conservadores para a Educação, que afetam diretamente o Ensino de História no Brasil, como o “Escola sem Partido” e a Reforma do Ensino Médio.

Em geral, historiadores e professores de História têm estado atentos às reflexões sobrea função social da História e do ensino de História, mas também sobre os usos do passado e da História verificados na academia, na escola e nas mais diversas instâncias sociais – com aproximações e distanciamentos entre eles – que são marcados, queira-se ou não, por posturas teóricas e políticas determinadas, acionadas por aqueles que fazem, dizem, escrevem e ensinam História.

Diversos estudos apontam para as dúvidas, especialmente de alguns segmentos sociais e políticos, que pairam sobre a História e sobre o ensino de História, ora reafirmando o valor, a função e o significado do conhecimento histórico (e histórico escolar), ora oferecendo explicações para o suposto paradoxo entre o descaso com a História e a atração pelo passado na contemporaneidade.

O dossiê Ensino de História e profissionalização do professor / historiador no Brasil buscou reunir textos que abordassem esses temas, destacando a relação entre a formação profissional do professor de História e do historiador, as considerações sobre suas atribuições e as possíveis implicações para o ensino de História. Os textos que compõem este dossiê trazem, em seu conjunto, um panorama possível sobre o lugar ocupado pela disciplina História, pelo ensino de História, pelo professor de História e pela formação desse profissional, nas discussões acadêmicas, sociais e políticas, com suas distintas valorizações e atribuições de sentidos. São relevantes contribuições – não apenas pelas especificidades temáticas – as quais refletem muito bem a dimensão política da profissionalização e formação do historiador / professor de História e que contemplam temas como projetos estatais de educação e de formação de professores, produção de bibliografia especializada, organizações curriculares, práticas pedagógicas dos docentes, escolhas pessoais e (auto)reflexão sobre a formação.

Os artigos aqui reunidos discutem como a academia tem contribuído e / ou pode / deve contribuir para a formação do historiador / professor de História, com domínio das atribuições esperadas (e questionadas) para atuação docente na Educação básica ou em outras instâncias profissionais.

A reflexão proposta pelo dossiê, evidentemente cara à grande parte dos historiadores e professores de História brasileiros, proporcionou uma necessária e relevante reflexão por parte dos colaboradores – de acordo, é claro, com os objetivos dos seus artigos –, que além de demonstrarem as análises resultantes de suas pesquisas, assumiram claramente, e com ênfase, o seu lugar acadêmico, social e político.

Nesse sentido, abrimos o dossiê com o texto de Durval Muniz Albuquerque Júnior, que busca compreender o significado do “espaço escolar” e dos motivos pelos quais a História permanece nos currículos escolares. Albuquerque Jr aponta para a desconfiança e desprestígio que a História enquanto disciplina suporta atualmente, elemento que, de algum modo, faz compreender a ausência da regulamentação da profissão no país. Além disso, considera que a luta pela regulamentação é uma luta política e as resistências dos conservadores demonstram o medo das elites em relação à disciplina História, pois “a grande ilusão vivida, por todo conservador, é que ele será capaz de evitar as inevitáveis mudanças, conjurar as surpresas da vida e da história”. Mas alerta: “nenhum conservador será capaz de evitar que as mudanças ocorram no e com o tempo […], de controlar e prever, completamente, as consequências do ensino escolar para seus filhos ou descendentes”.

O trabalho de Mara Cristina de Matos Rodrigues e Benito Bisso Schmidt discute o ensino de História no ensino superior a partir de análises de suas próprias experiências enquanto professores de Teoria e Metodologia da História e Historiografia. Os autores buscam destacar a importância da mudança nas práticas pedagógicas dos docentes formadores de professores de História, especialmente no sentido de considerar “experiências do tempo não europeias ou não ‘ocidentalizadas’”. Para Rodrigues e Schmidt, “a mutação significativa que a composição social, étnica e de identidades de gênero” atualmente verificadas nas turmas e as diferentes experiências de tempo, devem ser consideradas quando se pensa os programas das disciplinas e as práticas pedagógicas adotadas. Tais programas, para os autores, devem fazer sentido nas vidas práticas dos graduandos. Assim, apresentam propostas instigantes para uma outra / nova formação dos / as profissionais de História, como por exemplo, docência compartilhada, para repensar a linguagem e as estratégias em sala de aula, e o repensar da nomenclatura de algumas disciplinas, como “Teorias e Metodologias Ocidentais da História”.

O texto de João Ernani Furtado Filho se propõe a analisar a finalidade da História em livros destinados à formação do historiador, notadamente em obras de “introdução aos estudos históricos” utilizados – no Brasil – entre os anos 1940 e 1990. O autor está interessado na historicidade dos estudos históricos, considerando suas variações filosóficas e políticas. Para tanto, suas fontes são obras de Ernst Bernheim, Wilhelm Bauer, Charles Langlois e Charles Seignobos, Marc Bloch, Louis Halphen, Joseph Hours, Henri-Irénée Marrou, Henri Steele Commager, Vavy Pacheco Borges e Ciro Flamarion Cardoso. Para Furtado Filho os “manuais de “Introdução aos Estudos Históricos” são testemunhos da historicidade da disciplina (e das táticas e tentativas de legitimação de sua cientificidade)”. Mas os argumentos utilizados pelos livros pesquisados para explicar as funções da História são plurais, diferenças estas pontuadas pelo autor, que também localiza semelhanças: “todos os manuais apresentam capítulo de ‘crítica do documento’ […] problematizando a constituição de acervos, as comemorações e mesmo visões ou produtos da prática historiadora”.

Fernando Perli analisa narrativas de graduandos em Licenciatura em História, a partir de memoriais descritivos realizados em relatórios de Estágio Supervisionado, com objetivos de compreender as representações e os usos do passado que perpassam a formação dos professores de História. Perli está preocupado em compreender “o que dizem os estudantes de História”, identificando “elementos que permitiram apropriações do conhecimento histórico” e diferentes leituras do tempo através da cultura histórica. Identifica a escola, o ambiente escolar e as aulas dos professores da Educação básica como fatores a partir dos quais “emergiram interesses pelo curso de Licenciatura em História” e apreenderam possibilidades para o “fazer e ensinar” História.

O texto que encerra o dossiê, de Claudia Cristina da Silva Fontineles e Marcelo de Sousa Neto, analisa os novos significados do lugar da docência durante a formação inicial a partir da implantação do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), no Piauí. Para a autora e o autor, este Programa configura- -se como “‘variação no enredo’ da história do ensino de História no Brasil”, aproximando academia e cotidiano escolar ao “acionar os saberes necessários à docência” e rompendo com a dicotomia pesquisa e ensino. Fontineles e Sousa Neto destacam que o PIBID foi fundamentalmente importante tanto para atenuar a distância entre conhecimento científico e saber escolar, sobretudo o saber construído pela disciplina História, quanto para às mudanças nos modos pelos quais as graduações passaram a encarar a docência durante a formação inicial.

Esperamos que os textos que integram este dossiê contribuam para discussões e reflexões acerca dos temas apresentados, uma vez que os artigos apontam para perspectivas sobre o que faz o professor / historiador, condição básica para a profissionalização. Cremos que o dossiê nos instiga a seguir pensando criticamente na condição e no lugar ocupado, hoje, pela História, pelo ensino de História e pelo historiador.

Mauro Dillmann

Francisco de Assis de Sousa Nascimento

Organizadores do Dossiê


DILLMANN, Mauro; NASCIMENTO, Francisco de Assis de Sousa. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.21, n.2., maio / agosto, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Estudos Históricos Latino-Americanos: uma avaliação dos últimos 30 anos (1987-2017) / História Unisinos / 2017

Este dossiê integra as comemorações das três décadas de criação do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Ele foi concebido, ainda em 2016, tendo em vista marcar, no âmbito da revista História Unisinos, o esforço coletivo de constituição de um Programa voltado aos Estudos Históricos Latino-Americanos como área de concentração.

Da mesma forma como o conjunto dos Programas de Pós-Graduação em História no país, ao longo destes 30 anos, desde 1987, o lugar da América Latina nos estudos históricos brasileiros não pode ser visto como uniforme. Em uma combinação delicada entre inflexões políticas lato senso, políticas acadêmicas e os avanços da disciplina, a América Latina se realiza ao mesmo tempo como uma parcialidade e como uma especialidade. Movimentos oscilatórios que promovem sua integração ou sua dissociação de outros lugares e saberes são reveladores das concepções que crítica ou intuitivamente são estabelecidas acerca dela.

Talvez seja necessário levar em conta, para além das condições nacionais – tanto históricas quanto historiográficas de maneira estrita – alguns eventos, de mais longe alcance, como a reunificação da Alemanha (em 1989) e a dissolução da União Soviética (em 1991), e seus efeitos simbólicos transnacionais para se pensar o lugar da América Latina, inclusive como conceito, em sua apropriação historiográfica mais recente. O peso relativo disso certamente é merecedor de avaliações mais ponderadas do que esta apresentação é capaz de fazer dentro de seus limites.

Ao lado disso, as tensões entre as dimensões específicas e aquelas outras que articulam a detecção do comum nas experiências diversas estão sempre rondando os historiadores em seu labor. A América Latina, neste sentido, pode ser vista, ora como campo de realização da experiência compartilhada, em detrimento do olhar sobre o particular, ora como o lugar interno de um diálogo e de um contato inexistentes. Na segunda opção, no limite, como uma utopia.

Se estas questões já foram pensadas muito tempo antes da curta duração eleita para este dossiê, acreditamos que ela possa ganhar densidade analítica mais recentemente, tendo em vista as diversas contribuições advindas de uma maior abertura de nosso campo disciplinar a outras perspectivas.

Nas últimas décadas, é possível perceber, por exemplo, o abandono de posturas (políticas) sectárias frente às produções historiográficas realizadas por pesquisadores estrangeiros, notadamente ligados a instituições dos Estados Unidos, acerca da realidade histórica latino-americana. Aprendemos, neste caso, que um certo “nacionalismo historiográfico”, se assim podemos denominar, acabou por produzir compreensões menos ricas e complexas da história, tendo em vista limites autoimpostos de apropriação do conhecimento que passam longe de critérios acadêmicos ou epistemológicos. Em uma leitura reducionista, pesquisadores estrangeiros foram vistos como “agentes do imperialismo norte-americano”.

Ao lado dessa abertura, nosso campo de estudos beneficiou-se – e ainda pode colher bons frutos – de uma disposição para dialogar com outros campos disciplinares de maneira mais efetiva e menos retórica. Isso implica, sem dúvida, estar disposto a operar abordagens interdisciplinares ou transdisciplinares quando for o caso. Ou seja, quando a questão de investigação proposta exigir tal aproximação. É sabido que alguns dos temas que hoje fazem parte da pauta do trabalho de pesquisa dos historiadores foram frequentados anteriormente e com proficiência por investigadores de outros campos disciplinares. Desde a história, é preciso que nos perguntemos o que temos a ganhar com isso. Ou melhor, o que o conhecimento histórico pode obter dessa aproximação, tanto em termos teóricos quanto metodológicos. A história indígena em largo espectro e a história das ditaduras recentes, por exemplo, são duas especialidades que certamente podem se beneficiar com esse encontro.

Ainda que os impérios coloniais e as nações não sejam ficções historiográficas, forjar os diversos regionais que se configuram nesses espaços descontínuos e, ainda, no intranacional ou no transnacional, pode se configurar em estratégia metodológica útil para melhor nos acercarmos daquilo que é a particularidade de nosso objeto de estudo. As histórias comparadas e as histórias interconectadas que podem eventualmente emergir desta percepção no trato com as fontes, não é exatamente um caminho usual na historiografia da América Latina, mas que pode ser bastante promissor.

Este não é exatamente um programa de pesquisa, mas essas breves considerações encerram algumas das questões que têm comparecido no debate historiográfico contemporâneo, entre tantas outras que ficaram de fora, e que merecem o empenho de nossa reflexão. Passamos, a seguir, a apresentar os artigos que foram submetidos ao dossiê e que tiveram aprovação dos avaliadores do periódico.

Nosso dossiê inicia com o artigo de Tiago Silva intitulado Comércio e conquista na História das duas Índias do abade Raynal, trabalho em que o autor analisa a Histoire philosophique et politique des établissements et du commerce des européens dans les deux Indes, publicada no ano de 1780, a fim de estabelecer uma reflexão sobre a expansão colonial europeia. Nesse texto famoso, o francês Guillaume-Thomas Raynal (1713-1796) sustentou o que compreendia ser o “papel civilizador” do comércio em contraste com as consequências perniciosas suscitadas por políticas coloniais assentadas na “conquista”, as quais haviam sido criticadas por várias vozes, entre as quais a mais conhecida é a do dominicano Bartolomeu de Las Casas.

O artigo inicia com uma análise dos argumentos por meio dos quais alguns dos mais conhecidos pensadores “ilustrados” no século XVIII elogiaram o papel civilizador e humanístico das trocas comerciais, em contraposição à violência que estava associada às práticas dos impérios de além-mar. Vários percebiam, assim, no comércio, uma via alternativa para o estabelecimento de relações pacíficas (e mais proveitosas economicamente) entre europeus e nativos americanos. Além do mais, as riquezas geradas pela conquista através das armas, desde os impérios antigos, acabavam sendo rapidamente dilapidadas por meio do “fausto bárbaro” e em desfavor da valorização do trabalho e das “artes úteis”. Raynal esposava, como esclarece o artigo, uma visão ampliada do termo “comércio”. Assim, entre os benefícios das trocas comerciais, estaria a ampliação do “conhecimento a respeito da diversidade humana”.

A análise de Tiago Silva, rastreia os argumentos pelos quais o pensador francês acompanhava as concepções de vários pensadores ilustrados sobre este tema, como, por exemplo, os do autor do Espírito das leis, que entendia que o comércio trazia a paz por colocar as nações envolvidas em uma situação de reciprocidade. Raynal defendia, de acordo com o autor do artigo, que quando uma nação usufrui de vantagens comerciais, a guerra não lhe é vantajosa. Assim, segundo Silva, a História das duas Índias foi uma das primeiras obras a operar com a versão moderna do conceito de “civilização” formulado na França na segunda metade do século XVIII.

Desta forma, o artigo realiza uma ótima análise do diálogo de Raynal com outros expoentes do círculo das Luzes, contribuindo para refletirmos, entre outros aspectos, sobre leituras que o colonialismo europeu mereceu por parte dos contemporâneos.

No artigo seguinte, intitulado Para uma nova epistéme do luso-tropicalismo: análise comparativa da luxúria clerical no Atlântico Português (1640-1750), Jaime Ricardo Gouveia reflete criticamente sobre alguns paradigmas que tiveram grande influência na historiografia sobre o Brasil. O autor se refere, em especial, ao luso-tropicalismo e às noções de um “catolicismo à brasileira” e de uma “democracia étnica numa civilização luso-tropical”, cujas matrizes encontra na obra de Gilberto Freyre. Ele propõe que uma abordagem de tipo comparativo1 (considerando outros territórios do império português, como também a metrópole, e as colônias de outros impérios), e uma atenção maior às fontes, permitem a revisão deste corpo de ideias.

A partir de uma pesquisa em arquivos do Brasil e de Portugal, o autor coloca em debate a “especificidade” do caso da colônia brasileira2, e evidencia que a “luxúria clerical” fazia parte da realidade das “duas margens do Atlântico Português”. Com isto, compreende que se deve recusar alguns dados fortemente representados na historiografia brasileira – em teorias que ele chama de luso-tropicalistas –, segundo os quais a lascívia presente na sociedade colonial seria o resultado da natureza e do meio ambiente, constituindo-se, por consequência, em uma realidade exclusivamente colonial. O autor refuta, de fato, a própria ideia de uma especificidade da colonização portuguesa (que ele denomina de alteridade lusotópica) baseada na questão do relacionamento interétnico.

Outro elemento desta interpretação, também revisado pelo texto, é o de que o relaxamento nas condutas do clero colonial se via favorecido pela inoperância intencional das estruturas de vigilância e disciplinamento. Segundo esta interpretação, recusada pelo autor do artigo, a não aplicação dos decretos tridentinos no Brasil seria parte de uma estratégia política imperial destinada a estimular, junto com a prática do “desterro”, o incremento populacional.

Sob este aspecto, o trabalho discute com autores como o celebrado estudioso dos impérios ultramarinos modernos, Charles Boxer. Segundo Gouveia, ainda que Boxer tenha dedicado pouca atenção à questão religiosa nas sociedades coloniais portuguesas em suas obras, ele sugeriu que as autoridades metropolitanas teriam preferido, no Brasil e África coloniais, um clero inferior e imoral a sua inexistência. Outro estudo que merece sua atenção é o de Stuart Schwartz que, embora reconheça a existência de dispositivos de controle sobre os religiosos desde o início da colonização da América portuguesa, conclui que as Índias ofereciam oportunidades de “um apetite sexual desenfreado de laicos e padres”, ancoradas na existência de grandes populações mistas, nas distâncias e menor capacidade de controle das instâncias inquisitoriais, entre outros elementos.

Segundo o artigo, estudos atuais no Brasil e em Portugal têm chegado a novas conclusões, valendo-se do trabalho com fontes eclesiásticas originais, às quais, como sugerido pelo autor, devem ser submetidas a análises “contrastivas” e “comparativas” com a realidade da metrópole e de outros territórios do império ultramarino português. Para o caso brasileiro, a pesquisa de Gouveia encontrou uma teia de agentes da justiça episcopal – como párocos, confessores, pregadores, visitadores e missionários -cooperando com a Inquisição para promover a catequese e manter vigilância sobre as condutas morais da sociedade.

Assim sendo, a análise “poliédrica” dos casos estudados pelo pesquisador, e que convidamos os leitores a apreciar, permite que ele conclua não apenas que na colônia brasileira existiam mecanismos e agentes judiciais eclesiásticos de vigilância e disciplinamento. E, ainda, que esta não era uma realidade exclusiva do Brasil, pois se verificava, também, na metrópole, onde os índices de luxúria eram igualmente altos, o que o leva a refutar amplamente o “luso-tropicalismo”.

Os próximos artigos deste dossiê se voltam à análise da historiografia relativa aos povos nativos americanos, trazendo para o debate, entre outras coisas, o processo de invisibilização e silenciamento que costumou acompanhá-los, bem como o que se escreve sobre os indígenas e o que é escrito por indígenas.

História, historiografia e historiadores mapuche: colonialismo e anticolonialismo em Wallmapu é a contribuição de Sebastião Vargas para este objetivo, em artigo que, podemos dizer, apresenta dois momentos. No primeiro, o autor analisa a produção de intelectuais indígenas no panorama acadêmico latino-americano; no seguinte, avalia a contribuição aportada, neste âmbito, por historiadores mapuche. O objetivo da reflexão proposta é, esclarece o autor, difundir os trabalhos da corrente da história indígena latino-americana “que emerge da ‘periferia da periferia’”.

De fato, não é difícil reconhecer o protagonismo político e cultural de vários movimentos étnicos recentes de protesto social na América Latina, os quais são acompanhados, de acordo com Vargas, de “uma discursividade própria, que tenta colocar um fim na tutela e mediação externa”. Tal “discursividade própria” resulta do trabalho de “intelectuais indígenas”, definidos como “sujeitos relativamente novos”, especificados pela sua formação acadêmica. Para Sebastião Vargas, as elaborações discursivas resultantes aparecem marcadas por uma “evidente centralidade” da História “quaisquer que sejam as disciplinas onde os distintos autores se domiciliam”, qualidade que percebe como tributária de um conteúdo encontrável no discurso de todos eles, qual seja, “a afirmação de um vínculo colonial entre as sociedades indígenas e os Estados nacionais latino-americanos”, levando-os a refletir sobre as continuidades e mutações do colonialismo, assim como sobre as estratégias para sua superação.

A partir de tais definições, o autor se debruça sobre um conjunto de historiadores articulados em torno da autodenominada Comunidad de Historia Mapuche (CHM), refletindo sobre suas temáticas de maior interesse, principais referenciais teórico-metodológicos e propostas epistemológicas. Como demonstrado por Vargas, os trabalhos destes historiadores buscam contribuir para a reinterpretação da história mapuche, e para a “reconstrução identitária” da sua nação, explorando possibilidades epistemológicas abertas pelo diálogo entre o pensamento acadêmico e a sabedoria étnica. Tais historiadores questionam a neutralidade das historiografias oficiais latino-americanas e propõem um debate crítico sobre as condições do ensino de História e do trabalho do historiador nas mais variadas instâncias.

Entre muitas outras importantes contribuições, o artigo ainda informa sobre os diálogos deste grupo com pensadores da africanidade (e seu conceito de colonialismo internalizado), com historiadores como o maia kakchikel Edgar Esquit (e seu conceito de contrahistorias), com o mexicano Pablo González Casanova (por suas teorizações sobre as dimensões do colonialismo interno), e com autores ligados a correntes marxistas como, por exemplo, Eric Wolf (e sua concepção de “povos sem história”), entre outros.

Assim, para Sebastião Vargas, estes pensadores indígenas atuam no sentido de denunciar “o caráter monolítico do cânone epistemológico ocidental”, de reclamar contra o “colonialismo inerente às ciências humanas praticadas na América Latina”, ao mesmo tempo em que demandam o reconhecimento da validade de outros modos de conhecimento, e das potencialidades do “pensamento indígena”.

Por sua vez, o artigo de Maria Cristina dos Santos analisa os percursos da produção acadêmica dos últimos trinta anos em torno do tema dos “indígenas na História”. Caminhos historiográficos na construção da História Indígena articula, para isto, o exame da produção, na área, sobre o continente em geral, e a observação mais próxima do Paraguai colonial, área de especialidade da autora3.

De acordo com a pesquisadora, uma série de situações vividas pelos países latino-americanos neste período – “a redemocratização, a promulgação de novas Constituições, as comemorações dos 500 anos dos descobrimentos, dos centenários das Independências, ou ainda, as possibilidades de acesso dos indígenas ao Ensino Superior, com a consequente produção de conhecimento sobre suas culturas” – impactaram as ‘histórias indígenas’ produzidas no âmbito americano, recomendando a necessidade de análises do tipo que o artigo se propõe a fazer.

Segundo Santos, a construção da historiografia recente em torno da questão indígena deu-se a partir das contribuições da Arqueologia, da Etnologia e da História, encontrando seu ponto de articulação na Antropologia. Por isso, ela procurou centrar a reflexão “na forma como foram incorporados os estudos, temas e conceitos antropológicos na análise histórica, gerando caminhos paralelos no desenvolvimento historiográfico da História Indígena”. Tal exame foi elaborado em torno de três blocos, em que o artigo buscou dissecar as intersecções de perspectivas teóricas e metodológicas, bem como as ênfases temáticas estabelecidas a partir das diferentes vinculações entre Antropologia e História.

O primeiro deles, “História dos Índios”, reuniu publicações realizadas a partir de uma relação transdisciplinar entre Antropologia e História, a qual, compreende a autora, se pautaria em contribuições do estruturalismo “como ferramenta problematizadora das questões apresentadas na documentação histórica com indígenas”. Santos rastreou, nesta parte do trabalho, as origens dos estudos chamados “etno-históricos”, bem como as condições em que eles fizeram seu ingresso, na década de 1980, entre importantes autores no Paraguai e Argentina. Refletindo sobre o reconhecimento institucional conferido aos estudos abrigados sob esta denominação na Argentina, o texto destaca o surgimento da Sección de Etnohistoria (1984) na UBA, e a criação da revista Memoria Americana – Cuadernos de Etnohistória, em 1991, contrariamente ao ocorrido no Brasil, em que a Etno-história não obteve, na mesma época, igual consideração.

Ainda neste segmento do texto, que merece atenção substancialmente maior que os outros dois blocos, Santos localiza uma “virada epistemológica” ocorrida depois de 1992 e que, em nosso país, foi fortemente marcada pela coletânea “História dos índios no Brasil”, organizada por Manuela Carneiro da Cunha. Neste trabalho, recorda, a expressão Etno-história foi substituída por “História dos Índios”.

Merece especial consideração, ainda, o trabalho de Viveiros de Castro em que este autor evidencia a importância da percepção dos “condicionantes da ação da estrutura desde o passado até o presente”, sem que isto signifique tomá-la como uma “história inconsciente que condenaria os indígenas a marionetes no mundo colonial”. Ao contrário, a articulação entre estrutura e evento, se bem ponderada, revelaria, para Santos, que eles vêm a ser “os verdadeiros sujeitos naquelas circunstâncias, na medida que põem em funcionamento suas perspectivas relacionais durante o contato”. Para que isto seja possível, a autora advoga abrirmos “mão de conveniências metodológicas que buscam amenizar as divergências teóricas: buscar outras fontes além dos tradicionais documentos escritos – mesmo que escritos por indígenas – produzidos pela história ocidental”.

O bloco seguinte, “Uma História para os Índios”, dissecou um grupo de publicações produzidas por meio de novos objetos da pesquisa que mostram, ainda nos anos 80, o impacto da renovação introduzida pelos Annales na historiografia. Seria sob a inspiração desta Escola que vários trabalhos procuraram trazer os indígenas para o centro das análises históricas. Isto teria ocorrido em estudos que buscam “a identificação da ‘longa duração’ através de diversas tramas presentes nos contextos coloniais que contavam com indígenas e europeus”. Os trabalhos que estão reunidos neste bloco apresentariam outra característica comum importante, ao não comungar com as análises que colocam os indígenas como “resistentes” ao processo colonial, ou como vítimas inermes do mesmo. Santos recorda que a “história das mentalidades” e a “história cultural” trouxeram os indígenas para a cena histórica por meio de um conjunto de objetos de estudo “até então só utilizados nas análises da sociedade ocidental”, tais como o cotidiano, a religiosidade, o medo, a festa, entre outros.

Em “Os Índios na História” a atenção da autora se volta às publicações cuja pesquisa documental está em consonância com a Antropologia, buscando situar os indígenas como sujeitos conscientes da história vivida no mundo colonial tanto quanto descolados da análise estruturalista. A autora discute, neste momento, a crítica que a Etno-história começou a receber, sobretudo na Argentina, como campo de conhecimento dedicado exclusivamente aos grupos indígenas. De acordo com a autora, este fato está associado à emergência de novas identidades étnicas europeias. Paralelamente, afirma, conceitos como “mestiçagem e etnogênese”4 adquiriram um significado para além das fronteiras das comunidades indígenas latino-americanas, comprovando “iniciativas de reafirmação de autorreconhecimento étnico”. Tal historiografia, “que busca uma determinada aliança com a Antropologia, evidencia que os indígenas fizeram parte da História, sob determinadas condições. Neste caminho, encontrar-se-ão documentos históricos que comprovarão a presença e a participação de indígenas em diferentes contextos”. Entretanto, ela lamenta que, se com isto os indígenas puderam chegar ao centro das atenções dos historiadores, tenha sido necessário que fossem “‘desconectados’ de uma possível estrutura ordenadora das vidas e reações”.

Os dois artigos seguintes se voltam para a região platina. O primeiro deles, “Levantamiento bajo Cárdenas”: novas abordagens em torno do conflito antijesuítico no cabildo de Assunção em 1649, de Fernando V. Aguiar Ribeiro, trata de um tema clássico da historiografia colonial do Paraguai. O tema interessa também particularmente aos especialistas em questões ligadas à ação da Companhia de Jesus na América, em especial, à expulsão dos inacianos de Asunción em 1649, depois que seu desafeto, o bispo Bernardino de Cárdenas, foi escolhido governador do Paraguai em um “cabildo abierto”. No artigo seguinte, Vitor Isecksohn explora a relação entre a Guerra do Paraguai (1864-1870) e o processo de construção do Estado e centralização do poder na Argentina, refletindo sobre como, entre os efeitos imprevistos do conflito, esteve o reforço da autoridade central naquele país.

Em “Levantamiento bajo Cárdenas”, Aguiar Ribeiro inicia seu trabalho recordando o quanto as interpretações tradicionais do movimento conhecido como Rebelión Comunera marcaram a reflexão sobre “a identidade e a construção histórica do Paraguai”. Efetivamente, pode-se dizer, de forma simplificada, que as explicações sobre este acontecimento costumam girar em torno de dois polos. Um deles centra sua atenção nas motivações pessoais de Cárdenas (que seria opositor acérrimo dos inacianos, nutrindo ressentimentos contra eles, “ajustados” em 1649), e em sua liderança na condução dos acontecimentos; o outro destaca o “caráter popular” do levante, inclusive assinalando sua condição de “precursor” das revoluções independentistas.

Este último conjunto de trabalhos associou o “ideal comunero” a um princípio de “defesa da liberdade” e “autonomismo” dos paraguaios, enquanto que a primeira perspectiva, correspondendo a uma “visão revisionista do passado”, destacou-se pela exaltação da figura de Cárdenas e do caráter heroico dos comuneros, em sintonia com o destaque conferido aos “líderes fortes” na formação histórica do Paraguai. Para o autor do artigo, tal debate, que esteve na origem da historiografia paraguaia (marcada, segundo o autor, pelo “ensaísmo” e “debilidade heurística”), veio a se constitutir em um entrave ao desenvolvimento de novas problemáticas de análise.

Outra perspectiva, formada mais contemporaneamente, envolveu uma interpretação ligada ao processo econômico paraguaio. Como sabemos, frustrados os sonhos de que ela abrigasse riquezas minerais, a Província desenvolveu sua economia em torno de elementos pouco atrativos para a comércio colonial, apresentando uma realidade marcada pela estagnação e isolamento. Relativamente a isto, o autor debate com algumas obras que associaram a rebelião comunera ao descontentamento com o fato de os jesuítas controlarem, por meio de suas reduções, boa parte da força de trabalho representada pelos guaranis. A esta fonte de fricção se somava o fato de que a graúda exportação de erva-mate pelos pueblos jesuítico-guaranis era percebida pelos colonos como causa da deterioração dos seus preços. Além do mais, os religiosos seriam favorecidos neste negócio pelas redes de relacionamentos que manejavam, em detrimento dos hispanocriollos.

Aguiar Ribeiro discorda da relação comumente apresentada entre a disputa pela mão de obra guarani e a revolta comunera. Analisando a Relación de las encomiendas del Paraguay (1674), ele conclui que foi pequeno o número de encomenderos que participaram da escolha do bispo Cárdenas para assumir o governo, razão pela qual sustenta ser preciso encontrar outra explicação para a crise aberta com esta eleição. Como o leitor poderá ver no trabalho, o autor discute as interpretações mais frequentes sobre o conflito, que costumam localizar na questão do acesso à mão de obra indígena o cerne do conflito. Não muitos encomenderos, afirma, “atuaram na eleição de Cárdenas […] e pouco contribuíram para a sustentação de suas políticas, com destaque à expulsão dos padres jesuítas em 1649”. Para o autor, foi especialmente a “ação política” do bispo, buscando uma maior ingerência frente aos povoados missioneiros e, inclusive, a secularização das paróquias, a fonte de desacordo com os jesuítas5. Por sua vez, os vecinos teriam visto em Cárdenas um poderoso aliado na luta contra a consolidação do sistema de reduções.

Buscando uma outra interpretação destes fatos, Aguiar Ribeiro sustenta que a partir do início do século XVII, através das rotas fluviais, ligando os ervais, Assunção, Córdoba e Buenos Aires, e das rotas terrestres, com destaque para o caminho de Tucumán, que ligava Potosí ao porto bonaerense, a região paraguaia integrou-se a um circuito econômico regional que possibilitou que os vecinos da capital tomassem consciência de sua situação de pobreza frente a outras regiões. Para ele, isto difere da interpretação corrente sobre a pobreza e isolamento da província, “pois não trata da quantificação da produção econômica, mas sim da percepção da população em comparação a outras regiões”, sendo que eles atribuíam aos jesuítas esta suposta condição.

A interpretação do autor para o movimento comunero, desenvolvida no artigo que compõe o presente dossiê, é a de que Cárdenas teria contribuído para galvanizar um “sentimento antijesuítico”, que, para além de interesses econômicos imediatos, como aponta a historiografia recente, se relaciona com um sentimento que conferia à Companhia de Jesus as causas da “pobreza do Paraguai”.

A importância da Guerra do Paraguai (1864- 1870) para o processo de centralização do Estado nacional argentino é o tema do artigo seguinte, uma contribuição de Vitor Isecksohn para este número da História Unisinos. No artigo que aqui apresentamos aos leitores, Isecksohn discute a possibilidade de compreender-se este conflito como o complemento da longa guerra civil argentina6, tanto quanto como uma guerra externa. Como lembra o autor de A Guerra do Paraguai e a unificação argentina: uma reavaliação, ainda que o regime rosista e a Confederação que o sucedeu tenham proporcionado “experimentos úteis de convivência” entre Buenos Aires e as províncias, a ideia de um Estado unitário enfrentava forte oposição dos partidários do federalismo, pelo que “os arranjos estabelecidos até a década de 1860 falharam na tentativa de estabelecer um consenso mínimo sobre uma união estável entre as províncias e grupos regionais”.

Assim sendo, o processo de construção do poder público enfrentava a necessidade de desarticular as forças federalistas que, por várias razões, resistiam à nova ordem que se fundava na Argentina republicana. A coleta de impostos e o recrutamento militar eram problemas evidentes e que, como analisa Isecksohn, incidiam diretamente no esforço de guerra. O artigo se apresenta, desta maneira, como uma excelente contribuição historiográfica, justamente no sentido de evidenciar como a Guerra da Tríplice Aliança contribuiu para a atração e submissão à esfera centralizadora, das lideranças provinciais. Tal subordinação teria se dado especialmente através do recrutamento militar e da repressão às oligarquias dissidentes.

A proposta de Vitor Isecksohn, portanto, se afasta da concepção tradicional de que a mobilização militar contribui para a desagregação dos Estados beligerantes, para desenvolver uma ideia contrária a esta. Isto é, de que a atividade guerreira contribui para acelerar o processo da construção do Estado. Para ele, o caso da Guerra do Paraguai se mostra especialmente fecundo para uma reflexão desta natureza, na medida em que comportou a presença de forças brasileiras na província de Corrientes, base de operações para a invasão do Paraguai7. O conflito trouxe, também, “uma mudança na escala do uso da força, produzindo transformações que afetariam o frágil equilíbrio entre Buenos Aires e as províncias, redefinindo o mapa institucional da Argentina”.

Entre outras conclusões do trabalho, está a ideia de que as circunstâncias da campanha forçaram o governo imperial brasileiro a reforçar a autoridade central argentina na região. Desta maneira, ocorreu uma colaboração das forças brasileiras para o reforço da autoridade de um adversário tradicional, o que veio a ser “um efeito não antecipado do esforço de guerra”.

Finaliza o dossiê o artigo de Hernán Ramiro Ramirez, intitulado Develando las dictaduras del Cono Sur: reflexiones en torno a sus abordajes. Neste texto, o autor empreende um esforço de interpretação das diferentes perspectivas de análise das ditaduras do cone sul, contemplando, neste debate, autores associados a distintos campos disciplinares e filiações teórico-metodológicas, e cujas obras foram produzidas em temporalidades também bastante variadas, a partir da década de 1960 até os dias de hoje. Assumindo o ensaio como forma, Ramirez se dedica a discutir, entre outras questões polêmicas acerca da historiografia das ditaduras na América Latina, a natureza ou o caráter dos governos implantados por golpes de Estado, bem como a duração que os mesmos tiveram em seus respectivos países. Traz exemplos, em especial, da historiografia sobre as ditaduras da Argentina, do Brasil, do Chile e do Uruguai, destacando tanto autores nacionais quanto estrangeiros. Propõe um conceito amplo de historiografia, no qual cabem não apenas a produção acadêmica estrita, mas escritos advindos de outros lugares de produção e que contribuem, a sua maneira, para o estudo da temática. Ramirez traz ainda ponderações acerca do uso da expressão “Terrorismo de Estado” e “Estado de Segurança Nacional”, apontando para as insuficiências destes termos no intuito de dar conta da experiência ditatorial como um todo. Em contraponto, sinaliza para a importância de se buscar perceber a dimensão cotidiana vigente nesses países, apesar (e no interior mesmo) destes regimes. Finaliza o texto chamando a atenção para a escassez de estudos comparativos sobre as ditaduras, “disponiéndose así análisis que terminan obedeciendo mucho más a las lógicas de las academias nacionales de lo que aquellas que dicen al curso del proceso”. Ao lado de outras avaliações críticas realizadas recentemente, o artigo de Ramirez oferece uma importante contribuição para se (re)pensar um tema tão urgente e sensível para a historiografia do continente.

Desejamos a todos uma boa leitura.

Notas

1, O artigo se detem na análise das ações de controle e disciplinamento da luxúria clerical na colônia brasileira, efetuando comparações pontuais com a situação metropolitana. Para tanto observou especialmente as situações envolvendo o delito de “solicitação” ao longo de um período de pouco mais de um século (1640 e 1750).

2. Segundo ele, estudos sobre outros espaços coloniais, como os impérios britânico e espanho, também encontram na sexualidade desregrada elementos de uma política imperial de incremento da colonização e aculturação. A partir de argumentos do mesmo naipe do “luso-tropicalismo”, portanto, tais estudos representariam posições próximas de um “anglo-tropicalismo” ou de um “hispano-tropicalismo”, apenas sem supô-lo como uma realidade exclusiva das respectivas colônias. Assim sendo, embora sejam importantes para ajudar a demarcar o equívoco da noção de especificidade da colonização portuguesa neste âmbito, tais estudos também se enganam, esclarece ele, ao não reconhecer a existência e importância da ação de estruturas judiciais eclesiásticas de vigilância e disciplinamento da sociedade

3. É importante esclarecer que o esforço da autora se volta especificamente para a análise de obras e artigos publicados, asbtendo-se de avaliar dissertações e teses. Ela também elucida que sua análise desta produção não obedece recortes cronológicos ou disciplinares.

4. Estes conceitos tiveram particular reconhecimento a partir dos estudos de Guillaume Boccara para explicar como os indígenas Reche do período colonial, se transmutaram nos atuais Mapuches, contribuindo para “superar problemas oriundos da confusão entre os conceitos de estrutura e identidade étnica”.

5. Em 1639, o bispo Bernardino de Cárdenas iniciou uma série de visitas pastorais às missões do Paraguai com o objetivo de aplicar nelas a delegação que lhe era concedida pelo Patronato Régio, de nomear párocos, tanto em paróquias urbanas como em missões religiosas. Como resposta a isto, os inacianos, com apoio do governador Gregorio Hinestrosa, expulsam-no em 1644. A partir daí torna-se aberta a oposição entre os jesuítas e Cárdenas, que regressa para Assunção em 1648, depois de ter sido anulada a medida de sua expulsão da província.

6. Como sabemos, a unidade territorial argentina permaneceu sendo muito precária ao longo de boa parte do século XIX, com as forças provinciais manifestando forte capacidade de resistir à interferência do poder central.

7. Outra questão instigante levantada pelo autor diz respeito à clara aproximação cultural entre as províncias de Corrientes e Misiones, e o Paraguai. Boa parte da população tendia a perceber a guerra como uma questão entre o Paraguai e o Brasil. Com exceção de Corrientes, que sofreu as consequências da ocupação, onde houve pouca revolta contra as ações guaranis, geralmente identificadas como hostis aos brasileiros. Nesta Província, além disso, as forças brasileiras, desempenharam papel de “aliado interno” do governo de Bartolomeu Mitre, uma vez que tiveram que desarticular uma possível revolta. Neste intricado panorama que refletia dificuldades internas e relações externas da república argentina, há que se considerar, ainda, que províncias como La Rioja e Catamarca se constituíam em outra fonte de dificuldades, pois contavam com apoio chileno, “numa aliança informal que apontava para a forte conexão entre as revoltas internas e as relações transandinas”.

Barbara Weinstein – New York University

Cláudio Pereira Elmir – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina.

Maria Cristina Bohn Martins – Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

Maria Lígia Coelho Prado – Universidade de São Paulo

Organizadores do Dossiê


WEINSTEIN, Barbara; ELMIR, Cláudio Pereira; MARTINS, Maria Cristina Bohn; PRADO, Maria Lígia Coelho. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.21, n.3., setembro / dezembro, 2017. Acessar publicação original [DR]

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História e etnologia: diálogos interdisciplinares / História Unisinos / 2016

Ao longo das últimas décadas é possível constatar instigantes aproximações de reflexão teórico-metodológica entre historiadores e antropólogos, dentre as quais o emprego de conceitos e noções de natureza antropológica em pesquisas historiográficas e aos aportes de caráter diacrônico que deveriam informar antropólogos em seu trabalho de campo com os chamados “nativos”. Nesses tipos de abordagem, os diálogos interdisciplinares teóricos e metodológicos servem para alimentar a constituição do conhecimento sobre sujeitos localizados em outras épocas e / ou em outros lugares, cujos resultados tornam cada vez mais ricas e férteis ambas as áreas de conhecimento, na medida em que historiadores e antropólogos disponham de forma correta tais ferramentas analíticas. Tais aproximações, contudo, não são novas, tendo em vista, por exemplo, dois textos de autoria do etnólogo francês, de origem belga, Claude Lévi-Strauss.

Apesar de apresentarem o mesmo título – “História e Etnologia” –, os textos foram redigidos em distintos momentos da carreira do pai do Estruturalismo e não guardam relações intrínsecas entre si. O primeiro “História e Etnologia”, o mais conhecido dos dois, é parte da coletânea Antropologia Estrutural e foi publicado pela primeira vez sob a forma de artigo no final dos anos 1940. O segundo, resultado de uma palestra apresentada na Sorbonne em 1983, por ocasião de uma homenagem a Marc Bloch, foi publicado no início dos anos 1980 na revista dos Annales. Embora não sejam estas as intenções de Lévi-Strauss, muito mais interessado em um exercício de alteridade e de delimitação disciplinar, o fato é que rígidas dicotomias foram cristalizando-se ao longo do tempo no que diz respeito aos domínios da História e da Antropologia.

Em que medida a História continua como o campo por excelência da diacronia e do tempo, enquanto à Antropologia é reservado o lócus da sincronia e da estrutura? É válido ainda pensar que aos historiadores cabem somente os arquivos, enquanto aos antropólogos (etnólogos, como diria Lévi-Strauss) é reservado o trabalho de campo? Quais inovações teórico-metodológicas os diálogos entre historiadores e antropólogos podem engendrar? Qual o papel que historiadores como Carlo Ginzburg ou antropólogos como Marshall Sahlins têm nas aproximações e distanciamentos entre História e Antropologia? A proposta do dossiê é, portanto, oferecer um panorama dos encontros / desencontros de duas áreas do conhecimento que ainda têm muito a dialogar uma com a outra.

Livros, coletâneas, artigos científicos, monografias, dissertações e teses têm aparecido nos cenários acadêmicos nacional e internacional trazendo importantes contribuições para ambas as áreas do conhecimento no sentido mais amplo. Para tanto, conclamamos autores da Antropologia e da História a submeterem seus manuscritos ao dossiê.

A proposta deste dossiê foi a de reunir artigos em que sejam apresentadas conexões entre a História e a Antropologia, referindo-se a um mesmo objeto / sujeito de investigação. Foram aprovados quatro artigos que, de alguma maneira, promovem o diálogo transdisciplinar, seja conceitual ou metodológico.

O artigo de Guilherme Galhegos Felippe apresenta a correlação existente entre as narrativas mitológicas indígenas e as práticas rituais realizadas no cotidiano dos grupos do Chaco. O autor utiliza fragmentos de mitos coletados por missionários do século XVIII, bem como narrativas mitológicas de grupos chaquenhos contemporâneos. O autor demonstra que o mito pode ser de interesse analítico e uma das fontes para o pesquisador compreender a complexidade das relações interétnicas. Outro mérito de utilizar o mito como fonte de análise é permitir que distintas vozes sejam incluídas nas narrativas historiográficas, uma vez que, partindo da proposição de Levi-Strauss, o conhecimento indígena é de boa ordem, embora operada com outros caminhos intelectuais. A inclusão do mito na análise do contexto colonial pode suscitar novas questões e contribuir para a compreensão do ponto de vista dos indígenas.

No artigo Cultura em movimento: Natalie Davis entre a antropologia e a história social, Leonardo Affonso de Miranda Pereira e Julia O’Donnell analisam a obra de Natalie Zemon Davis, historiadora canadense e representante da História cultural. Essa autora dialoga com a Antropologia ao longo de sua trajetória, por meio do conceito de cultura, de análises que dão atenção a pessoas e grupos sociais marginalizados e pobres e às mulheres. O objetivo do artigo é refletir essas relações com a Antropologia, bem como mostrar como isso se processa ao longo do tempo na obra de Davis. Pereira e O’Donnell demonstram que Natalie Davis, ao aderir à perspectiva antropológica, elegeu a metodologia de análise mais microscópica, o que permitiu que a autora revelasse mundos não contemplados pelas grandes narrativas históricas, bem como segmentos sociais não contemplados por elas.

Iára Quelho de Castro e Vera Lúcia Ferreira Vargas procuram mostrar que novas ou renovadas concepções no campo da Antropologia permitem abordagens diferenciadas dos povos indígenas, que incluem suas percepções e adotam uma perspectiva histórica, possibilitando uma recomposição de suas experiências que escapa da história construída sob um único ponto de vista. O “desaparecimento” do grupo indígena Kinikinau, em Mato Grosso do Sul, constituiu-se como um produto histórico e teórico que se esfacelou frente à sua presença na sociedade brasileira e que invalidou todos os prognósticos pessimistas quanto à sua permanência. Trata-se, especificamente, de se apontar os recursos teórico-metodológicos que permitem conferir visibilidade a povos considerados desaparecidos, a partir da experiência da escrita da história dos Kinikinau, que exigiu um diálogo entre distintos campos dos saberes.

Finalmente, Cristiane de Assis Portela e Mônica Celeida Rabelo Nogueira propõem uma análise do indigenismo a partir de narrativas de autoria indígena que sinalizam novas epistemologias. Para tanto, investigam trabalhos produzidos a partir da inserção destes sujeitos coletivos nas universidades. O artigo apresentado foi produzido por meio da interlocução entre uma historiadora e uma antropóloga, rememorando a experiência compartilhada pelas autoras na orientação de trabalhos produzidos por estudantes indígenas em um curso de mestrado na Universidade de Brasília. Assim, a compreensão do indigenismo é realizada a partir de uma noção de autoria indígena que sinaliza novas epistemologias na contemporaneidade. Consideram, ainda, que a produção acadêmica de pesquisadores indígenas ainda não foi devidamente visibilizada ou analisada em suas particularidades, procurando explorar aspectos que reiteram a pertinência de reconhecer a autoria indígena como parte da ação política desses sujeitos no campo do indigenismo.

Os artigos reunidos para o dossiê, em suas particularidades, trazem uma contribuição para a multifacetada relação entre História e Antropologia. Com vigor, demostram que a perspectiva antropológica influencia historiadores e vice e versa. Não por coincidência, dos quatro artigos selecionados, três estão voltados à temática indígena, o que certamente demanda um diálogo transdisciplinar para que questões cruciais sejam mais bem compreendidas, tais como o poder colonial, as novas experiências de alunos indígenas nas universidades brasileiras e a ameaça de extinção de povos. O quarto artigo, que trata da trajetória de uma historiadora canadense que trabalhou em universidades estadunidenses, demonstra que a Antropologia pode contribuir enormemente para a constituição dos objetos da História.

Desejamos a todos boas leituras e instigantes reflexões sobre História e Etnologia!

Joana A. Fernandes Silva – Universidade Federal de Goiás.

Giovani José da Silva – Universidade Federal do Amapá.


SILVA, Joana A. Fernandes; SILVA, Giovani José da. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.20, n.2., maio / agosto, 2016. Acessar publicação original [DR]

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A micro-história e suas contribuições teóricas e metodológicas para (re) pensar os processos migratórios / História Unisinos / 2016

A partir da década de 1970, a historiografia italiana inovou na forma de pensar a mobilidade populacional, provocando uma reviravolta nas interpretações a respeito das e / imigrações. Os comportamentos individuais diante das transformações gerais da história passaram a ganhar destaque entre aqueles que estudavam os fluxos migratórios de curta e longa distâncias. Isso se deveu a um novo método de pesquisa que seria conhecido, posteriormente, por micro-história. Essa metodologia permitiu aos historiadores reconstruir trajetórias de famílias e biografias que diferiam do modelo tradicional de se estudar as comunidades ou uma única vida. A questão passava por problematizar as famílias e os sujeitos, inserindo-os em distintos contextos e relações sociais, percebendo semelhanças e, principalmente, diferenças. A importância desta nova perspectiva radicava-se no lugar central que começava a conferir aos sujeitos o papel de atores sociais responsáveis por suas trajetórias, individuais e familiares. Diante disso, explicações rígidas como aquela do “modelo expulsivo” – que condicionava os movimentos migratórios a variáveis econômicas, políticas e à consequência direta dos processos de liberação da força de trabalho para a indústria – começaram a mostrar sinais de fraqueza diante da incapacidade de apreender os aspectos fundamentais do “fenômeno multiforme”, como o das migrações.

Nesse sentido, a imigração para a América, principalmente a do século XIX, deixou de ser vista apenas como consequência das forças de atração e expulsão, possibilitando que novas variáveis fossem analisadas. Fontes documentais de natureza diversa passaram a ser utilizadas nos estudos migratórios para apreender o desempenho ativo dos sujeitos, suas estratégias de deslocamentos bem como aspectos culturais. Para levar a cabo com êxito uma análise dessa natureza era imprescindível recorrer a alguns conceitos-chave como: estratégia, redes sociais, racionalidade limitada, solidariedade e conflito. A utilização de diferentes fontes e a metodologia da microanálise tem servido para compreender as variadas dinâmicas migratórias e as estratégias de integração social, ganhando destaque o papel ativo dos sujeitos em tais processos.

O objetivo principal deste dossiê foi o de reunir artigos que tenham utilizado a metodologia da microanálise ou recebido alguma influência teórica e conceitual em suas pesquisas sobre diferentes grupos étnicos de e / imigrantes, que reflitam sobre deslocamentos transatlânticos, trajetórias, integração e mobilidades sociais. Desse modo, no artigo ¿Existió la microhistoria?, Dedier Norberto Marquiegui desenvolve uma análise dos diversos estudos que ficaram conhecidos como trabalhos de micro-história, até chegar aos maiores expoentes da escola italiana, a exemplo de Edoardo Grendi, Carlo Ginzburg e Giovanni Levi. Além desses, o autor discute os trabalhos de outros historiadores italianos, chamando a atenção para a ausência de uma definição única de micro-história e de um modelo teórico singular. O que existem são diferentes práticas historiográficas, que partem de fatos circunscritos, situações cotidianas e estimulam uma análise densa e intensa das fontes documentais. Longe de estudar o acontecimento por ele mesmo, é a busca pela essência das coisas, pelos significados e explicações, bem como pelas perguntas que suscitam, que definem a micro-história. Portanto, a micro-história é, antes de tudo, um método, e não um assunto ou estudo de coisas pequenas. Partindo desta perspectiva, Marquiegui apresenta a trajetória de diferentes pesquisadores, preferencialmente dos italianos reunidos em torno da revista Quaderni Storici a partir da década de 70 do século XX, analisando as diferenças e semelhanças entre as propostas, acrescido das influências para o desenvolvimento do estudo dos movimentos migratórios.

A ideia da “redução de escala” e o “paradigma indiciário”, metodologias de caráter inovador, provocativas, atraentes e exaustivas, trouxeram resultados significativos para a renovação de muitos temas e surgimento de outras problemáticas de pesquisa. Mover-se ao sul do Brasil: Mobilidade e fluxos migratórios através da trajetória de João da Silva Tavares (c.1800-c.1860), artigo de Leandro Rosa de Oliveira, investiga os movimentos migratórios que marcaram a ocupação da parte sul do território do Rio Grande do Sul, na primeira metade do século XIX, através da trajetória de João da Silva Tavares. Trabalhando com fontes de origens diversas, o nome se torna fio condutor na pesquisa para analisar os diferentes contextos nos quais os indivíduos que participavam das migrações internas estavam inseridos.

No artigo Imigração alemã ao Brasil (século XIX) e Prússia: fronteiras permeáveis e diálogos entre história global e micro-história, Eduardo Relly reflete sobre a necessidade incorporação de uma abordagem global e micro para a compreensão dos deslocamentos e processos de renegociação cultural ocorridos no território brasileiro por parte dos imigrantes alemães. Através de uma perspectiva ampla, aponta para a necessidade de ligação entre as sociedades de partida e de chegada, permitindo, assim, entender as características regionais e diversidades culturais que foram transferidas para a América, conectando os dois lados do Atlântico. Porém, não deixa de ressaltar a necessidade de estudos mais circunscritos que contemplem as estratégias e redes de relacionamento dos atores. Nesse sentido, no artigo intitulado Excepcionais normais? A(s) trajetória(s) de três pastores no Sul do Brasil (1824- 1893), Marcos Witt mostra o quanto a abordagem micro e o estudo de trajetórias podem ser utilizados para investigar os diferentes caminhos e possibilidades que marcaram as experiências dos pastores nas regiões de colonização alemã no Rio Grande do Sul. Utilizando o conceito de “excepcional normal” apresentado pelos expoentes da micro-história italiana, busca perceber os percursos e as escolhas dos personagens estudados entre as orientações e expectativas da Igreja e da comunidade as quais representavam, bem como dos projetos individuais e familiares. Por fim, constata que a trajetória dos pastores é marcada por normalidade e excepcionalidade, características essas que podem ser percebidas através da atuação nos campos político, econômico, eclesiástico e comunitário.

A participação de imigrantes italianos na Primeira Guerra Mundial é assunto apresentado por Antônio De Ruggiero, no artigo A Grande Guerra do ítalo-gaúcho Olyntho Sanmartin. De Ruggiero examina o conteúdo das memórias de guerra do imigrante que voltou para a Itália a fim de lutar no front ao lado dos compatriotas. Como fio condutor, apresenta a trajetória de alguém que estava obcecado pela vontade de visitar o país de origem, conseguindo, portanto, retornar para servir como soldado reservista. As memórias escrutinadas permitem levantar novas questões para pensar os sentimentos, expectativas e frustações experimentados por aqueles que participaram da Grande Guerra e retornaram para o território brasileiro.

No penúltimo artigo, Histórias de vida e memórias familiares: entrevistas com netos de refugiados da II Guerra Mundial no Brasil, Marcos Nestor Stein e Méri Frotscher partem do exame das entrevistas orais com netos de refugiados da II Guerra Mundial que vivem no município de Guarapuava, no estado do Paraná, para pensar questões como história de vida / familiar, narrativas e identidades. Fragmentos das narrativas individuais dos descendentes dos refugiados se tornam ponto de partida para a compreensão da maneira como o passado é interpretado e quais características são reforçadas. As lembranças da expulsão, do sofrimento e das dificuldades vividas pelos antepassados fazem parte de um “complexo mítico” que define o grupo étnico.

Também mostrando as possibilidades de se trabalhar com entrevistas orais, o artigo de Álvaro Antônio Klafke e Rodrigo de Azevedo Weimer se propõe a discutir aspectos das trajetórias individuais de migrantes que, na metade do século XX, saíram das zonas rurais para se fixar em Porto Alegre e adjacências. O artigo Zilda e o avião: repensando migrações rural-urbanas no Rio Grande do Sul (1943-1963), mostra o quanto as inspirações metodológicas e teóricas da micro-história italiana não se limitam a determinados temas e períodos. Estabelecendo um rico diálogo com os estudos que tematizaram as imigrações transatlânticas históricas, que contestaram as explicações macroeconômicas baseadas na ideia de atração e expulsão, os autores propuseram novos caminhos para repensar as migrações internas regionais. Partem, portanto, da análise de aspectos das trajetórias individuais de migrantes que abandonaram as zonas rurais para se fixar nas cidades. Ao fazerem isso, trazem elementos que, longe de desconsiderar a influência dos macroprocessos econômicos para entender os deslocamentos, dão destaque a motivações individuais e familiares, amenizando, assim, o peso da ideia da pobreza como motivo para expulsão do campo. Desse modo, através da perspectiva dos atores dos processos, é possível perceber a pluralidade das condições de partida, dos recursos e das aspirações, apontando para a complexidade dos processos de mobilidade geográfica e social.

Os artigos que fazem parte do dossiê que ora apresentamos trazem contribuições relevantes sobre os usos possíveis e caminhos que a metodologia da micro- -história sugerem para a renovação dos estudos no campo das migrações transcontinentais e internas. A utilização e cruzamento de fontes de origem diversa, a reconstrução das redes relacionais, o uso do nome do indivíduo como fio condutar da pesquisa e a opção por trabalhar com trajetória individual ou de grupo como via de acesso aos diferentes contextos e horizonte de possibilidades, aparecem como aspectos que continuarão a sugerir novos questionamentos e perspectivas a respeito de distintos processos sociais.

Maíra Ines Vendrame – Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

Mariela Ceva Conicet – Universidad Nacional de Luján

Organizadoras do dossiê


VENDRAME, Maíra Ines; CONICET, Mariela Ceva. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.20, n.3., setembro / dezembro, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Futebol, Raça, e Nação no Brasil / História Unisinos / 2015

O que está em jogo? Em torno do futebol, da raça e da nação no Brasil: apresentação para uma história ausente

Há quem reclame sobre a necessidade de mais estudos de história intelectual na historiografia brasileira, de mais reflexões que deem conta dos processos que mobilizaram intelectuais, perspectivas teóricas e suas interpretações, um esforço que iria de campos de estudo como a questão agrária, passando por aquele da ecologia e meio ambiente, o da história das doenças e mesmo da história dos esportes, entre tantos outros. Quando surgem? Quais os seus principais e pioneiros intelectuais? Quais os diálogos teóricos propostos? Como se conectaram (ou não) com os debates contemporâneos da sociedade brasileira?

Muitas reflexões historiográficas, ao alinharem obras e autores, abriram mão de abordagens que pudessem apontar os termos dialógicos dos debates intelectuais – sempre amplos e multifacetados. O mundo acadêmico no Brasil produziu mesmo uma convenção sobre a existência de um pensamento social brasileiro, algo que não poucas vezes foi superdimensionado, supostamente definitivo e prospectivo. Nesse quadro, algumas influências e ideias foram destacadas, entre outras tantas abandonadas.

Interessante perceber como a música, o carnaval, o futebol, a capoeira, entre outros temas, ficaram banidos da historiografia brasileira até 30 anos. Começaram a interessar muito lentamente, inicialmente mais a antropólogos e sociólogos, só depois a historiadores. Durante muito tempo, na abordagem desses assuntos reinavam os jornalistas, mas não os acadêmicos.

Paradoxal, pois o carnaval e o futebol se transformaram, em meados do século XX, em símbolos da identidade nacional brasileira. Já a capoeira, nos dias de hoje, é considerada uma das maiores representações internacionais de cultura do Brasil. Ainda assim, só recentemente estes temas têm mobilizado pesquisadores acadêmicos para revolver seus processos históricos de surgimento, transformações e evocações sociológicas contemporâneas. Para muitos são símbolos (construídos) da nação e com uma história do tempo-presente ainda incompleta.

O que pensariam disto os explicadores do Brasil – intelectuais pioneiros, passando não só por Gilberto Freyre, Sérgio Buarque e Caio Prado, mas também Paulo Prado, Fernando de Azevedo, Raymundo Faoro, Celso Furtado, e outros? Para muitos destes, a sociedade escravista – colonial, patriarcal e patrimonialista – explicaria muito de um Brasil contemporâneo, desigual e hierarquizado. Mas como pensar a sociedade brasileira no pós-emancipação exatamente quando o futebol avança entre práticas, fábricas e personagens com diversas origens e identidades? Foi um longo processo no qual ex-escravos e seus filhos e netos foram transformados em “cidadãos de cor preta”, nomenclatura utilizada até praticamente o início dos anos 1940 em comícios políticos de setores conservadores, trabalhistas e mesmo comunistas.

No alvorecer do século XX, ideias em torno da identidade nacional, da cultura nacional e de outros símbolos envolventes foram manipuladas por intelectuais diversos. O futebol, um estrangeirismo para alguns, se transformaria em paixão, esporte de massa e envolveria milhares de adeptos e agremiações em pouco mais de duas décadas. O Brasil inventava-se numa modernidade que escolhia cores, rostos, corpos e identidades.

Nem sempre a associação entre nação e futebol – algo relativamente recente – apareceria nas interpretações clássicas. Mesmo outros campos de estudos – aqueles das relações raciais e da cultura negra – pouco avançariam na possibilidade de articular interpretações sobre o futebol e suas dimensões históricas e sociológicas. Foram assim intelectuais como Arthur Ramos, Edison Carneiro, passando por Florestan Fernandes e toda a geração da Escola Sociológica Paulista. O futebol poderia ser uma chave interpretativa para o Brasil, mas vários intelectuais não se aproximaram dela.

Por muito tempo, o futebol foi transformado num espaço sacralizado para os cientistas sociais. Podia ser admirado com quase ufanismo mas nunca investigado em termos sociológicos.

A obra de Mário Rodrigues Filho, O Negro do Futebol Brasileiro1, tem sido recuperada, embora ainda como leitura secundária, enquanto memória. Ela foi escrita num período de intenso debate sobre raça, racismo e cidadania, no cenário do pós-guerra, em meio aos debates da Constituinte de 1946 e quando, nos palcos do Rio de Janeiro, intelectuais negros – Abdias do Nascimento, Guerreiro Ramos e outros – criavam o Teatro Experimental do Negro e outras atividades como a Convenção do Negro Brasileiro (1945) e a Conferência do Negro no Brasil (1946), no Rio de Janeiro e São Paulo.

Enquanto isso, a organização de ligas desportivas, a criação de clubes e a presença cada vez mais marcante de negros e mestiços no futebol tinham mobilizado debates desde os anos 1930. Não poderia ser mais um tema de menor importância. O interessante é que no início dos anos 1950, a partir da proposta da Unesco de realizar uma grande pesquisa sobre as relações raciais na América Latina, surgiriam no Brasil vários estudos regionais, particularmente de sociólogos e antropólogos. O silêncio a respeito do futebol e o que ele simbolizava sobre imagens e símbolos em torno da raça e identidade nacional produziram estrondos, no que a obra de Mário Filho, em parte esquecida, tem ajudado a recuperar.

Ao contrário daquele momento, racismo e futebol, práticas e manifestações de xenofobia, estão hoje na pauta internacional. O esporte de massa – que reúne paixões, empresas multinacionais, mídias, debates de cidadania e (inter)nacionalismos – se confronta hoje com outras reflexões. Debates contemporâneos que evocam histórias, processos, experiências e interpretações. Também acadêmicas.

Imagem 1: O jogador negro pega a bola e a leva para a quina do gramado, a fim de cobrar um escanteio. O inusitado – lamentavelmente nem tão inusitado assim – ocorre: um torcedor atira uma banana no relvado. Num gesto de grande perspicácia, o futebolista descasca a fruta, a come e dá seqüência à partida. O público, em grande maioria a discordar do gesto absurdo do adepto, o saúda em uníssono.

As polêmicas mundiais que se seguem dão conta da dificuldade de tratar da questão das manifestações de racismo nos espaços de futebol, terreno, a princípio, de uma inversão da ordem, no qual se manifestam as mais diferentes facetas humanas, mesmo as mais extremadas, algumas que não podem mais ser toleradas.

Meses depois, são veiculadas repetidamente nos meios de comunicação as imagens do comportamento de uma parte da torcida de um grande clube do país num jogo realizado na região Sul do Brasil. Choca a naturalidade da adoção de procedimentos racistas, expondo mais uma vez a nervura aberta. Contrariamente ao que alguns insistem em afirmar, de forma explícita ou velada, o racismo ainda é uma mácula dolorosa na história desse país (e do mundo) que acaba por se manifestar naquele que é considerado o seu principal esporte, aquela modalidade que tem sido, pelo menos desde os anos 1930, mobilizada como uma das representações de uma suposta peculiaridade nacional.

A propósito, esses episódios de racismo, que grassam pelos gramados nacionais, contradizem mesmo essa construção identitaria. Se o futebol é uma das grandes representações de que a mistura relativamente pacífica de raças é uma das marcas da formação de uma cultura brasileira – na acepção freyreana expressa de forma mais explícita por esse autor no seu artigo “Foot-ball mulato”, publicado do Diário de Pernambuco, em 1938, fonte de inspiração para vários intelectuais que se debruçaram sobre o velho esporte bretão – como esse tipo de manifestação estaria a ocorrer? O único mérito desses episódios é, portanto, expor a fragilidade dessa compreensão, conclamando-nos a melhor refletir sobre as relações entre o mais querido esporte do Brasil, as questões raciais e os discursos sobre a nação.

A popularização do futebol em terra brasilis está relacionada à apropriação desse esporte pelas diferentes classes e grupos sociais, e isso se deu de maneira entrelaçada às questões da cor e raça. Se na fase inicial o futebol era predominantemente aristocrático, com o tempo essa prática desportiva foi apropriada pelos “de baixo”, levando progressivamente à passagem do amadorismo para o profissionalismo, o que possibilitou um aumento significativo da entrada e do sucesso de jogadores das classes populares em geral e de negros em particular. No entanto, não desapareceram do universo do futebol as crenças e práticas racistas que assumiram novas formas e se revitalizaram ao longo dos anos.

Vale frisar que a presença do negro nas lides esportivas não é um fenômeno recente. Foi mesmo um dos primeiros fóruns sociais em que gozou de certo protagonismo e destaque social, ainda que sempre enquadrado pelos limites dos estereótipos e preconceitos.

Imagem 2: Em dezembro de 1853, o célebre Francisco Otaviano, ao narrar as concorridas corridas de cavalos realizadas na Corte, se refere de forma distinta a alguns personagens que nelas tomaram parte. Sobre o gentlemen-rider Alba Carvalho, “aluno do quarto ano da escola de medicina” (Correio Mercantil, 9 dez. 1853, p. 1), sugere ter sido saudado como o grande herói do dia, ao vencer seis outros amadores, todos “trajando elegantes casacas verdes e montados em cavalos de sua propriedade” (Correio Mercantil, 11 dez. 1853, p. 1). Não pode fechar os olhos, contudo, para o fato de que “um demoninho bronzeado, como o amante de Desdemona, de quatro palmos de altura e trajado de azul, foi proclamado, ao som de estrondoso vivas, o primeiro jockey do Prado” (Correio Mercantil, 11 dez. 1853, p. 1): era Balbino (ou Albino), um negro ou pardo de cerca de 13 anos que ganhou as seis provas que disputou.

Na verdade, não podemos negligenciar o fato de que o esporte e as atividades físicas em geral foram claramente mobilizadas nas iniciativas de “branqueamento” da população brasileira. Consideradas como expressão civilizacional superior, supostamente contribuiriam para a “pureza” racial brasileira, devendo ser limitado, portanto, seu alcance ao grande conjunto da população, que não tomou conhecimento desse tipo de compreensão e, de alguma forma, tomou para si o direito de fazer e assistir os mais diversos esportes.

Há que se lembrar, da mesma forma, que a prática de esportes também foi um importante elemento de articulação de comunidades de estrangeiros no país, reunidos em clubes próprios que tinham em conta tanto relembrar algo de sua cultura de origem quanto prestar contas e exaltar a nova nação que os acolhia. Por todo o país, são inúmeras as agremiações de portugueses, italianos, espanhóis, franceses, britânicos, alemães, cujas iniciativas também contribuíram com a formação de uma cultura esportiva nacional.

Este dossiê aborda alguns aspectos da história do futebol brasileiro, desde quando não se suspeitava que a habilidade dos jogadores e as vitórias nesse esporte fossem vistos como um atributo inerente à nacionalidade. Retratando o Brasil em todas suas virtudes e mazelas, grandezas e misérias, o futebol é um domínio em que conflitos sociais, contradições raciais e dilemas nacionais são postos em evidência de maneira cristalina.

Trata-se, assim, de tema de enorme importância e o pequeno número de (excelentes) artigos que integra este dossiê é mais um indicador de que o assunto está a merecer mais atenção, e uma atenção mais cuidadosa, dos historiadores brasileiros. A trilha apresentada pelos autores que integram esta edição, sem sombra de dúvida, se constitui em um chamamento e um alerta acerca da necessidade de esforços mais contundentes.

Abrimos o dossiê com o artigo Futebol, nação e representações: a importância do estilo “futebol-arte” na construção da identidade nacional, de Filipe Fernandes Ribeiro Mostaro, Ronaldo George Helal e Fausto Picorelli Montanha Amaro. O debate muito brevemente aqui apontado nesta apresentação é analisado em profundidade pelos autores, uma contribuição para que melhor compreendamos determinadas ideias que se naturalizaram no senso comum a respeito dos significados do esporte bretão no Brasil.

Numa esteira semelhante, ainda que por caminhos distintos, “Diz-me como jogas e te direis quem és…”: estilos de jogar futebol em Pasolini, Freyre e DaMatta, de André Mendes Capraro, chama para o jogo novos personagens, esgrimindo a ideia de que também no cenário internacional a mobilização do futebol em construções identitárias guarda interessantes recorrências.

Em Entre o ethos aristocrático e o associativismo: futebol amador e competência esportiva na cidade de São Paulo (1920-1930), Diana Mendes Machado da Silva prospecta as diferentes construções de representações sobre o futebol em duas agremiações paulistanas, uma delas eminentemente ligada aos estratos socioeconômicos superiores, o Clube Atlético Paulistano, e outra herdeira de uma das mais pujantes experiências clubísticas nacionais, vivenciada nas várzeas da capital de São Paulo, a Associação Atlética Anhanguera.

Temos ainda uma nota de pesquisa de um dos organizadores deste dossiê. Petrônio Domingues nos apresenta os primeiros resultados de sua investigação sobre a trajetória da Associação Atlética São Geraldo, uma das que teve maior destaque entre as muitas agremiações de negros dedicadas à prática desportiva que se organizaram em São Paulo nas primeiras décadas do século XX. Sem dúvida, um fascinante objeto de pesquisa.

Embora o futebol seja uma prática desportiva importante no Brasil desde longa data, mobilizando interesses políticos, sociais, econômicos e culturais diversos e catalisando esperanças, sonhos e paixões de milhares de pessoas, inexistiam estudos em torno das intersecções do esporte bretão, raça e identidade nacional até por volta do início do terceiro milênio. Alguns ensaios aludiam ao assunto colateralmente ou então só de passagem, de forma genérica. Felizmente, esse quadro vem se alterando, porém ainda é possível observar algumas peculiaridades. Não se trata mais de negligenciar esse esporte como de suma relevância na vida do brasileiro, com seus signifi cados polissêmicos e sentidos entrecruzados, mas de reequacioná-lo na agenda dos historiadores. Assim, nosso desejo é que muitos outros dossiês e artigos sobre “Futebol, raça e nação no Brasil” venham à baila. O tema é urgente. Os historiadores não podem se eximir dessa responsabilidade.2

Notas

1. O livro do jornalista Mário Rodrigues Filho, O negro no futebol brasileiro, foi publicado originalmente em 1947 e reeditado em 1964, quando recebeu o prefácio de Gilberto Freyre e o autor adicionou mais dois capítulos e fez alterações em sua parte inicial.

2. Sem a pretensão de esgotar as referências bibliográficas sobre o assunto, ver Gordon Jr. (1995, 1996), Lopes (2004), Santos (2008) e Basthi (2014).

Referências

GORDON Jr., C. 1995. História social dos negros no futebol brasileiro: primeiro tempo. Pesquisa de Campo, 2:71-90.

GORDON Jr., C. 1996. História social dos negros no futebol brasileiro: segundo tempo. Pesquisa de Campo, 3-4:65-78.

LOPES, J.S.L. 2004. Classe, etnicidade e cor na formação do futebol brasileiro. In: C.H.M. BATALHA; F.T. da SILVA; A. FORTES (orgs.), Culturas de classe: identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas, Ed. Unicamp, p. 121-163.

SANTOS, R.P. 2008. Futebol e racismo no Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 439:131-147.

BASTHI, A. 2014. Breve reflexão sobre Pelé e a experiência negra no futebol brasileiro. In: F. CAMPOS; D. ALFONSI, Futebol objeto das Ciências Humanas. São Paulo, Leya, p. 115-127.

Victor Melo – Universidade Federal do Rio de Janeiro

Petrônio Domingues – Universidade Federal de Sergipe

Flávio Gomes – Universidade Federal do Rio de Janeiro


MELO, Victor; DOMINGUES, Petrônio; GOMES, Flávio. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.19, n.3., setembro / dezembro, 2015. Acessar publicação original [DR]

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História e Ciência / História Unisinos / 2014

Os artigos aqui apresentados foram submetidos ao Dossiê História e Ciência. A intenção inicial das organizadoras foi a de agregar produções de historiadores que abordassem a temática, mesmo que não atuassem exclusivamente na área de história da ciência e da medicina. Os textos recebidos demonstraram que há um bom número de pesquisas sendo feitas na área e que os assuntos relacionados à temática do dossiê deixaram de ser marginais. Além disso, foi possível constatar não apenas uma grande diversidade de temas explorados pelos pesquisadores, como também de abordagens teóricas e metodológicas nos trabalhos, o que aponta para uma saudável vitalidade dos programas de pós-graduação e dos centros de pesquisa brasileiros e internacionais.

As questões tratadas nos artigos que compõem o presente número da revista História Unisinos se enquadram nas atuais tendências e vertentes de tratamento da temática, e que podem ser constatadas nas principais revistas de história e de história das ciências e da medicina nacionais e internacionais.

A ordem de apresentação dos artigos obedece, primeiramente, o critério de afinidade temática, e, secundariamente, o da delimitação temporal. O primeiro grupo reúne, assim, trabalhos que tratam da circulação de práticas científicas e médicas e da apropriação de conceitos e ideias. Estes artigos contemplam análises embasadas no já clássico debate sobre alteridade e “invenção” do “outro”, acrescidas de reflexões sobre circulação, circularidade e apropriação das ciências e da arte médica.

O artigo de Thomás Haddad demonstra como o jesuíta Jacome Fenicio relatou costumes e crenças dos “índios orientais”, sobretudo, as cosmologias hindus, visando a sua crítica e refutação. Para o autor, a astronomia europeia teve papel central na construção da identidade “ocidental”, sendo inegável a contribuição jesuítica na conformação deste pensamento sobre a cultura indiana.

André Nogueira estabelece um diálogo entre as práticas de cura ilegais das Minas Gerais no século XVIII e a medicina douta. O autor mostra uma assimetria nesse diálogo, devido à repressão às práticas ilegais tanto por parte da Igreja, quanto das autoridades civis. Há alguns pontos de semelhança e convergência entre as diferentes terapêuticas abordadas, porém, há também fortes diferenças, principalmente, as referentes à presença de práticas africanas crioulizadas no universo das práticas ilegais.

Marília de Azambuja Ribeiro, a partir das discussões travadas sobre a natureza da luz, no século XVII, reflete sobre a prática científica da Companhia de Jesus em Portugal. Esse artigo se inscreve na vertente historiográfica recente de reavaliação da atuação dos jesuítas na construção da chamada ciência moderna e de um suposto isolamento de Portugal neste contexto.

O texto de Bruno Martins Boto Leite analisa concepções médicas de Estêvão Rodrigues de Castro, relacionando-as com o debate filosófico e médico europeu em curso na Europa seiscentista. As definições de epidemia e de contágio propostas pelo médico português são, desse modo, referidas às discussões sobre atomismo e física pneumática. O autor demonstra como, no século XVII, medicina e filosofia natural devem ser consideradas em conjunto.

Os trabalhos reunidos no segundo tópico retomam, apresentando novos enfoques, um tema caro ao campo da História da Ciência e da Tecnologia, qual seja o de explorar o papel de saberes na expansão imperial do século XIX e na formação das nações americanas. Abrindo a seção, Claudio Llanos e José Antonio Gonzáles avaliam o peso que as descrições de regiões do Chile, patrocinadas pela Royal Geographical Society of London, tiveram na formulação da política britânica para a região Sul do Oceano Pacífico.

Em seguida, o artigo de Maria Rachel Froes da Fonseca, que tem como objeto a Escuela Nacional Preparatoria do México, ao mesmo tempo em que explora o processo de institucionalização das ciências, avalia as relações estabelecidas entre a instituição e o processo de formação do Estado. O trabalho é parte de pesquisa mais ampla que pretende uma comparação com a experiência do Império do Brasil.

O texto de Karoline Viana Texeira faz uma análise das descrições dos sertões enunciadas por Francisco Freire Alemão, demonstrando como elas estavam inseridas num projeto mais amplo de escrita da História do Brasil veiculado por Carl Von Martius, onde os elementos da natureza apareciam como chave interpretativa e se sobrepunham aos marcos históricos. Fechando essa sessão, Karoline Carula explora o tema da sociabilidade dos cientistas que atuavam na cidade do Rio de Janeiro em finais do século XIX, contemplando os espaços públicos voltados para a vulgarização da ciência na capital.

Os dois artigos que compõem a terceira parte do Dossiê apresentam análises que valorizam o uso de artefatos de ciência e tecnologia para a construção e comprovação de seus argumentos. Tatiana Roque e Gert Schubring, por meio de uma análise de textos clássicos da História da Matemática, exploram o papel do uso da régua e do compasso na construção da geometria euclidiana. Em seguida, Bruno Capilé e Moema Vergara se detêm nas inovações técnicas e científicas introduzidas a partir do uso do fototeodolito no contexto dos trabalhos de demarcação de fronteiras entre o Brasil e a Argentina, no início do século XX.

Fechando o Dossiê, encontram-se os artigos de Yonissa Marmitt Wadi, Claudia Castelo, Monique de Siqueira Gonçalves e Sônia Maria de Magalhães, que abordam tanto a formação de acervos documentais – vinculados ou não a instituições de pesquisa científica –, quanto chamam a atenção para a importância do acesso e da divulgação de fontes e de pesquisas, que, ao recorrerem a novas metodologias de análise, contribuem para a revisão da literatura existente.

Coerentemente com o proposto pelas organizadoras, o Dossiê História e Ciência reúne contribuições de historiadores das ciências bastante especializados, que trabalham com referências bibliográficas específicas e questões próprias, mas também de historiadores que têm incluído temas afetos às ciências e à tecnologia entre seus objetos de estudo. Em comum, os artigos apresentam abordagens que rejeitam a ideia de que existe progresso científico necessário, cujo sentido seria único e previsível, convergindo, igualmente, quando consideram que as ciências e a tecnologia não constituem um campo neutro e apartado das demais esferas da vida em sociedade.

Eliane Cristina Deckmann Fleck

Heloisa Meireles Gesteira

Lorelai Brilhante Kury

Organizadoras do dossiê


FLECK, Eliane Cristina Deckmann; GESTEIRA, Heloisa Meireles; KURY, Lorelai Brilhante. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.18, n.1., janeiro / abril, 2014. Acessar publicação original [DR]

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História das Américas: fontes e historiografia / História Unisinos / 2014

Este dossiê foi organizado a fim de estimular reflexões sobre história e historiografia das Américas, campo que, talvez pelas dificuldades que apresenta, não encontra no Brasil o mesmo desenvolvimento verificado em outras áreas de estudo. As dificuldades a que nos referimos podem ser observadas em vários aspectos, mas saltam à vista, sem dúvida, quando se nota a enorme amplitude circunscrita pelo conjunto denominado “Américas”. Do Canadá à Patagônia, da Nova Inglaterra a Santiago, os processos históricos e os estudos historiográficos se multiplicam a cada momento. De fato, são poucos os trabalhos que se propõem a realizar uma história colonial do continente em sua integridade. Mesmo textos clássicos como os de John H. Elliott, Empires of the Atlantic World (2006), e David Brading, Th e First America (1991), por exemplo, optaram por não abordar sistematicamente a América portuguesa.

Ademais, e aqui reside outra dificuldade, sempre há a tentação de se analisar a época moderna nas Américas por meio de perspectivas nacionalistas. Não raro encontramos pesquisas cuja área de interesse é definida por palavras-chave eloquentes, a exemplo de “História colonial do México” ou “História da Argentina colonial”, o que é compreensível. É realmente mais cômodo dizer a um leigo, ou ao colega interessado em sua pesquisa, que você estuda o “Chile colonial” do que explicar que se trata de uma análise dos súditos castelhanos na cidade de Santiago e de suas relações com os nativos da região em meados do século XVII. Porém, eficazes como recurso didático para contextualizar o objeto de estudo, tais expressões não podem obscurecer a reflexão a respeito do tempo e do refinamento necessário aos historiadores para evitar anacronismos e o viés teleológico. No limite, o recorte nacionalista pouco contribui para a elucidação de processos históricos, que podem ser mais bem compreendidos à luz de conexões que não se conformam aos marcos dos estados-nação, mas, ao contrário, colocam em tela espaços mais amplos.

Como o leitor poderá acompanhar nas páginas seguintes, alguns dos trabalhos que compõem este dossiê enfrentaram o desafio de propor reflexões para escalas de análise bastante ampliadas, pensando, inclusive, em termos de uma história atlântica ou de conexões atlânticas para compreensão da história americana. Tal é o caso dos dois artigos que abrem este número de História Unisinos. Abismos de la memoria: escritura y descubrimientos oceánicos. Una aproximación metodológica, artigo de Carlos Alberto González Sánchez, propõe ao leitor uma reflexão metodológica sobre os escritos elaborados durante os descobrimentos. Tais fontes, amplamente conhecidas pelos historiadores, permitem ao autor ir além dos “usos tangenciais” que dela se tem feito e indagar acerca da cultura escrita e de práticas culturais e intelectuais constituídas com a expansão ibérica.

O aporte metodológico do primeiro artigo é complementado pela proposta conceitual do segundo. A tradução para o português de Th ree Concepts of Atlantic History, de David Armitage, traz ao público brasileiro um texto repleto tanto de boas perguntas quanto de respostas instigantes. “Podem os historiadores ter esperanças de serem capazes de dizer qualquer coisa substancial sobre uma história que, em sua forma mais expansiva, conecta quatro continentes ao longo de cinco séculos?”. Para buscar respostas a essa e a outras questões, Armitage propõe três abordagens espacial e temporalmente diferenciadas – História Circum-Atlântica, História Trans-Atlântica e História Cis-Atlântica – que, sem ser excludentes, podem propiciar as condições para a escrita de uma história tridimensional do mundo Atlântico.

Da mesma maneira que pensar a historiografia sobre as Américas implica considerar os problemas de escala, os historiadores também devem ter em conta as diversas “camadas” interpretativas que se construíram ao longo de cinco séculos. Há que se considerar que a escrita da História das Américas assumiu formas diversas, acompanhando mudanças heurísticas e paradigmáticas advindas de debates teóricos, epistemológicos e historiográficos que sacudiram, com impactos ora moderados ora radicais, a própria ciência e suas certezas. Na formação desse maciço de interpretações, tanto a escolha das fontes como a opção por determinado aparato conceitual no momento de atribuir sentidos aos fatos são reveladores dos diferentes lugares ocupados pelos historiadores.

Talvez um exemplo notável seja o aparecimento, nos anos 1950, de uma corrente historiográfica na América Latina que, ao recontar os episódios da conquista e colonização, pretendia dar voz aos vencidos, aos indígenas. As discussões sobre o lugar dos latino-americanos na conjuntura política da época; os debates mais amplos em torno da descolonização no pós-guerra; os refinamentos da história social; as críticas às visões de mundo eurocêntricas: de um modo ou de outro, esse conjunto contribuía para a mudança de visada proposta por historiadores como Miguel León Portilla (2007) e Nathan Wachtel (1977). Pois é justamente com esse projeto historiográfico de dar à luz “o reverso da história” que dialoga o artigo de Eduardo Natalino dos Santos, As conquistas de México-Tenochtitlan e da Nova Espanha. Guerras e alianças entre castelhanos, mexicas e tlaxcaltecas.

Partindo dos pressupostos da “história dos vencidos”, apropriadas mais tarde (a partir de finais da década de 1970) pelos intérpretes da mestiçagem e do hibridismo coloniais, Eduardo N. dos Santos retoma o tema clássico da conquista do México valendo-se de outros documentos e de sentidos diferentes. Ao ampliar o rol de fontes e fundamentar sua análise em escritos nahuas, tais como o Lienzo de Tlaxcala, o Lienzo de Cuauhquechollan e o Códice Vaticano A, Santos sustenta que as guerras e alianças ocorridas entre castelhanos e cidades mesoamericanas nos anos da conquista serviram de gatilho para as ações políticas e militares posteriores, que colocaram espanhóis e indígenas lado a lado durante a expansão castelhano-nahua pela Nova Espanha. Ao defender tal argumento, o artigo recoloca o debate sobre a interpretação que considerou “vencidos” a todos os ameríndios, de modo indistinto. E ainda, de maneira igualmente importante, estimula uma reflexão sobre o equívoco de analisarmos os processos históricos iniciados em 1492 com base em uma divisão essencialista entre índios e brancos.

A exemplo dos códices acima referidos, ao longo do período colonial produziram-se registros de várias naturezas sobre as experiências vividas no Novo Mundo: o contato com os indígenas, a montagem dos mecanismos administrativos, as experiências de catequese, as revoltas e rebeliões, o cotidiano, dissensões e acordos, as guerras etc. Os autores desses relatos foram, em muitos casos, religiosos, funcionários da burocracia, indígenas educados em colégios, soldados, e toda sorte de pessoas alfabetizadas em um mundo profundamente iletrado. As crônicas, histórias, descripciones, sumários, relações, memórias etc. constituem um corpus documental privilegiado, tanto por aquilo que elas informam como pelo modo como o fazem.

Essa dupla dimensão analítica, isto é, envolvendo conteúdo e forma, é ressaltada em “Ciegos o enganados”: narrativas sobre a conquista espiritual do Norte da Nova Espanha (séculos XVII e XVIII), artigo assinado por Luiz Estevam de Oliveira Fernandes e Luis Guilherme Kalil. Nesse texto, os autores partem de relatos elaborados por missionários franciscanos e jesuítas a fi m de compreender as representações construídas pelos religiosos sobre os ameríndios das regiões ao norte do vice-reino da Nova Espanha. Ao evitar a armadilha de apontar o que é realmente indígena e o que é de fato europeu naquelas fontes, o artigo reflete sobre as estratégias retóricas e modelos narrativos empregados pelos cronistas, sublinhando dois eixos analíticos, já implícitos em seu próprio título, observados em relação a um par antitético: ação demoníaca / providência divina em contraposição a agência humana / livre-arbítrio. Com isso, os autores movem-se entre os relatos deixados pelos missionários e os lugares (sociais, institucionais, temporais) por eles ocupados, em uma dinâmica cuja compreensão pode ampliar o entendimento que temos sobre a chamada conquista espiritual do norte da Nova Espanha e acerca de algumas características dos grupos ameríndios daquela região.

Enquanto os missionários analisados por Luiz Estevam e Luis Guilherme narravam seus sucessos e vicissitudes entre o bem e o mal na América, podiam-se observar algumas mudanças na percepção da “historiografia” europeia sobre o Novo Mundo, no século XVIII, especialmente no que se referia aos relatos coloniais, que foram alvos de fortes críticas. Escrever uma nova História da América tornou-se o eixo central da renovação cultural promovida pelos Bourbon, mas também houve mudanças na visão lançada desde a Europa do Norte, o que gerou respostas americanas. Estamos nos referindo ao que se convencionou denominar “Polêmica do Novo Mundo”. Em linhas gerais, podemos afirmar que se passou a privilegiar, como fontes primárias, os dados produzidos pela burocracia da administração das colônias, as chamadas “fontes públicas” em detrimento do conjunto de escritos elaborados por diferentes agentes.

O artigo de Alexandre Camera Varella, A queda do homem civil: os antigos mexicanos e peruanos na “History of America” de William Robertson, analisa o livro produzido em 1777 pelo historiador escocês, justamente no seio desta “querela de América”. A obra de Robertson teve forte repercussão na época em que foi escrita, tendo sido avidamente procurada pelo público leitor e disputada pelos editores que competiam por seus escritos. Sua produção deu-se em conexão com uma série de escritos que renovavam os estudos sobre a história do Novo Mundo. Desta forma, Varella conduz em seu artigo uma discussão das análises de Robertson acerca do estado de coesão social das populações indígenas do Novo Mundo, bem como de suas apreciações sobre os obstáculos enfrentados por mexicanos e peruanos para alcançarem uma vida civil em plenitude.

Ainda no que se refere a fontes do século XVIII, o dossiê traz o artigo de Márcia Eliane Souza e Mello, que se ocupa da análise de um conjunto documental bastante frequentado pelos historiadores do século XX: os processos inquisitoriais. A autora de Inquisição na Amazônia colonial: reflexões metodológicas discute questões relativas ao tratamento analítico de fontes inquisitoriais, apresentando uma experiência de pesquisa quantitativa sobre a atuação do Tribunal do Santo Ofício no Estado do Maranhão e Grão-Pará. Márcia Mello reconhece entre alguns trabalhos atuais acerca da Inquisição uma tendência em seguir os parâmetros analíticos da produção clássica sobre o tema, não contemplando, na medida desejada, os contextos e realidades coloniais, isto é, as especificidades locais dos casos analisados. Para a autora, é importante não tratar as fontes inquisitoriais como “conjuntos isolados”, mas sim, na medida do possível, cruzar dados e “criar novas visões a partir do objeto e dos problemas que o historiador formula para sua pesquisa”, postura que potencializaria o “estudo de variados temas que têm como pano de fundo as relações sociais, como a escravidão, as práticas religiosas, os intercâmbios culturais e as redes de poder, etc.”.

O artigo de Guillermo Wilde, Adaptaciones y apropiaciones en una cultura textual de frontera: impresos misionales del Paraguay Jesuítico, por sua vez nos apresenta a análise de um conjunto de impressos nas missões guaranis do Paraguai, os quais ele indica que vêm a ser apenas uma parcela do importante do universo textual missionário que se encontra disperso em bibliotecas e arquivos de diversas partes do mundo. Incitado pelos estudos que têm, nos últimos anos, aprofundado e renovado a “história dos livros”, Wilde retoma algumas interpretações e propõe fecundas linhas de investigação deste corpus. O autor indaga, assim, sobre as características dos impressos missionais, suas circunstâncias de produção, as informações que eles nos oferecem e sobre a operação que os transforma em fontes documentais para o estudo da cultura missional, entre outros aspectos.

Ao propor uma tipologia preliminar que distingue três orientações entre tais impressos, o autor avalia que ela deve ser considerada como “um ponto de partida” para o estudo dos usos sociais dos impressos missionários, o qual se relaciona com os quadros de uma história cultural mais ampla. Neste sentido, é preciso ter em conta a inserção de tais textos junto a outros suportes da memória missional (como as imagens ou a música), e a relação entre os textos (ou a escrita) e a oralidade. Mas, também, a relação entre conjuntos missionais de diferentes áreas (Peru e Paraguai, por exemplo), a qual era facilitada pela circulação de jesuítas. Finalmente, Guillermo Wilde destaca a importância de considerarmos a circulação intercontinental de impressos e a formação de bibliotecas missionais, evidenciando a riqueza do tema para romper com as anacrônicas divisões entre espaços de análise, que indicamos mais acima.

Iniciamos a apresentação deste dossiê apontando a escassez de estudos que procurem desafiar uma historiografia que convencionalmente aceitou, como categoria analítica, a divisão entre os impérios luso e hispânico, ou ainda, as fronteiras nacionais que emergiram dos processos de independência nas Américas do século XIX. Assim como o trabalho de Wilde, também o texto de Tiago Gil, Elites locais e changadores no mercado atlântico de couros (Rio Grande e Soriano, 1780-1810), desvela uma importante contribuição para pensarmos em outras possibilidades analíticas. Neste último caso, trata-se de um estudo que propõe a análise do desenvolvimento e manutenção de redes que envolviam o comércio de couros, tabaco, aguardente e escravos alinhavando pontos entre Buenos Aires, Rio de Janeiro, Lisboa e Madri. Mais ainda, afinado com as orientações recentes da história social, o artigo discute as estratégias sociais de criação dessas redes envolvendo toda uma gama de sujeitos, entre os quais estavam negociantes e as elites locais, mas também peões, escravos, marinheiros, e os chamados changadores, sobre os quais o autor se interessa particularmente.

A revista traz ainda uma entrevista com a historiadora Patrícia Seed, bastante conhecida do público brasileiro por sua obra Cerimônias de posse na conquista europeia do Novo Mundo (Seed, 2000) produzida em 1995 e publicada no Brasil em 2000. Especialista em história da cartografia e da navegação, Seed dedicou-se, em boa parte da sua carreira, ao estudo do início da era moderna e da colonização europeia do Novo Mundo, especialmente em relação às culturas ibéricas. Ao longo da entrevista, Seed discorreu, entre outras coisas, sobre seus temas de investigação e sobre as opções teórico-metodológicas que orientam suas pesquisas. Avaliou, também, a repercussão alcançada por sua obra mais conhecida às vésperas do vigésimo ano de sua publicação.

O dossiê História das Américas: fontes e historiografia oportuniza, pois, aos interessados um conjunto de trabalhos que aceitaram o desafio de produzir uma reflexão sobre as diversas maneiras de se escrever história nas Américas, os intercâmbios eruditos e os tipos de crítica documental (além do próprio estatuto do que é considerado documento). Mas, também, sobre a publicação, circulação e as formas de leitura do texto historiográfico, desde os tempos coloniais até a produção mais recente sobre o continente. Juntamente com os editores e autores do presente número da revista História Unisinos, a quem agradecemos pelas valiosas contribuições, esperamos (e desejamos) que este dossiê possa ser um aporte ao campo dos que se dedicam à história americana, e que ele estimule outras publicações de mesma natureza.

Referências

BRADING, D.A. 1991. The first America. The Spanish Monarchy, Creoles Patriots and the Liberal State, 1492-1867. Cambridge, Cambridge University Press, 761 p.

ELLIOT, J. 2006. Empires of the Atlantic World. Britain and Spain in America, 1492-1830. New Haven, Yale University Press, 560 p.

LEÓN PORTILLA, M. 2007 [1959]. Visión de los vencidos. Relatos indígenas de la conquista. México, UNAM, 312 p.

SEED, P. 2000. Cerimônias de posse na conquista europeia do Novo Mundo (1492-1640). São Paulo, Unesp, 279 p.

WACHTEL, N. 1977 [1971]. La vision des vaincus. Les indiens du Pérou devant la Conquête espagnole (1530-1570). Paris, Gallimard, 395 p.

Anderson Roberti dos Reis – Universidade Federal de Mato Grosso

Maria Cristina Bohn Martins – Universidade do Vale do Rio dos Sinos


REIS, Anderson Roberti dos; MARTINS, Maria Cristina Bohn. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.18, n.2., maio / agosto, 2014. Acessar publicação original [DR]

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A ditadura brasileira: história e historiografia / História Unisinos / 2014

O golpe de 1964 inaugurou novo período na História do Brasil, ao dar origem a regime autoritário que deixou marcas profundas em nossa sociedade. A ditadura significou uma ruptura com o período anterior, porém, em alguns aspectos ela representou também uma continuidade em relação a certas tradições arraigadas. Os militares e seus aliados civis implantaram um regime político marcado por outros paradoxos, para além da combinação entre rupturas e continuidades. A ditadura construiu um Estado ao mesmo tempo conservador e modernizador, em que ações de repressão aguda – como tortura, mortes e desaparecimentos – se combinaram com estratégias de acomodação envolvendo segmentos das elites sociais e intelectuais. Simultaneamente à construção de notável máquina repressiva e de instrumentos legais visando a garantir o poder autoritário, que trouxeram agruras para parte da sociedade e alimentaram o desejo de resistir, a ditadura deslanchou grande projeto de modernização econômica e tecnológica, que contribuiu para atrair o apoio de outros segmentos sociais.

O estudo desse processo recente, cuja complexidade implica inúmeros desafios para os pesquisadores, coloca em jogo as relações entre História e Memória, e seus distintos regimes de verdade e de aproximação / afastamento em relação ao passado. Além dos desafios impostos pela presença forte da memória, neste terreno os historiadores encontram-se diante da produção proveniente de outros campos do conhecimento, em especial as Ciências Sociais (Sociologia, Antropologia, Ciência Política, Economia), e o jornalismo, para não falar da participação cada vez maior dos profissionais do direito. Não obstante o caráter saudável desses múltiplos olhares e perspectivas, que só podem contribuir para um conhecimento mais amplo e profundo do tema, deve-se destacar – e estimular – a atuação dos historiadores no campo escorregadio e perigoso dessa história recente. Os profissionais da História têm importante contribuição a oferecer na construção de representações sobre o passado autoritário recente: lançando mão do devido aparato teórico e metodológico, e armados ao mesmo tempo de distanciamento crítico e responsabilidade cívica, os historiadores são agentes importantes na busca da verdade possível. Por isso, devem assumir lugar de destaque nos debates em que têm pontuado jornalistas, cientistas sociais, profissionais de direito e políticos.

Apesar das reticências dos que ainda consideram que à História cabe estudar apenas as sociedades mais recuadas no tempo, é cada vez maior o número de jovens pesquisadores interessados no passado recente. Entre os fatores que estimulam a realização de novas investigações vale a pena destacar o interesse público atual pelo tema, em que chamam a atenção as atividades de entidades criadas para investigar a violação dos direitos humanos durante a ditadura e estabelecer a verdade sobre tais processos. Por outro lado, há um dado característico do Brasil que favorece o incremento no número de pesquisadores dedicados à ditadura: o grande volume de acervos documentais relativos ao período, em que pese o fato de alguns arquivos ainda estarem indisponíveis, sobretudo os de agências militares. Esses volumosos acervos vão irrigar numerosas pesquisas por largo período de tempo, o que nos faz lembrar que os historiadores continuarão por muitos anos ainda a estudar tais questões, mesmo depois que tenha passado a atual urgência política pela investigação dos crimes praticados pela ditadura e seus agentes.

Partindo de tais pressupostos, quais sejam, a valorização da produção historiográfica e a preocupação de estimular mais investigações sobre o tema, especialmente despertando o interesse dos jovens, organizamos este dossiê “A ditadura brasileira: história e historiografia”. O propósito era reunir contribuições de historiadores e cientistas sociais situados na “linha de frente” da produção acadêmica sobre a ditadura, e fomos bem sucedidos. Conseguimos atrair o interesse de um seleto grupo de pesquisadores, com trabalhos originais sobre aspectos importantes da história da ditadura. Os textos reunidos no dossiê oferecem diferentes abordagens sobre o tema e disponibilizam para os leitores um painel amplo, e atual, sobre os caminhos que a historiografia dedicada ao regime militar vêm trilhando.

O artigo A breve primavera antes do longo inverno: uma cartografia história da cultura brasileira antes do golpe de Estado de 1964, de Marcos Napolitano, que abre o dossiê, explora criticamente a cena cultural dos anos 1950 e 1960 situando as principais questões postas pela análise e estudo da produção cultural e artística do período, com especial atenção para a década de cinquenta, ainda pouco estudada. Sob inspiração teórica de Raymond Willams, o autor faz uma reflexão sobre as diferentes formações culturais brasileiras que atuavam naquele contexto, bem como seu potencial de interação, sem perder de vista suas contradições e ambiguidades. Expõe os limites analíticos das categorias consagradas pela história política para pensar os projetos e a renovação estética da época, o que implica repensar a articulação entre cultura e política sob novas bases. Cabe destacar que, ao retomar a discussão sobre os grandes projetos culturais abordando tendências e os problemas envolvendo o processo de entrecruzamento das diferentes tradições na cena cultural brasileira do período, o autor vai indicando, de modo inspirador e generoso, aspectos que necessitam de pesquisa e de aprofundamento analítico e reflexivo.

O artigo de Mariana Joffi ly e Maud Chirio intitulado A repressão condecorada: a atribuição da Medalha do Pacificador a agentes do aparato de segurança (1964 – 1985) revela como agentes envolvidos e responsáveis pelo funcionamento do aparato repressivo dos governos militares foram distinguidos pelo Exército Brasileiro. As autoras abordam analítica e reflexivamente os critérios e significados envolvidos na atribuição dessa comenda, afinal, a Medalha do Pacificador foi distribuída condecorando diversos indivíduos que participaram diretamente da violência política que caracterizou a ditadura militar brasileira. Uma pesquisa minuciosa, com amplo cruzamento de informações, fornece as bases para as conclusões das autoras, permitindo, inclusive, estabelecer a expressão numérica e a relevância dessa condecoração entre os agentes diretos da repressão, bem como o perfil dos militares envolvidos.

Janaina de Almeida Teles no artigo Os segredos e os mitos sobre a guerrilha do Araguaia (1972 – 1974) nos situa em um novo universo para pensar o impacto da atuação dos guerrilheiros, seja em meio às populações rurais do sudeste do Pará, seja no confronto com os soldados que integravam as forças de combate. As representações simbólicas que foram mobilizadas para explicar e dar sentido à presença e permanência dos guerrilheiros na região são o foco de atenção da autora. A partir de entrevistas com guerrilheiros e camponeses da região do Araguaia, ela conseguiu recompor os mitos envolvendo os guerrilheiros, dando destaque a dois deles neste artigo, os quais foram cuidadosamente examinados e cotejados em sua articulação com os mitos amazônicos. O universo simbólico delineado pelas entrevistas e explorado à luz da mitologia amazônica permite que tenhamos a percepção dos sentimentos que mesclavam as relações entre a população local e os guerrilheiros. Em contraponto, Teles discute as representações inauguradas pelos programas e novelas produzidos no âmbito das redes de TV, explorando a compreensão que a chave midiática construiu e divulgou a respeito dos guerrilheiros.

O artigo Intelectuais, literatura e imprensa no pós-golpe, de autoria de Rodrigo Czajka, traz uma reflexão sobre os espaços editoriais existentes no quadro da ditadura e que estavam envolvidos no campo da resistência e do engajamento político. Discute a difusão do vocabulário e do ideário de esquerda no contexto de constituição de um mercado consumidor de cultura, em um momento significativo de reflexão e gestação de debates sobre a realidade nacional. Aborda aspectos e questões presentes na formação desse debate público sobre os rumos da vida nacional, bem como sobre o papel e a inserção da intelectualidade e sua produção cultural no novo contexto repressivo. Destaca especialmente as discussões veiculadas nas páginas da Revista Civilização Brasileira, tematizando e explorando, entre outras questões, o embate entre Paulo Francis e Ferreira Gullar e o seu significado para a compreensão dos conflitos intelectuais existentes entre as formações culturais de esquerda.

Os oficiais brasileiros da reserva e a defesa da memória institucional do “31 de março de 1964” é o título do artigo apresentado por Fernando da Silva Rodrigues e Claudio Beserra de Vasconcelos como contribuição para este dossiê. Os autores problematizam importante questão ao tratar da construção e preservação da memória oficial a respeito do golpe militar e da instalação da ditadura, enfocando especialmente os agentes e as iniciativas que, mesmo no contexto da redemocratização, ainda se esforçam para a (re)construção desta memória, tanto dos acontecimentos que consideram implicados no golpe de 1964, como de todo o período ditatorial, até 1985. Detalhada análise dos informativos do Centro de Comunicação Social do Exército é apresentada e subsidia a análise da batalha das memórias implementada desde 1964. Os autores abordam o papel dos Clubes Militares na manutenção dessa memória institucional, bem como a sua difusão e recepção nos modernos meios de comunicação. Enfocam ainda a atualidade e abrangência desse debate político, cujo alcance e relevância pode ser dimensionado pela institucionalização e funcionamento da Comissão Nacional da Verdade.

Por fim, o artigo Intelectuais conservadores, sociabilidade e práticas da imortalidade: a Academia Brasileira de Letras durante da ditadura militar (1964 – 1979) de Diogo Cunha discute o papel da Academia Brasileira de Letras a partir da análise de três práticas características do funcionamento desta instituição, que são as cerimônias de posse, as visitas que os “imortais” recebiam e as homenagens que permitiram abordar a maneira como uma memória oficial era construída no interior da instituição. Especial destaque foi dado às candidaturas e disputas envolvendo algumas eleições, bem como ao ritual de posse dos novos membros, sendo duas cerimônias de posse selecionadas para análise detalhada, pois reveladoras dos vínculos e aproximações com os governos militares. Os interesses e a forma de atuação dos presidentes da Academia Brasileira de Letras também são examinados e mereceram a atenção do autor. As visitas destacadas permitem compreender a dinâmica das relações e a sociabilidade no cotidiano da ABL, que permanecia um lugar de consagração intelectual e sociabilidade política entre as elites conservadoras.

Marluza Marques Harres

Rodrigo Patto Sá Motta


HARRES, Marluza Marques; MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.18, n.3., setembro / dezembro, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Brasil e Alemanha pós-1945: perspectivas transnacionais / História Unisinos / 2013

As contribuições deste dossiê procuram abordar aspectos das relações entre a história da Alemanha e a do Brasil e interações entre seus diferentes sujeitos sociais num contexto global. O foco é o período do pós Segunda Guerra Mundial, em especial o imediato pós-guerra, sobre o qual ainda há poucas investigações no campo da História. A pouca bibliografia existente se dedica sobretudo à área da economia e das relações diplomáticas.

A proposta do dossiê, entretanto, não seria exatamente a de preencher uma “lacuna” no campo da história das relações entre ambos os países, mas a de apresentar objetos e problemáticas de pesquisa desenvolvidos a partir de uma perspectiva que transcenda os limites de uma ou outra história nacional. Os processos, trocas, interações, experiências individuais, grupais e institucionais e a constituição de imaginários problematizados nos diversos artigos que compõem este dossiê procuram desenvolver uma abordagem transnacional ou mesmo surgiram como problemáticas ou temáticas de pesquisa a partir dessa preocupação.

Esta “história para além do Estado Nação”, como o historiador alemão Jürgen Osterhammel define a história transnacional, por um lado coloca em questão a naturalidade da categoria Nação e, por outro, procura lançar novas perguntas e novos campos de pesquisa para o historiador (Osterhammel, 2001). Entre as preocupações desta abordagem estão a investigação das redes, da circulação de ideias e das transferências de saberes, dos entrelaçamentos e das influências recíprocas e da constituição de espaços sociais transnacionais (Osterhammel in Pernau, 2011; Wirz, 2001). A globalização impôs também à historiografia o desafio da internacionalização e da competência intercultural. O projeto de uma história transnacional parte da necessidade expressa de desprovincializar o pensar histórico e de apreender as relações e influências recíprocas entre diferentes Estados, regiões, grupos, indivíduos (Wirz, 2001). Vista a partir da Europa, a história transnacional traduz esforços em lançar olhares por sobre suas fronteiras, sem recair em antinomias, eurocentrismos e outras hierarquizações.

Se olharmos a história do Brasil, ela nunca foi escrita como uma unidade totalmente isolada. No que se refere às relações entre os diferentes sujeitos sociais do Brasil e Alemanha no imediato pós-guerra, entretanto, ele permanece um campo aberto ao exercício de investigações naquela perspectiva. Neste dossiê são trazidos resultados de algumas investigações realizadas recentemente no Brasil e na Alemanha e apresentadas possibilidades de pesquisa nessa direção.

Nos artigos são trazidos à luz não apenas os Estados Nacionais e suas instituições governamentais, mas também outros sujeitos históricos, suas redes e articulações. Esta abordagem se reforça no caso deste dossiê, considerando que a maioria dos artigos se dedica ao imediato pós-guerra, quando o Estado alemão deixou de existir com a ocupação dos Aliados, vindo a se reconstituir somente em 1949, dividido em duas repúblicas alemãs. Emergem nos artigos aqui reunidos temas como a importância de estruturas, redes e atores transnacionais para o recomeço das relações internacionais entre a República Federal Alemã e a América Latina, a ajuda humanitária do Brasil à Alemanha em ruínas e o intuito de repatriação de cidadãos brasileiros que se encontravam na Alemanha e a necessária articulação das elites teuto-brasileiras com o governo brasileiro, as interações entre as forças armadas do Brasil e das potências Aliadas na Alemanha ocupada, as trajetórias transnacionais de indivíduos que constituíram identidades nas interações e experiências em ambos os países, a constituição de imaginários políticos que associaram localidades do Sul do Brasil à suposta ascensão de um IV Reich.

Todos os artigos, escritos por historiadores brasileiros e um alemão, se baseiam em fontes documentais e bibliográficas que apontam temas e fenômenos supranacionais.

O artigo que abre o dossiê, de Stefan Rinke, “O continente ainda inexplorado”: a República Federal Alemã no governo Adenauer e a América Latina em contexto global, inicia com uma breve visão panorâmica sobre as relações entre Alemanha e América Latina no período da Guerra Fria, lançando algumas questões e possibilidades de pesquisa em relação às relações entre aquele país e o Brasil. O artigo sustenta a tese de que atores transnacionais e suas redes foram cruciais para o reestabelecimento das relações com a América Latina após 1945, no período do governo de Konrad Adenauer na Alemanha Ocidental, até 1963. O autor trata das percepções e expectativas do lado alemão no final da Segunda Guerra Mundial, as quais são a base para as relações propriamente ditas, discutidas à luz de fontes alemãs e no contexto das conexões e do comércio global.

Méri Frotscher, no artigo intitulado De “alemães no exterior” a brasileiros? A repatriação de cidadãos brasileiros da Alemanha ocupada (1946-1949), foca sua atenção no processo de repatriação de cidadãos brasileiros, a maioria com laços binacionais, que se encontravam na Alemanha logo após a II Guerra Mundial por intermédio da Missão Militar Brasileira, a qual passou a representar os interesses do governo brasileiro naquele país. Com base em fontes brasileiras, norte-americanas e alemãs (estas últimas referentes ao período nacional-socialista), a autora discute os propósitos, problemas, polêmicas e contradições do esquema de repatriação levado a cabo pelo governo brasileiro, em colaboração com as forças de ocupação na Alemanha. A autora discute o tema numa perspectiva transnacional, considerando não apenas os interesses do governo brasileiro e do Conselho de Controle Aliado, o contexto de “desnazificação” da Alemanha e as crescentes tensões entre as potências de ocupação ocidentais e a URSS, mas também as próprias estratégias e o realce da nacionalidade brasileira por parte dos binacionais que desejavam retornar ao Brasil, assim como a intercessão dos familiares e das elites políticas no Brasil.

Os dois artigos seguintes partem do particular para o geral, da experiência e da escrita do indivíduo para problemáticas mais amplas e que envolveram relações entre sujeitos no Brasil e na Alemanha. O artigo de Evandro Fernandes, Organização e articulação do Comitê de Socorro à Europa Faminta – SEF (1946-1949), baseado em fontes primárias produzidas pelo comitê, cartas e diário do seu secretário, Pe. Rambo, trata do papel dessa organização na ajuda humanitária à Alemanha e de suas articulações no contexto brasileiro e internacional. O autor visualiza os grupos sociais que tomaram parte nas arrecadações, as estratégias de articulação das elites do grupo étnico alemão no Brasil junto aos círculos do poder brasileiros – entre elas a própria decisão de não nomear o Comitê de Socorro à Alemanha, diante dos ressentimentos existentes no Brasil e no mundo em relação à guerra – e a função social e ideológica do comitê para a comunidade étnica alemã no Brasil.

No artigo seguinte, Notícias tristes dos velhos amigos: a Alemanha pós-Segunda Guerra na correspondência de Henrique da Rocha Lima (1945-1950), André Cândido da Silva aborda diálogos transnacionais presentes na correspondência do microbiologista e patologista brasileiro com amigos e conhecidos alemães depois da Segunda Guerra Mundial. Por conta de sua trajetória transnacional, Rocha Lima foi um “tradutor” das culturas brasileira e alemã, atuando em favor do intercâmbio intelectual germano-brasileiro. A partir de sua escrita epistolar e de seus correspondentes, o autor analisa as percepções nela contidas sobre o colapso alemão e o dramático cotidiano do pós-guerra na Alemanha, sobre os dilemas e contradições do governo de ocupação e, também, sobre as tensões que desembocaram na Guerra Fria.

A Segunda Guerra e sobretudo os acontecimentos decorrentes do nazismo encontraram um chão fértil para a propagação de histórias sobre a existência de uma conspiração nazista em terras sul-americanas. No último artigo do dossiê, intitulado O imaginário da formação do IV Reich na América Latina: o agente Erich Erdstein no Brasil, o autor Marcos Meinerz, analisa discursos presentes em obras literárias e reportagens de jornais e revistas sobre duas cidades no Sul do Brasil, Marechal Cândido Rondon (PR) e Rio do Sul (SC), acusadas pelo “agente” da DOPS de Curitiba Erich Erdstein, de abrigar os criminosos de guerra nazista Josef Mengele e Martin Bormann. Estes discursos são entendidos como parte de um imaginário político conspiratório formado após a Segunda Guerra Mundial que veiculava a ideia de que o IV Reich estaria se erguendo em algum lugar do mundo, principalmente na América Latina. O autor assim demonstra como o imaginário do “perigo alemão”, já existente em outros momentos no Brasil, toma outra forma nos anos 1960 e 1970, quando é associado a denúncias da formação de um IV Reich.

Referências

OSTERHAMMEL, J. 2001. Geschichtswissenschaft jenseits des Nationalstaats: Studien zu Beziehungsgeschichte und Zivilisationsvergleich. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 384 p.

PERNAU, M. 2011. Transnationale Geschichte. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 192 p.

WIRZ, A. 2001. Für eine transnationale Geschichte. Geschichte und Gesellschaft, 27:489-498.

Méri Frotscher – Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Stefan Rinke – Universidade Livre de Berlim


FROTSCHER, Méri; RINKE, Stefan. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.17, n.2., maio / agosto, 2013. Acessar publicação original

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Poder y organización institucional de espacios regionales en las construcciones estatales latinoamericanas / História Unisinos / 2013

Poder – Organización Institucional de Espacios regionales en las construcciones estatales latinoamericanas / História Unisinos / 2013

El objetivo de este dossier es debatir sobre el peso del espacio regional en la construcción de la nación en la historia contemporánea. La participación de los inmigrantes extranjeros y de la población indígena autóctona nos permite abordar la transformación de la “nacionalización” de los países latinoamericanos a partir del proceso independentista del siglo XIX.

Los ejes fundamentales de análisis son la organización asociativa para incluir nuevos grupos a la nacionalidad en construcción; los proyectos estatales que procuraron garantizar la civilización de regiones diversas; el uso de ámbitos educativos o publicitarios a la hora de divulgar los proyectos centralizadores; las redes sociales y de sociabilidad que avalaron la difusión de las ideas nacionalistas a través del arte y la cultura; y la presión ejercida desde el ámbito religioso en la búsqueda de defi niciones territoriales de carácter nacional, en particular en zonas de frontera, siendo el centro de esa discusión la articulación de las relaciones con las diversas autoridades e instituciones gestadas al calor de la construcción de las naciones latinoamericanas.

Sobre esta base, el artículo de Gabriela DallaCorte Caballero, titulado La Misión Franciscana de Laishí: el proyecto del ingeniero José Elías Niklison (1910-1920), aborda el debate sobre el rol de la misión franciscana en la zona fronteriza entre Paraguay y Argentina, una región de gran importancia para el estudio de la integración indígena del espacio chaqueño. Como señala la autora, la Misión de Laishí fue implantada a inicios del siglo XX en el Territorio Nacional de Formosa gracias a la actuación de los misioneros franciscanos de la Diócesis de Santa Fe. El objetivo era “nacionalizar” a los indígenas de la zona formoseña, en particular los aborígenes tobas, con la intención de asegurar su supervivencia. El responsable de la Misión de Laishí durante los años analizados fue el misionero fray Buenaventura Giuliani, convertido en Prefecto de Misiones. A su cargo quedó la cooperación de uno de los intelectuales más destacados de la década de 1910, el ingeniero José Elías Niklison, que en 1914 fue enviado por el gobierno argentino a inspeccionar a zona chaqueña y regular las condiciones laborales de los indígenas de la zona. Fray Giuliani recibió al inspector, que era miembro del Departamento Nacional del Trabajo, y en el año 1917 lo invitó al seno del Convento San Carlos Borromeo de San Lorenzo para publicitar sus conclusiones sobre las posibilidades de “nacionalizar” a los tobas, conservando su condición de indígenas.

La construcción de la Nación demandó movilizar el imaginario social, que tuvo en las conmemoraciones patrias sus puntos más álgidos, forjándose en ella un sentimiento común, la mayoría de las veces solapando otro tipo de identidades. Así, en Nacionalizando memorias periféricas: conmemoraciones y nacionalismo chileno en las regiones de Antofagasta y Tarapacá, 1879-1910, Gabriel Cid analiza ese proceso en esas dos regiones del país trasandino, incorporadas por la Guerra del Pacífi co, enfatizando el período que va de 1879, con el inicio de la Guerra, y 1910, centenario de la Independencia chilena. Por ello, debían pasar de forma urgente por un acelerado proceso de integración identitária, sumamente rico en simbologías y signifi cados, en particular, referentes al territorio, discusión que hoy se resignifi ca ya que el mismo se tuvo como base una intensa labor para hacer desaparecer lo que no se encuadraba con el objetivo pretendido.

A su turno, Ronen y Julieta Man, en su artículo Proyecciones sobre el habitante “deseable”. Colonos, inmigrantes y comunidades nativas en áreas de la “frontera interior” cuestionan el proceso de “suplantación interétnica” que se produjo en la Norpatagonia Argentina durante el último cuarto del siglo XIX, con la construcción de la imagen “vacío desértico”, geográfi co y humano, que produjo la invisibilización de los pueblos originarios, substituidos por las fi guras de los colonos y pioneros. En manos de la elite dirigente, éstos fueron elevados a agentes de la “modernidad” y símbolos de la “civilización”, gérmenes de una nueva sociedad y un nuevo Estado nacional, que los tuvo como sus valores, en detrimento de las culturas de diversas etnias, que durante más de una centena de años no solo han sido postergadas sino que también estigmatizadas por ese discurso dominante. Cielo Zaidenwerg, por su parte, titula su trabajo Un proyecto ‘argentinizador’. Educación y efemérides en la región patagónica y rionegrina (1908-1930). Según la autora, el proceso de consolidación del Estado nacional argentino tuvo lugar entre fi nales del siglo XIX y principios del siglo XX. En función de este principio seprocedió a la construcción de la nacionalidad, por lo que el Estado se abocó a la tarea de defi nir e implementar de tal tipo de identidad. El hecho de mantener vivo el espíritu patriota condicionó la conformación de los Territorios Nacionales argentinos con dependencia respecto del gobierno nacional. La autora califi ca de “estrategia argentinizadora” el impulso llevado adelante también por las localidades afectadas e incluidas en dichos territorios. En su caso, a diferencia del estudio dedicado a los indígenas tobas del Territorio Nacional de Formosa, Zaidenwerg aborda la población heterogénea, destacada por su aislamiento y lejanía. En relación a los inmigrantes europeos establecidos en estos nuevos espacios en proceso de nacionalización, fue indispensable arraigar en estas regiones el amor al suelo y la adscripción a la nación”. La autora resalta las prácticas simbólicas implementadas en el ámbito de la educación formal y de las efemérides patrias en la región patagónica, en concreto en la gobernación rionegrina, durante las primeras décadas del siglo XX.

Sandra Fernández titula su trabajo Sociabilidad, arte y cultura. Una experiencia en la Argentina de entreguerras, en el cual procura analizar el papel de los sectores dominantes de la ciudad de Rosario a partir de 1910. En particular analiza el proyecto de dicha élite para consolidar sus esferas de interés al desarrollar diversas estrategias tendientes para fortalecer el perfil cultural, intelectual y educativo ciudadano. La articulación del espacio público con el privado es la base de la propuesta a partir de la distinción entre cultura y civilidad en las décadas de 1920 a 1940. Precisamente, el periodo de entreguerras sirvió para establecer diferentes formas de acción, todas ellas instancias que vincularon expresiones asociativas con instituciones estatales y su impacto sobre la sociedad argentina.

Los artículos de este dossier se centran en los ámbitos regionales de América Latina a partir de la refl exión sobre la organización institucional y la expansión del poder en el marco de la construcción de los Estados Nacionales. Los trabajos brindan mayor información sobre espacios concretos que, en ocasiones, difieren de las conclusiones historiográfi cas sobre un ámbito generalizado y por tanto resultan un aporte importante para la discusión de una revista como História Unisinos, que se ha destacado por dar espacio a discusiones que tienen nuestra América Latina como temática central. Esperamos haber contribuido en este sentido, agradecemos la dedicación de autores y editores, a la vez que deseamos una buena lectura a todos.

Gabriela Dalla-Corte Caballero – Universitat de Barcelona

Hernán Ramírez – Universidade do Vale do Rio dos Sinos


CABALLERO, Gabriela Dalla-Corte; RAMÍREZ, Hernán. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.17, n.3., setembro / dezembro, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Militares, milicianos e policiais: instituições, representações e práticas / História Unisinos / 2012

O dossiê Militares, milicianos e policiais: instituições, representações e práticas reúne trabalhos cujo objeto são instituições militares e policiais no Brasil dos séculos XIX e início do XX, ou seus agentes, milicianos, guardas nacionais, praças da força policial e policiais da força pública. Em ambos os casos, tratam-se de textos que muito se distanciam das antigas histórias institucionais autocentradas e, nesse sentido, os seis artigos aqui reunidos podem ser vistos como amostra das pesquisas recentes sobre história militar e história da polícia feitas no Brasil, dois campos de estudo que vêm ganhando relevo nas últimas décadas, com o crescimento do número de publicações, dissertações e teses produzidas.

Embasada em sólidas pesquisas empíricas, a historiografia recente tem demonstrado outras faces dessas instituições que não as repressoras ou de “controle social”. Como é sabido, defini-las como tal não ajuda a explicá-las, pois a própria noção de “controle social” ao se expandir perdeu muito de seu poder explicativo. Nessas duas áreas de pesquisa, quando afastamos o foco dos projetos e discursos oficiais e nos aproximamos mais das práticas dos agentes, as instituições militares e policiais aparecem bem menos homogêneas do que nos acostumamos a acreditar que seriam. Vistas por meio dos indivíduos que as moldam nas suas relações de poder local, práticas e interações cotidianas, tais instituições disciplinares mostram suas dificuldades em se fazerem disciplinadoras para o público interno e externo. Nesse sentido, torna-se cada vez mais relevante o estudo de como essas instituições funcionavam localmente e como seus membros se relacionavam com outros grupos sociais. Estudos locais baseados em sólida pesquisa empírica e no diálogo com a historiografia permitem a análise comparativa do funcionamento de instituições nacionais em diferentes regiões, no caso das instituições militares imperiais, ou de instituições policiais provinciais e estaduais com objetivos semelhantes, mas organizações distintas dentro do território nacional.

Em que pese o crescimento da produção, da qual os autores reunidos neste dossiê constituem alguns dos principais representantes, a história da polícia, ou das polícias, no Brasil ainda tem muito campo a ser desbravado. A descoberta da riqueza da documentação policial para o estudo das condições de vida e da cultura populares desde os anos 1980, na esteira do deslumbramento com outros documentos da Justiça criminal, principalmente os processos crime, não implicou no aprofundamento do estudo da instituição que produzia essa documentação. Deste modo, embora as pesquisas venham se avolumando e se consolidando, ainda existem muitas lacunas a preencher em termos de estudos acadêmicos sobre a história do policiamento no Brasil, o que é grave se considerarmos que, ao menos nas décadas iniciais da República, era a polícia a face mais visível do Estado no contato com a população. Daí a relevância de artigos como os que tomam polícia e policiais por objeto nesta revista.

No Brasil a história militar, além de enfrentar os mesmos preconceitos que em outros países, também contou com a repulsa de muitos historiadores por lembrar nosso passado recente de ditadura militar. Contudo, a documentação existente sobre as forças armadas e a polícia é muito rica pra ser ignorada ou ser analisada somente através do viés do controle e da repressão. Conhecer melhor essas instituições e, principalmente, as pessoas que as compuseram é o principal objetivos dos artigos que aqui serão apresentados.

Este dossiê se inicia com o artigo de Luiz Guilherme Scaldaferi Moreira, que faz uma análise da bibliografia dedicada à história militar, do clássico Clausewitz a mais recente produção francesa e a anglo-saxônica, destacando as obras de André Corvisier e John Keegan. O autor discorre sobre as críticas da Escola dos Anais à história militar, pejorativamente chamada de “história batalha” que, justamente para fugir desse estereótipo, se chamou “nova história militar”, mais voltada à história social e cultural, que à descrição das batalhas ou a análise da estratégia. Moreira também ressalta que os estudos ligados à Nova História militar por vezes se aproximam bastante da antropologia e da sociologia e, frequentemente, estão relacionados à proclamada volta da narrativa.

Já o texto de Fernanda Claudia Pandolfi, intitulado “Política, imprensa e a participação dos militares na abdicação”, nas suas palavras, “pretende, especificamente, analisar como e por que os militares se uniram aos grupos liberais em oposição ao governo de D. Pedro I, focalizando nos acontecimentos que imediatamente precederam a abdicação. Sua tese principal será a de que a aliança entre militares e grupos liberais em 1831 somente foi possível devido à expansão do ‘espaço público’ na cidade no Rio de Janeiro, processo este em que a imprensa teve um papel fundamental, ao se transformar em lócus privilegiado das disputas políticas”.

O artigo de Luís Augusto Farinatti trata, principalmente, da relação de compadrio existente na estrutura das milícias nos inícios do século XIX na localidade de Alegrete, no Rio Grande do Sul. Na análise do autor, os oficiais milicianos eram verdadeiros “campeões de batismo”, qualificação que demonstra o quanto eram reconhecidos como protetores pela sociedade local. De fato, o poder dos oficiais de milícias era muito grande, pois: “Eles tinham a possibilidade de proteger aliados e escolher desafetos para onerar com as necessidades da guerra”.

O texto de Miquéias Henrique Mugge analisa a busca da inserção social de elementos que queriam se destacar dentre os imigrantes alemães em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. O autor apresenta dados que mostram uma realidade local muito particular, quando comparada a outros estudos locais. Em São Leopoldo, a maioria dos oficiais de milícia ocupava-se de profissões urbanas e tal como o apontado por Farinatti no seu estudo de caso sobre a história de Alegrete, também ali eram importantes as relações de compadrio que ligavam os oficiais aos seus clientes.

No texto “[…] que de polícia só tem o título, constando apenas de pobres crianças” Caiuá Al-Alam trata sobre a reorganização da polícia provincial no Rio Grande do Sul após a Guerra do Paraguai. A partir da análise de documentação variada, desde relatórios de Presidentes de Província e correspondências entre autoridades policiais até processos criminais nos quais policiais estiveram envolvidos, o autor mostra as dificuldades dos governantes em obter recursos humanos e materiais para o policiamento, bem como em impor disciplina aos policiais. Além disso, naquele contexto, os ex-combatentes do Paraguai haviam se tornado um problema administrativo e criminal para as autoridades, na medida em que capitalizavam sua experiência de participação na guerra como justificativa para a deslegitimação e desobediência à autoridade dos policiais.

Os artigos de André Rosemberg e Luís Antonio Francisco de Souza estudam a Força Pública do Estado de São Paulo nos primórdios da República.

Rosemberg analisa a organização da polícia paulista entre 1889 e 1894 e os desafios que se colocavam à instituição e seus agentes num contexto política e socialmente conflituoso onde, conforme o autor, convivia-se com temporalidades diversas: às expectativas republicanas estavam imbricadas permanências de uma herança escravista ainda plenamente arraigada nas relações sociais. Centrado no protagonismo dos policiais como produtores do policiamento, o que constitui uma das marcas da historiografia mais atual sobre polícia, o artigo mostra a importância do caráter militar assumido pela Força Pública do Estado de São Paulo nos anos iniciais da República e as permanências na instituição de práticas características do regime anterior, apesar dos discursos modernizantes republicanos.

O texto de Souza analisa um período posterior ao estudado por Rosemberg, quando o militarismo acabou por se converter em ideologia da Força Pública de São Paulo, ou pelo menos de seus superiores, a partir da contratação da Missão Francesa em 1906 para prestação de treinamento militar e disciplina para os policiais paulistas. A documentação interna da Força Pública mostra as vicissitudes e contradições da disciplina militar: ela não conseguia conter a indisciplina e as irregularidades na base da corporação – como a análise das práticas policiais cotidianas revela – mas, por outro lado, criou um espírito de corpo que dificultava a punição da violência cometida por seus soldados fora dos marcos da instituição e contra as pessoas comuns. Tais atos eram reprimidos com medidas administrativas, de forma que, dentro dessa lógica, deserções eram faltas mais graves do que violências contra a população.

O dossiê conta também com a resenha do livro “Homens e Armas. Recrutamento Militar no Brasil Século XIX”, produzida por Vítor Izecksohn; e na seção Notas de pesquisa com o texto “Contando policiais: os registros de pessoal como fonte”, de Cláudia Mauch.

Para finalizar, agradecemos aos editores da História Unisinos a oportunidade que nos foi proporcionada de organizar este dossiê, e aos pareceristas pelas suas contribuições. Acreditamos que a reunião de artigos sobre história militar e história da polícia possa contribuir para a aproximação e o diálogo entre esses dois campos de pesquisa em processo de consolidação no Brasil.

Cláudia Mauch

Paulo César Possamai

Organizadores do Dossiê


MAUCH, Cláudia; POSSAMAI, Paulo César. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.16, n.3., setembro / dezembro, 2012. Acessar publicação original [DR]

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O Chile de Allende e Pinochet: memória e historiografia / História Unisinos / 2012

11 de setembro de 1973, fim do governo da Unidade Popular liderado por Salvador Allende. A via chilena para o socialismo encontrava com a sua derrota.

11 de setembro de 1973, início da ditadura liderada por Augusto Pinochet que duraria 17 anos e deixaria o saldo de quase quatro mil mortos e desaparecidos.

11 de setembro de 1973, data símbolo dos golpes que marcaram o Cone Sul da América Latina nos anos 1960 e 1970.

Mais do que uma data chilena, o 11 de setembro acabou se transformando em uma data latino-americana que reflete o cenário de ditaduras e violência política da segunda metade do século XX na região. Amplamente documentado, o ataque ao La Moneda pode ser visto em imagens, assim como podemos ouvir o último discurso de Salvador Allende e a gravação feita de forma clandestina dos postos de comando à sede do poder Executivo (Verdugo, 1998). As imagens correram o mundo e hoje, disponíveis na internet, seguem a impressionar, a emocionar.

Visto como um país onde “não se passa nada” em função da sua estabilidade política, especialmente se comparado aos países vizinhos, o Chile possuía certo grau de amadurecimento político que levou o ainda candidato Salvador Allende a afirmar na I Conferência da Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), realizada em Cuba entre os dias 31 de julho e 10 de agosto de 1967, que no seu país a luta armada não seria necessária, pois a via institucional era possível e vitoriosa.

De fato, a eleição da coligação partidária Unidade Popular1 em 1970 demonstrou que a avaliação de Allende não estava completamente equivocada. Contudo, ao longo dos mil dias de governo, a Unidade Popular enfrentou uma crescente oposição nacional (de setores da classe média, representados fortemente por movimentos como o gremialismo, de parte das Forças Armadas e da Igreja Católica) e internacional (com destaque para o Brasil e Estados Unidos). Ao mesmo tempo, setores de apoio ao programa de governo começaram a pressionar pelo avanço e rapidez das mudanças.

As primeiras análises sobre o golpe foram feitas não apenas por pesquisadores, mas também por protagonistas do período. Dentre elas podemos destacar os trabalhos de Valenzuela, Garretón, Moulian e Corvalán.2 Com visões de amplo espectro, sem analisar muitas vezes as disputas internas, esses autores privilegiaram as explicações essencialmente políticas num país supostamente dividido entre favoráveis e opositores ao programa da Unidade Popular, não discutindo as disputas internas e / ou o comportamento pendular de grande parte da sociedade, que ora apoiava o governo e ora partia para o enfrentamento.

Outra explicação para a queda da Unidade Popular foi a forte atuação dos Estados Unidos no golpe de 11 de setembro e o apoio à ditadura recém instalada. Essa visão ficou bastante clara não apenas nos trabalhos acadêmicos ou jornalísticos, com destaque para o livro de Patrícia Verdugo (2003), e em filmes como Missing, de Costa-Gravas. O filme, de 1982, conta a história do assassinato do estadunidense Charles Horman e a procura de explicações para o seu desaparecimento, realizada por seu pai em viagem ao Chile.

Muitas das informações sobre os Estados Unidos fazem parte do Relatório Church, ou “Ações encobertas no Chile 1963-1973”, trabalho redigido pela comissão instalada no Senado dos EUA no ano de 1975 para apurar as ações clandestinas do país. A CIA, principal representante do governo nessas ações, reunia dados, repassava informações, estabelecia conexões com a polícia local, etc. A agência norte-americana investiu ao longo de 10 anos cerca de U$ 14 milhões. O dinheiro foi usado de distintas maneiras, ou seja, desde o investimento em campanhas políticas dos adversários de Allende, passando por propagandas, investimento nos meios de comunicação até pesquisas de opinião, culminando com o financiamento de tentativas de golpe anteriores ao próprio 11 de Setembro.

O golpe no Chile acabou por contribuir para a divulgação das ditaduras do Cone Sul aos olhos do mundo. Convém lembrar que em 1973 já estavam sob governos autoritários, marcados por graves violações dos direitos humanos, Brasil, Paraguai e Uruguai, sendo que nesse último a ditadura havia começado em junho de 1973. No entanto, a busca por asilo em embaixadas (Rollemberg, 1999) e a chegada de uma grande quantidade de exilados em países da Europa, fora as próprias imagens do golpe e a notícia do suicídio de um presidente legitimamente eleito, chocaram o mundo. Com os olhos sobre o país, a ONU também foi pressionada para apurar as graves denúncias de atentados aos direitos humanos (Quadrat, 2008, p. 361-395).

Se a queda da Unidade Popular não apresenta consenso na historiografia, a ditadura também serviu de debates. Para Huneeus, o governo ditatorial chileno possuía três identidades (Huneeus, 2000). A primeira é a identidade econômica neoliberal através do fortalecimento dos Chicago Boys e a intensa campanha de privatização das empresas públicas. A segunda é a identidade coercitiva, pela qual Augusto Pinochet, apesar de contar com o apoio de uma parcela significativa da sociedade, usou da violência para calar a oposição. Por fim, a terceira identidade tem a ver com a própria figura do general. Imbuído de um discurso messiânico de que veio salvar a nação dos males do comunismo.

Embora estejamos falando de debates acadêmicos e jornalísticos, devemos observar que, a exemplo de outros países, como a Argentina, o conhecimento histórico demorou a se ocupar da trajetória recente do país, que durante alguns anos ficou sob os cuidados da antropologia, sociologia, ciência política, linguística etc.

Contudo, em 1999, foi publicado o Manifiesto de historiadores (Grez e Salazar, 1999). Trata-se da resposta de reconhecidos historiadores à Carta a los chilenos, redigida pelo ex-ditador enquanto se encontrava detido em Londres. O documento suscitou um intenso debate no Chile, inclusive com a participação do historiador oficial da ditadura, Gonzalo Vial Correa. Foi a primeira vez que profissionais do ofício da História se integraram de maneira intensa aos debates sobre o passado recente do país.

O dossiê que organizamos para este número da História Unisinos conta com oito contribuições, advindas de diferentes lugares institucionais, e que trazem distintas perspectivas de abordagem da temática proposta pela editoria da revista.

O conjunto dos textos que compreendem este volume não está marcado, auspiciosamente, pela unidade de perspectiva, seja ela teórica, metodológica ou historiográfica. Os autores que submeteram seus manuscritos à revista, notadamente os que foram acolhidos pela presente publicação, repercutem, na variedade de posições aqui representada, a diversidade que a historiografia dedicada aos temas da ditadura na América Latina expressa.

Neste sentido, chama a atenção, por exemplo, a presença da temática do anticomunismo nos dois primeiros artigos que abrem o dossiê. O primeiro deles, de Ernesto Bohoslavsky, destaca os vários âmbitos aos quais pode ser associado o anticomunismo, ao mesmo tempo em que refuta o uso do rótulo “direita” sem a pluralização do substantivo. Para o autor, “[…] el anticomunismo debe ser entendido como una fuerza política central del siglo XX en Chile”. E afirma ainda: “Pero junto con reconocer su peso en la política de Chile entre 1919 y 1989, también hay que hacer notar su grande heterogeneidad y su notable dinamismo a lo largo del tiempo”. Já o texto de Ricardo Souza Mendes, em uma perspectiva temporal de mais curta duração, procura reconhecer no livro de Augusto Pinochet Ensayo sobre un estúdio preliminar de una geopolítica en el año de 1965 a presença de considerações políticas formuladas pelo militar e que, ao mesmo tempo, dizem da compreensão que o general tinha da própria sociedade chilena na década de 1960.

Na sequência, o texto de Claudio Llanos expõe algumas das concepções e ações políticas de grupos populares durante o governo de Salvador Allende. Abarcando o período entre 1970 e 1972, o autor chama a atenção para processos de radicalização dos referidos setores que mostraram uma dinâmica independente da estratégia de organização levada a efeito pelo governo da Unidade Popular.

Já o artigo de Ivan Lima Gomes centra sua análise na dimensão cultural do governo da Unidade Popular, por meio da análise da curta atuação da Editora Quimantú e, especificamente, da revista Cabrochico nos anos de 1971 e 1972. Na construção do “novo homem” que o projeto socialista chileno demandava, a luta no campo do imaginário social se fazia perceber, também, na produção de histórias em quadrinhos conformadas ao novo contexto ideológico que se fazia hegemônico, não obstante as diferentes forças que integravam o “caldeirão político” vinculado ao governo.

O texto de Camilo Negri, por sua vez, analisa as dificuldades de implementação da “via chilena ao socialismo”, por meio do exame do impacto de três propostas econômicas: nacionalização do cobre, reforma agrária e socialização de propriedades privadas. Para este intento, o autor se vale de entrevistas realizadas com sete ex-ministros do governo de Salvador Allende, recentemente feitas, bem como do Programa de Governo da Unidade Popular.

Centrando-se nos acontecimentos que antecederam o golpe militar de setembro de 1973, Carlos Federico Dominguez Avila estabelece um diálogo com a historiografia que tem se dedicado à questão, fazendo uso, ao mesmo tempo, de documentação do Arquivo Histórico do Ministério das Relações Exteriores, sediado em Brasília. A partir da leitura das referidas fontes, é possível ter acesso à recepção da crise político-social chilena por meio da avaliação produzida pela embaixada brasileira em Santiago, a qual era, na ocasião (Governo de Emílio Médici), comandada por Antônio Câmara Canto.

Para concluir o dossiê, integram o presente volume dois artigos cuja fonte principal de pesquisa são relatos de memória de personagens estrangeiros que viveram em algum momento de suas trajetórias no Chile. O texto de Claudia Wasserman reconstitui o percurso de quatro intelectuais – um alemão e três brasileiros – que estiveram no Chile e que “tiveram experiência acadêmica, de pesquisa e militância política no país governado pela Unidade Popular”. A autora faz uso de relatos autobiográficos (entre os quais, memoriais acadêmicos), currículos e produção intelectual de André Gunder Frank, Vânia Bambirra, Ruy Mauro Marini e Theotônio dos Santos, a fim de recompor a experiência chilena dos referidos intelectuais na conjuntura anterior à ascensão de Allende ao poder e durante o seu governo. Para Wasserman, “Os memoriais e a produção intelectual sobre o Chile permitem entrever quais eram as preocupações dos brasileiros no exílio chileno entre 1970 e 1973 e como eles combinaram a sua militância política e o labor acadêmico, quais eram as suas atividades e até mesmo seus temores diante daquela realidade em transição. Mas os memoriais, escritos na década de 1990, depois do retorno ao Brasil, também permitem compreender a situação brasileira do período no qual esses textos foram redigidos.

Finaliza a seção o texto de Carla Simone Rodeghero, o qual traz a extensa entrevista feita pela autora com o músico brasileiro Raul Ellwanger. Neste depoimento, refaz-se a trajetória do referido compositor e cantor, desde Porto Alegre até o exílio no Chile e na Argentina, entre os anos de 1970 e 1977. A produção artística de Ellwanger, na análise de Rodeghero, acaba por repercutir sua vivência pessoal de expatriado. O texto finaliza com o relato tocante da viagem de retorno do músico ao Chile no ano de 2011. Nesta situação, a memória desdobrada no depoimento à autora alimentou-se de novo vigor. Nas palavras da autora: “Voltar fisicamente, rever as ruas e praças por onde caminhou, as casas nas quais morou, as tumbas onde estão enterrados os companheiros que caíram, o Estádio Nacional onde tantos ficaram presos e onde muitos morreram, a Universidade do Chile, os amigos ou familiares daqueles que foram solidários nos momentos mais difíceis, tudo isso pode ser oportunidade para repensar o significado daquela experiência para aquele que volta, para as esquerdas, para o Chile, para o Brasil, para a América Latina”.

No ano de 2003, ocasião em que se comemorava os 30 anos do golpe de estado militar que colocou Augusto Pinochet Ugarte no poder, foram várias as formas pelas quais lembrou-se o desditoso evento que traumatizou a nação chilena.3 Na avaliação feita por Manuel Antonio Garretón, naquela circunstância, “No hay entonces propiamente uma memoria colectiva consensual en torno a lo que somos como país y, por lo tanto, no podemos vernos como parte de uma misma comunidad ético-histórica, de algo a lo que pertenecemos que no sea la pura habitación geográfica” (Garretón, 2003, p. 223). Se existe ou não a necessidade de que se constitua uma “memória coletiva consensual” no país em relação ao longo período ditatorial é uma questão a ser discutida. Certamente, a morte de Pinochet em 2006 trouxe a este debate novos ingredientes, já que o passamento do líder militar “coloco una vez más el pasado de la dictadura en el centro del debate social” (Ruderer, 2010, p. 174).

Em 2013, a efeméride dos 40 anos do Pronunciamiento do 11 de setembro de 1973 renova os motivos para se pensar sobre o passado recente chileno, sobre projetos e ações fracassados ou vitoriosos, desde o ponto de vista de seus personagens e da memória que os mesmos foram capazes de constituir e que ainda estão elaborando. A atualização desta memória no campo midiático, no campo político e no campo historiográfico é motivo suficiente para dirigirmos nosso olhar a este tempo atualizado pela história.

O Chile de Allende e Pinochet: memória e historiografia quer concorrer – no cômputo de seus textos e nos limites desta modesta contribuição – a que se revigore os estudos sobre as experiências democrático-populares e ditatoriais da história recente da América Latina, o seu debate histórico e historiográfico, as suas memórias, desde os mais diversos pontos de vista, a partir das mais variadas fontes de pesquisa. Isto é um começo. Desejamos a todos uma boa leitura.

Notas

1. A Unidade Popular era formada pelos seguintes partidos e grupos: Comunista (PC), Socialista (PS), Radicais (PR), Social-Democratas (PSD), Ação Popular Independente (API) e parte da esquerda católica com o Movimento de Ação Popular Unificado (MAPU).

2. Dentre os trabalhos desses autores destacamos: Valenzuela (1978); Corvalán (2001); Garretón e Moulian (1978, 1983); Corvalán (2006).

3. Ver, a este respeito, o rol de publicações e outros eventos que marcaram o trigésimo aniversário do golpe no texto de Lecco (2004, p. 341-356).

Referências

CORVALÁN, L. 2006. A treinta años del 11 de septiembre: el imperativo ético de reescribir la historia. In: F. ZAPATA (comp). Frágiles Suturas. Chile a treinta años del gobierno de Salvador Allende. México, Fondo de Cultura Económica.

CORVALÁN, L. 2001. Del anticapitalismo al neoliberalismo en Chile. Santiago, Sudamericana, 507 p.

GARRETÓN, M.A. 2003. Memória y proyecto de país. Revista de Ciencia Política, XXIII(2):215-230.

GARRETÓN, M.; MOULIAN, T. 1978. Analisis coyuntural y proceso político. San José, Universitaria Centroamericana EDUCA, 113 p.

GARRETÓN, M.; MOULIAN, T. 1983. La UP y el conflicto político en Chile. Santiago, Mingo.

GREZ, S.; SALAZAR, G. (comp.). 1999. Manifiesto de historiadores. Santiago, LOM, 117 p.

HUNEEUS, C. 2000. El régimen de Pinochet. Santiago, Sudamericana, 670 p.

LECCO, E.C. di. 2004. Visiones del trigésimo aniversário del golpe de estado del 11 de septiembre de 1973. Política, 42:341-356.

QUADRAT, S. 2008. A emergência do tema dos direitos humanos na América Latina. In: C. FICO et al., Ditadura e Democracia na América Latina. Rio de Janeiro, FGV, p. 361-395.

ROLLEMBERG, D. 1999. Exílio: entre raízes e radares. Rio de Janeiro, Record, 375 p.

RUDERER, S. 2010. La política del pasado en Chile 1990-2006: un modelo chileno. Universum, 25(2):161-177.

VALENZUELA, A. 1978. El quiebre de la democracia en Chile. Santiago, FLACSO, 322 p.

VERDUGO, P. 1998. Interferencia secreta, 11 de Septiembre de 1973. Santiago de Chile, Sudamericana, 197 p.

VERDUGO, P. 2003. Como os Estados Unidos derrubaram Salvador Allende. Rio de Janeiro, Revan, 146 p.

Samantha Viz Quadrat

Cláudio Pereira Elmir

Organizadores do Dossiê


QUADRAT, Samantha Viz; ELMIR, Cláudio Pereira. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.16, n.1., janeiro / abril, 2012. Acessar publicação original [DR]

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Escravidão e Experiências Atlânticas / História Unisinos / 2011

Não se pode mais aventar impunemente sobre a invisibilidade da população negra no universo acadêmico brasileiro. Nos últimos anos, principalmente como produto dos Programas de Pós-Graduação em História dispersos pelo país, inúmeras pesquisas têm sido realizadas para desvanecer este miasma que encobria a população afrodescendente.

Entretanto, sobre a africanidade desta população, sobre o fenômeno diaspórico transatlântico, desde as experiências étnico-culturais do continente de origem até as multiformes reinvenções étnicas no Novo Mundo, muito existe para ser investigado e escrito.

O Dossiê Escravidão e Experiências Atlânticas foi pensado para ser apenas um, porém a abundância de trabalhos recebidos e a generosidade da editora desta revista nos permitiu uma continuação.

Roquinaldo Ferreira é professor do departamento de história da Universidade de Virginia (EUA), onde leciona história da África. Seu artigo trata do processo de abolição do tráfico atlântico de escravos em Angola, na primeira metade do século XIX.

Rodrigo Weimer é doutorando na Universidade Federal Fluminense, orientando da professora Hebe Mattos. Em sua dissertação defendida junto ao PPGH-Unisinos, Rodrigo investiu em uma pesquisa no pós-abolição, analisando as práticas de nominação da população negra.1 Seu artigo persiste no pós-abolição e analisa, através da história oral, como os descendentes de escravos de uma área rural do litoral norte do RS, vivenciaram a experiência de deslocamento para o meio urbano, em um contexto histórico de expansão dos direitos trabalhistas nas cidades, no período varguista.

O historiador Jonis Freire é professor do PPGH da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO / Niterói) e defendeu doutorado na Universidade Estadual de Campinas, orientado pelo professor Dr. Robert Slenes, com a tese intitulada: “Escravidão e família escrava na Zona da Mata mineira oitocentista”. O seu artigo, neste dossiê, discute as possibilidades de manutenção da família escrava em três grandes propriedades escravistas da Vila de Santo Antonio do Paraibuna, considerando o tenso momento de falecimento dos senhores.

Duas notas de pesquisa encerram o dossiê. A primeira delas, de autoria dos historiadores Paulo Staudt Moreira e Natália Pinto, aborda o tema da saúde escrava, analisando os registros paroquiais de óbitos das duas cidades mais importantes da província do Rio Grande do Sul, na primeira metade do século XIX – Porto Alegre e Pelotas.

Yuko Miki é professora do Departamento de História da Washington University in St. Louis e sua pesquisa intitula-se Insurgent Geographies: Blacks, Indians and the Colonization of Nineteenth-Century Brazil. Sua Nota de Pesquisa versa sobre uma região pouco explorada, a fronteira das províncias da Bahia e do Espírito Santo, onde o tráfico atlântico provocou um encontro íntimo entre povos africanos (registrados nos documentos como Angolas, Nagôs, Jejes, Moçambiques, Haussas e Guinés) e a população indígena.

Desejamos a todos uma boa leitura na expectativa de que este dossiê suscite debates e fomente novas perspectivas de pesquisa.

Nota

1. WEIMER, R. de A. 2008. Os nomes da liberdade: ex-escravos na serra gaúcha no pós-abolição. São Leopoldo, Oikos.

Paulo Roberto Staudt Moreira

Flávio Gomes


MOREIRA, Paulo Roberto Staudt; GOMES, Flávio. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.15, n.1., janeiro / abril, 2011. Acessar publicação original [DR]

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Questões indígenas contemporâneas: História e Antropologia em fronteiras / História Unisinos / 2011

Os textos reunidos no dossiê Questões indígenas contemporâneas: História e Antropologia em fronteiras resultam das pesquisas de sete historiadores de diferentes pontos do país que tem procurado estudar a História Indígena da perspectiva do presente, em fronteiras disciplinares, tarefa ao mesmo tempo difícil e fascinante. Assim, os temas abordados refletem os diálogos travados por cada um deles com outras áreas do conhecimento, tais como a Psicologia, o Direito, a Educação e, notadamente, a Antropologia. O que aproxima os textos é a tentativa de compreensão, por parte dos autores, de uma trama histórica complexa e que durante muito tempo foi negligenciada pela historiografia tradicional. Já vai longe, portanto, o tempo em que para os índios não haveria história, mas apenas etnografia, como anunciara Varnhagen, no século XIX.

Anna Maria Ribeiro Fernandes Moreira da Costa apresenta a simbologia que envolve o espaço fluvial dos grupos indígenas Nambiquara do Cerrado, localizados a Oeste do Estado de Mato Grosso. O espaço Nambiquara é, dessa forma, apreendido em suas representações, imagens e concepções, sendo construído em função de seus sistemas de pensamento e de suas necessidades.

Por sua vez, Carlos Alberto dos Santos Dutra instiga o leitor a rever a história da ocupação do território sul-mato-grossense, lançando um olhar sobre os conceitos de poder e violência e buscando revelar que muitas terras indígenas demonstram ter sido bem mais que simples áreas de migração de grupos autóctones isolados. Os conceitos de nação, identidade, território / territorialização / desterritorialização, dominação, poder e cultura são analisados pelo autor a partir da história dos Ofayé.

Giovani José da Silva apresenta informações a respeito da construção da Estrada de Ferro Brasil-Bolívia, bem como dos impactos que esta construção provocou sobre a vida das populações indígenas, especialmente sobre os Chiquitano (e os estigmas a estes impingidos). No caso dos Kamba, descendentes dos Chiquitano, esse impacto se traduziu na saída de uma determinada parcela das proximidades de Roboré, Tapera e San Jose de Chiquitos e de sua entrada no Brasil, em meados do século passado. A construção da ferrocarril (1939-1954) provocou o engajamento de grande número de indígenas bolivianos, muitos dos quais penetraram em território brasileiro de forma clandestina aos olhos oficiais.

Já Rosely Aparecida Stephanes Pacheco mostra que uma análise mais ampla dos desafios que os povos indígenas têm enfrentado em relação a seus direitos territoriais na América Latina, passa por um desvelar histórico sobre a forma como a questão territorial foi tratada nestes países, tanto administrativa quanto juridicamente. Para o estudo do tema, cujo foco são as lutas e reivindicações dos Guarani (Kaiowá e Ñandeva), a autora buscou referenciais teóricos em diversas áreas do conhecimento: a História, a Antropologia e o Direito.

Edson Hely Silva percebe, por meio dos relatos orais dos índios Xukuru do Ororubá, de Pernambuco, acontecimentos que expressaram o cotidiano, os espaços e os momentos de sociabilidade vivenciados na Serra do Ororubá, além do significado de Cimbres como um espaço de referência da memória mítico-religiosa para a afirmação da identidade daquele grupo indígena.

Léia Teixeira Lacerda apresenta reflexões realizadas desde o final da década de 1990, no campo da Educação e da Saúde Preventiva das DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis) e da Aids com professores indígenas que habitam e atuam em escolas no Pantanal Sul-mato-grossense. A autora realiza uma breve análise pedagógica, psicológica e histórica dos Programas de Prevenção das DST e da Aids desenvolvidos com professores indígenas daquela região.

Finalmente, Vanderléia Paes Leite Mussi discute como os Terena no contexto urbano de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, constroem sua etnicidade, nos “entre lugares” das relações fronteiriças, mantendo os laços de continuidade com seus antepassados, isto é, com sua tradição. A partir dessa abordagem, a autora mostra como esse grupo indígena foi construindo diferentes estratégias de inserção e negociação no entorno da sociedade não indígena para garantir a sua sobrevivência, tendo como principal impulsionador o trabalho.

Em comum, os historiadores participantes do dossiê utilizaram fontes orais em suas pesquisas, mas sem a pretensão de “dar voz” a quem quer que seja, muito menos aos indígenas. Antes, cada um deles procurou “dar ouvidos” às narrativas contadas pelos Nambiquara, Chiquitano, Guarani, Terena, Ofayé, Xukuru do Ororubá, Kadiwéu e Kinikinau. Convidam-se, então, os leitores a também “ouvirem” essas vozes, ainda não inscritas nos cânones oficias, porém repletas de significados e simbologias. Boa leitura!

Giovani José da Silva – Organizador


SILVA, Giovani José da. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.15, n.2., maio / agosto, 2011. Acessar publicação original [DR]

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Os males da memória / História Unisinos / 2011

Os males de memória: lembrar-se dos traumatismos da grande História [1]

De todos os ventos de memória que varrem nosso mundo globalizado, aqueles movidos pelos traumatismos da história sopram, em nossos dias, com uma intensidade sem precedentes. Guerras, diásporas, deportações, repressões, genocídios, confinamentos, escravaturas e totalitarismos alimentam suas respectivas memórias da dor. Ontem ilegítimas, recalcadas, encobertas pelo silêncio imposto pela estigmatização, pela incompreensão, pela simples desatenção ou, ainda, pelo medo do mal-entendido, essas memórias rompem, hoje, com a denegação e saem da sombra, para atiçar uma efervescência memorial que as ultrapassa e, ao mesmo tempo, as engloba. Amplificando o eco do “elogio incondicional da memória” (Todorov, 1995, p. 13) que ressoa por toda parte, elas participam de um culto compósito em que o hedonismo da nostalgia disputa com a obrigação do dever. E isso até à sacralização. Sem dúvida, podemos, com Tzvetan Todorov, supor que a tomada de consciência das manipulações de memória de que os totalitarismos se tornaram culpados, não é alheia a esse aumento de potência das memórias do traumatismo. Entendido, a partir de então, como um ato de resistência, como uma revanche contra o mal suportado e endurecido [2], o ato de reminiscência se vê imbuído de uma razão de ser inédita. Mas se não cabem dúvidas quanto à incidência dessa reviravolta, operada sob a influência esclarecida dos historiadores, dos filósofos e dos escritores, pode-se, também, suspeitar de razões ao mesmo tempo mais profundas e mais disseminadas.

Notemos, antes de mais nada, que essas memórias que, de um extremo ao outro do planeta, fazem, hoje, sangrar o passado, se inscrevem não apenas no contexto hipermnésico evocado acima, mas, também, numa história, numa cronologia do fato memorial, inaugurada e dominada pela experiência memorial do judeocídio. Ninguém pode refutar o fato de que, ao longo da segunda metade do século XX, “a Shoah se tornou a medida do mal absoluto”, e que, paralelamente, “o combate judeu pela memória do genocídio e o reconhecimento finalmente obtido” se impuseram por sua vez como “modelo e […] quadro referencial para outras populações perseguidas” (Lapierre, 2007, p. 475). Sem dúvida, é pela importância dos debates que suscita que melhor se pode medir esse triunfo. No concerto das vozes que se elevam para denunciar os abusos de todos os tipos (mercadorização da lembrança trágica, turistifi cação dos lugares de memória, deriva obsessiva, promoção de um humanismo pessimista, etc.), podemos, com efeito, escutar a expressão de uma resistência – vã ? – a uma – irreversível ? – fatalidade mimética. O modelo é assim discutido, contestado, não apenas pelos intelectuais que, nesses desrecalques memoriais, não param de encontrar matéria para pensar, mas, também, pelos próprios atores sociais, portadores e defensores de memórias análogas, prontos para acusar a memória dos judeus de ocupar todo o lugar. Em suma, vítima de seu sucesso, a memória da Shoah está metida numa guerra das memórias, numa competição vitimária que muito se aparenta com uma armadilha para as memórias que se deixam encerrar nela (Traverso, 2011). Buscando assemelhar-se, e ao mesmo tempo distinguir-se, da memória do genocídio judeu, graças, principalmente, a um exagero na invocação do horror sofrido, as memórias do traumatismo, judia e outras, têm geralmente, em comum, rivais bem mais difíceis de desafiar, a saber: as memórias instituídas que são as memórias dos Estados-nações, mais “naturalmente” inclinadas ao esquecimento, senão à denegação, do que à introspecção. Obrigando as sociedades nacionais a voltar às páginas mais trágicas e menos gloriosas de sua história, a afirmação das memórias outras força, hoje, os Estados, a uma completa refundição das políticas memorialistas (Michel, 2010; Blanchard e Vayrat-Masson, 2008). Declarações de arrependimento, pedidos de perdão, reconhecimentos de crimes contra a humanidade, votações, aprovações de leis memorialistas recobrem a atualidade, minando, cada vez mais, a integridade das memórias nacionais. Assim sendo, esse trabalho de escavação não poderia nos induzir à crença, numa relação de força necessariamente favorável às “pequenas” memórias. A bem da verdade, a relação entre essas memórias e as “grandes” é mais complexa, para não dizer mais ambígua, do que parece. Pois, nesse caso, o Estado se mostra bem mais do que um acusado potencial: ele é também a instância de recurso, aquela que faz justiça e pela qual pode ser obtida uma reparação do passado. Mas o que as memórias outras não desfazem do interior, não deixa de ser contrabalançado pelo que desfazem do exterior. Cosmopolitas, transnacionais, certas memórias do traumatismo, entre as quais ocupa, por certo, o primeiro lugar aquela da Shoah, podem já ser entendidas como “memórias-Mundo” (Auzas e Jewsiewicki, 2008) e, portanto, cúmplices da globalização financeira, econômica e cultural, que reduz, a cada dia, a margem de manobras dos Estados-nações.

Isso posto, poderíamos nos contentar em interpretar cada batalha vencida contra o esquecimento e a denegação como o índice do triunfo da psicanálise, ou, ao menos, de seus conceitos (traumatismo, recalque, luto, neurose…), doravante entendidos e reempregados em escala coletiva (Garcia, 2008). Mas, olhando de mais perto, as memórias do traumatismo dão testemunho de bem mais ainda. A requalificação do passado que implicam vai de par com a desmonetização de toda uma série de valores. A homenagem ao combatente heróico que sacrifica sua vida pela causa da pátria é substituída pela compaixão pelas vítimas, todas iguais, aliás. Vencedores e vencidos se apagam, e com eles o sentido da história. Como constata inquieta Régine Robin, “Não há mais responsáveis, mas uma condição humana dolorosa diante da qual é preciso se inclinar. O ‘infortúnio dos tempos’ se torna, assim, a grande causalidade que substitui todo e qualquer conceito” (Robin, 2007, p. 396). Somente a testemunha, ao mesmo tempo fonte, prova, ator da história e portador de memória, parece em condições de resistir, ainda, nessa nova ordem de valores. O historiador, considerado um mercenário da história oficial, se vê acusado de ilegitimidade. Quanto ao traumatismo, ele se vê elevado à categoria de acontecimento fundador que se deve não apenas partilhar, passar, transmitir, herdar, mas, também, fazer reconhecer no espaço público.

Ora, como nota acertadamente Michèle Baussant, “nem todos os pedidos de reparação, de reconhecimento, nem todas as expressões da memória ou evocações do passado encontram o mesmo eco numa determinada sociedade” (Baussant, 2007, p. 391-393). Cabe ao pesquisador em ciências sociais analisar a maneira como a comunidade memorial dá conta desse desafio do reconhecimento: que palavras, que linguagem, que imagens lhe permitem encontrar a sensibilidade coletiva e dizer assim a si mesma? Para assim fazer passar a lembrança do mal da esfera privada à esfera pública, por que procedimento consegue-se tornar recebível a ilegitimidade memorial que atinge, a princípio, esse tipo de reminiscências? Em outros termos, como se passa da ocultação à celebração, do “tempo da vergonha” ao “tempo da glória” (Chaumont, 2002)? Quais são as etapas intermediárias? Que lugar têm os modelos memoriais, como aquele da Shoah evocado acima, nos dispositivos de validação das expectativas? Como se constrói uma figura aceitável da vítima? Como, da comunidade memorial à coletividade, nacional ou outra, que a inclui, emerge uma lógica de consenso? Tais são as questões que o antropólogo coloca, no conforto relativo que lhe propicia sua prática do “olhar distanciado”. É, em todo caso, o que se pode dizer do posicionamento desse pesquisador, tomando emprestado a Lévi-Strauss sua maneira de designar aquilo que é para ele, ao mesmo tempo, uma postura e uma metodologia. Sua tranquilidade se deve, também, à sua maior familiaridade com as problemáticas da memória, devida à frequentação assídua, há cerca de vinte anos, dos terrenos a elas relacionados (museus, história local, arqueologia, emoções patrimoniais, etc.). Dão testemunho disso as contribuições dos etnólogos franceses apresentadas neste número da revista História Unisinos.

Para quem se empenha na escrita da história, as coisas são diferentes. Este é um terreno minado. Por muito tempo a disciplina história buscou se afastar de tudo que se referisse à memória. Esta era pensada como o inverso da possibilidade de constituição de uma ciência. A crítica da tradição oral era o principal argumento da busca pela cientificidade (Joutard, 1998, p. 43). O uso de fontes orais baseadas na memória, a partir, principalmente, de meados do século XX, foi cercada de desconfiança. Os depoimentos eram, inicialmente, cercados de cuidados, buscando expulsar qualquer subjetividade. Além disso, visavam colher depoimentos para historiadores do futuro. Estes eram colhidos entre pessoas consideradas importantes no campo político-institucional. Este momento, que podemos chamar de uma primeira geração de historiadores que usavam a memória como fonte, pretendia, no máximo, preencher as lacunas que as fontes escritas não cobriam.

Novas gerações de historiadores ocuparam-se da memória, e passaram a abordar estas narrativas colhidas como “outras histórias”. Não visavam mais completar informações. Mesmo assim, perante a comunidade de historiadores, aqueles têm sido tratados com desconfiança. Philippe Joutard (1998, p. 44), falando da França, mostra-nos o quanto estes ficavam à margem da história acadêmica. No Brasil, pode-se dizer que esta desconfiança é certamente menor, mas, mesmo assim, ela existe.

Como qualquer memória, estas, que se referem ao traumatismo dos chamados grandes acontecimentos da história, têm relação com estes mesmos acontecimentos e, ao mesmo tempo, os contradizem, falam de outro lugar. Fazem emergir outras histórias. Longe da grande narrativa, em geral linear, dos acontecimentos, estas memórias trazem outros tempos. Aqui, os nomes e lugares de destaque não são, necessariamente, aqueles que constam nos grandes compêndios. E mesmo quando se referem a eles, é para melhor desmontá-los. Os heróis e as vítimas não são os mesmos. Nas memórias, o fragmento é mais significativo. Nas memórias, o livro de história ajuda pouco. Situa, por vezes, define uma data, organiza, quem sabe, uma parte do que se lembra. Mas é de outro lugar que se fala. A subjetividade aqui tem livre vazão, não é inimiga do relato. Dá sentido a este.

Quem trabalha com memórias já aprendeu a tornar a subjetividade uma aliada. Quem trabalha com memórias, principalmente aquelas fundadas na história oral, sabe que as fontes são pessoas que nunca reduzirão sua vida a um conjunto de fatos, disponíveis para a interpretação dos outros. “Recordar e contar já é interpretar” (Portelli, 1996, p. 60). E, ainda, as pessoas transformadas em depoentes, reagem às interpretações que se fazem de suas narrativas, recusam-se a ser veículos de significados que não controlam. Interpretam seus próprios intérpretes (Portelli, 2010, p. 59-60).

Pierre Nora (1993, p. 13), separando história e memória, dizia que os “lugares de memória” são como “as conchas na praia, quando o mar se retira da memória viva”. Criticava a proliferação de espaços que pretendem guardar a memória que, posteriormente, seria alvo da pesquisa histórica. Claro que falava de uma historiografia que se pensava científica, para a qual a subjetividade era empecilho para a “verdadeira história”. Memórias hoje pretendem – não sem resistências – fazer parte da narrativa histórica. Mesmo assim, ainda são olhadas com desconfiança. Nos compêndios de história, elas são a parte da curiosidade. São elas, entretanto, que, mesmo “enquadradas”, subterrâneas (Pollak, 1989), vilipendiadas, ou não, ainda dão vida àquilo que, por vezes, não passa de um pequeno registro.

Neste dossiê, etnólogos franceses e historiadoras brasileiras cobrem com memória um amplo leque de “acontecimentos da grande história”: O tráfico de escravos, a segunda guerra mundial, a Guerra Civil Espanhola e o exílio na França, as guerras no Líbano, a migração alemã no Sul do Brasil e a ditadura militar dos anos sessenta e setenta, são grandes acontecimentos visitados pela memória. Todos têm, em comum, o fato de serem alvo de narrativas historiográficas baseadas em muitas fontes escritas, e serem alvo de muita controvérsia também.

Abrindo o dossiê com etnólogos franceses, Gaetano Ciarcia focaliza a escravidão africana, no artigo Dar a ver memórias indizíveis. O presente do passado da escravidão em Ouidah, Benin, onde pretende perceber como os usos memoriais e patrimoniais do passado de escravidão estão ligados à renovação das antigas tradições religiosas, como no vodu. Yves Pourcher, por sua vez, focaliza a Segunda Guerra Mundial, no artigo Três mortos pela França, onde narra as desventuras de três soldados mortos durante a segunda guerra mundial. Destaca, principalmente, os sentimentos da família, diante da morte. A memória e os males dela, neste caso, são enfocados, pois, para alguns lembrar é uma grande tristeza, ou, por vezes, uma grande vergonha. Véronique Moulinié centra sua pesquisa sobre a Guerra civil Espanhola e o exílio dos republicanos que seguiram para a França, no artigo Memória da Retirada e sucessão das gerações: do silêncio ao discurso ensurdecedor. Neste texto, escreve sobre as associações de descendentes de refugiados espanhóis, que multiplicam as atividades comemorativas (marcha da lembrança, inaugurações de estelas, exposições, etc.). A autora mostra como essa memória sofre mudanças sutis, mas importantes. Sylvie Sagnes também centraliza a “retirada”, após a guerra civil espanhola, no artigo Uma memória compartilhada: O romance francês da guerra civil, do êxodo e do exílio espanhóis. Aqui, a principal fonte são os romances que narram a “retirada” e a autora faz uma etnografia do romance da Retirada, abrindo, assim, novas perspectivas sobre a memória do êxodo e do exílio, que tende a cobrir a voz das associações que militam pelo reconhecimento desta memória. Sophie Brones escreve sobre as guerras no Oriente Médio no artigo Al-Khandaq al-Ghamiq. Memórias de um bairro em ruína no centro de Beirute. A autora sublinha, através da memória, a antropologia urbana de uma cidade que viveu 15 anos de guerra. Mostra os deslocamentos dos habitantes, os esquecimentos, a atuação do poder público definindo setores que são alvo de transformação urbana e de locais de memória.

A historiadora brasileira Janine Gomes da Silva aborda a Colonização Alemã em Santa Catarina, no artigo Memória, alimentação e etnias, através do qual (re)significa a história e o patrimônio cultural da região de Joinville, ampliando os estudos no campo do patrimônio alimentar. Também do Brasil, Joana Maria Pedro e Cristina Scheibe Wolff tratam dos anos de ditadura militar no Brasil, no artigo As dores e as delícias de lembrar a ditadura no Brasil: uma questão de gênero; mostram que as narrativas de algumas mulheres têm sido, também, permeadas por avaliações marcadas por suas identificações com o feminismo. Em outros casos, são os próprios familiares que exigem o silêncio. Desta maneira, a memória do passado recente vem formatada por múltiplos constrangimentos.

São estes os artigos que querem discutir os “males da memória”; estes pensados desde uma abordagem da antropologia e da história. Convidamos, todos, a acompanhar este debate.

Notas

1. Este texto foi escrito parte em francês, parte em português. A parte francesa deste texto foi traduzida por Fernando Scheibe. Agradeço também a Aimberê Araken Machado pela revisão do texto em português.

2. Enduré et induré. (N.T.).

Referências

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BAUSSANT, M. 2007. Penser les mémoires. Ethnologie française, XXXVII(3):389-394. http: / / dx.doi.org / 10.3917 / ethn.073.0389

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CHAUMONT, J-M. 2002. La concurrence des victimes : génocide, identité, reconnaissance. Paris, La Découverte, 384 p.

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POLLAK, M. 1989. Memória Esquecimento e Silêncio. Estudos Históricos, 2(3):3-15.

PORTELLI, A. 1996. A filosofia e os fatos – narração, interpretação e significado nas memórias e nas fontes orais. Tempo, 1(2):59-72.

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Joana Maria Pedro – Professora Titular do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina. Atua no Programa de Pós-Graduação em História e no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas, onde é Coordenadora. É uma das coordenadoras da Revista Estudos Feministas. E-mail: [email protected]

Sylvie Sagnes – Etnóloga, pesquisadora no CNRS, Sylvie Sagnes traz ao terreno das práticas patrimoniais (história local, arqueologia, museu da sociedade, etc.) a problemática do nativo abordada na sua tese. Além deste tema, ela se interessa pela história da sua disciplina e consequentemente ela questiona os processos de constituição das identidades eruditas (poligrafia, parentesco intelectual…). E-mail: [email protected]


PEDRO, Joana Maria; SAGNES, Sylvie. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.15, n.3., setembro / dezembro, 2011. Acessar publicação original [DR]

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A questão regional: aspectos conceituais e avanços empíricos / História Unisinos / 2009

Por ocasião de um curso que ditei no Programa de Pós-graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, em maio de 2008, sobre “Aproximações conceituais e empíricas à prática da história regional: o exemplo da Patagônia argentina”, surgiu a proposta de Maria Cristina Bohn Martins de realizar uma entrevista sobre tais temas para a História Unisinos, a qual se apresenta neste número. Em seguida, em uma conversa informal, mas muito enriquecedora com Heloísa Reichel, onde descobrimos compartilhar interesse por temas acadêmicos afins, me foi proposto coordenar um dossiê para a revista sobre a questão regional. Entusiasmada com a ideia, pedi a um pequeno número de colegas argentinos, cujos trabalhos conheço, que produzissem artigos que focassem suas experiências no desenvolvimento de questões conceituais ou seus avanços empíricos sobre a região em se centravam seus estudos. Dessa convocação, surgiram os trabalhos publicados nesse número, aos quais se somou a colaboração de uma colega mexicana, convidada por Heloísa, que dá início ao dossiê.

O artigo de Dení Trejo Barajas parte da análise dos questionamentos realizados nos últimos anos sobre os princípios metodológicos da história regional no México, para então revalorizar as ideas e proposições elaboradas por alguns de seus cultuadores, incluindo seus próprios aportes nesse campo de estudo para a região da Baixa Califórnia, no noroeste mexicano. A autora reclama, como é comum em todos os trabalhos que integram o dossiê, um retorno dos historiadores ao problema da universalidade, não entendida como o conhecimento do todo, senão como a possibilidade de adquirir uma compreensão totalizadora, a partir de um estudo particular.

Na sequência encontra-se a contribuição de María Rosa Carbonari, docente e investigadora da Universidad Nacional de Río Cuarto, na província de Córdoba, Argentina, que tem especial interesse em por revelar suas preocupações sobre a conceituação e as formas de fazer história regional, somadas aos aportes do trabalho de investigação na região em que desenvolve seus estudos. Seus objetivos são compreender, desde um determinado olhar teórico e historiográfico, o caminho percorrido pela historia regional. Como parte desse caminho, analisa as repercussões da crise de paradigmas que implicou no abandono da história total e seus efeitos sobre o entendimento do conceito e a representatividade da região. Uma parte importante de sua contribuição se destina a explicar como se foi construindo uma história regional científica com laços de dependência dos modelos teóricos explicativos vigentes na segunda metade do século XX. Analisa também o deslocamento de temáticas, do econômico ao cultural, que foi acompanhando estes processos, bem como o abandono dos antigos modelos que regiam a construção histórica regional. Com isso, sustenta, os enfoques regionais foram adquirindo uma força explicativa que convidou a revisar interpretações consagradas, fossem políticas, econômicas ou de estruturas mentais.

Finalmente, se inclui o aporte de Sandra Fernández, docente e investigadora da Universidad Nacional de Rosario, também da Argentina. A preocupação da autora se centra em indagar sobre o impacto que a historiografia dominante teve sobre a elaboração dos conteúdos curriculares das matérias históricas e, por consequência, no ensino de história nesse país. Em particular, analisa o peso do olhar “nacional” na construção dos manuais escolares, onde se projeta uma imagem homogênea da história argentina que ignora os importantes avanços produzidos desde a perspectiva dos estudos regionais e locais, os quais o artigo pretende hierarquizar.

Todas as contribuições, longe de encerrar a problemática, estimulam a abrir um debate fecundo e criativo em torno do investigar / ensinar uma história muito mais compreensiva, que, por outro lado, supere os clássicos enfrentamentos dicotômicos entre história nacional e provincial. Os estudos regionais, justamente, superam tais fronteiras e permitem aproximações explicativas nunca desvinculadas do contexto, uma vez que permitem complexizar uma história nacional quase sempre generalizante.

Susana Bandieri Neuquén,

Patagonia argentina, março de 2009.


NEUQUÉN, Susana Bandieri. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.13, n.1., janeiro / abril, 2009. Acessar publicação original [DR]

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Narrativas de militância e narrativas de exílio / História Unisinos / 2009

Narrativas são histórias que contamos e / ou escrevemos para afirmar convicções. Mas também são histórias que nascem reativamente para refutar verdades que se afiguram, para quem as replica, como mentiras. Estejam elas referidas a uma trajetória de vida individual ou de um coletivo, sejam elas escritas por quem viveu a experiência diretamente ou por quem se valeu da experiência alheia para construir o relato, narrativas são meios de trazer à tona e de tornar familiar o que, antes de sua enunciação, pode se oferecer, no máximo, como uma possibilidade potencial; ou, quem sabe, um mistério insondável. Narrativas podem ser também revelações.

Sobre a história mais recente do Brasil, aquela que poderíamos localizar – se for necessário estabelecer um marco cronológico – ao redor da década de 1960, muitas histórias trouxeram a nós o benefício de virem à luz. Muitas outras, talvez em maior número, restaram, por inúmeras razões, impedidas de sua vocalização. O fato de a memória sobre estas histórias poder ser ativada, na medida em que boa parte de seus personagens estão vivos para tanto, não impede, de outro lado, que escolhas sejam feitas, no intuito de se assegurar um lugar privilegiado para a manutenção do silêncio.

O contexto da transição política para o regime democrático no país, notadamente durante o governo do último general presidente, João Baptista Figueiredo (1979-1985) – não obstante as localizadas resistências que se manifestaram ao processo de liberalização –, permitiu o surgimento de alguns livros de memórias de pessoas que lutaram, em diferentes momentos, contra o regime militar instaurado desde a circunstância da destituição do Presidente João Goulart, em 1964. Estas publicações e outras manifestações “co-memorativas” se oferecem como importantes sinais do “boom da memória” vivido não apenas no Brasil, mas também em outros países da América Latina, que passaram por processos políticos semelhantes, como é o caso da Argentina, por exemplo, em conjuntura análoga. O refluxo militar e a correspondente transição para a democracia são identificados por Olivier Dabène em 13 países da América Latina, no período compreendido entre os anos de 1979 e 1990. Diz ele a este respeito:

Os regimes entraram em uma fase de transição quando as bases de seu apoio – mistura de repressão e de sedução – que asseguravam sua estabilidade, começaram a desfazer-se. Em muitos casos, nenhum acontecimento espetacular marcou essa mudança. Tratava-se, antes, de um processo lento e irreversível de desgaste da popularidade dos regimes, devido a uma menor eficácia econômica ou a um ínfimo relaxamento dos controles sociais, combinado com o abandono do medo que inspira uma ditadura e a aparição de uma solução de troca, uma alternativa crível encarnada em uma oposição responsável (Dabène, 2003, p. 245).

No caso brasileiro, o arrefecimento da censura exercida sobre a imprensa no contexto do final da década de 1970 e início dos anos 1980, aliado ao avanço consistente dos setores políticos de oposição ao regime, especialmente no âmbito das eleições legislativas e de organizações da sociedade civil, ajudam a explicar a constituição de um espaço público favorável aos relatos de memória dos que não comungaram com os ideais da “Revolução”. O “abandono do medo”, neste caso, encontra campo fértil nas brechas que, aos poucos, são percebidas e usadas a favor da resistência e, mais do que isto, da “virada”; mesmo que esta possa ser vista, sob um certo prisma, como “transição pelo alto” ou pela elite. Em outras palavras, mais do que uma “oposição responsável”, a transição se fez, até certo ponto, por uma “oposição confiável”, na perspectiva daqueles que representavam o regime outonal dos militares e de seus colaboradores civis mais próximos.

Se, de fato, não há um acontecimento espetacular a definir estas transições consentidas, não podemos esquecer, de outra parte, o importante papel desempenhado pela Lei da Anistia – aprovada durante o primeiro ano do governo de Figueiredo – e pelo decorrente retorno de exilados políticos ao Brasil, ao desencadear o “trabalho da memória” responsável pela realização de significativa produção memorialística nos anos imediatamente subsequentes à homologação daquele instituto jurídico. Aqui, três exemplos significativos desta produção, quer pela sua própria repercussão, quer pelos desdobramentos midiáticos que tiveram na geração de outras mercadorias da memória: O que é isso, companheiro?, de Fernando Gabeira (1979); Os Carbonários, de Alfredo Sirkis (1981), e Batismo de Sangue, de Frei Betto (1982).1 O livro de Gabeira, particularmente, teria alcançado, ao longo de mais de quatro dezenas de edições, a imponente cifra de 500 mil exemplares (conforme Aguiar, 2001), o que, entre outros fatores (como sua adaptação para o cinema em meados dos anos 1990), torna a obra uma referência única no chamado “boom da memória”.

Se os testemunhos produzidos sobre os anos 1960 e 1970 encontram um ambiente político e social fértil para explicar a sua emergência no final desta última década e no início da seguinte – caso não queiramos investir centralmente em explicações que orbitem na subjetividade dos que resolvem contar suas experiências acerca daquele período infausto –, há que considerar como variável não negligenciável para qualquer análise que se venha a fazer sobre estes testemunhos – e aqui entra o interesse específico do historiador, para além (mas não apartado) de razões políticas, ideológicas, jurídicas e morais – os incontornáveis ditames do presente neste processo. Neste sentido, a intelectual argentina Beatriz Sarlo – que fez uma radical crítica do testemunho e da “guinada subjetiva” –, já nos anos 2000, lembra:

[…] o passado recordado está perto demais e, por isso, ainda desempenha funções políticas fortes no presente […]. Além disso, os que lembram não estão afastados da luta política contemporânea; pelo contrário, têm fortes e legítimas razões para participar dela e investir no presente suas opiniões sobre o que aconteceu não faz muito tempo (Sarlo, 2007, p. 60-61).

Na verdade, e segundo Rodeghero (2008, p. 8), ainda estamos aprendendo a ler estes relatos do ponto de vista metodológico, e o seu (precário) estatuto de documento2 , – que exige, portanto, os procedimentos da crítica –, cede espaço, não raras vezes, para duas posturas dicotômicas e francamente infrutíferas, no meu ponto de vista, já que estes relatos ora são vistos com desconfiança absoluta, e, portanto, desqualificados e descartados, ora são percebidos como garantes da verdade, servindo de prova irrefutável no processo de desvendar a história3 . Não obstante a ambiguidade contida no ponto de vista de Sarlo (2007), a autora tende – especialmente pela leitura do capítulo três de seu livro, intitulado “A retórica testemunhal” –, a assumir a primeira postura aqui identificada.

A proposta de organizar o dossiê temático Narrativas de militância e narrativas de exílio surgiu das controvérsias que envolvem o trabalho com a memória realizado no âmbito da historiografia. Os desafios desta empresa podem encontrar meio de resolução – ainda que relativa – na disposição que tivermos, em nossos trabalhos de investigação, de encarar (e de forjar) chaves de leitura para estes relatos nos campos disciplinares vizinhos. Os estudos literários, a antropologia e a psicologia, para citar algumas áreas, podem oferecer, numa apropriação densa, um manancial teórico-metodológico capaz de aportar ao trabalho historiográfico uma aproximação menos intuitiva com estas fontes, mas isso não significa dizer que encontraremos aí a “salvação da colheita”. Na verdade, o receio de reconhecer o caráter interdisciplinar que possa ser o próprio de nossa pesquisa responde, pelo menos em parte, pela nossa contumaz indisposição de olhar para o lado.

Os textos que compõem este volume estão longe de se oferecer como resposta peremptória aos desafios que a memória vertida nas “narrativas de militância” e nas “narrativas de exílio” está a nos fazer. Contudo, eles não deixam de proporcionar um flagrante, ainda que pouco representativo em termos numéricos, das formas pelas quais está se dando a atual reflexão acadêmica neste movediço espaço da memória e da narrativa referidas à história recente e, mais exatamente, ao período das últimas ditaduras militares na América Latina, com ênfase para a porção mais meridional do continente americano.

Temos a satisfação de abrir o dossiê com o inspirado texto da historiadora argentina Beatriz Vitar. O artigo que nos enviou, desde Sevilha, articula com maestria sua pessoal trajetória acadêmica e profissional a alguns dos grandes temas que têm orientado a discussão historiográfi ca nas últimas décadas, tanto na América Latina quanto na Europa. Vitar se apoia em sua “escurridiza estabilidad laboral” para intercalar, na narrativa de sua ego-história, escolhas feitas, impasses enfrentados, giros temáticos que sua itinerante carreira de pesquisadora propiciou. Em seus vários périplos, os deslocamentos foram tanto espaciais quanto temáticos, e a identidade da autora – em suas múltiplas dimensões – vai se fazendo e refazendo em meio a um jogo no qual as regras são conhecidas apenas enquanto se joga. Aquilo que poderia ser visto como “exílio” assume, nesta trajetória de vida, a face do “trânsito”, de um mover-se contínuo, em que, ao se deparar com o outro, encontra-se também a si mesmo. Não é exagero dizer que a particular história contada por Vitar com a força que apenas a experiência pode ter ajuda a iluminar – tornando complexo – o destino simples, às vezes simplório, que damos a palavras que julgamos ter força de conceitos. Que “exílio” é capaz de conter a abundância da vida que transborda da narrativa de Vitar?

Cristina Scheibe Wolff , da equipe do Laboratório de Estudos de Gênero e História da Universidade Federal de Santa Catarina, traz, em seu artigo, uma série de depoimentos de mulheres que exerceram militância política na Argentina, no Brasil, na Bolívia, no Chile, no Paraguai e no Uruguai, a partir de década de 1960, no contexto das ditaduras militares do Cone Sul. A autora coloca em discussão, a partir de um questionamento que assinala um recorte de gênero nestas falas, as similitudes destas experiências de militância e a possibilidade de se pensar a comparação como uma categoria de análise para os processos ditatoriais na América Latina.

O texto de Carla Simone Rodeghero antecipa para o leitor algumas das refl exões da autora em sua pesquisa para um livro, em fase de conclusão, sobre A luta pela anistia e a resistência à ditadura no Rio Grande do Sul. No artigo, Rodeghero analisa especifi camente os diferentes – e por vezes, díspares – sentidos que a anistia tem assumido no debate político brasileiro desde, pelo menos, os meados da década de 1970. Nos últimos meses, dentro dos altos escalões do governo federal, as batalhas travadas pelo sentido da anistia estão sendo atualizadas e vêm mobilizando a manifestação de importantes autoridades da república brasileira, fazendo prever, com a aproximação dos 30 anos da Lei da Anistia, de 28 de agosto de 1979, outras tantas disputas.

Já o texto Histórias dos sentidos e da imaginação: as memórias de Flávio Tavares empreende uma análise do livro O dia em que Getúlio matou Allende e outras novelas do poder, publicado pelo jornalista gaúcho, em 2004, na ocasião em que se completavam os 50 anos do suicídio do presidente que por mais tempo governou o Brasil. Livro de memórias com forte dicção ficcional, e de difícil classificação em termos do gênero de sua prosa, é analisado pelo autor mediante o destaque que assume a primeira pessoa do singular na construção da narrativa. Neste caso, a visão e a audição, sentidos reiteradamente evocados na escrita, cumprem o papel de autenticar a narrativa, não obstante o lugar de relevo ocupado pela imaginação nesta tarefa de rememorar os anos 1950-1970 por esse banido da ditadura.

Contamos ainda, na seção Notas de pesquisa, com valiosa contribuição aportada pelo historiador Benito Bisso Schmidt. O autor nos oferece, em primeira mão, seus apontamentos sobre pesquisa que está desenvolvendo acerca de Flávio Koutzii, importante líder estudantil e militante político nos anos 1960, no Rio Grande do Sul, e que, em 1970, deixou o país para viver no exílio: na França, no Chile e na Argentina. Autor com larga trajetória nos estudos biográficos e com destacada produção na área – tanto na reflexão teórico-metodológica quanto em estudos empíricos –, Schmidt antecipa em seu texto alguns dos desafios postos por esta sua pesquisa e que, de maneira mais ampla, dizem respeito, em boa medida, aos trabalhos que têm como centralidade trajetórias individuais ou biografias: “a noção de representatividade”, “as tensões entre escolhas individuais e determinações sociais”, as opções a se fazer entre “os principais quadros sociais evocados”, as “imagens conflitantes a respeito do personagem”, entre outras possibilidades.

Na seção de Resenhas contamos com duas avaliações feitas sobre a produção historiográfica argentina recente, trazidas por alunos do nosso Programa de Pós-Graduação. Ianko Bett, em seu texto Em nome do pai: participação da Igreja Católica na repressão política da Argentina (1955-1969), apresenta o segundo tomo de La violência evangelica, Historia política de la Iglesia Católica, de Lonardi al Cordobazo (1955-1969), escrita pelo prolífico jornalista Horacio Verbitsky, que se constitui como um dos temas caros à literatura historiográfica e jornalística argentina. Na resenha O fascismo e as origens ideológicas da ditadura argentina, Júlio de Azambuja Borges analisa um dos volumes da recente série de livros de divulgação científica (Nudos de la historia argentina) publicados (também) pela Sudamericana, intitulado La Argentina fascista: los Orígenes ideológicos de la dictadura, escrito por Federico Finchelstein, em 2008. A produção sobre ambas as temáticas é bastante copiosa na Argentina, e estes dois livros servem ao propósito de apresentar ao leitor algumas das polêmicas que elas suscitam, bem como provocá-lo a outras e necessárias leituras.

Por fim, porém não menos importante, resta agradecer a todos os que se dispuseram a submeter seus textos para o nosso dossiê, o que muito nos honra, e, também, agradecer à editora da revista História Unisinos, Profa. Heloísa Jochims Reichel, a confiança depositada em mim e na Profa. Joana Maria Pedro (UFSC), seus organizadores.

Desejo a todos uma boa leitura!

Notas

1. Para um arrolamento muito mais numeroso desta produção de testemunhos, identificando, inclusive, exemplares deste conjunto ainda nos anos 1960, ver o trabalho de Rodeghero (2006). Ver, também, o artigo de Schmidt (2007).

2. Para um exemplo recente da extrema dificuldade que temos de lidar com relatos testemunhais como documentos, especificamente em relação a um “falso testemunho” sobre a Shoah, ver Elmir (2008).

3. Jay Winter (2006, p. 73), num instigante artigo no qual reflete sobre as variadas razões que explicam o “boom da memória”, notadamente na Europa e nos Estados Unidos, chama atenção também para este “campo difícil de investigar”, que é o dos testemunhos, tendo em vista as questões morais que o mesmo comporta. Aponta o autor, no que toca à adesão que os relatos promovem entre seus leitores / ouvintes, para os “tons religiosos” que os testemunhos assumem nesta relação: “Há uma espécie de toque de mãos em tais encontros. A pessoa que sofreu sabe de um mistério – o mistério do mal e o milagre da sobrevivência – e nós que escutamos podemos através dela penetrá-lo e compartilhar do milagre”. Para uma reflexão bastante próxima a esta promovida por Jay acerca do “boom da memória”, ver o artigo de Huyssen (2000).

Referências

DABÈNE, O. 2003. América Latina no século XX. Porto Alegre, Edipucrs, 328 p.

DE AGUIAR, J.A. 2001. O astro da anistia. Alceu, 2(3):146-165.

ELMIR, C.P. 2008. O caso Binjamin Wilkomirski: a dupla invenção da memória. Anos 90, 15(28):41-55.

HUYSSEN, A. 2000. Passados presentes: mídia, política, amnésia. In: A. HUYSSEN, Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio de Janeiro, Aeroplano, p. 9-40.

RODEGHERO, C. 2006. Os historiadores e os estudos sobre o golpe de 1964 e o regime militar no Brasil. L’ Ordinaire Latino-américain, 203:93-123.

RODEGHERO, C. 2008. Reflexões sobre história e historiografia da ditadura militar: o caso do Rio Grande do Sul. Vestígios do Passado. A história e suas fontes. In: ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA, IX, Porto Alegre, 2008. Anais… Porto Alegre, ANPUH-RS, p. 1-13.

SARLO, B. 2007. Tempo passado. Cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo / Belo Horizonte, Companhia das Letras / UFMG, 136 p.

SCHMIDT, B.B. 2007. Cicatriz aberta ou página virada? Lembrar e esquecer o Golpe de 1964 quarenta anos depois. Anos 90, 14(26):127-156.

WINTER, J. 2006. A geração da memória: reflexões sobre o “boom da memória” nos estudos contemporâneos de história. In: M. SELIGMANN-SILVA (org.), Palavra e imagem: memória e escritura. Chapecó, Argos, p. 67-90.

Cláudio Pereira Elmir – PPG em História Unisinos


ELMIR, Cláudio Pereira. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.13, n.2., maio / agosto, 2009. Acessar publicação original [DR]

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A Companhia de Jesus e a política da Ilustração / História Unisinos / 2009

Em 1759, o Império Português expulsava de seu Reino e de suas colônias, a Companhia de Jesus. Logo depois, em 1767, esta medida seria seguida pela Espanha. Por ocasião da passagem dos 250 anos da expulsão dos jesuítas do Brasil –, o Dossiê A Companhia de Jesus e a política da Ilustração se propõe a reflexão sobre a construção discursiva de que foi alvo este tema tão caro às historiografias europeia e americana, sobre seus condicionantes históricos e sua inserção nos debates científicos e político-filosóficos que caracterizaram o Iluminismo na segunda metade do século XVIII. Há algum tempo, os esforços de reflexão sobre a temática têm se valido da renovação teórica e metodológica do campo historiográfico para atualizar sua agenda de pesquisa, o que pode ser observado nos artigos a seguir.

O primeiro artigo, de Adone Agnolin, enfoca a batalha antijesuítica travada no Oriente no contexto da Ilustração, a partir da análise da tragédia A Viúva do Malabar ou o Império dos Costumes, escrita pelo poeta e dramaturgo francês Antoine-Marin Le Mierre, em 1770. Nesta peça, segundo o autor do artigo, estaria refletida a disputa relativa ao projeto da missionação jesuítica na Índia do começo do século XVII, o qual teria se encerrado drasticamente – vinte e seis anos antes da encenação da tragédia – com a Constituição Apostólica Omnium Sollicitudinum, do papa Bento XIV.

Beatriz Helena Domingues e Breno do Santos avaliam a influência do pensamento ilustrado – em voga na Europa em meados do século XVIII – nas cartas escritas pelo padre David Fáy aos seus familiares húngaros, desde a Vice-Província Jesuítica do Maranhão e Grão-Pará, durante o ano de 1753. Nelas, os autores se propõem a diagnosticar a ocorrência de uma assimilação – ainda que seletiva e católica – de algumas ideias caras à Ilustração, visando relativizar a tradicional abordagem que atribui, à Companhia de Jesus, uma visão retrógrada e resistente às mudanças, tributária de uma tradição “medieval católica” e “barroca”.

O artigo de Carlos Engeman, Cláudia Rodrigues e Marcia Amantino se detém na análise da documentação relativa à administração da Fazenda de Santa Cruz – com sede no Rio de Janeiro – referente aos anos de 1793 a 1804, procurando evidenciar e justificar a retomada de algumas práticas administrativas jesuíticas num contexto de Ilustração e de anti-jesuítismo, por seu administrador Manuel Martins do Couto Reis.

Carlos Paz parte de uma caracterização das transformações sociais e econômicas experimentadas pelas populações indígenas que ocupavam as fronteiras santafesinas do Chaco argentino devido à instalação das reduções jesuíticas na região, durante a primeira metade do século XVIII, para refletir sobre as rupturas e as continuidades que as relações sociais engendradas entre os Abipones – delineadas durante o período jesuítico – sofreram após a expulsão da Companhia de Jesus.

O artigo de Antônio Astorgano Abajo enfoca os efeitos que a política repressiva pombalina exerceu sobre a produção literária dos jesuítas portugueses expulsos, a partir do exame da Biblioteca jesuítico-española, organizada pelo padre jesuíta Lorenzo Hervás y Panduro, e do Diário escrito pelo também jesuíta Manuel Luengo. Apresenta-nos não apenas um criterioso levantamento da literatura produzida por membros da Companhia de Jesus no exílio, como também uma ampla caracterização do panorama intelectual europeu da segunda metade do século XVIII.

Na seção Notas de Pesquisa, Josefina Cargnel apresenta a investigação que vem desenvolvendo sobre as obras Historia de la Conquista del Paraguay, Río de la Plata y del Tucumán, escritas por dois eminentes historiadores jesuítas do século XVIII – Pedro Lozano e José Guevara –, a partir das reflexões teórico-metodológicas propostas por Roland Barthes para a análise da escrita jesuítica.

Duas resenhas sobre obras recentemente publicadas completam o dossiê.

O presente número publica ainda, na seção Artigos, o texto A inserção dos pentecostais na política: uma ameaça à democracia? de autoria de Valdir Pedde e Everton Santos.

A Comissão Editorial


Comissão Editorial. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.13, n.3., setembro / dezembro, 2009. Acessar publicação original [DR]

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Estudos sobre a Família Latino-Americana / História Unisinos / 2008

É com grande satisfação que apresento aos leitores este Dossiê “Estudos sobre a Família Latino-Americana”, que reúne contribuições de renomados especialistas de instituições do México, Argentina e Cuba, além da publicação de duas entrevistas com pesquisadoras, reconhecidas internacionalmente, no campo de estudo da história da família.

A escolha da temática para este dossiê vincula-se ao crescimento e à importância que a historiografia da família alcançou nos últimos anos em todo o mundo, sobretudo a partir da década de 1980. Também no espaço latino-americano os estudos sobre a família têm se multiplicado, e cada vez mais confirmam não só a complexidade das organizações familiares nas terras americanas, como evidenciam a incorporação de novos aportes teóricos e metodológicos.

Da mesma forma, a recente historiografia sobre a família latino-americana tem se caracterizado pela exploração de variadas fontes documentais, de cunho quantitativo e qualitativo, ficando evidente nestes estudos que os especialistas apostam nas várias escalas de abordagem, para desvendar as “múltiplas famílias” que co-existiram no passado latino-americano. O dossiê compõe-se de quatro artigos, todos inéditos, escritos por especialistas na área e que têm uma vasta produção sobre a família em perspectiva histórica.

O artigo de David Robichaux, “Sistemas familiares e práticas matrimoniais subalternas da América Latina: a hegemonia questionada”, abre o Dossiê. David Robichaux está vinculado à Universidad Iberoamericana, México, e atualmente, é coordenador do Grupo de Trabalho “Família e Infância” da CLACSO (Conselho LatinoAmericano de Ciências Sociais).

Na seqüência, temos duas contribuições sobre a família argentina. Maria Mónica Ghirardi, pesquisadora vinculada ao Centro de Estudios Avanzados da Universidad Nacional de Córdoba, Argentina, apresenta o trabalho “Família y maltrato doméstico en Córdoba, Argentina: audiencia episcopal de Córdoba, Argentina 1700-1850”. A autora integra a rede de pesquisadores latinoamericanos Formación, comportamientos y representaciones de la familia en Latinoamérica (vinculada à ALAP – Asociación Latinoamericana de Población).

José Mateo da Universidad Nacional de Mar del Plata / CONICET / Museo del Hombre del Puerto e Analía Correa também da Universidad Nacional de Mar del Plata / Museo del Hombre del Puerto propõem aos leitores deste volume o artigo “Hábitos sexuados en la ciudad puerto de Mar del Plata: mujeres y pescadores en los inicios del milenio”.

O dossiê encerra-se com o trabalho das pesquisadoras María de los Ángeles Meriño y Aisnara Perera, ambas integradas ao Centro de Investigación y Desarrollo de la Cultura Cubana, Cuba. As autoras oferecem aos leitores uma reflexão sobre “La madre esclava y los sentidos de la libertad. Cuba 1870-1880”. Este artigo apresenta alguns resultados do livro Esclavitud, familia y parroquia en Cuba, que recebeu, em 2007, o Premio Anual de Investigaciones Culturales do Centro de Investigación y Desarrollo de la Cultura Cubana Juan Marinello e o Premio Nacional de la Critica, ambos em Cuba.

Na seqüência, este volume reúne os artigos “Crônicas e notas: a imprensa hamburguense e o 13 de maio” de autoria de Magna Magalhães e “O Alto Douro entre sistemas de regulação: do protecionismo ao livre-cambismo (1852-1865)” de Carla Sequeira.

Por fim, ao final do volume, e com o objetivo de oferecer outros elementos para o debate em torno da questão da Família Latino-Americana, temos duas entrevistas que trazem ao leitor algumas das reflexões que estão na agenda dos estudiosos da história da família. Sem dúvida, a discussão é pautada pelos desafios impostos por conta das abordagens interdisciplinares, que se fazem necessárias ao tema.

Assim sendo, a seção “Entrevistas” complementa o dossiê Estudos sobre a Família Latino- Americana. Essa seção contou com a inestimável colaboração da pesquisadora cubana Ana Vera Estrada, que também é investigadora do Centro de Investigación y Desarrollo de la Cultura Cubana Juan Marinello, La Habana, Cuba.

Ana Vera Estrada teve a oportunidade de entrevistar duas intelectuais de primeira grandeza entre os estudiosos da família: a antropóloga francesa Martine Segalen, da Université de Paris XNanterre (França), que foi diretora do Centre d’Ethnologie Française ligado ao Musée des Arts et Traditions Populaires, tendo publicado uma série de artigos e livros sobre família e a historiadora Pilar Gonzalbo Aizpuru, espanhola de nascimento, mas radicada no México há muitos anos, e investigadora no El Colégio de México, autora de inúmeros livros sobre o tema e organizadora da recente coleção Historia de la Vida Cotidiana en México. Ana Vera entrevistou as pesquisadoras durante o Congreso Internacional Familias y Organización Social en Europa y América, siglos XV-XX, realizado nas cidades de Murcia e Albacete (Espanha), entre os dias 12 e 14 de dezembro de 2007, do qual participaram alguns dos autores de trabalhos aqui reunidos. O evento foi organizado pelo Seminario Familia y Elite de Poder (Departamento de Historia Moderna, Contemporánea y de América, Universidad de Murcia) e pelo Seminario Historia Social de la Población (Departamento de Historia, Facultad de Humanidades de Albacete, Universidad de Castilla-La Mancha).

Creio que a vitalidade deste campo de estudos fica atestada não só através do volume crescente de publicações sobre o tema, como também pelos inúmeros eventos organizados para discutir a família, esta instituição praticamente universal, que está na base da nossa própria concepção de mundo. A revista História UNISINOS traz, portanto, algumas das questões e das várias possibilidades de abordagens que vêm atraindo a atenção dos pesquisadores, e que mostram a riqueza e a multiplicidade dos temas e recortes temporais que vêm desafiando os historiadores latino-americanos atualmente.

Por fim, a idéia de publicação deste Dossiê foi prontamente acolhida pela editora da revista História UNISINOS, minha colega Heloisa Reichel, a quem deixo meu agradecimento pelo apoio à iniciativa.

São Leopoldo, outono de 2008.

Ana Silvia Volpi Scott – PPG-História UNISINOS


SCOTT, Ana Silvia Volpi. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.12, n.1., janeiro / abril, 2008. Acessar publicação original [DR]

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História Ambiental / História Unisinos / 2008

O dossiê que a Revista História apresenta neste número, abre espaço para divulgar pesquisas sobre uma dimensão da história que muito recentemente começou a ser explorada., ou seja, a de investigar e refletir sobre as interações entre as sociedades humanas e a natureza, trabalhando com variáveis ambientais em uma perspectiva histórica.

As questões que envolvem as transformações ambientais estão a exigir nossa atenção, o que significa, na esfera intelectual, a contribuição dos diferentes campos de conhecimento na sua análise e compreensão. Para além da difusão da problemática ambiental nos meios de comunicação, questões de fundo estão sendo colocadas, levando ao questionamento acerca da cultura ocidental e da lógica econômica, características do padrão de organização social construído com a modernidade. A inteligibilidade dessas questões e as respostas possíveis são aspectos em discussão, em debate. Neste sentido, uma das respostas a esses problemas aposta e reforça a racionalidade científica, tentando atribuir valores e criando critérios quantitativos para avaliação dos efeitos das ações humanas no ambiente. Nessa perspectiva, perseguem e aprofundam a intervenção do homem sobre a natureza, o que vem sendo potencializado como nunca pelo avanço tecnológico inigualável dos últimos 50 anos. Mas essa não é uma posição unânime. Para muitos pensadores, está cada vez mais claro que a racionalidade econômica que vem norteando as sociedades atuais não oferece respostas para a problemática ambiental.

Outro aspecto importante, cujo questionamento acompanha a reflexão sobre o meio ambiente refere-se à concepção de desenvolvimento. Pensar em desenvolvimento já não pode ser feito apenas em termos econômicos, ou falaciosamente sociais. Os argumentos do emprego, da arrecadação de tributos e da geração de riquezas estão sendo confrontados e fragilizados, na medida em que são levados em consideração os efeitos ambientais das medidas produtivistas. O futuro está cobrando a sua parte e a responsabilidade, o compromisso com as gerações futuras aparecem como um forte fundamento moral e ético a orientar as condutas e as decisões. O processo é recente, diríamos incipiente e, por isso, não conseguimos ainda perceber todos os seus elementos e os seus desdobramentos. Mas seu potencial é revolucionário, não por inspirar discursos e projetos. Seus efeitos são de outra ordem: modificam comportamentos e hábitos, difundem novos valores, ampliam nossa noção do que seja o coletivo, introduzem mudanças no direito da propriedade privada, e, fundamentalmente, está sendo alterada a forma como pensamos as relações entre a sociedade e a natureza. Nessa perspectiva, considero muito importante a contribuição que os historiadores podem dar pesquisando e refletindo sobre os movimentos ambientais, estudando os ambientes naturais do passado, investigando as técnicas e os conhecimentos usados na exploração do ambiente e as mudanças provocadas por essas interações, que são inspiradas e / ou orientadas por percepções, valores e significados que também precisam ser desvelados. Os artigos que integram esse dossiê são uma pequena mostra das possibilidades e caminhos utilizados nas pesquisas de História Ambiental.

Lucrecia Wagner em La lucha contra la contaminación y el saquero: de las movilizaciones em Mendonza a la unión de las reivindicaciones socioambientales em América Latina explora o embate entre o interesse econômico pela expansão da mineração na Argentina e a resistência crescente da população em assumir os riscos ambientais desse programa de desenvolvimento, que, mesmo não sendo recente, recebeu nas últimas décadas um incremento expressivo. A análise desse movimento social, seu surgimento e formas de atuação é o foco de interesse do artigo.

Em O recomeço na mata: notas para uma história ambiental da colonização alemã no Rio Grande do Sul, Juliana Bublitz procura esclarecer e discutir elementos da relação que os imigrantes alemães estabeleceram com a natureza, recém chegados à região sul do país, nos primórdios do Brasil independente. Explora as impressões e sensibilidades desses imigrantes nos primeiros contatos, revelando o estranhamento e o medo profundo que certamente enfrentaram.

Marcos Montysuma e Tereza Almeida da Cruz em Perspectivas de gênero acerca da experiência cotidiana no Seringal Cachoeira – Acre (1964-2006) preocupam-se em analisar, por meio da história oral, as visões de gênero que perpassam as narrativas sobre a utilização e a luta em defesa dos recursos da floresta.

Marluza Marques Harres, em A paisagem em movimento: marcas do aproveitamento dos recursos hídricos (bacia hidrográfica do rio Camaquã, Rio Grande do Sul, Brasil), analisa as transformações ambientais, explorando antigas descrições a respeito de uma área alagada na região do baixo Camaquã. Faz isso, relacionando a análise socio-econômica dessa região com a gradativa alteração dos mananciais de água. A lógica que permeia a relação com essas áreas alagadas, na época analisada, é a da possibilidade e a das facilidades visualizadas para os empreendimentos econômicos.

Na seção Artigos, publicamos um conjunto de textos relacionados com a história das Américas.

O de Guilherme Felippe, intitulado Casar sim, mas não para sempre: o matrimônio cristão e a dinâmica cultural indígena nas reduções do Paraguai, analisa, através do discurso registrado na correspondência inaciana, o ocorrido na cultura guarani, a partir do momento em que os padres jesuítas iniciaram sua tentativa de substituir os costumes matrimoniais nativos pelo modelo cristão.

Maria Elisa Mäder, partindo do argumento central de que a dicotomia civilização / barbárie pode ser considerada um dos eixos centrais da representação da nação nas Américas, no século XIX, em Civilização, barbárie e as representações espaciais da nação nas Américas no século XIX, analisa como o conceito de nação foi elaborado e concretizado nos textos e ações de alguns intelectuais latino-americanos, enfatizando o papel e a importância que eles atribuíam à natureza na constituição das características particulares e nacionais de um território, de um povo e de sua história.

No último artigo, Alessander Kerber, em O nacionalismo na construção das identidades nacionais da Argentina e do Brasil dos anos 1920 e 1930 através da trajetória artística de Carlos Gardel e Carmen Miranda, analisa a participação desses cantores na construção das identidades nacionais de seus respectivos países, focalizando, especialmente, o nacionalismo representado em suas músicas e filmes.

Na seção Entrevista, a atuação de militante do Pastor Genote Gilberto Kirinus junto a movimentos sociais e políticos no Oeste do Paraná durante o período da ditadura militar no Brasil

Ao concluir, manifestamos nosso agradecimento à profa. Dra. Marluza Marques Harres pela inestimável colaboração que deu à revista, responsabilizando-se pela organização do dossiê publicado nesse volume.

A Comissão Editorial.


Comissão Editorial. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.12, n.3., setembro / dezembro, 2008. Acessar publicação original [DR]

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Colonização e Imigração / História Unisinos / 2007

O Programa de Pós-Graduação em História comemora 20 anos. Para celebrar esta trajetória de duas décadas em que o Programa conquistou o reconhecimento da comunidade de historiadores, a revista História Unisinos dedicará os volumes deste ano de 2007 a artigos que contemplem temas relativos às suas três linhas de pesquisa.

Este primeiro volume é dedicado à linha de pesquisa Colonização e Imigração na América Latina. Assim, o dossiê, que leva o nome Colonização e Imigração, reúne sete artigos de pesquisadores das mais diversas instituições (nacionais e estrangeira) e abrange uma vasta gama de assuntos que, vinculados à temática central, apresentam abordagens inovadoras.

A abrir o volume, temos o artigo de Jorge Fernandes Alves, docente da Universidade do Porto (Portugal), que focaliza a temática da emigração portuguesa, revisitando autores clássicos do século XIX que refletiram sobre o crescimento do fluxo emigratório que, na época, se dirigia quase que exclusivamente ao Brasil. Jorge Alves adota uma perspectiva da arqueologia do discurso para tratar a questão.

Ainda em torno da temática das migrações, mas a partir da perspectiva do país de acolhimento, temos os demais artigos. Começamos com os de Sergio Nadalin e de Maria Luiza Andreazza, ambos docentes da Universidade Federal do Paraná.

Se Jorge Alves opta pela análise da arqueologia do discurso, Sergio Nadalin se vale da lingüística para analisar a dialética dos nomes numa comunidade imigrante. Desenvolve uma discussão teórico-metodológica em torno da análise da “nominação” e como ela pode contribuir para a compreensão da dinâmica das fronteiras étnicas edificadas pelo grupo imigrante analisado e seus descendentes.

Por sua vez, Maria Luiza Andreazza aborda uma temática que tem recebido a atenção dos historiadores nos últimos anos. Analisa o impacto da imigração no sistema familiar através do estudo dos ucranianos que se radicaram em Antonio Olinto (Paraná). A autora parte do pressuposto de que o sistema familiar expressa uma opção coletiva e, como tal, conforma forte traço cultural cuja estabilidade não é, necessariamente, ameaçada pela imigração.

O artigo de Maria Catarina Chitolina Zanini, docente da Universidade Federal de Santa Maria, vem mostrar a riqueza do diálogo que se estabelece quando especialistas das Ciências Sociais, especificamente da Antropologia Social, voltam sua atenção para a análise dos processos de construção de memórias e identidades étnicas. A autora apresenta suas reflexões sobre esta temática, a partir de uma pesquisa etnográfica realizada entre 1997 e 2001, no Rio Grande do Sul.

Paulo César Possamai, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, também apresenta uma contribuição que se volta para a análise da imigração no estado gaúcho. O autor analisa o processo de construção da identidade ítalosul-rio-grandense entre 1875 e 1918, através da utilização de memórias e cartas de imigrantes e agentes consulares italianos no Brasil.

Fechando o conjunto de artigos dedicado à questão da emigração / imigração, temos o artigo de Rosane Siqueira Teixeira, doutoranda em Ciências Sociais na Universidade Federal de São Carlos (SP). A autora apresenta algumas reflexões preliminares sobre uma associação de socorro mútuo e beneficência fundada por imigrantes italianos na cidade de Araraquara, interior de São Paulo e que também funcionou como centro de filiação ao Partido Nacional Fascista.

O dossiê Colonização e Imigração apresenta um artigo que focaliza a temática da colonização. A contribuição de Ana Paula Wagner, doutoranda da Universidade Federal do Paraná, analisa a administração da África Oriental Portuguesa na segunda metade do século XVIII através do estudo da região de Moçambique. A autora sublinha as diferentes realidades encontradas no âmbito da administração do Império Português, perspectiva que vem sendo valorizada pela recente produção historiográfica sobre o período colonial, que aposta numa história comparada e integrada do espaço imperial luso.

A sessão de artigos, por sua vez, reúne duas contribuições. Eliane Lucia Colussi, docente da Universidade de Passo Fundo, analisa aspectos da história política do Rio Grande do Sul a partir do uso de práticas de violência no período da República Velha. O cenário onde se desenvolve seu estudo é o município de São Borja. Avançando para o último quartel do século XX, temos a contribuição de Everton Rodrigo Santos, professor do Centro Universitário Feevale e da Universidade Luterana do Brasil (RS), que analisa a temática da ideologia e dominação na transição democrática no Brasil, entre 1974 e 1989, no âmbito da Escola Superior de Guerra (ESG).

Ainda encontramos, nesse volume, a sessão “Notas de Pesquisa”. Nela, reunimos resenhas de pesquisas desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação em História, sendo três de autoria dos professores que integram a linha de pesquisa Colonização e Imigração na América Latina e o último, da pesquisadora Imgart Grützmann, que fez seu pós-doutorado na UNISINOS.

A idéia deste conjunto de Notas de Pesquisa é mostrar, a um público especializado mais amplo, os diversos projetos em andamento no Programa de Pós-Graduação em História da Unisinos.

Martin N. Dreher discute seu projeto que gira em torno da figura de Jacobina Mentz Maurer. Karl Monsma apresenta sua pesquisa sobre identidades, desigualdade e conflito entre imigrantes e negros no interior de São Paulo nos finais do século XIX e primeiras décadas do século XX. Temos ainda, as notas de pesquisa sobre o projeto voltado para o estudo da imigração portuguesa para o Brasil, a partir do caso do Núcleo Colonial da Nova Lousã, desenvolvido por Ana Silvia Volpi Scott.

Por fim, publicamos a resenha que José Pedro Cabral Cabrera elaborou sobre a obra da A. Garcé e J. Yaffé, La era progresista.

Resta-me apenas congratular o Programa de Pós-Graduação em História pelos seus 20 anos e agradecer à minha colega Heloísa Reichel a oportunidade de poder ter colaborado na organização deste volume.

Ana Silvia Volpi Scott


SCOTT, Ana Silvia Volpi. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.11, n.1., janeiro / abril, 2007. Acessar publicação original [DR]

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Idéias e Movimentos Sociais na América Latina / História Unisinos / 2007

Com o dossiê Idéias e Movimentos Sociais na América Latina, a Revista História Unisinos completa o ciclo de edições comemorativas aos vinte anos de atividade do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Os artigos publicados apresentam contribuições de pesquisadores que vêm desenvolvendo investigações nos campos da história das idéias, da história social, da história política e da história cultural.

Os enfoques dos textos selecionados guardam relação com as temáticas desenvolvidas na linha de pesquisa Idéias e Movimentos Sociais na América Latina, acompanhando as tendências teórico-metodológicas e as problemáticas privilegiadas pelos docentes do Programa.

Os primeiros artigos relacionam-se com um dos objetos de estudo que têm concentrado a atenção de nossos pesquisadores, ou seja, os intelectuais. Nesse sentido, os textos de Palti e Cezar focalizam os intelectuais como sujeitos historiográficos, destacando a contribuição dos mesmos à produção do conhecimento histórico latino-americano e brasileiro. Perissinotto concentra sua análise na relação entre história e sociologia, focalizando as contribuições de autores como Pierre Bourdieu e Michel Foucault. A contribuição desse último para a construção historiográfica contemporânea é o tema do artigo de Castelo Branco. A memória e o imaginário, também presentes nas investigações desenvolvidas no Programa, são analisados por Possamai através das imagens de um álbum de fotografias.

Relacionado com a problemática da inserção da população negra na sociedade latino-americana, igualmente inserida na linha de pesquisa aqui focalizada, Vitorino oferece uma reflexão sobre as razões do predomínio da mão de obra escrava em detrimento da livre durante o Império brasileiro.

Na seção Artigos, Truzzi contribui com um interessante texto acerca da contribuição dos árabes à cultura e à sociedade da América do Sul.

Resenha e Notas de Pesquisa completam o fascículo, sendo que, nestas, os docentes da linha de pesquisa Idéias e Movimentos Sociais na América Latina do Programa de Pós-graduação em História / Unisinos apresentam relatos e / ou resultados parciais das pesquisas que realizam, dando a conhecer, assim, problemas que vêm sendo investigados, atualmente, no Programa.

Comissão editorial


Comissão editorial. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.11, n.3., setembro / dezembro, 2007. Acessar publicação original [DR]

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Populações Indígenas e Missões Religiosas na América Latina / História Unisinos / 2007

A história da Linha de Pesquisa Populações Indígenas e Missões Religiosas na América Latina se confunde com a história e com o Projeto da própria Universidade que a abriga, haja vista o interesse dos membros da Companhia neste tema e a larga trajetória de estudos acerca do mesmo, produzidos pelo Instituto Anchietano de Pesquisas. Fundado em 1956, para congregar jesuítas da província meridional da Ordem que desenvolviam pesquisas nos colégios e na missão de Diamantino (Mato Grosso), e para facilitar a publicação de seus trabalhos e garantir a continuidade de seus projetos e acervos, o IAP construiu uma sólida tradição de pesquisas na área, à qual se somaram aquelas que vieram a desenvolver-se no âmbito do PPGH.

A Linha se apresenta tendo como temas de interesse os relativos às populações indígenas, ao processo de conquista, evangelização e colonização da América Latina, bem como seus desdobramentos político-econômicos e socioculturais na construção da identidade latino-americana. Entre os focos de análise privilegiados, sem dúvida, sobressaem-se aqueles que tomam por objeto o processo de ação missionária da Companhia de Jesus que resultou, entre outras coisas, no estabelecimento dos chamados “30 Povos das Missões”.

Contudo, considerando que a “missão” foi uma experiência que transcendeu territórios, tendo sido desenvolvida historicamente em espaços tão distintos quanto o Prata, o Chile, a Amazônia e as áreas contíguas do Oriente boliviano, por exemplo; que, nas suas várias manifestações, uma nova noção de territorialidade decorreu desta estratégia de conversão e de civilização; que as populações indígenas que foram objeto desta política missionária responderam a ela de forma diferenciada; que nestas múltiplas fronteiras em que espaços foram ocupados e reocupados, produziram-se práticas culturais que podem ser objeto de estudos comparados em suas singularidades e em suas recorrências, os pesquisadores vinculados à Linha têm procurado integrar estes temas às suas reflexões.

O presente Dossiê espelha este avanço das perspectivas de análise sobre o tema que originalmente marcou o trabalho da Linha, assim como a interlocução corrente com especialistas de outras instituições, evidenciando o esforço dos pesquisadores em acompanhar as tendências historiográficas mais recentes, não só no que tange aos estudos culturais, como aos que vêm renovar a história social e compor uma nova história indígena.

Refletindo este estado da arte, os artigos de Arnt, Avellaneda, Neumann, Quarleri e Torres-Londoño escapam de análises simplistas sobre a época colonial, atendendo a este repto que é o de recuperar-se o papel dos grupos indígenas na formação das sociedades e culturas do continente. Para tanto, os autores ultrapassam a mera adoção de uma visão de crítica ao colonialismo e denúncia das suas tremendas conseqüências em relação aos nativos, para efetivamente refletirem sobre mecanismos de resistência, assimilação defensiva e recuperação, isto é, sobre as formas através das quais interagiram com a sociedade colonial e ajudaram a conformá-la.

Como instituição colonial, as reduções diferenciaram-se segundo as circunstâncias históricas e as particularidades étnicas e regionais de onde existiram, assim como segundo as intenções de seus fundadores e responsáveis. Daí podermos concordar com a afirmação de Bartomeu Meliá de que a missão por redução é um método e uma história, um modo de proceder e uma atuação do mundo colonial. Esta perspectiva justamente é aquela que é abordada nos artigos de Barcelos, Carvalho da Silva, Domingues, Franco e Santos. Finalmente, Chamorro-Argüello contempla, em seu texto, as possibilidades abertas pela atual recuperação do gênero biográfico, vinculando-o ao tema da missão por redução.

Eliane Cristina Deckmann Fleck – PPGH – UNISINOS

Maria Cristina Bohn Martins – PPGH – UNISINOS


FLECK, Eliane Cristina Deckmann; MARTINS, Maria Cristina Bohn. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.11, n.2., maio / agosto, 2007. Acessar publicação original [DR]

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História: Saúde e Poder / História Unisinos / 2006

História: Saúde e Poder constitui o dossiê deste número da revista História Unisinos.

Instigante e bastante atual entre os historiadores, a temática possibilitou que fossem reunidas, nessa publicação, importantes contribuições de especialistas que se dedicam ao seu estudo, seja sob a ótica das doenças, das terapêuticas ou das políticas e práticas sociais a ela relacionadas.

O artigo Misericórdias da Santa Casa: um estudo de caso das práticas médicas nas Minas Gerais oitocentistas, de Maria Leônia Chaves de Resende, analisa o papel exercido pela Santa Casa da Misericórdia de São João Del-Rei na prática da medicina, durante a primeira metade do século XIX, tendo, como base, a terapêutica aplicada no tratamento dos pacientes na região da Comarca do Rio das Mortes (MG). Em Dos cuidados e das curas: a negociação das liberdades e as práticas de saúde entre libertos, senhores e escravos, Nikelen Acosta Witter expõe sua percepção de que as experiências da enfermidade e da cura constituem espaço de relevante valor histórico para a observação das tensões, conflitos e negociações entre senhores e libertos no Rio Grande do Sul do século XIX. O artigo Algumas considerações sobre história, saúde e homeopatia, de Beatriz Weber, aponta para os efeitos da organização médica implantada nas décadas de 1930 e 1940 no Brasil, a qual definiu como inexistentes ou pouco expressivas as práticas médicas concorrentes, como por exemplo, a homeopatia. Dilma Cabral, em Lepra, morféia ou elefantíase-dos-gregos: a singularização de uma doença na primeira metade do século XIX desvenda o movimento de incorporação da lepra no quadro nosológico e na literatura médico-científica nacional, identificando na sua endemicidade nas áreas coloniais, a razão para a inquietação e para o debate que provocou entre autoridades e médicos nas décadas finais do século XIX. Em Labirintos ao redor da cidade: as vilas operárias em Pelotas (RS) 1890-1930, Lorena Almeida Gil propõe uma análise do projeto de implantação de vilas operárias em Pelotas, valendo-se de jornais da época e de documentos oficiais da Intendência, com destaque para as opiniões emitidas pelo escrevente municipal Alberto Coelho da Cunha. O artigo de Adrián Celentano, Psiquiatria, psicologia y política de izquierdas em Argentina del siglo XX: la historia intelectual de Gregorio Bermann, aborda o desenvolvimento da produção científica no campo da psicologia e da psiquiatria argentinas, a partir das intervenções de um intelectual da esquerda socialista, Gregório Bermann. O artigo Experiências de vida, experiências de loucura: algumas histórias sobre mulheres internas no Hospício São Pedro, Porto Alegre, 1884-1923, de Yonissa Marmitt Wadi, analisa dados sobre a população de internos do Hospício São Pedro de Porto Alegre, com ênfase na presença das mulheres e suas trajetórias no manicômio, visando compreender como os atributos físicos e culturais e as experiências de vida dessas mulheres internadas foram conjugadas na construção de sua experiência de loucura. Em Nas entrelinhas da história: sensibilidade e exclusão em narrativas da loucura, Nádia Maria Weber Santos explora e discute, a partir de três obras literárias que versam sobre loucura e internação em hospício, as narrativas que expressam as sensibilidades dos internados sobre a doença, sobre o meio que os abriga e sobre o mundo em que vivem.

Compõe este número da revista História Unisinos, também, a tradução de uma versão escrita do diálogo travado entre Pierre Bourdieu e Roger Chartier, ocorrido nos dias 3 e 4 de fevereiro de 1988. O referido debate foi difundido pela rádio France Culture no programa A voix nue, consagrado a Pierre Bourdieu.

Na seção Notas de Pesquisa, Viviane Borges Trindade apresenta resultados parciais de sua pesquisa através do artigo A loucura herda um espaço deixado pela lepra: fragmentos de história oral com os pacientes-moradores do Hospital Colônia Itapuã. Nele, a pesquisadora, valendo-se de relatos orais como fonte principal, relata os conflitos havidos entre os moradores do Hospital Colônia Itapuã, portadores do Mal de Hansen, e os pacientes provenientes do Hospital Psiquiátrico São Pedro, após a transferência desses para aquela instituição, em 1972.

A seção Resenhas conta com as colaborações de Sílvia Maria Fávero Arend, de Dora Isabel Paiva da Costa e Maria Cristina Bohn Martins.

Comissão editorial


Comissão Editorial. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.10, n.1., janeiro / abril, 2006. Acessar publicação original [DR]

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Escravidão, emancipação, história e historiografia: América Latina e experiências comparadas / História Unisinos / 2006

Este dossiê está organizado em duas sessões. Na primeira: Brasil, história atlântica e diáspora aparecem artigos enfocando a historiografia da escravidão, comércio de escravos, políticas de domínio, legislação e campesinato negro. Abre com uma abordagem panorâmica de Regina Xavier sobre a história dos africanos e afro-descendentes no Rio Grande do Sul. A autora investiga cenários e contextos da produção historiográfica rio-grandense, as perspectivas dos autores, campos de investigações, temáticas, espaços editoriais e fontes. Destaca o papel da revista do Instituto Histórico e Geográfico da Província de São Pedro e suas vinculações intelectuais na formulação de uma história da escravidão negra local, fortemente impregnada de uma dada perspectiva de nação e, portanto de região e suas especificidades no século XIX.

Trata-se de uma reflexão fundamental para ser conectada com a historiografia mais recente sobre o tema no Rio Grande do Sul. Não só dos importantes trabalhos de Bakos, Flores, Freitas, Maestri, Pesavento e Picollo1 entre outros já nos anos 1980, mas especialmente a tradição de Dante Laytano2 nos anos 1950 e 1960. Talvez possam ser recuperadas as interlocuções dos primeiros campos de estudos no Sul, articulando interesses pela diáspora e religiosidade africana, incluindo Herskovitss e outros que analisavam o chamado “passado africano” nas Américas3. A temática das vivências africanas e a construção da diáspora urbana mais do que um tema emergente se encontra solidificado em várias abordagens para o Rio Grande do Sul4.

O excelente artigo de Gabriel Santos Berute aprofunda isso ao perscrutar os registros de pagamentos do imposto da meia-sisa da Vila do Rio Grande no período de 1812-1822. Desvela tanto sobre impostos, valores de compra e venda, negociantes, com cenários e personagens do comércio negreiro intra-atlântico, como as procedências e perfis socioeconômicos de africanos e crioulos negociados para o Rio Grande nas primeiras décadas do século XIX. Qual o período de maior negociação de escravos? Como se articulava com a economia charqueadora e outras dimensões da sociedade riograndense? Quem eram os compradores de escravos? Quais características mercantis do tráfico intra-atlântico para o Rio Grande do Sul? Berute assinala a dimensão da população de escravos crioulos (embora mantida a predominância de cativos do sexo masculino) comercializados, indo em direção a um importante campo de estudos sobre a “crioulização” endógena da população escrava sulina, também articulada com taxas consideráveis de africanos ocidentais. As margens de uma história atlântica – menos de uma escravidão genérica – que consideram as variações translocais e conectadas de portos, personagens, dimensões e diásporas inventadas são aproximadas5. Parodiando Alberto Costa e Silva, assim como o Rio de Janeiro, o Rio Grande também era atlântico, posto que conectado entre centros, periferias, impérios e nações.

A historiadora Adriana Pereira Campos oferece uma interessante reflexão sobre os nexos do cativeiro e políticas de domínio no mundo escravista pós-colonial. Partindo da documentação da polícia provincial do Espírito Santo avalia o que denomina “ambigüidades” das relações entre o poder público e as políticas de domínio privado. Assim flagra uma face da montagem e o equilíbrio da construção da ordem da nação numa sociedade escravista e em permanente tensão na segunda metade do século XIX. Por fim, Flávio Gomes analisa as interfaces entre narrativas oitocentistas da repressão antimocambos com aquelas das memórias de comunidades negras, avaliando dimensões e expectativas na formação de micro-sociedades camponesas na escravidão e no pós-emancipação no Baixo Tocantins, região amazônica.

A segunda parte deste dossiê intitula-se Escravidão e Dimensões Comparadas: América Latina, sociedades escravistas e sociedades com escravos. Aparecem trabalhos enfocando história das idéias, história intelectual e reflexão historiográfica sobre a escravidão e abolição na Argentina, Colômbia, Venezuela e Uruguai. Ela é aberta com a instigante reflexão de Eduardo Restrepo sobre as representações e as narrativas discursivas sobre a Abolição na Colômbia na primeira metade do século XIX, em que destacam-se convergências, polarizações, argumentos e justificativas multivocais da sociedade em questão. Imagens de barbárie, incompatibilidade econômica, progresso, civilização e cidadania eram desenhadas em termos dialógicos. Com abordagem historiográfica, articulando história das idéias e história intelectual apresentam-se interessantes análises sobre escravidão e identidade na Venezuela, Uruguai e Argentina. Ramos Guedes oferece uma breve reflexão sobre a trajetória intelectual do importante historiador venezuelano Brito Figueroa. Lamentavelmente pouco conhecido na literatura sobre escravidão no Brasil, Figueroa destaca-se como importante historiador marxista da escravidão nas Américas, produzindo pesquisas fundamentais sobre a história econômica da escravidão venezuelana e as perspectivas de pensar os seus sujeitos, especialmente os africanos e seus descendentes. Recupera assim o legado desse intelectual para a literatura temática na Venezuela.

Os dois últimos artigos tratam da escravidão africana no Cone Sul, oferecendo assim ricas possibilidades futuras de comparação entre sociedades escravistas e sociedades com escravos em várias regiões do Uruguai, Argentina, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. Borucki chama atenção para as conexões entre as identidades nacionais e as imagens da história da escravidão uruguaia. Tema ainda com pouco investimento no Brasil, surge uma original abordagem sobre as relações entre movimentos sociais e a produção historiográfica no Uruguai, nos últimos 70 anos. Examina as possibilidades de diálogos invisíveis entre vários setores sociais, intelectuais e acadêmicos, assim como temas de investigação histórica e expectativas de cidadania e reconhecimento histórico através deles. Em direção semelhante apresenta-se o artigo de Gladys Perri, fechando este número especial. As historiografias nacionais da América Latina escolheram – entre mitos, memórias, silêncios e ênfases – percursos e atalhos para avaliar o papel da escravidão e da abolição em cada sociedade, no período colonial e pós-colonial. Estava em jogo a nação, suas identidades e horizontes, assim como memória social e história. A referida autora resgata os sentidos e contextos da produção de mitos de “negação” e “ausência” de escravidão, africanos e seus descendentes na Argentina e o papel da literatura histórica.

Paulo Staudt Moreira

Flávio Gomes


MOREIRA, Paulo Staudt; GOMES, Flávio. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.10, n.3., setembro / dezembro, 2006. Acessar publicação original [DR]

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Gênero e protagonismo na História (I) / História Unisinos / 2005

Gênero e Protagonismo na História é o tema do dossiê publicado no volume que ora apresentamos. Afora a importância e recorrência com que vem sendo estudado, sua definição encontra-se vinculada à realização da III Jornada de Estudos de Gênero- Feminismo e Gênero na Academia: protagonismos, tensões e perspectivas e do III Encontro de Protagonismo, Educação e Gênero, realizados simultaneamente, de 8 a 31 de março de 2005 na Unisinos. O evento se caracterizou pela abordagem interdisciplinar, razão pela qual algumas das comunicações apresentadas contemplaram o tratamento dado ao tema por várias áreas de conhecimento. Dessa forma, os artigos desse volume abordam as questões de gênero sob o “olhar” de várias disciplinas, como a História, a Teologia, a Psicologia, a Literatura, a Saúde Pública.

Convém ressaltar, entretanto, que os artigos publicados não resultam exclusivamente do evento acima referido. Esse é o caso dos dois primeiros, Masculinidades plurais: a construção das identidades de gênero em obras literárias, de Pedro Vilarinho, e Mulheres na militância: trajetórias femininas na construção do PT do Rio, de Ana Maria Mauad e Fernanda Lima Rabelo.

O artigo do Dr. Paulo Vilarinho, professor do PPG em História da Universidade Federal do Piauí, aborda um tema original e relevante para a historiografia brasileira, resultando numa contribuição significativa, não só para os estudos de gênero, mas também para a história cultural e intelectual. Indica novos padrões da cultura masculina relacionados à modernidade, mostrando como a dominação do masculino sobre o feminino se transforma, mas não desaparece. Partindo de um caso específico, os intelectuais piauienses, o texto aponta, também, conexões entre um campo cultural mais restrito e um universo mais amplo.

O artigo da Dra. Ana Maria Mauad, docente do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense e de Fernanda Lima Rabelo, mestranda do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro é outro texto instigante que evidencia como um conjunto de entrevistas, coletado e organizado na modalidade de Histórias de Vida, pode contribuir para a construção de uma história mais ampla do movimento político que derivou na criação do Partido dos Trabalhadores do / no Rio de Janeiro, nos anos 80 do século XX e como se fez, nele, a participação, em grau e importância, de mulheres militantes.

Movimentos Sociais e Serviço Social: protagonismo ético-político de mulheres, da assistente social e professora da Unisinos Ms.Clair Ribeiro Ziebel, é o primeiro dos artigos publicados que têm relação com o evento anteriormente citado. Nele, a autora, evidencia o caráter multidisciplinar da temática focalizada em nosso dossiê, descrevendo um trabalho de relevância social, mais especificamente o de assessoria a movimentos sociais em São Leopoldo. Enfatiza a trajetória percorrida por um movimento de mulheres, hoje organizadas no Fórum de Mulheres de São Leopoldo (FMSL) e seu protagonismo na cidade em torno das políticas públicas de gênero.

Em A história de uma história – o protagonismo das mulheres na Teologia Feminista, a teóloga e professora da Escola Superior de Teologia Dra. Marga Ströher, articula a área da História com a da Teologia ao relatar a experiência de implementação de uma cátedra de teologia feminista na instituição em que atua. Ao refletir sobre os propósitos e fundamentos da teologia feminista como campo de conhecimento e campo político, a autora relaciona a experiência relatada com as relações de força existentes no interior do campo religioso regional, nacional e internacional.

O artigo Industrialização, urbanização e disciplinamento. O discurso moral como justificativa dos internamentos de homens e mulheres em uma instituição psiquiátrica (Hospital São Pedro, de Porto Alegre, 1930-1947), da professora do PPGH da Unisinos Dra. Cleci Favaro e seus bolsistas de Iniciação Científica Adriana Lopes Ávila e Wagner Pedroso, realiza a análise de um corpo documental específico – os prontuários de um asilo de alienados, no período 1930- 1947 – visando observar a construção dos discursos de gênero. Focaliza a temática a partir das transformações que ocorriam nas relações de trabalho e do êxodo rural provocado pela industrialização a fim de demonstrar que os motivos justificadores de internação estavam permeados pela moral e pelos valores burgueses vigentes.

Em O feminismo marxista e o trabalho doméstico: discutindo com Heleith Saffioti e Zuleika Alembert, a Dra. Joana Maria Pedro, juntamente com suas bolsistas de Iniciação Científica Carolina de Melo e Veridiana Oliveira, contribuem para uma revisão historiográfica, destacando a relação efetuada, por autoras feministas que se encontravam sob influência da perspectiva marxista nos anos 1970 e 1980, entre o tema da exploração das mulheres e o surgimento da propriedade privada.

Gênero, uma palavra para desconstruir sentidos e construir usos políticos, do Professor Losandro Antonio Tedeschi da Universidade Regional Integrada / RS e doutorando do PPGH da Unisinos, é outro artigo de dimensão multidisciplinar, no qual a Sociologia e a Psicologia contribuem para refinar o uso do conceito “gênero” pelos historiadores. Nele, a discussão do conceito é inovada ao identificar seus usos empíricos e analíticos, os quais extrapolam a dimensão acadêmica e produzem efeitos de ganhos políticos.

O volume nº12 da História Unisinos dedica uma sessão especial ao Professor Leopoldo Zea que, por muitos anos e até seu falecimento, integrou o Conselho Consultivo da Revista. O Dr. Werner Altmann, professor do PPG História, em reconhecimento a essa importante contribuição, escreveu um artigo em que examina a vinculação da filosofia de Leopoldo Zea com a circunstância histórica que lhe tocou viver e coteja sua produção com os fatos marcantes da História da América Latina, verificando as influências deles recebidas. Ao valorizar as três etapas fundamentais da sua reflexão- a da História das Idéias na América Latina, a da Filosofia da História da América Latina e da Filosofia da Libertação Latino-americana buscamos evidenciar sua contribuição ao campo intelectual em que se destacou.

A sessão Resenhas divulga duas obras publicadas no exterior, uma no México e outra no Uruguai. Com elas, buscamos reafirmar nosso vínculo com temas da história latino-americana e nosso compromisso em destacar obras recentes que possam interessar os estudiosos dessa subárea de conhecimento.

Antes de encerrar, queremos alertar nossos leitores de que, devido ao grande número de artigos recebido sobre a temática Gênero e Protagonismo na História, decidimos que esse dossiê será mantido em nosso próximo número.

Comissão Editorial


Comissão Editorial. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.9, n.2, maio / agosto, 2005. Acessar publicação original [DR]

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Gênero e protagonismo na História / História Unisinos / 2005

Neste número, a revista História Unisinos apresenta novamente o dossiê Gênero e protagonismo na História, devido ao grande número de artigos de qualidade recebidos.

Publica, também, artigos sobre vários temas, todos inéditos e relacionados com a ciência histórica ou áreas afins. Sendo assim, dá continuidade à sua linha editorial, que é a de estimular a relação da História com outros campos de conhecimento.

Notas de Pesquisa e Resenhas são sessões que, igualmente, integram esse último número do ano 2005.

Merece destaque especial a publicação da relação dos pareceristas ad hoc que contribuíram com a revista ao longo desse ano. Seus pareceres, favoráveis ou não à publicação, sempre foram criteriosos e de alto nível acadêmico.

A Comissão Editorial aproveita a ocasião, pois, para agradecer a esses colaboradores e estender seus agradecimentos aos autores que enviaram artigos e a todos os membros do Comitê Científico.

Comissão editorial


Comissão Editorial. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.9, n.3, setembro / dezembro, 2005. Acessar publicação original [DR]

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Sociedades Indígenas: política e poder / História Unisinos / 2005

A revista História UNISINOS apresenta-se, a partir deste número, com formato e diagramação novos, bem como com um comitê científico que agrega e amplia os anteriores conselhos consultivo e editorial. Dentro desse processo de atualização, História UNISINOS revê também a numeração de seus fascículos, buscando ampliar possibilidades de indexação nacional e internacional e atender aos critérios vigentes. Assim, os fascículos editados ao longo de cada ano civil, a partir de 2005, serão numerados de forma seqüencial dentro de cada volume. Todas essas mudanças, que buscam qualificar o periódico, não o alteram no que diz respeito aos seus objetivos e características fundamentais. Ele continua a ser um canal de divulgação e intercâmbio da produção historiográfica e de áreas afins, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em História da UNISINOS, cuja área de concentração é Estudos Históricos Latino-Americanos.

A bem de evidenciar os vínculos que o Programa mantêm com intelectuais que pesquisam sobre temas relativos às suas linhas de pesquisa, a revista História UNISINOS apresenta, nesse número, o Dossiê Sociedades indígenas: política e poder. Além de dar destaque à linha Populações Indígenas e Missões Jesuíticas, os artigos aqui publicados visam a contribuir para uma melhor compreensão da complexidade que envolve as relações estabelecidas por estas sociedades com o Estado (metropolitano ou nacional) e com as instituições político-administrativas e eclesiásticas a ele ligadas.

Bartomeu Melià, pesquisador do Centro de Estudios Paraguayos Antonio Guasch, de Assunção, Paraguai, é o autor do primeiro artigo. Nele, propõe uma “lectura excéntrica” dos escritos guaranis – com destaque para os produzidos no século XVIII – como fontes documentais que, ao permitirem que suas vozes se expressem, possibilitam – além de uma releitura da história paraguaia – uma nova história indígena.

O artigo de autoria de Mercedes Avellaneda, investigadora do Instituto de Antropologia da Universidade de Buenos Aires, aborda a organização de uma sociedade de caráter militar nas reduções jesuíticas do Paraguai no século XVII, ressaltando que a participação ativa de um exército guarani acabou por reforçar a liderança dos caciques e garantiu a obtenção de reconhecimento pelas autoridades coloniais.

No terceiro artigo do dossiê, Carlos Paz, pesquisador do Conselho Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET), de Buenos Aires, analisa o que denominou de “conflictividad indígena” entre grupos Abipones na segunda metade do século XVIII, inserindo-a no processo de conformação e de consolidação de chefaturas, com destaque para a Missão de São Jerônimo del Rey.

Luís Fernando da Silva Laroque, doutorando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, ressalta, no seu artigo, o papel desempenhado pelas lideranças Kaingang no sul do Brasil, destacando, através de uma análise de falas por elas proferidas, a alteração de sua condição de coadjuvantes para a de protagonistas, a partir da segunda metade do século XX.

Jean Baptista, docente da Universidade de Caxias do Sul / RS, valendo-se da análise do discurso missionário jesuítico do século XVII, discute, no último artigo do dossiê, a centralidade ocupada pelo domínio da natureza – e, em especial, da manipulação da ameaça de tigres / jaguares – para a atribuição de poder e de liderança disputada tanto pelos indígenas quanto pelos missionários nas reduções da Província Jesuítica do Paraguai.

Relacionado, ainda, com o tema desenvolvido no dossiê, mas se constituindo numa análise de documento inédito, razão pela qual aparece na seção Notas de Pesquisa, Beatriz Vasconcelos Franzen, professora do nosso Programa de Pós-Graduação, realiza uma análise da Carta Ânua de 1735 / 43 da Província Jesuítica do Paraguai. Nela, identifica os temas principais abordados pelo jesuíta Pedro Lozano, cronista da província na época, tais como a forma como operavam as missões populares e os exercícios espirituais, bem como a religiosidade feminina e as principais festividades desenvolvidas.

Numa seção especial – Despedida –, os professores do Programa de Pós-Graduação em História da UNISINOS fazem uma homenagem póstuma ao professor Marcos Tramontini, que, até a data de seu falecimento – 1º de dezembro de 2004 – atuou com extrema dedicação e competência como docente do Programa e como editor da revista História UNISINOS. Para fazer jus à contribuição do referido colega ao mundo acadêmico e à instituição, os professores focalizaram, no texto, a sua trajetória profissional, destacando, também, a sua produção historiográfica, através da análise das suas principais obras publicadas e pesquisas realizadas.

Comissão Editorial

Comissão Editorial. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.9, n.1, janeiro / abril, 2005. Acessar publicação original [DR]

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História Unisinos | Unisinos | 2000

Historia Unisinos 1

História Unisinos (São Leopoldo, 2000-) é um periódico científico do campo do conhecimento histórico sob responsabilidade editorial do Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

A revista publica textos resultantes de pesquisas avançadas, preferencialmente conectadas à área de concentração do Programa, a saber, Estudos Históricos Latino-Americanos. Seu conteúdo é de acesso livre, disponibilizado na internet, o que visa, ao mesmo tempo, a democratização do conhecimento produzido e ao atendimento de sua vocação para a internacionalização.

As origens da História Unisinos podem ser localizadas no ano de 1966, quando foi criado o periódico Estudos Leopoldenses, que circulou, ininterruptamente, até 1996. A partir de 1997, assumiu o nome de Estudos Leopoldenses – Série História, que vigorou até 1999. A atual denominação foi adotada a partir do ano 2000, sendo que, desde o ano de 2004, a revista pode ser acessada na web.

Periodicidade quadrimestral.

Acesso livre.

ISSN 2236-1782

Acesse resenhas [Coletar 2004-2008]

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