História Ambiental e Tempo Presente / Tempo e Argumento / 2019

Em ensaio recente, Christof Mauch (2019) propõe a “esperança lenta” como caminho para construir leituras otimistas e alternativas sobre as “histórias assustadoras” do presente, tais como a mudança climática, as migrações, as violências e as extinções. Longe de negar as crises contemporâneas, o autor sustenta que precisamos de narrativas esperançosas que possam contribuir ou, pelo menos, acenar para futuros alternativos.

Acreditamos que as proximidades e possibilidades de interligação da História Ambiental e da História do Tempo Presente oferecem algumas dessas narrativas esperançosas. Elas nos contam sobre longos processos de mudança, sobre práticas não contemporâneas que permanecem no cotidiano, sobre saberes ambientais, controvérsias, atitudes e relações entre humanos e mundo natural. Elas permitem explorar a memória das relações de humanos e não humanos e a percepção das consequências que as escolhas do passado têm criado para as expectativas contemporâneas de futuro.

Foi essa visão de proximidade da História Ambiental com a História do Tempo Presente que nos motivou à construção do presente Dossiê da Revista Tempo & Argumento. A acolhida da proposta foi rápida, provocativa e instigante, o que pode ser observado nos artigos da edição.

Elenita Malta Pereira, em A construção da ética do convívio ecossustentável pelo ambientalista José Lutzenberger (1971-2002) discute a construção de uma perspectiva peculiar de relação entre humanos e mundo natural ao longo da trajetória de militância ambientalista do engenheiro agrônomo brasileiro José Lutzenberger, intelectual polêmico e de influência no debate público das questões ambientais no Brasil pós-ditadura militar.

No artigo Industrialização e crise ambiental: a representação do desastre nuclear em vozes de Tchernóbil, de Svetlana Aleksiévitch, Alfredo Ricardo Silva Lopes e Rauer Ribeiro Rodrigues discutem os embates contemporâneos da crise ambiental e dos modelos industriais a partir de um dos maiores desastres radioativos da história, explorando, simultaneamente, possibilidades e limites das relações entre História e Literatura no tempo presente.

Gabriel Lopes e André Felipe Cândido da Silva, em O Aedes aegypti na historiografia: reflexões, controvérsias e perspectivas, buscam refletir sobre as diferentes abordagens que têm sido realizadas acerca do mosquito Aedes aegypti, as ecologias ligadas ao longo processo de coevolução do inseto e da espécie humana. O ponto de partida é a leitura de uma epidemia de dengue sem precedentes na cidade do Rio de Janeiro em 1986.

De parque a APA: uma análise do processo de recategorização de parte do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, SC, de Jackson Alexsandro Peres, discute ressignificações de uma unidade de conservação que ocupa aproximadamente um por centro do território do estado de Santa Catarina, Brasil.

Marco Armiero e Leandro Sgueglia, em Wasted Spaces, Resisting People. The politics of waste in Naples, Italy analisam mobilizações sociais e injustiças ambientais na periferia de Nápoles, pontuando a criação de novos commons, novas instituições e guarnições sociais ou comunitárias, desenhando alternativas para desastres ecológicos urbanos como o desafio da contaminação tóxica ou do lixo.

Andrés Ernesto Francel Delgado, em Historia de la arquitectura y el urbanismo en bicicleta, Ibagué, Colombia, 2015-2017, trabalha com a implementação de uma metodologia de aprendizagem de arquitetura urbana e de leitura da transformação das cidades por meio da cultura ciclista como uma nova urdidura da cidade contemporânea.

Eunice Sueli Nodari e Zephyr Frank discutem, no artigo Vinhos de altitude no Estado de Santa Catarina: a firmação de uma identidade, uma história recente da vitivinicultura no estado de Santa Catarina, discutindo os territórios que trabalham com os, assim denominados, “Vinhos de Altitude”. No artigo fica evidente que a vitivinicultura não pode ser percebida, de forma idílica, vinculada a pequenos agricultores, e sim, como uma commodity econômica e cultural, que envolve um universo de atores humanos e não humanos.

Jo Klanovicz e Maíra Kaminski da Fonseca, em Tempo Presente e História Ambiental: a contemporaneidade do desastre do Césio-137 (Goiânia, mais que 1987), discutem a presença contemporânea da temporalidade do desastre radiológico de Goiânia, Brasil, em 1987. A partir da articulação entre História do Tempo Presente e História Ambiental, o artigo estabelece continuidades e rupturas em narrativas traumáticas estabelecidas a partir do acontecimento e suas repercussões no presente.

Já Samira Perucchi Moretto e Marlon Brandt, em Das pequenas produções à agroindústria: suinocultura e transformações na paisagem rural em Chapecó, SC, analisam os desdobramentos em torno da criação dos suínos, a partir da segunda metade do século XX no oeste de Santa Catarina e suas ligações com transformações ambientais regionais.

Todas as contribuições apresentam, além dos seus respectivos temas, o desafio de relacionar História do Tempo Presente e História Ambiental do ponto de vista teórico-metodológico. A grande acolhida do dossiê, materializada pelos artigos brasileiros e de pesquisadores internacionalmente reconhecidos na área de História Ambiental, expressa o desejo de convergência e de intercâmbio de experiências e de desafios apresentados pela História do Tempo Presente.

Referência

MAUCH, Christof. Slow Hope: Rethinking Ecologies of Crisis and Fear. RCC Perspectives: Transformations in Environment and Society, 2019, no. 1.

Eunice Sueli Nodari

Jo Klanovicz

(Organizadores)


NODARI, Eunice Sueli; KLANOVICZ, Jo. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.11, n.26, 2019. Acessar publicação original [DR]

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