Tempo e Argumento | Infâncias e Juventudes: Perspectivas Transnacionais e Interseccionais | 2022

Maria Carolina Zapiola Imagem Soudcloud
María Carolina Zapiola | Imagem: Soudcloud

A presente seção temática procura aprofundar e ampliar os conhecimentos sobre a história social e cultural da infância e da juventude através de uma perspectiva transnacional e interseccional. Com esse fim, explora experiências, práticas, representações, identidades e saberes sobre as crianças na América Latina, incluindo textos sobre as infâncias no Brasil, na Argentina, na Colômbia e no Uruguai, que dão conta das particularidades e especificidades dos estudos da infância e da experiência das infâncias em distintos países e regiões.

Repensar a história social e cultural da infância resulta central no momento presente, em que considerações sobre a saúde e o bem-estar das crianças na América Latina são ainda mais relevantes diante dos efeitos da pandemia pelo COVID-19, momento em que desigualdades ligadas à raça, etnicidade, classe social, e gênero têm ficado mais intensas e inegáveis. Em 2020, milhões de crianças na América Latina e no Caribe sofreram com pobreza, violência e falta de serviços básicos de saúde e mais de 154 milhões não foram à escola (UNICEF 2020a). De acordo com a UNICEF, devido ao impacto da COVID-19, o número de crianças que vivem na pobreza aumentou em 21,7%, passando de 71,6 milhões a 87,1 milhões (UNICEF, 2020b). Ao mesmo tempo, inclusive aqueles que desfrutam de posições econômicas relativamente melhores, têm sofrido com depressão, isolamento e solidão na medida em que o crescente desemprego, inflação e a perda de milhões de vidas tem tido um efeito devastador em todas as famílias da América Latina. Como resultado, as crianças que experimentaram a pandemia perderam seu sentido de segurança, desafiado por instabilidades educacionais, de saúde, econômicas e políticas. Leia Mais

A outra história: por uma narração alternativa das lutas de libertação nos PALOP | Tempo e Argumento | 2021

Independencia de Angola
Agostinho Neto, liderança do MPLA | Arte sobre foto reprodução – MST

Quando lançámos a ideia de uma publicação sobre a história “alternativa” nos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) tínhamos um sentimento ambivalente: por um lado, estávamos certos de que havia muitos autores com material interessante para ser publicado; por outro, a situação que se vive hoje na maioria desses países nos deixava sérias dúvidas de que pudéssemos conseguir fechar um dossiê de uma revista tão prestigiada como a Tempo e Argumento ao abordar este assunto. Com efeito, nossas esperanças, assim como nossas dúvidas acabaram se confirmando: se, por um lado, recebemos vários textos – alguns dos quais tiveram de ficar de fora, como sempre acontece em processos científicos seletivos -, que depois compuseram este dossiê, por outro é preciso reparar que não há nem um texto, entre os que foram aqui publicados, da autoria de investigadores cuja principal pertença institucional está numa universidade ou centro de pesquisa em África.

Não se trata de uma coincidência, mas sim da confirmação da relevância do tema que resolvemos propor, ao lançar este dossiê: o revisionismo historiográfico aplicado à história da libertação dos PALOP. “Revisionismo” é um termo que, historicamente, tem levantado imensas polémicas. E – queremos esclarecer desde já – o revisionismo proposto como linha orientadora deste dossiê não tem nada a ver com o postulado por autores que procuraram reescrever a história negando ou minimizando tragédias como o holocausto judaico ao longo da segunda guerra mundial (MATTOGNO, 1985; NOLTE, 1999), ou valorizando a experiência colonial das potências europeias (FERGUSON, 2004). Pelo contrário, o nosso posicionamento se aproxima muito a quanto Adorno escrevia a propósito das tentativas de remoção, por parte dos alemães, do seu passado mais recente, ligado ao nazismo e ao Holocausto (ADORNO, 1995). Leia Mais

IV Seminário Internacional de História do Tempo Presente/ Tempo e Argumento | 2021

IV SEMINARIO INTERNACIONAL HTP

Apresentação do dossiê com textos do IV Seminário Internacional de História do Tempo Presente, iniciativa do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), ocorrido de forma remota entre os dias 17 e 19 de março de 2021.

A produção do conhecimento histórico em tempos de pandemia

No projeto das Passagens, o filósofo Walter Benjamin (2018, p. 759) abre o convoluto N, intitulado “Teoria do conhecimento, teoria do progresso”, com a afirmação de que “nos domínios de que tratamos aqui, o conhecimento existe apenas em lampejos. O texto é o trovão que segue ressoando por muito tempo”. A afirmação de que o conhecimento existe em imagens difíceis de fixação no tempo parece muito atual no cenário da pandemia de doença por coronavírus 2019 (COVID-19) que assolou o planeta no ano de 2020. Nesse período, o conhecimento, especialmente aquele construído pelas ciências ditas humanas, foi duramente atacado e vilipendiado e sua transmissão, outra questão chave para a reflexão benjaminiana, tem sido cada vez mais diluída em nossa sociedade. Se pensarmos na experiência que tínhamos na organização e convivência com eventos acadêmicos presenciais, nos quais os debates eram realizados por meio da ação direta com a comunidade acadêmica, os afetos projetos e parcerias eram consolidados e o aprendizado ia além do conteúdo formal apresentado, verificamos um impacto considerável tanto na produção quanto na disseminação da pesquisa científica. Leia Mais

Ensino de História e Tempo Presente | Tempo e Argumento | 2021

História e Memória estão no centro de muitos debates atuais. O interesse pelo passado, expresso em mídias, na teledramaturgia, em temas e títulos de séries e filmes oferecidos pelas plataformas de streaming e em revistas especializadas no trato com o passado, alcança as discussões políticas. Os debates sobre o currículo de História, na Educação Básica e no Ensino Superior, convivem com as disputas por memória1 e com as demandas por outras perspectivas nas abordagens históricas. A rede mundial de computadores tem sido um espaço pródigo em formulações revisionistas que recusam os parâmetros e os procedimentos da pesquisa histórica2.

A História Ensinada ocupa o centro desse debate político, pois, é considerada um espaço poderoso na transmissão de uma compreensão da vida social e de uma narrativa sobre os fatos sociais. Não por acaso, este debate e aquelas disputas e sugestões revisionistas coexistem com os questionamentos sobre a liberdade de ensinar e a defesa de uma Escola livre de ideologias e com manifestações de estranhamento a abordagens relativas à cultura afro-brasileira, às questões de gênero, ao trato da Ditadura Civil-Militar e suas violências e, sobretudo, à crítica abalizada pela crítica histórica. Leia Mais

Guerras e conflitos em escala global no Tempo Presente | Tempo e Argumento | 2021 (D)

Muitos historiadores que se dedicam a estudos e pesquisas no campo da história militar e da história das guerras e conflitos, concordam que existe após 1945, uma ausência de grandes guerras no mundo ocidental, o que fez com que a relação guerra-Estado se transformasse, mas não que os conflitos deixassem de acontecer; em essência, a sua existência é garantida pela manutenção de forças armadas, de uma indústria bélica consolidada, de grupos armados de feição ideológica, religiosa ou simplesmente de estrutura privada (sem qualquer relação com os mercenários da década de 60 que percorreram as savanas da África subsaariana), e por disputas territoriais de pequena e média escala, mas nenhum conflito global ainda que limitado.

Entende-se que, atualmente, a natureza, a vontade de fazer a guerra e suas razões sofreram considerável modificação, muito embora a existência de ódios ligados a nacionalismos antigos ainda se façam presentes.

Grande parte dos conflitos anteriores a 1975 foram guerras de libertação coloniais contra antigas metrópoles europeias, bem como estavam também ligadas ao período conhecido como Guerra Fria; as mais sangrentas delas aconteceram no Sudeste Asiático, no Oriente Médio e na África, esta última com países recém-emancipados que vivenciaram os primeiros anos de sua independência divididos pelo sectarismo que se desdobrou em guerra civil, e guerras assimétricas, e projetou-se para além do período com uma forte disputa ideológica. Questões ideológicas também nos remetem à América Latina, cuja tensão da Guerra Fria, gerou conflitos silenciosos imersos em um obscurantismo que ainda é perturbador nos dias atuais

A distinção clássica entre guerras internacionais e guerras civis também se tornou ineficaz. Os conflitos que anteriormente eram qualificados como civis existiram ocultamente como uma força em potencial por anos, até décadas, antes de se tornarem internacionais, como o caso da Síria e Ucrânia, que são bem atuais, todos caracterizados pela presença de combatentes não estatais e pelo não cumprimento de regras supostamente vigentes nos conflitos entre Estados. Tais guerras afetam principalmente países cujas estruturas institucionais perderam sua legitimidade por não conseguirem mais garantir o controle de seus espaços, ou pela ação limitada e ineficaz de suas forças coercitivas.

Outros são resultados diretos de construções coevas à Segunda Guerra e pelos desdobramentos subsequentes ao conflito mundial como a questão entre palestinos e israelenses, cuja dificuldade tem levado o Estado israelense à condução da segurança do território através da força para exercer o monopólio da violência legitimamente pautada em um discurso etnocrático.

Nesse cenário, o Estado também levou ao limite o processo de inovação tecnológica em termos de segurança e defesa, no esforço de demonstrar sua superioridade militar. Esse enorme investimento em tecnologia de defesa em tempos de paz exerceu um enorme impacto sobre o caráter da guerra, o que levou a novas formas de lutar, caracterizadas por conflitos de baixa intensidade, com diferentes projeções, com envolvimento de diferentes forças que compõem o Estado, unidades de elite, forças especiais e suas oponentes, incluindo forças guerrilheiras e organizações paramilitares, grupos com evocações político ideológicas ou religiosas e, mais recentemente, instituições empresariais de segurança militar.

As doutrinas militares também sofreram mutação, adaptaram-se com o passar dos anos, superaram as questões ideológicas da Guerra Fria mas, em essência, continuam a servir aos interesses do Estado, e ao nacionalismo vivo que as compõe.

Nos dias atuais, um conflito raramente começa com uma declaração formal de guerra e raramente termina com um tratado que põe fim à violência da noite para o dia, mas no apagar das luzes da década de 80, esse último fenômeno foi vislumbrado na África austral e seus desdobramentos se fazem sentir até hoje.

Fazer a paz é um esforço de longo prazo, porque significa redesenhar os laços sociais e reconstruir o Estado, ou seja, refundar as instituições públicas e reinventar a capacidade de convivência.  A compressão desses desdobramentos nos remete também a uma outra guerra, que embora não se relacione diretamente ao mundo bélico, representa um esforço pela manutenção da vida humana e do meio ambiente.

Talvez a nossa maior indagação seja como essas forças que compõem paradoxalmente a vida humana têm atuado ao longo dos anos, e como parte da sociedade não tem consciência suficiente para entender a gravidade da guerra, parafraseando um notório historiador militar1, ao afirmar que, se os homens, realmente, soubessem mais sobre sentido das lições do passado militar, eles não se engalfinhariam com tanta frequência em guerras que, mesmo quando não são catastróficas, não trazem qualquer resultado positivo para os adversários; portanto, eles invariavelmente não se destruiriam tanto. O que aconteceu com as sociedades, com o Estado e com as instituições que as compõem, as forças armadas, e sua relação com a guerra são o objeto dos estudos aqui apresentados. Eles propõem uma compreensão razoavelmente abrangente sobre esse difícil percurso da história do homem na segunda metade do século XX.

Este dossiê procura entender a evolução dos conflitos ocorridos no mundo, particularmente os que se desdobraram pós Segunda Guerra, os que passaram pela Guerra Fria e os que se tornaram efetivos pós Guerra Fria.

O dossiê inicia os seus trabalhos com o fechar das cortinas da Segunda Guerra mundial, com um tema ainda em expansão no campo da história social e se relaciona com a construção simbólica de um esporte popular no Brasil, e no mundo, e que tem uma forte representação durante o conflito. Assim, Vágner Camilo Alves e Adriano de Freixo nos apresentam O Futebol em Tempos de Conflito: os grandes clubes do Rio de Janeiro e a Segunda Guerra Mundial (1942-1945).

No texto seguinte, nos deslocamos para a Argentina, onde temos o trabalho de Maria Valeria Galvan, que em seu artigo Diplomacia cultural socialista en la Argentina y el problema de la identidad nacional desde una perspectiva estatal. Repercusiones de la propaganda de los países socialistas en las políticas represivas locales de los años 50 (1953-1961), discute sobre a questão da identidade nacional na Argentina a partir da ação do Estado, frente à expansão da propaganda de ideias socialistas, e a consequente repreensão do governo argentino nos anos 50 do século XX.

Paulo Fagundes Visentini traça um amplo balanço historiográfico dos conflitos na Ásia e na África, em um processo de transição da independência para a Guerra Fria no texto intitulado Conflitos afro-asiáticos “quentes” da guerra fria: da revolução à guerra (anos 1970 e 1980). No artigo, o autor observa que processualmente tais conflitos estiveram intimamente associados e marcaram profundamente a História Mundial Contemporânea.

Timothy Stapleton, em seu artigo The Creation and Early Development of the Zimbabwe Defense Forces (ZDF) 1980-93 (A Criação e o Desenvolvimento Inicial das Forças de Defesa do Zimbábue (ZDF) 1980-93), apresenta-nos o processo da organização das Forças de Defesa do Zimbabué (ZDF) após a sua independência na década de 1980. O texto mostra como conselheiros britânicos tentaram manter um padrão ligado às tradições inglesas e como foram suplantados por assessores norte-coreanos que ajudaram a criar um exército fortemente politizado.

Os embates decisivos entre Angola, Cuba contra Unita e África do Sul, e a dimensão simbólica da batalha de Cuito Cuanavale, representado pela construção e interpretação de sua narrativa pela historiografia militar, são objetos discutidos por Johny Santana de Araújo em A batalha de Cuito Cuanavale 1987-1988: a guerra pela sua memória.

Domício Proença Júnior, Eugenio Diniz e Marcus Lessa, apresentam um percurso histórico sobre as unidades de tanques de combate da ex-URSS e dos EUA, através do texto A trajetória das divisões pesadas da URSS e Rússia e dos EUA ao início e ao final da Guerra Fria. O estudo tem uma perspectiva comparativa, tendo como enquadramento o momento da Guerra Fria na Europa.
A difícil relação entre palestinos e israelenses é a tônica de Conflito, discriminação e segregação na Palestina ocupada: etnocracia como síntese teórica possível, de Fábio Bacila Sahd, que por meio de uma revisão bibliográfica, analisa as práticas de segregação na Palestina ocupada por Israel, a partir de ideias como o nacionalismo, o colonialismo e o capitalismo, tomando o conceito de etnocracia, para mostrar como pragmaticamente Israel exerce sua política de ocupação na região.

Ainda no Oriente Médio, Marcos Alan S. V. Ferreira apresenta-nos Refugiados e a Guerra Civil Síria: análise e perspectivas sobre o acolhimento na Turquia, um panorama da guerra civil na Síria e a difícil problemática do amparo às vítimas civis do conflito na Síria, junto aos países vizinhos, especificamente a Turquia.

Dentro de uma perspectiva ultra contemporânea, Rupturas conceituais de segurança e meio ambiente no antropoceno: os nexos securitários em formação desde o pós-guerra fria, de Hermes Andrade Júnior e Ana Paula Brandão, mostra como a dinâmica do meio ambiente é vista com uma dimensão estratégica, observando o risco ecológico, a partir do pressuposto de “novas” ameaças em um cenário de hostilidades latentes herdadas de guerras do século XX.

Fernando da Silva Rodrigues e Augusto W. M. Teixeira Júnior, no artigo Entre a guerra, a doutrina e a tecnologia: um histórico da evolução doutrinária do Exército dos Estados Unidos (1959-2017), nos mostram como, evolutivamente, a doutrina militar do Exército dos Estados Unidos foi continuamente sofrendo modificações desde a época da Guerra Fria até os dias atuais, e como adaptou-se em diferentes momentos ao longo de 59 anos para atender as diferentes demandas, que se apresentaram àquela força. Em A guerra de Nagorno-Karabakh: as disputas em torno dos conceitos de ‘vítima’ e ‘genocídio’ no tempo presente, os autores Heitor Loureiro e Pedro Bogossian trabalharam a ideia de memória e sua relação com os conceitos de vítima e genocídio dentro da disputa histórica entre Armênia e Azerbaijão pela região de Nagorno-Karabakh.

Tomaz Paoliello, apresenta artigo intitulado Uma genealogia das empresas militares e de segurança privada: a trajetória da empresa DynCorp frente à formação do “mercado da força” nos Estados Unidos No qual apresenta o surgimento e fortalecimento das forças militares privadas como um fenômeno paralelo ao moderno Estado-nação; o estudo dedica sua atenção à trajetória de uma dessas organizações, mostrando toda a dimensão de sua atuação. São 12 artigos escritos por autoridades que nos ajudam a compreender como esse difícil processo que compõe as guerras e conflitos, se processaram e se processam atualmente, com rupturas e permanências ao longo de 70 anos, e com desdobramentos incrivelmente atuais. Os organizadores acreditam que os trabalhos aqui apresentados possam trazer à comunidade de estudiosos desses temas e à sociedade, de um modo geral, um entendimento ainda que limitado da evolução da guerra como um fenômeno da sociedade da qual fazemos parte.

Organizadores

Johny Santana de Araújo. Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor do Departamento de História, do Programa de Pós-Graduação em História e do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Teresina, PI – BRASIL lattes.cnpq.br/6182725298799980. [email protected]

Nuno Severiano Teixeira – Doutor em História pelo European University Institute (EUI). Professor da Universidade NOVA (Lisboa). Investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI). Lisboa – PORTUGAL. fcsh.unl.pt/faculdade/docentes/nst/[email protected].


ARAÚJO, Johny Santana de; TEIXEIRA, Nuno Severiano. Dossiê – Guerras e conflitos em escala global no Tempo Presente. Tempo e Argumento. Florianópolis, v.13, n.32, p.1-7, [jan. / abr.] 2021.  Acessar publicação original.

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Feminismos como objeto de pesquisa e matriz epistêmica: pensando a história do tempo presente / Tempo e Argumento / 2020

O presente dossiê reúne artigos de pesquisadoras que estudam os feminismos e movimentos de mulheres contemporâneos e suas principais agendas, abarcando discussões sobre identidades, ciências, demandas por políticas públicas e acesso à justiça. As reivindicações e práticas políticas de mulheres negras, indígenas, trans, encarceradas, trabalhadoras, dentre outros marcadores sociais, organizadas em coletivos ou instituições, protagonizam as análises apresentadas, complexificando as importantes e clássicas reivindicações de superação do universalismo masculino encampadas pela História das Mulheres. Os artigos nos apresentam diferentes aspectos desses grupos sociais marcados pela invisibilidade e pela negação de direitos, mas que, na contemporaneidade, atravessam profundas transformações em seu reconhecimento, nos espaços que ocupam, em suas lutas.

A (re)emergência dos debates feministas, tão evidente na História do Tempo Presente, em um contexto de avanços neoliberais e da chamada “onda conservadora”, é um fenômeno carregado de historicidade. Os artigos aqui reunidos nos contam histórias das mulheres e dos feminismos contemporâneos, de suas diferentes formas de articulação, conexão, agrupamento, comunicação e práticas políticas, que demonstram a multiplicidade e heterogeneidade dos feminismos como movimentos e como matriz epistêmica. Reafirma-se a importância do plural quando falamos em feminismos, ao mesmo tempo em que bases teóricas produzidas por esses próprios sujeitos são mobilizadas.

A questão das interseccionalidades e da decolonialidade dialogam com os feminismos na reunião de estudos – selecionados neste dossiê – que abordam demandas sociais de mulheres brasileiras e estrangeiras, do Sul e do Centro-Oeste do Brasil, em privação de liberdade, urbanas, indígenas, negras, trans e cisgêneras. Trabalhos com histórias de vida, observação de campo, análise de periódicos e debates epistêmicos criticamente preocupados com problemas sociais. Em síntese, esta seleção de artigos é atravessada pela crítica a uma perspectiva universalista de ciências, perspectiva esta que localiza no Norte Global, dentre homens brancos detentores de determinado status, o modelo de ciência que serviria para todo o mundo.

Iniciando a apresentação dos artigos, “Uma virada epistêmica feminista (negra): Conceitos e debates”, da professora Ana Maria Veiga, atravessa referenciais teóricos identitários, com centralidade étnico-racial, em diálogo com os movimentos sociais e os avanços dos estudos acadêmicos. Seu artigo perpassa o debate estadunidense sobre a articulação entre opressões sociais para um debate nacional e latino-americano dentro do que acabou se caracterizando como o campo interseccional. O texto apresenta desafios para a manutenção de uma proposta politicamente engajada diretamente ligada com sua gênese: as mulheres negras. Decolonialidade e interseccionalidade tornamse o foco do artigo que encontra nas mulheres sertanejas um exemplo possível de uma análise comprometida com os dois conceitos.

O segundo trabalho, “Epistemologia insubmissa feminista negra decolonial”, de Ângela Figueiredo, nos traz um debate entre demandas sociais e saber acadêmico estruturado na união entre estas partes, historicizando os conceitos e mostrando a produção e a visibilidade recente da produção das autoras negras. A articulação dos diversos conceitos presentes no título do artigo estabelece uma mirada crítica à produção do conhecimento e faz um convite a outras formas de olhar para esse processo em diálogo com a sociedade. A perspectiva afrocentrada, consciente da posicionalidade dos sujeitos produtores de saber, desloca o centro dos debates teóricos historicamente hegemônicos. Nesse sentido, engajamento em torno da solução de problemas vivenciados na comunidade, e em uma ciência comprometida, estaria no cerne do modelo epistêmico proposto no trabalho.

Rosangela Celia Faustino, Maria Simone Jacomini Novak e Isabel Cristina Rodrigues, em “O acesso de mulheres indígenas à universidade: trajetórias de lutas, estudos e conquistas”, apresentam o resultado de uma coleta de entrevistas semidirigidas e observações de campo realizadas entre os anos de 2013 e 2015 com mulheres indígenas que ingressaram em cursos de graduação no estado do Paraná a partir dos programas de inclusão institucionais. Diferentes territórios e etnias compuseram esse levantamento que analisou elementos como a relação com a comunidade, a assistência estudantil e o sentido político desse processo educacional. Essas mulheres, que representam quatro quintos das pessoas indígenas formadas (2002-2019), passam a assumir espaços profissionais na comunidade antes ocupados por não indígenas, ampliando sua atuação política.

“Ler, escrever e libertar: Experiências que promovem a diminuição de pena para mulheres privadas de liberdade em Mato Grosso”, da professora Ana Maria Marques, traz os resultados de um projeto voltado a esse público, considerando o acesso ao letramento. As experiências voltadas à remição da pena de mulheres em situação de privação de liberdade da Escola Nova Chance e dos projetos em parceria com a Universidade de Mato Grosso (UNEMAT- Cácares) e Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT- Cuiabá e Rondonópolis) são analisadas. Leituras e resenhas fazem parte da estrutura metodológica da iniciativa que atende mulheres de diferentes níveis de escolaridade. As possibilidades diante da realização de ações dessa natureza, bem como os desafios materiais e institucionais, nos mostram os atravessamentos de gênero os quais constroem, como experiência feminina, um cenário de abandono.

No artigo “‘A gente é pessoa!’: Narrativas de mulheres trans sobre direitos humanos”, Marta Gouveia de Oliveira Rovai procura discutir a temática com base em quatro histórias de vida de mulheres do sul de Minas Gerais. Com um olhar orientado pelas preocupações em torno do sensível e das emoções, bem como um alinhamento com a História do Tempo Presente, o debate se situa na conjuntura brasileira contemporânea de ataque às pautas LGBT e posse de um governo federal contrário às mesmas. Em suas experiências particulares, Wall, Ana Luíza, Luana e Luciele buscam o reconhecimento identitário atravessado pela reivindicação quanto à integridade de seus corpos e do que identificam como liberdade. As transfobias vivenciadas e as imposições de modelos sociais baseados na cisgeneridade e na heteronorma produzem discursos de reconhecimento da existência cotidiana como ato político. Assim, temos no trabalho uma reflexão sobre as percepções de sujeitos históricos em meio à mudança, ou ainda ruptura, entre Estado e movimento LGBT.

Marlise Regina Meyer e Ronaldo Pires Canabarro integram os trabalhos com uma discussão, dentro dos estudos de análise de conteúdo, sobre o periódico Lampião da Esquina, referencial da imprensa alternativa não heterossexual em circulação no eixo sudeste do Brasil na segunda metade do século XX. Intitulado “Travesti: textos-vestígios na construção de uma identidade – Jornal Lampião da Esquina (1978-1981)”, o artigo foca na abordagem de uma identidade: a identidade travesti aparece como a “mariposa”, os “veados”, a “boneca” e as “bichas-biônicas”, montando um quebra-cabeça de significados que a constroem num espaço histórico específico. Os caminhos percorridos para a análise do Lampião exploram o sentido político do reconhecimento identitário fazendo ponte com as questões no presente.

A professora Géssica Guimarães, em “Teoria de gênero e ideologia de gênero: Cenário de uma disputa nos 25 anos da IV Conferência Mundial das Mulheres” faz um estudo histórico de dois termos que ocuparam o debate público nacional brasileiro na última década. Explorando a genealogia acadêmica dos estudos das mulheres e de gênero, e compreendendo sua relação com eventos históricos tanto ligados aos movimentos feministas como ao campo religioso, o trabalho direciona seu olhar para a conjuntura brasileira de ataques e o impacto para o ensino de história. Nesse sentido, os desafios passam pela ruptura diante do pânico moral criado em torno do termo gênero, em uma percepção inclusiva e democrática; mas também pelo reconhecimento e disputa interna ao saber historiográfico, que possui sua trajetória sediada nas narrativas e sujeitos masculinos.

O último artigo a compor este dossiê é “Triple presencia femenina en torno de los trabajos: mujeres de sectores populares, participación política y sostenibilidad de la vida”, de Juliana Díaz Lozano. O estudo sobre a situação laboral das mulheres argentinas organizadas a partir de bairros populares nos traz elementos para identificar as preocupações por parte do Estado, as articulações políticas e a própria noção de trabalho. A proposta, aqui apresentada, é resultado de uma pesquisa de campo realizada entre os anos de 2012 e 2017 que se aprofundou na entrevista de 20 mulheres e na observação das mesmas diante da participação de três assembleias de bairro. Acumulando funções, essas mulheres adentram o espaço público da militância rompendo as expectativas de gênero e borrando as fronteiras entre público e privado.

Os textos aqui reunidos abordam, portanto, uma pluralidade de temáticas espaciais, de sujeitos e de metodologias que lançam olhar para os saberes historiográficos e para o campo do ensino de história. Longe de esgotar o recorte adotado para a construção do dossiê, tais questões contribuem, cada uma a seu modo, para enriquecer o campo da História do Tempo Presente.

É preciso destacar que esta é uma série de debates preocupada com os estudos identitários, mas que se calça principalmente no engajamento com a transformação social. A crítica à posicionalidade hegemônica perpetuada nos campos científicos nos dá suporte para pensar outras Histórias que, ao reconhecer a existência de múltiplos pontos de vista, desestabiliza ou desloca os centros.

A pandemia do coronavírus, que transformou indubitavelmente o mundo nos últimos meses, tem afetado de forma mais acentuada os grupos aqui analisados, aprofundando desigualdades seculares. Buscar entender melhor esses grupos, a fim de construir propostas de futuro menos desiguais, fica como crucial contribuição das autoras aqui reunidas.

Cláudia Regina Nichnig – Doutora em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora visitante do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados (PPGH / UFGD). Dourados, MS. lattes.cnpq.br / 7664408692666022. E-mail: [email protected] orcid.org / 0000-0002-9689-8112

Maise Caroline Zucco– Doutora em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Salvador, BA. lattes.cnpq.br / 7069192545517678. E-mail: [email protected]

Soraia Carolina de Mello – Doutora em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis, SC. lattes.cnpq.br / 7470003514048395. E-mail: [email protected] orcid.org / 0000-0002-3647-2136

Organizadoras


NICHNIG, Cláudia Regina; ZUCCO, Maise Caroline; MELLO, Soraia Carolina de. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.12, n.29, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Estudos recentes sobre os mundos do trabalho têxtil no Brasil / Tempo e Argumento / 2020

Os homens e as mulheres que trabalham no setor têxtil de vestuário jeans em Toritama (PE) se ocupam de quase todas as etapas de produção: carregam e transportam peças; cortam, costuram e tingem; inventam estilos e vendem sua produção na feira local, por vezes manequins do próprio trabalho. As pequenas oficinas improvisadas nas próprias casas estão dispersas pela cidade inteira: todos trabalham muito e pouquíssimos conseguem “luxar”. Máquinas de costura permanecem ligadas por dez, doze horas diárias e quem não tem uma “facção”, nome dado às oficinas, trabalha na dos outros para um dia poder ter a própria. Eles decidem sobre sua jornada; fazem pausas como querem e não prestam contas sobre a quantidade de peças que confeccionam, já que recebem por produção. Alguns sequer usam camisas, uma solução paliativa contra o calor e ocasião para exibição de corpos: em terra onde falta tempo para o lazer, as linguagens da paquera podem se adaptar às longas horas do serviço. Crianças, gatos, cachorros, periquitos e galinhas transitam pelas facções – às vezes, em convivência harmoniosa; outras, enxotados. O estrepitoso ruído do maquinário compete com trilhas sonoras ecléticas: de ritmos nordestinos ao rap de protesto ou gospel, que às 18 horas toma o lugar da Ave Maria. E se todo o esforço desses sujeitos permite uma única pausa festiva anual, há uma celebração diária e compartilhada por todos: ali ninguém tem patrão. Esse é o atual retrato da produção de jeans na cidade de Toritama, no agreste pernambucano, tão bem pintado em Estou me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar. 1

O documentário é a expressão flagrante de um mundo do trabalho em intenso processo de transformação e mostra como as escolhas desses trabalhadores são acompanhadas de altos custos, pelos quais empenham o que podem e o que não poderiam empenhar: objetos de valor material, como geladeiras ou aparelhos de TV, ou o próprio futuro, que não lhes oferece promessa de direitos, nem garantias na velhice. Para esses trabalhadores, a falta do emprego com carteira assinada, desaparecido de Toritama e em crescente extinção Brasil afora, é anestesiada pelo sentimento de não viverem submetidos ao rigor de patrões – rejeitados como símbolo de arbítrio e exploração. Controlando o próprio tempo de trabalho e dispondo de alguma autonomia sobre o que produzem, eles se percebem como senhores de si: sem patrões para personificar a exploração, eles não se queixam dela, apesar de reconhecerem que o retorno de tanto esforço é reduzido e, às vezes, insuficiente. No exemplo hodierno que vem de Toritama, não há espaço para uma romantização da vida de “trabalhadores sem patrões”; entretanto, é possível extrair dele muitos fios e tramas para compor uma pujante e necessária História Social do Trabalho. O que há de melhor nesse campo ensina, há tempos, não haver amor sem amantes, assim como, portanto, nem exploração sem exploradores e explorados.

Em Toritama, como igualmente em muitas outras paragens do Brasil de hoje, onde pululam as relações de trabalho uberizadas, não há patrões para serem atacados. A tecnologia, por seu lado, se torna uma tábua de salvação sustentada por aplicativos ao alcance das mãos – e das pernas, no caso dos trabalhadores que pedalam para garantir entregas. Os trabalhadores do polo têxtil que se ergueu no agreste pernambucano não atacam as máquinas e seus proprietários, como os têxteis que inspiraram E. P. Thompson, porque suas estratégias de sobrevivência se adaptaram às condições em que eles vivem e às ferramentas ao seu alcance, às vezes com mais, às vezes com pouquíssimos direitos: uma realidade que demanda constante renovação de perspectivas para se compreender a história dos trabalhadores. A atualidade da denúncia expressa no filme, que escancara a precariedade nas relações de trabalho no Brasil de hoje, abre portas para a compreensão deste importante setor da economia brasileira – historicamente, um de seus mais importantes.

Este dossiê se apresenta como uma contribuição ao desafio de entender as características cumulativas e processuais da formação das classes trabalhadoras e da riqueza de suas formas de responder à exploração. Os artigos aqui reunidos oferecem contribuições que convidam os leitores a visitar o passado à luz de toda a fragilidade que se anuncia no presente. Eles estão unidos por uma fibra forte: uma perspectiva de análise que não menospreza nem superestima as ações dos sujeitos analisados.

No artigo de Isabelle Pires e Paulo Fontes, os leitores verão um gerente de fábrica que se deleitava com a capacidade de crianças mal-alimentadas “brincarem” durante o serviço e talvez se surpreendam com a notícia de que essas mesmas crianças, além de trabalhar e brincar, também sabiam reivindicar alguns de seus direitos – especialmente porque os direitos que não as alcançavam não descrevem uma situação de um passado distante e superado. Jormana Araújo mostra que, no Ceará, tecelãs assinaram uma carta em que denunciavam um capataz que as perseguia para agradar aos patrões (“Sua especialidade é roubar nossos salários”) e que, em vez de fazer corpo mole ou recusar o controle patronal, elas brigavam para ter sua produção devidamente computada pela fábrica como prova de sua dedicação. Retadas, essas mulheres também ameaçavam: “Nós estamos dispostas a dar uma lição a esses canalhas”, referindo-se aos mestres que as perseguiam.

Por outro lado, verão que trabalhadores têxteis de Blumenau conviviam com um padrão de “bom trabalhador”, por eles absorvido e que reproduziam com limites. Na falta de outras perspectivas, esses homens e mulheres aceitavam que seus filhos fossem prematuramente introduzidos no trabalho porque precisavam complementar a exígua renda familiar e porque o consideravam legítimo – ainda assim, sempre se lamentavam por precisar interromper a formação escolar dos filhos. Além de reconhecerem que os estudos são uma ferramenta de mobilidade social, esses mesmos trabalhadores não abriam mão das festas juninas. Dentro e fora das fábricas, nas horas de lazer e de serviço, inventavam estratégias criativas de sobrevivência, sem necessariamente causar tensões abertas, como mostra o artigo tão bem costurado de Cristina Ferreira.

O artigo de Cecília Sardenberg sobre o trabalho feminino na fábrica São Braz, em Plataforma, subúrbio de Salvador, apresenta uma pesquisa pioneira sobre as trabalhadoras na Bahia. A autora oferece boas reflexões sobre os vínculos entre gênero e geração nas relações de trabalho e do quanto o fechamento da fábrica no final do século XX afetou toda a comunidade.

O artigo de Marcelo Góes Tavares sobre Fernão Velho, em Alagoas, detalha o funcionamento da fábrica Carmen, cada setor de produção, suas atribuições, as condições de trabalho e tensões entre operários e administração fabril. O autor, a partir de variadas fontes documentais, ressalta o impacto das transformações “modernizantes” na empresa e as variadas formas de resistência desses trabalhadores têxteis, oferecendo um rico estudo de caso.

Este número de Tempo & Argumento oferece uma visão ampla e rica dos mundos do trabalho no Brasil ao longo do século XX, seja pela variedade das realidades regionais estudadas, seja pela amplitude das fontes pesquisadas, que incluem depoimentos, revistas de empresas, jornais de partidos e sindicatos, processos judiciais, entre outras, seja, enfim, pelos diálogos empreendidos por autores igualmente diversos: James Scott, Michel de Certeau, Hanna Arendt, Boris Fausto, Philipe Ariés e E. P. Thompson. A riqueza do compilado de artigos nele encartados é ampliada pela entrevista com o antropólogo José Sérgio Leite Lopes, cuja obra inspira muitas das pesquisas que abastecem o dossiê, além de outras tantas. Numa instigante conversa, Leite Lopes explica como sua agenda atual de pesquisador se conecta com a de seus trabalhos anteriores, e ainda sugere desdobramentos a partir do diálogo com os estudos sobre as relações de trabalho atuais. Apresenta, além disso, importantes argumentos que fomentaram uma premissa cada vez mais estabelecida no campo das ciências humanas: a necessidade de se romper com dicotomias que separam a história em fases ou categorias desconectadas, como as que distinguem o trabalho assalariado do escravo e o trabalho urbano do rural.

Por fim, os organizadores registram que todo o trabalho que resulta neste dossiê foi facilitado pelo apoio diligente da equipe de Tempo & Argumento: o diálogo fluido e profissional, intermediado por Anderson Mendes, foi um grande suporte. Esperamos que, ao final deste dossiê, o leitor compartilhe conosco da percepção do vigor e da atualidade da História Social do Trabalho para compreender as mudanças em curso no Brasil contemporâneo e para uma mais lúcida participação como cidadãos, cidadãs, estudantes e trabalhadores. Uma boa leitura!

Nota

1 GOMES, Marcelo (diretor). Estou me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar. Documentário, 2019.

Murilo Leal Pereira Neto – Doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Osasco, SP. lattes.cnpq.br / 2117921097498002. E-mail: [email protected] orcid.org / 0000-0001-8013-8007

Felipe Augusto dos Santos Ribeiro – Doutor em História, Política e Bens Culturais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Professor da Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Parnaíba, PI. lattes.cnpq.br / 6163520222612305. E-mail: [email protected] orcid.org / 0000-0002-1258-6550

Lucas Porto Marchesini Torres – Doutorando em História Social na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Visiting Scholar na Duke University (Carolina do Norte, EUA). Campinas, SP. lattes.cnpq.br / 6603638109968384. E-mail: [email protected] orcid.org / 0000-0003-3352-7434

Organizadores


PEREIRA, Murilo Leal; RIBEIRO, Felipe Augusto dos Santos; TORRES, Lucas Porto Marchesini. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.12, n.30, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Mulheres, Humor e Cultura de Massa / Tempo e Argumento / 2020

A emergência da história das mulheres e dos estudos de gênero é tributária dos movimentos de mulheres e feministas que se mobilizaram a partir dos anos 1960 nos Estados Unidos, na Europa e mesmo em países que viviam ditaduras, como é o caso do Brasil. A história das mulheres foi responsável por fazer o questionamento primeiro: onde estão as mulheres na História? A partir dessa pergunta, historiadoras como Natalie Zemon Davis (1997) e Michelle Perrot (1992; 2005; 2007) dedicaram-se a mostrar como o silêncio das mulheres na História não é um problema de fontes ou de ausência propriamente, mas sim uma questão política. Bonnie Smith (2003), procurando entender a construção da História como ciência no século XIX, aponta como ela foi construída como masculina em termos de teoria e métodos, negando o feminino, as mulheres e tudo que elas representam. A arte e a literatura fizeram movimentos parecidos, questionando seus campos de conhecimento. A escrita de novas páginas na História, contudo, encontrou limites que, de acordo com Joan Scott (1995), foram respondidos com a categoria gênero, capaz de pensar não apenas as negações da História, como o papel dela na própria construção do gênero.

Joana Maria Pedro e Rachel Soihet (2007) apontam o importante papel da história das mulheres, ao mostrar a parcialidade do conhecimento histórico, e destacam o desafio político historiográfico da categoria. O campo se fortaleceu. Gênero, categoria teórica / política distorcida na “ideologia de gênero”, é hoje responsável por investigações importantes, qualificadas e internacionalmente conhecidas na área de História. Criou-se um campo dentro da História que debate as relações entre homens e mulheres, o que alguns chamam de gueto. Georg Iggers (2010) aponta gênero como um dos principais desafios à historiografia do século XXI. Apesar da resistência à categoria e ao campo, a História tem incorporado gênero como tema transversal, como indicam Joana Maria Pedro (2011) e Carla Pinsky (2009).

As mulheres e a perspectiva de gênero, portanto, são uma questão permanente na História e isso vale para a história cultural do humor que, apesar do progressismo teórico e metodológico, segue em dívida com um dos principais movimentos do século XX, o feminista, e com um dos maiores desafios à historiografia do século XXI, os estudos de gênero.

O humor contribui para forjar laços de solidariedade, sociabilidades, reforçar relações de poder e dominação, atuar como instrumento de resistência política e social, dar visibilidade a grupos sociais colocados à margem da sociedade, fortalecer ou, ao contrário, minar padrões estéticos e de moralidade. Dito isso, não há dúvida que o humor interessa profundamente às mulheres e à História e, combinados, à perspectiva de gênero. É nesse sentido que este dossiê foi pensado, buscando colocar no cerne da reflexão histórica a relação entre as mulheres e o humor, especialmente os usos do humor por parte delas que, não raro, ao colocarem-se como protagonistas do humor e do riso lançam mão de gestos profundamente feministas.

Os artigos que compõem este dossiê são prova qualificada de que há um inexplorado universo de fontes que permitem reflexões sobre o humor das mulheres do ponto de vista de gênero, insinuando possibilidades que já não podem ser ignoradas. Há, de fato, uma mínima produção sobre mulheres humoristas, e os textos da sequência têm o importante papel de romper com esse silêncio ao preencher lacunas e fazer justiça. No entanto, mais do que isso, eles apontam a transversalidade da categoria gênero e o frescor que tal olhar lança à história cultural do humor, campo consolidado nos anos 1990 a partir da história cultural, mas ainda reticente aos desafios impostos pelos estudos de gênero à História. A partir das ideias e ideais de feminino e masculino, os artigos do dossiê Mulheres, Humor e Cultura de Massa oxigenam os estudos históricos sobre humor.

Na convocatória, priorizamos artigos que a partir dos campos dos estudos de gênero e da história do tempo presente discutissem o humor produzido por mulheres com foco especial na arte e nos veículos da cultura de massa. A resposta de pesquisadoras(es) indicou que a demanda por textos com foco no humor produzido por mulheres faz sentido, dado o número e a qualidade dos textos que integram o dossiê. No que se refere às fontes, a adesão das(os) pesquisadoras(os) indicou a predominância do humor gráfico e dos quadrinhos como objeto de interesse.

A chamada deste dossiê, obviamente, contemplava os temas de pesquisa de suas organizadoras, historiadoras que exploram humor gráfico como fonte, mas por ocasião da construção da chamada do dossiê, vimos a necessidade de ampliar tal recorte e indicar como temas pertinentes os debates sobre humor no cinema, na rádio, na televisão, na literatura, no teatro. Todos os artigos submetidos, no entanto, versam sobre humor gráfico e quadrinhos, um indicativo da potência deste tipo de documento para a História, especialmente se tratando de história das mulheres e de uma perspectiva de gênero.

O caminho trilhado coletiva e espontaneamente indica que o humor gráfico e os quadrinhos são fontes privilegiadas para a reflexão sobre humor e mulheres, inclusive na contemporaneidade, momento em que a Internet é plataforma permanente de difusão do trabalho de cartunistas mulheres. Há quem diga, inclusive, que elas são maioria hoje. A adesão maciça ao humor gráfico e aos quadrinhos como fontes apontam, ainda, que há um universo de possibilidades de estudos sobre humor e mulheres na arte (literatura, cinema, teatro) e na imprensa (folhetos, televisão, rádio). Esperamos que este dossiê seja um pequeno passo nesta direção.

Composto por oito artigos, apresentados brevemente na sequência, o dossiê conta com a contribuição de pesquisadoras(es) brasileiras(os) e argentinas que lançam luz sobre cartunistas e quadrinistas do passado e do presente, sobre suportes impressos e digitais, sobre a produção nacional, latino-americana e europeia, e esmiúça experiências de pesquisa exaustivas e revisão necessária num campo que tem se construído no masculino. Os quatro primeiros textos informam-nos sobre a (in)disciplina das mulheres no uso do humor a partir de uma perspectiva feminista. Os quatro textos seguintes advertem-nos sobre as relações entre silêncio e História quando os sujeitos são mulheres e o assunto é história do humor gráfico e dos quadrinhos, alertando ainda para a potência da produção contemporânea e uso da Internet na transformação dessa realidade.

Maria da Conceição Francisca Pires, no artigo A defesa da interrupção voluntaria da gravidez nos cartuns “Abortinho” de Fabiane Langona (2015-2017), explora a apropriação de debates feministas por parte de cartunistas brasileiras, enfatizando especialmente às reações de hostilidade à série Abortinho, da cartunista Fabiane Langona, expressas por meio das redes sociais. A análise recai sobre os recursos visuais e discursivos da cartunista ao tratar do tema aborto como problema social e político no contexto de discussão do Projeto de Lei 5.069, de 2003, que propunha modificações na Lei 12.845, que versa sobre o atendimento integral e obrigatório a pessoas em situação de violência sexual. O texto elabora reflexão sobre o tabu que orbita em torno do tema aborto, mesmo pelo humor gráfico, que ora o aborda de maneira didática, ora em forma de denúncia ou como apresentação de uma demanda pública. De acordo com a autora, Fabiane Langona, através de sua personagem, lança mão de recursos imagéticos e discursivos, aderindo ao estilo grotesco para subverter e inverter padrões e colocar no centro da discussão a relação entre aborto e cidadania.

Estética e humor nos quadrinhos feministas: a reconquista política do corpo pelo riso na HQ “A origem do mundo” (2018), de Daiany Ferreira Dantas, explora conceitos como grotesco e o grotesco feminino – elemento importante da crítica feminista – para analisar estratégias de humor no quadrinho A origem do mundo: uma história cultural da vagina ou vulva vs. patriarcado, da quadrinista sueca Liv Strömquist, publicado em 2018 e traduzido para 22 línguas. O texto indica a existência de uma estética feminista produzida pelo riso a partir do uso da categoria gênero e da crítica feminista na problematização do corpo clássico. O corpo feminino é colocado em suspenso pela obra analisada, que conta uma história da genitália feminina através do estilo caricato de Strömquist. De acordo com a autora, esse caminho também vem sendo trilhado por cartunistas latinoamericanas como a argentina, Maitena Burundarena, e as brasileiras, Sirlanney e Gabriela Masson, que ressignificam o baixo corporal. Evidenciando o histórico “apagamento gráfico da imagem da vulva”, o artigo aponta como o quadrinho analisado repete e inverte discursos médicos, acadêmicos, religiosos, filosóficos e psicanalíticos sobre o corpo das mulheres tornando-os risíveis na reivindicação da integridade e do desejo do corpo feminino.

Em ‘“El humor es una guerra que no produce muerte sino risa”: uma análise histórica do humor gráfico feminista latino-americano de Diana Raznovich (1990), Cintia Lima Crescêncio recupera cartuns de Diana Raznovich, publicados na revista latino-americana Fempress nos anos de 1996 e 1997, para refletir sobre a categoria de humor-guerra, proposta pela própria cartunista. Em tempos de negação do feminismo por medo de estereótipos, a artista argentina, também autora de livros e peças de teatro, apropriava-se do humor como instrumento de expressão artística, mas principalmente como instrumento de luta feminista. Para ela, o humor feminista era meio de “viver, sobreviver e lutar”. No artigo também são explorados textos e entrevistas da imprensa feminista da Argentina, do Chile e do Uruguai que insinuam a forte presença de Diana Raznovich nos debates feministas latino-americanos, como também uma preocupação com os usos e abusos do humor por parte da militância feminista. Em sua análise, a autora sublinha que o humor gráfico da cartunista argentina questiona modelos de feminilidade, critica estruturas injustas e patriarcais e flerta com o riso de si mesma, alargando as expectativas do humor convencional e do humor produzido por mulheres, inclusive por feministas.

O artigo de Vinícius Lebel, intitulado Marie Marcks: a visualidade do político e o Feminismo ilustrado na Alemanha (1963 – 2014), propõe refletir, através do método documentário de análise de imagens, sobre as obras mais representativas da desenhista alemã Marie Marcks. Por meio da problematização de charges que se ocupam da crítica à sociedade patriarcal, machista e conservadora, somos apresentadas(os) a uma importante voz do feminismo alemão. A artista foi responsável por “inserir um olhar feminino e feminista na arena pública alemã, construindo uma visualidade própria” entre as décadas de 1960 e 1980. O texto expõe a ação da artista no campo visual do político no movimento de publicizar nas páginas dos principais meios de comunicações do país a vivência das mulheres alemãs. Embora alvo de críticas por reproduzir a realidade das mulheres, sem apontar perspectivas de mudança, e mesmo por não ser filiada oficialmente a organizações feministas, o autor propõe que sua obra é plenamente feminista, em função da condição da artista, do seu conteúdo e de seu gesto político-feminista.

Mara Burkart, com o texto Trazos interrumpidos: Humoristas mujeres en la prensa de humor (Argentina, 1974-1984), informa-nos sobre a forte presença de mulheres no humor gráfico argentino, a partir da década de 1980, e faz um recuo no tempo para analisar as condições sociais da produção de humoristas mulheres entre 1974 e 1984 e os temas que mobilizavam as cartunistas Nelly Hoijman, Patricia Breccia, Lucía Capozzo y Marta Vicente, artistas que publicavam em uma imprensa dominada por homens. Ao propor a construção de uma nova história do humor gráfico, visto que identifica que a história das humoristas “está pendiente de escribirse”, e pautada na crítica feminista da história da arte, a autora analisa as experiências autorais e editoriais dessas mulheres no cartum. Identificando a riqueza e o valor da história do humor gráfico argentino, e apontando a invisibilização ou mesmo ausência das mulheres em suas narrativas, o artigo expõe e analisa o caso de cartunistas que tiveram experiências breves, “interrompidas” na imprensa de humor argentina. Sem assumirem-se feministas, as cartunistas apresentadas no texto apropriaram-se do direito de incursionar em um mundo dominado por homens, tematizando temas “femininos”, mas também explorando a fluidez das expectativas de gênero.

No artigo Nosotras contamos. Notas en torno a construir genealogía feminista en el campo de la historieta y el humor gráfico (Argentina, 1933 – 2019), Mariela Alejandra Acevedo apresenta um cenário de rejeição e apagamento das mulheres na história do humor gráfico e dos quadrinhos argentinos, que passou por mudanças a partir da emergência e fortalecimento dos movimentos feministas. A articulação desses dois contextos permitiu a emergência do coletivo Feminismo Gráfico, que se propunha a reunir materiais de autoras de quadrinhos e de humor gráfico entre as décadas de 1930 e 2018 a serem apresentados na mostra “Nosotras contamos. Un recorrido por la obra de autoras de historieta y humor gráfico de ayer y hoy”. O texto apresenta a proposta do projeto, construído a partir de uma genealogia feminista, explorando o conceito de “ginocrítica” para “recuperar las voces y experiencias de las mujeres cis y trans, lesbianas, travestis y personas no binarias que dejaron huellas en el recorrido”, e sugerindo uma aproximação entre o humor gráfico e os quadrinhos de modo a não fragmentar a produção artística de suas autoras. A autora apresenta-nos a jornada de pesquisa, organização e reflexão sobre a construção da mostra que ocupou as paredes da “Redacción Abierta de Latfem” em Buenos Aires, uma experiência acadêmica, histórica e feminista, compilada também em um site.

Ivan Lima Gomes, no artigo Mulheres e (m) quadrinhos: caminhos e perspectivas historiográficas, identifica que as histórias em quadrinhos “permitem dar visibilidade de maneira única às lutas feministas do tempo presente”, o que tem ocasionado um amplo interesse acadêmico sobre o assunto. Atento a esse movimento, o autor propõe uma investigação e análise da atuação das mulheres no campo que inclui uma discussão sobre as pesquisas acadêmicas desenvolvidas no Brasil. Enfatizando o incontornável protagonismo feminista nas discussões públicas e políticas contemporâneas, expressas através da ampla utilização da Internet, o texto explora os usos das histórias em quadrinhos para tematizar e problematizar a história oficial, elaborando uma espécie de estado da arte do ponto de vista de gênero. Atestando a “indisciplina” dos comic studies, marcados por inegável diversidade, e indicando o silenciamento da história dos quadrinhos no que se refere à presença das mulheres, o autor apresenta-nos um caminho a ser trilhado por uma História que não tenha o silêncio das mulheres como possibilidade e que rume em direção a uma história feminista das HQs.

Marilda Lopes Pinheiro Queluz, no artigo Rir juntas é o melhor remédio contra os tempos temerosos: crítica e humor nas tiras de Thaïs Gualberto e de Fabiane Langona (2016-2018), reflete sobre o humor gráfico produzido por Thaïs Gualberto e Fabiane Langona e inspirado no período marcado pelo impeachment de Dilma Rousseffe pelo final do governo Michel Temer. A autora prioriza uma reflexão sobre a articulação entre esse contexto e as questões feministas que marcaram a conjuntura do golpe de 2016 a partir de duas cartunistas mulheres, com enfoque em uma “perspectiva de gênero”. Explorando tiras publicadas na Folha de S. Paulo, o artigo evidencia uma produção de humor gráfico contemporânea marcada por preocupações que interseccionam gênero, classe, raça e etnia, cujo motor do humor é o absurdo da desigualdade de gênero, bem como sublinham o riso sobre os estereótipos, as identidades nacionais e o cenário de intolerância e conservadorismo que marcam o contexto de produção das tiras analisadas. Entre distanciamentos e aproximações, as duas cartunistas, segundo a autora, provocam um riso dolorido ao colocar em relevo a história contemporânea do nosso país.

Referências

DAVIS, Natalie Zemon. Women on the margins: three seventeenth-century lives. Cambridge: Harvard University Press, 1997.

IGGERS, Georg. Desafios do século XXI à historiografia. História da Historiografia. Ouro Preto, número 04, p. 105-124. Março de 2010.

PEDRO, Joana Maria e SOIHET, Rachel. A emergência da pesquisa da história das mulheres e das relações de gênero. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 27, nº 54, p. 281-300, 2007.

PEDRO, Joana Maria. Relações de gênero como categoria transversal na historiografia. Topoi (Rio J.) vol.12 no.22 Rio de Janeiro, p. 270-283, Jan. / June 2011.

PERROT, Michelle Minha História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.

PERROT, Michelle. As Mulheres ou os Silêncios da História. Bauru, SP: EDUSC, 2005.

PERROT, Michelle. Os Excluidos da História: Operários, Mulheres e Prisioneiros. 2. Ed. Rio de Janeiro, Rj: Paz e Terra, 1992.

PINSKY, Carla Bassanezi. Estudos de Gênero e História Social. Estudos Feministas. v. 17, n. 1, Florianópolis: UFSC, p. 159-189, 2009.

SCOTT, Joan W. Gênero, uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. Porto Alegre, 16(2), p. 5-22, jul / dez. 1995.

SMITH, Bonnie G. Gênero e História: homens, mulheres e a prática histórica. São Paulo: EDUSC, 2003.

Cintia Lima Crescêncio – Doutora em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Três Lagoas, MS. lattes.cnpq.br / 3667508720087825. E-mail: [email protected] orcid.org / 0000-0002-2992-9417

Maria da Conceição Francisca Pires – Doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPGH / UNIRIO). Rio de Janeiro, RJ. lattes.cnpq.br / 9397370787594051. E-mail: [email protected] orcid.org / 0000-0001-8618-4151

Mara Burkart – Doctora en Ciencias Sociales por la Universidad de Buenos Aíres (UBA). Investigadora adjunta del Consejo Nacional de Investigaciones en Ciencia y Técnica (CONICET). Buenos Aires – ARGENTINA. E-mail: uba.academia.edu / MaraBurkart / [email protected] orcid.org / 0000-0003-3197-7458

Organizadoras


BURKART, Mara; CRESCÊNCIO, Cintia Lima; PIRES, Maria da Conceição Francisca. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.12, n.31, 2020. Acessar publicação original [DR]

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História Ambiental e Tempo Presente / Tempo e Argumento / 2019

Em ensaio recente, Christof Mauch (2019) propõe a “esperança lenta” como caminho para construir leituras otimistas e alternativas sobre as “histórias assustadoras” do presente, tais como a mudança climática, as migrações, as violências e as extinções. Longe de negar as crises contemporâneas, o autor sustenta que precisamos de narrativas esperançosas que possam contribuir ou, pelo menos, acenar para futuros alternativos.

Acreditamos que as proximidades e possibilidades de interligação da História Ambiental e da História do Tempo Presente oferecem algumas dessas narrativas esperançosas. Elas nos contam sobre longos processos de mudança, sobre práticas não contemporâneas que permanecem no cotidiano, sobre saberes ambientais, controvérsias, atitudes e relações entre humanos e mundo natural. Elas permitem explorar a memória das relações de humanos e não humanos e a percepção das consequências que as escolhas do passado têm criado para as expectativas contemporâneas de futuro.

Foi essa visão de proximidade da História Ambiental com a História do Tempo Presente que nos motivou à construção do presente Dossiê da Revista Tempo & Argumento. A acolhida da proposta foi rápida, provocativa e instigante, o que pode ser observado nos artigos da edição.

Elenita Malta Pereira, em A construção da ética do convívio ecossustentável pelo ambientalista José Lutzenberger (1971-2002) discute a construção de uma perspectiva peculiar de relação entre humanos e mundo natural ao longo da trajetória de militância ambientalista do engenheiro agrônomo brasileiro José Lutzenberger, intelectual polêmico e de influência no debate público das questões ambientais no Brasil pós-ditadura militar.

No artigo Industrialização e crise ambiental: a representação do desastre nuclear em vozes de Tchernóbil, de Svetlana Aleksiévitch, Alfredo Ricardo Silva Lopes e Rauer Ribeiro Rodrigues discutem os embates contemporâneos da crise ambiental e dos modelos industriais a partir de um dos maiores desastres radioativos da história, explorando, simultaneamente, possibilidades e limites das relações entre História e Literatura no tempo presente.

Gabriel Lopes e André Felipe Cândido da Silva, em O Aedes aegypti na historiografia: reflexões, controvérsias e perspectivas, buscam refletir sobre as diferentes abordagens que têm sido realizadas acerca do mosquito Aedes aegypti, as ecologias ligadas ao longo processo de coevolução do inseto e da espécie humana. O ponto de partida é a leitura de uma epidemia de dengue sem precedentes na cidade do Rio de Janeiro em 1986.

De parque a APA: uma análise do processo de recategorização de parte do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, SC, de Jackson Alexsandro Peres, discute ressignificações de uma unidade de conservação que ocupa aproximadamente um por centro do território do estado de Santa Catarina, Brasil.

Marco Armiero e Leandro Sgueglia, em Wasted Spaces, Resisting People. The politics of waste in Naples, Italy analisam mobilizações sociais e injustiças ambientais na periferia de Nápoles, pontuando a criação de novos commons, novas instituições e guarnições sociais ou comunitárias, desenhando alternativas para desastres ecológicos urbanos como o desafio da contaminação tóxica ou do lixo.

Andrés Ernesto Francel Delgado, em Historia de la arquitectura y el urbanismo en bicicleta, Ibagué, Colombia, 2015-2017, trabalha com a implementação de uma metodologia de aprendizagem de arquitetura urbana e de leitura da transformação das cidades por meio da cultura ciclista como uma nova urdidura da cidade contemporânea.

Eunice Sueli Nodari e Zephyr Frank discutem, no artigo Vinhos de altitude no Estado de Santa Catarina: a firmação de uma identidade, uma história recente da vitivinicultura no estado de Santa Catarina, discutindo os territórios que trabalham com os, assim denominados, “Vinhos de Altitude”. No artigo fica evidente que a vitivinicultura não pode ser percebida, de forma idílica, vinculada a pequenos agricultores, e sim, como uma commodity econômica e cultural, que envolve um universo de atores humanos e não humanos.

Jo Klanovicz e Maíra Kaminski da Fonseca, em Tempo Presente e História Ambiental: a contemporaneidade do desastre do Césio-137 (Goiânia, mais que 1987), discutem a presença contemporânea da temporalidade do desastre radiológico de Goiânia, Brasil, em 1987. A partir da articulação entre História do Tempo Presente e História Ambiental, o artigo estabelece continuidades e rupturas em narrativas traumáticas estabelecidas a partir do acontecimento e suas repercussões no presente.

Já Samira Perucchi Moretto e Marlon Brandt, em Das pequenas produções à agroindústria: suinocultura e transformações na paisagem rural em Chapecó, SC, analisam os desdobramentos em torno da criação dos suínos, a partir da segunda metade do século XX no oeste de Santa Catarina e suas ligações com transformações ambientais regionais.

Todas as contribuições apresentam, além dos seus respectivos temas, o desafio de relacionar História do Tempo Presente e História Ambiental do ponto de vista teórico-metodológico. A grande acolhida do dossiê, materializada pelos artigos brasileiros e de pesquisadores internacionalmente reconhecidos na área de História Ambiental, expressa o desejo de convergência e de intercâmbio de experiências e de desafios apresentados pela História do Tempo Presente.

Referência

MAUCH, Christof. Slow Hope: Rethinking Ecologies of Crisis and Fear. RCC Perspectives: Transformations in Environment and Society, 2019, no. 1.

Eunice Sueli Nodari

Jo Klanovicz

(Organizadores)


NODARI, Eunice Sueli; KLANOVICZ, Jo. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.11, n.26, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Direitos Humanos: História e Tempo Presente / Tempo e Argumento / 2019

Direitos Humanos: História e tempo presente [1]

Assinalando a recente celebração dos setenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Revista Tempo & Argumento disponibiliza novo dossier onde se reúnem artigos que captam realidades históricas e da atualidade da Argentina e do Brasil, observadas pela perspetiva da problemática dos Direitos Humanos. Construídos com diferentes metodologias e ferramentas teóricas, estes artigos apontam para duas dinâmicas que possuem a sua própria historicidade: uma, a do alargamento da consciência coletiva acerca da importância da preservação daqueles direitos, verificada em comportamentos de distintos grupos sociais; outra, a do aprofundamento de uma atitude de vigilância sobre os factores que compromentem os Direitos Humanos, quer se manifestem potencialmente, quer se verifiquem em situações de facto.

Os episódios aqui tratados envolvem agentes históricos (figuras do judiciário, polícias, vítimas, ativistas) e ambientes (uns burocratizados, outros sociais, outros ainda virtuais) bastante diferenciados, onde, através de distintas posições profissionais-culturais e de práxis formais e informais, se aborda a reivindicação de direitos e a sua adjudicação. Em mais do que um artigo, o leitor é confrontado com o tratamento de questões como a memória, as reações emocionais e a criatividade na construção de soluções de problemas. No seu conjunto, os autores apontam para a demonstração de que cursos alternativos de acção existem e justificam como os mesmos alcançam legitimidade, lidando com interesses, com cristalizações no ambiente político ou com conflitos. Dois aspetos emergem destas várias composições que me parecem ser úteis a um desenvolvimento futuro da reflexão historiográfica no âmbito da problemática dos Direitos Humanos. Por um lado, a necessidade de se inquirir qual o lugar da negociação e da gestão dos interesses, constatadas nas formas de interação dos vários agentes, os quais sempre confrontam, em qualquer processo analisado, o investigador com uma multiplicidade de ideias, normas de comportamentos e motivações sobre a lei [2]. Por outro lado, a importância de explorar o que se pode chamar de incerteza institucional nos regimes analisados e de como essa condição afecta tanto recursos como capacidades, mobilizados em defesa de certas posições, acabando por determinar a distribuição do poder na política e na sociedade. Esta também pode ser uma via para compreender a complexidade do real e desconstruir a imagem simplificada e recorrente do sistema e da administração de justiça latino-americana como ineficaz, inconsequente e enfeudada a sectores políticos.

Uma forma possível de atender a estes aspectos é retomar para reflexão, como já alertou Samuel Moyn, o ponto de que os direitos humanos dependem de discursos e estruturas jurídicas (e do próprio direito internacional) e não de códigos morais e sentimentos, sob pena de não se estar a construir uma história dos Direitos Humanos, mas uma história do ativismo, da militância ou do humanitarismo. É importante que os estudos nesta temática concorram para clarificar qual(is) é(são) o(s) locus da autoridade legal, bem como quais são as leituras transportadas sobre a estrutura legal, isto é, quais são as visões legais produzidas nas construções que orientam a ação judicial, policial, militar ou nas lutas associadas à justiça transicional, ou ainda nas lutas pela conservação de modelos de justiça antitransicionais.

Este desafio afigura-se tão mais importante quanto o campo de pesquisa sobre os Direitos Humanos tem vindo a ser profusamente explorado nas várias comunidades científicas, um pouco por todo o globo, inclusive no mundo não ocidental, que lidam com normatividades e credibilidades diferenciadas desses direitos, consoante os contextos nacionais ou continentais onde estão inseridas. Na historiografia, influenciada pelos resultados de outras ciências sociais, regista-se que este campo de pesquisa conhece uma grande ebulição, numa tendência que já apresenta uma duração considerável, se atendermos a que na década de 1990 eram reduzidos os estudos sobre Direitos Humanos [3]. Ao longo dos últimos vinte anos, nos Estados Unidos da América mereceram amplo desenvolvimento aspectos como a metodologia dos estudos históricos de Direitos Humanos, a (re)invenção ou progressão dos direitos humanos na sequência do final da II Guerra Mundial e da terrífica experiência do Holocausto, da Guerra Fria e do pós-Guerra Fria. Na Europa, historicizaram-se as campanhas humanitárias associadas aos grandes conflitos bélicos ou às migrações em larga escala, discutiram-se diplomacias e políticas para os Direitos Humanos de vários Estados nacionais e de organizações internacionais, como a Organização das Nações Unidas, bem como as conexões entre as políticas de ambos, relacionando-as com o aprofundamento de conteúdos da vida democrática ou com os comportamentos de intelectuais e de forças políticas. Nesta linha, recentemente, surgiram pesquisas sobre o ínicio da propagação da cultura dos Direitos Humanos entre as oposições dos regimes ditatoriais e como tal serviu ao seu questionamento sobre a manutenção dos impérios coloniais, ou como, nos povos que aspiravam à autodeterminação e à independência, os dirigentes projetaram esses designíos além das comunidades locais e os fundaram num universalismo e na busca de direitos fundamentais reconhecidos na lei internacional.

A problemática dos Direitos Humanos tem vindo ainda a insinuar-se em produções historiográficas com objetos de estudo tradicionalmente orientados para outros problemas. Um exemplo encontra-se na própria história militar, que apesar de ocupada com estratégia e geopolítica, desenvolvimentos técnicos e científicos, lideranças militares e políticas, tem vindo a considerar a linguagem e a aplicação dos direitos humanos quando se debruça sobre tópicos como prisões e prisioneiros de guerra [4]. Também nos estudos sobre o comportamento das polícias ou dos chamados “movimentos sociais” se encontram variadíssimos contributos para o debate em torno dos direitos humanos, habitualmente percepcionados como ideia (s) que se ajusta aos imaginários dos atores, concorrendo para legitimar um tipo de moral e / ou para orientar as ações de grupos sociais. Na América Latina, têm dominado os estudos sobre as violações dos Direitos Humanos cometidas durante as ditaduras e os conflitos armados internos, ou mais recentemente sobre os processos judiciais contra os responsáveis pela perpetração dessas violações, designadamente sobre as interações de juízes, promotores e advogados.

A riqueza inesgotável deste campo de pesquisa é susceptível de gerar disputas sobre a forma de fazer uma história dos Direitos Humanos, merece, todavia, que se evitem armadilhas nesta “nova era da democracia”, para usar uma expressão do historiador e filósofo francês Marcel Gauchet, onde “se reivindicam direitos mais do que deveres, no quadro de egoísmos mais do que da universalidade, em que os direitos do homem servem hoje para tudo. Sobretudo, paradoxalmente, para negar os direitos do homem universal”, em favor de uma “concepção individualista e privatista de direitos singulares, que se presta a todos os desvios possíveis” [5].

Notas

1. Nesse texto optou-se por manter a grafia da língua nativa (Língua Portuguesa – Portugal).

2. Ezequiel A. González-Ocantos, Shifting Legal Visions. Judicial Change and Human Rights Trials in Latin America, Cambridge University Press, New YorK, 2016, pp. 27-30.

3. Samuel Moyn, “Substance, Scale, and Salience: The Recent Historiography of Human Rights” in Annual Review of Social Science, n.º 8, 2012, pp. 124-134.

4. Sybille Scheipers, Prisoners in War, Oxford: Oxford University Press, 2010; Arnold Kramer, Prisioners of War. A reference handbook, Westport: Praeger, 2008.

5. “Marcel Gauchet: “Que faire des Droits de L’Homme?”. Entretien réalisé par Valérie Toranian et Jacques de Saint Victor in Revue des Deux Mondes, 2018, pp. 17-18.

Referência

MAUCH, Christof. Slow Hope: Rethinking Ecologies of Crisis and Fear. RCC Perspectives: Transformations in Environment and Society, 2019, no. 1.

Paula Borges Santos – Instituto de História Contemporânea da NOVA FCSH

(Organizadora)


SANTOS, Paula Borges. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.11, n.27, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Terra e território no Brasil e América Latina: Sujeitos sociais, memória histórica e políticas públicas no tempo presente / Tempo e Argumento / 2019

Nas últimas décadas os estudos relativos à temática da história rural no Brasil e na América Latina demonstram uma trama de relações diversificadas, complexas e conflitivas acerca das experiências de ocupação de terra; das disputas pelo acesso, uso e posse da terra; das práticas e direitos de propriedade; do conjunto de resistências individuais – cotidianas e silenciadas – e coletivas; das diferentes formas de se relacionar com a terra, o território e o meio ambiente e das distintas concepções de direito1 . Neste universo conflitivo, multifacetado e desigual, nosso objetivo era receber artigos para compor este dossiê com pesquisas que abordassem a vitalidade do mundo rural no tempo presente e suas raízes históricas.

Buscamos, originalmente, privilegiar as narrativas dos próprios sujeitos, problematizando suas práticas a partir de novas fontes e metodologias, sobretudo as entrevistas orais. Além de estudos que contemplassem revisões acerca de historiografias tradicionalmente construídas sobre os sujeitos do campo, na tentativa de romper com a suposta homogeneização do campo e suas relações com o âmbito urbano. Neste ínterim, diferentes sujeitos sociais, a saber: indígenas, quilombolas, sem-terra, extrativistas, pequenos agricultores e grandes proprietários rurais disputam pela posse da terra e, no caso dos primeiros, por um local de trabalho, vida e moradia. Assim, o questionamento ao Direito, e, ainda, a compreensão dele como um meio para se alcançar a justiça e o exercício da cidadania, aliado à organização em movimentos sociais, apontam a reconfiguração desses sujeitos. Sinaliza, igualmente, a busca de novas representações sociais, a elaboração de políticas públicas e de leis específicas e os rearranjos e conflitos em torno delas.

A partir deste escopo, este dossiê busca contribuir com o debate no âmbito da história rural, em diálogo com a Antropologia, Geografia, Sociologia e o Direito a partir de uma perspectiva histórica, acerca das disputas pelo uso e posse da terra, da manutenção dos modos de vida, dos processos de resistência e pelo direito à(s) memória(s) dos diferentes grupos sociais do Brasil e da América Latina. Nesse sentido, as contribuições que recebemos e selecionamos superaram as nossas expectativas originais, somando sete artigos de autores provenientes de instituições da Argentina, Brasil, Chile e Polônia. São abordadas temáticas heterogêneas, trazendo problemáticas e aspectos transversais, que contemplam a diversidade dos sujeitos do campo na contemporaneidade – como camponeses ou produtores rurais, indígenas, famílias e imigrantes –; a questão da terra e dos territórios materiais e imateriais; o papel de setores e de poderes intermediários; a importância da memória na construção da história ambiental regional, da educação, do direito e da cultura e, ainda, o papel do Estado na elaboração e / ou na ausência de políticas públicas.

Em Echar raíces en tierra fértil. Producciones, domesticidad y memorias de familias rurales en la colonización tardía argentina (medianos de siglo XX), de Celeste De Marco (CONICET, Argentina), aborda-se o tema da colonização rural durante o governo peronista na Argentina (1946-1955) a partir da análise de casos presentes na região metropolitana sul de Buenos Aires: colônia “17 de octubre / La Capilla”, no município de Florencio Varela e na colônia “Justo José de Urquiza”, no município de La Plata (esta, capital da província de Buenos Aires). O objetivo central da pesquisa é reconstruir o papel dos sujetos sociais durante o processo de colonização agrícola, das famílias colonas principalmente italianas e japonesas, por meio da discussão das práticas produtivas e da vida doméstica familiar, com a adoção de uma perspectiva analítica centrada nas experiências de gênero. Para isso, utilizam-se fontes oficiais, jornal e principalmente entrevistas semi-estruturadas que congregam informações sobre as memórias familiares que, nas palavras de De Marco, “contribuyen a rescatar la importancia socio-productiva de figuras soterradas en el orden de las representaciones”, durante os períodos de fundação e de consolidação das colônias periurbanas desde os princípios da década de 1980.

No artigo Doblemente desaparecidos: servicio militar, pobreza y represión en la frontera patagónica durante la última dictadura argentina, baseado na pesquisa doutoral de Ayelen Mereb (UBA, Argentina), se revisita o caso de Héctor Inalef, primogênito e suporte econômico de uma família mapuche dedicada às atividades rurais na comunidade de El Bolsón, localizada na Patagônia argentina, desde a sua prisão durante o governo ditatorial no ano de 1976, até sua “aparición con vida” na cidade de Viedma, capital de Río Negro, trinta e oito anos depois, em 2014. A partir de uma perspectiva centrada na micro-história e na historia oral, se utilizam documentos, entrevistas e testemunhos particulares e familiares enquadrados nos estudos de memórias sobre passados traumáticos na Argentina e América Latina, manifestados na violência estatal de natureza política e de classe em “clave local, rural y mapuche”, diante das reivindicações familiares, étnicas e das tentativas de reparação oficial até os dias atuais.

O artigo de Alcione Nawroski (Universidade de Varsóvia), A educação na sociedade rural e o curso agrícola para rapazes brasileiros na Polônia (1918-1938), aborda a experiência de intercâmbio de três jovens na Polônia, considerando o número expressivo de agricultores entre a população polonesa no Brasil no início do século XX. O pano de fundo dessa discussão é a existência de um relativo atraso no campo, estendendo-se para o campo educacional, o qual impedia que esse grupo social alcançasse novas e melhores condições de vida e trabalho em território brasileiro. A análise de Nawroski ocupa-se basicamente de jornais poloneses, destacando que o governo brasileiro não possuía o mesmo compromisso com a educação, se comparado ao polonês.

Atual, necessário e quase em tom de denúncia, o trabalho Trajetórias diásporicas indígenas no Tempo Presente: terras e territórios Atikum, Kamba e Kinikinau em Mato Grosso (do Sul), de Giovani José da Silva (Unifap), discute o processo de invisibilização das referidas etnias. Trabalho de natureza interdisciplinar, sobretudo pelas lentes da Antropologia e do Direito, articula as trajetórias diaspóricas e os processos de territorialização ocorridos na história dos Atikum, Kamba e Kinikinau que, em pleno século XXI, ainda lutam por uma visibilidade que garanta respeito aos direitos que lhes têm sido negados sistematicamente. O artigo destaca, ainda, as diferentes percepções e concepções acerca da terra e do território.

O artigo Gamonalismo y redes de poder local en el Nordeste Antioqueño (Colombia) 1930-1953, de Diana Henao Holguin (Universidad do Chile), por sua vez, apresenta parte da pesquisa doutoral da autora, centrada no processo de denúncia e apropriação de terras baldias e nos conflitos derivados dessas ações na região de Antioquía, Colômbia, durante o período de 1930-1953. O recorte temporal coincide com a modernização liberal do Estado, a qual culminou com a centralização e o fortalecimento do Estado colombiano. Neste marco, H. Holguin estuda o caciquismo antioquiano e suas particularidades nos distritos de Cisneros e Yolombó, contrastando-0s, assim, com outros no âmbito andino, como Equador e Peru, munida de diversos documentos de natureza local-regional. A hipótese da autora – em uma zona de fronteira como a que estuda, de colonização tardia, se comparada com as áreas centrais colombianas – é que o referido sistema político “va a encarnar distintas facetas”, incluindo tanto a coação e exploração camponesa, possibilitando o avanço dos proprietários, como estratégias de intermediação com autoridades e distintas esferas de poder territorial, uso de meios legais em seu próprio benefício, construindo, assim, redes pessoais e clientelistas para canalizar votos para os partidos tradicionais.

Já o trabalho de Temis Gomes Parente (UFT) e Cícero Pereira da Silva Júnior (UFPA), intitulado De estrada líquida à jazida energética: os sentidos do rio Tocantins na memória oral dos ribeirinhos, por meio da metodologia em História Oral, reflete sobre as relações estabelecidas e experienciadas entre os ribeirinhos e o rio Tocantins, nas duas dimensões, materiais e imateriais. O elemento inovador do artigo é o estreito diálogo com a Antropologia, apropriando-se da noção de dádiva de Marcel Mauss, com o intuito de ressignificar a(s) narrativa(s) dos ribeirinhos acerca do rio e do seu entorno.

No auge das experiências participativas sobre conflitos socioambientais nos últimos anos na América Latina, Consultas comunitarias en Argentina: respuestas participativas frente a mega-proyectos, de Lucrecia Soledad Wagner (Universidad Nacional de Cuyo, Argentina), estuda as consultas comunitárias sobre projetos de mineração a céu aberto nas comunidades de Esquel e Loncopué, nas províncias patagônicas argentinas de Chubut e Neuquén respectivamente, “considerando que el término comunidad resulta el más pertinente para definir los procesos sociales que se generaron en torno a la conflictividad ambiental, en especial en Argentina”, com reconhecida horizontalidade. Mediante a análise de documentos escritos, imagens e realização de trabalho de campo, a autora examina as motivações que impulsionaram o desenvolvimento dessas consultas, o seu impacto social e a criação de uma institucionalidade ambiental, sustentando, conforme suas palavras, que foram “las comunidades locales las que recurrieron a la normativa existente para respaldar su derecho a ser parte del proceso de toma de decisiones que afectarían su lugar de vida” em substituição ao cumprimento da legislação vigente sobre conflitos ambientais por parte das autoridades executivas e legislativas do Estado, oportunizando a gestão de um espaço de participação direta.

Para finalizar, gostaríamos de agradecer as / aos autoras / es – únicos e últimos responsáveis pelas opiniões, posicionamentos ideológicos e / ou conclusões de seus artigos – por suas valiosas contribuições para o dossiê e, ao comitê editorial da revista, por sua eficiência e acompanhamento durante todo o processo de construção. Desejamos que este dossiê possa contribuir para o aprofundamento dos temas e problemas aqui tratados, assim como para o avanço do trabalho conjunto e a aproximação entre as historiografias e as disciplinas humanas e sociais de nossos países.

Boa leitura!

Notas

1. Para América Latina e outras latitudes pode ser consultado, entre outros, Serrão, J. V., Direito, B., Rodrigues, E. & Münch Miranda, S. (eds) (2014) Property Rights, Land and Territory in the European Overseas Empires. Lisboa: CEHC-IUL. Congost, R., Gelman, J. & Santos, R. (eds.) (2017) Property Rights in Land. Issues in social, economic and global history. London & New York: Routledge. Motta, M. & Piccolo, M. (Org., 2017), O Domínio de outrem. Posse e propriedade na Era Moderna (Portugal e Brasil), Vol. 1, São Luís: EDUEMA, Guimarães: Nósporcatudobem. Motta, M. & Piccolo M. (Org., 2017), O Domínio de outrem. Propriedades e direitos no Brasil (Séculos XIX e XX), Vol. 2, São Luís: EDUEMA, Guimarães: Nósporcatudobem. Barcos, MF., Lanteri, S. & Marino, D. (2017) Tierra, agua y monte. Estudios sobre derechos de propiedad en América, Europa y África (siglos XIX y XX). Buenos Aires: Teseo

Rose Elke Debiasi – Universidade Federal de Sergipe (UFS). E-mail: [email protected]

Sol Lanteri – CONICET-UBA, Instituto Ravignani, Buenos Aires, Argentina. E-mail: [email protected]

DEBIASI, Rose Elke; LANTERI, Sol. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.11, n.28, 2019. Acessar publicação original [DR]

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III Seminário Internacional História do Tempo Presente – III / Tempo e Argumento / 2018

A revista Tempo e Argumento, neste dossiê especial, com grande satisfação, traz um conjunto de artigos apresentados durante o III Seminário Internacional de História do Tempo Presente, que ocorreu entre os dias 25 e 27 de outubro de 2017, na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). O evento, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em História (PPGH), desde a sua primeira edição, em 2011, tem dois objetivos principais: estimular o debate acerca da produção historiográfica sobre a história do tempo presente, em nível nacional e internacional, do ponto de vista da construção das narrativas e das questões de ordem teórico-metodológicas; divulgar para o público acadêmico da graduação e pós-graduação, pesquisadores e profissionais de diferentes áreas e para os / as docentes das redes de ensino fundamental, médio e superior os resultados das produções do referido campo de conhecimento.

O III Seminário Internacional de História do Tempo Presente contou com três conferências, quatro mesas redondas, dez simpósios temáticos e lançamento de livros. Os debates historiográficos, a preocupação com questões advindas das demandas políticas, sociais e econômicas e a perspectiva da interdisciplinaridade nortearam em grande parte essas distintas atividades que tiveram como público 364 participantes entre discentes, docentes e pesquisadores. O evento teve apoio institucional da UDESC, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC). A comissão organizadora do evento foi composta por seis docentes do PPGH: Cristiani Bereta da Silva, Luiz Felipe Falcão, Mariana Joffily (coordenadora geral), Rafael Rosa Hagemeyer, Silvia Maria Fávero Arend e Viviane Trindade Borges; pelas pesquisadoras Juliana Sayuri Ogassawara e Nashla Aline Dahas Gomozias que realizam estágio pós-doutoral; e pelos doutorandos Daniel Lopes Saraiva e Yomara Feitosa Caetano de Oliveira Fagionato, ambos do PPGH. Além deste dossiê, o evento publicou os anais eletrônicos, com 145 textos apresentados nos simpósios temáticos, que podem ser acessados no seguinte endereço: http: / / www.seminariotempopresente.faed.udesc.br / index.php / 2013-11-03-15- 03-56.

Este dossiê especial é composto por doze artigos, sendo dois deles produto das conferências realizadas pelos professores Christian Delacroix e João Quartim de Moraes. Os outros dez artigos foram apresentados nas quatro mesas redondas. Os artigos da conferencista Liz Sevcenko, professora da Columbia University (Estados Unidos da América), e de Rafael Rosa Hagemeyer e Silvia Maria Fávero Arend, ambos docentes da UDESC, serão publicados em outros periódicos.

O artigo de Christian Delacroix, pesquisador do Institut d’Histoire du Temp Présent (IHTP) e professor da Universidade Paris Est Marne-La-Vallée, intitulado “A história do tempo presente, uma história (realmente) como as outras?”, tem como temática a emergência e consolidação da História do Tempo Presente enquanto um campo de estudos. O autor aborda questões de ordem epistemológicas e relativas às fontes documentais que referendam essa proposta historiográfica. A tradução do texto para a língua portuguesa foi realizada pelos pesquisadores Fernando Coelho e Silvia Maria Fávero Arend.

Marieta Morais Ferreira, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no artigo “Notas iniciais sobre a história do tempo presente e a historiografia no Brasil”, descreve o percurso transcorrido em relação à introdução e consolidação da história do tempo presente no Brasil desde os anos de 1980, enfatizando o papel assumido nesse processo pela história oral e pelos eventos relativos à justiça de transição ocorridos no país. Já Rodrigo Patto Sá Motta, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, no artigo “Cultura política e ditadura: um debate teórico e historiográfico”, apresenta inicialmente uma discussão de caráter epistemológico a respeito do conceito de culturas políticas para, posteriormente, abordar as possiblidades de utilização do mencionado Editorial Silvia Maria Fávero Arend, Luiz Felipe Falcão referencial teórico na análise de fenômenos da sociedade brasileira. Esses dois artigos foram apresentados na mesa redonda “Consolidação da História do Tempo Presente no Brasil”, que foi composta pelos dois pesquisadores e por Silvia Maria Fávero Arend.

A docente da Universidad Nacional de San Martín (Argentina), Marina Franco, no artigo “La última dictadura argentina en el centro de los debates y las tensiones historiográficas recientes”, apresenta uma análise do atual “cenário” relativo à escrita da história da ditadura militar na Argentina. Já a historiadora Verónica Valdívia, docente da Universidad Diego Portales (Chile), no artigo “Gritos, susurros y silencios dictatoriales. La historiografía chilena y la dictadura pinochetista”, realiza também um balanço historiográfico sobre o tema da ditadura no Chile. A docente da UDESC, Mariana Joffily, no artigo “Aniversários do golpe de 1964: debates historiográficos, implicações políticas”, tendo em vista as efemérides relacionadas ao golpe de Estado ocorrido no Brasil em 1964, discute a produção de narrativas sobre a ditadura e suas repercussões nos campos historiográfico e político. Esses três textos foram apresentados na mesa redonda “Ditaduras do Cone Sul: Debates e Implicações Política”.

Ana Maria Maud, professora da Universidade Federal Fluminense, no artigo “Imagens em fuga: considerações sobre espaço público visual no tempo presente”, analisa os usos da fotografia pública histórica nos circuitos sociais e políticos. Ricardo Santhiago, docente da Universidade Federal de São Paulo, no artigo “História pública e autorreflexividade: Da prescrição ao processo”, apresenta inicialmente como se deu a emergência e consolidação da história pública, para, ulteriormente, apresentar um estudo de caso sobre mulheres e história oral. De sua parte, Viviane Trindade Borges , docente da UDESC, no artigo “Memória pública e patrimônio prisional: questões do tempo presente”, discute os problemas vigentes nos processos de patrimonialização dos espaços prisionais tendo em vista os casos do Brasil, França, Portugal e Estados Unidos da América. Esses três artigos foram debatidos na mesa redonda “História Pública e Tempo Presente: Interfaces e Perspectivas”.

Javier Campo, docente da Universidad Nacional del Centro de la Província de Buenos Aires (Argentina), no artigo “¿Cine + sociedad? El caso del documental político entre las narrativas revolucionarias y las democrático humanitárias”, aborda questões caráter epistemológico presentes na relação entre a história e os documentários a partir da produção cinematográfica argentina produzidos entre 1968 e 1989. Marcelo Teó, pesquisador da Universidade Estadual de Campinas, no artigo “Desequilíbrio de história Parte I: um problema do campo das humanidades (?)”, apresenta um conjunto de reflexões acerca da produção de narrativas audiovisuais em consonância com os debates feitos no campo das ciências humanas. Esses dois artigos foram debatidos na mesa redonda “Mídias Audiovisuais e Imaginação Histórica”, que contou também com a presença de Rafael Rosa Hagemeyer, docente da UDESC.

Por fim, o professor da Universidade de Estadual de Campinas, João Quartim de Moraes, no artigo “A revolução de Outubro na história do século XX”, apresenta um panorama de como a temática da revolução russa de 1917 foi tratada por um conjunto de autores, sobretudo, do campo das esquerdas.

Desejamos a todos uma boa leitura.

Silvia Maria Fávero Arend

Luiz Felipe Falcão

Editores


AREND, Silvia Maria Fávero; FALCÃO, Luiz Felipe. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.10, n.23, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Reflexões teóricas e narrativas históricas no Tempo Presente / Tempo e Argumento / 2018

E a história hoje…

O dossiê – Reflexões teóricas e narrativas históricas no tempo presente – reúne artigos que se dedicam a um duplo-esforço: o de pensar o mundo contemporâneo, e isso a partir da preocupação com a diferença, ou ainda, com todo e qualquer modo de ser ou perspectiva que venha despontando, com especial destaque para as discussões que articulam narrativas históricas no tempo presente. Em linhas gerais, se trata do que temos chamado de uma tendência (ou giro) ético-política no interior da teoria da história, da história da historiografia, da disciplina em geral.

A qualidade específica da disciplina história é a de constituir compreensões acerca de passados, no entanto, o que temos percebido é que temos tido nas últimas décadas um interesse crescente por parte de historiadores e historiadoras em (também) pensar problemas próprios ao nosso presente, o que tem sido feito a partir de uma abertura temporal capaz de reconhecer passados que não passaram, irrupções e insurgências, bem como usos e apropriações do passado. Neste sentido, podemos dizer que esse interesse está diretamente relacionado com algo mais geral, com o próprio horizonte histórico atual, com suas demandas, pontos de saturação e problemas contemporâneos.

Tais demandas e intervenções têm se constituído a partir de uma forte tensão com o que podemos chamar, de um lado, democratização, e, por outro lado, certo conservantismo comprometido com uma perspectiva mais homogênea e mesmo tradicional da realidade. Uma tensão, precisamos sublinhar, que se constitui a partir de uma intimidade significativa de certo caráter técnico do saber, ou ainda, com um modo de ser e um ritmo marcado pela necessidade constante (algumas vezes sem sentido) de produção e produtividade com fins nem sempre qualitativos.

Desse modo, se, por um lado, o nosso horizonte histórico está num momento crítico, decisivo, o que temos, por outro, é uma preocupação mais geral e crescente no interior das humanidades em participar desse momento crucial, especialmente a partir de um cuidado especial com isso, que é a diferença, e com a democratização. Nesse contexto, a disciplina história tem se esforçado e tem tido um papel expressivo a partir de um diálogo profundo com a filosofia, literatura, antropologia etc., re-tematizando insistentemente determinados passados e se esforçando no sentido de constituir atmosferas próprias à retenção da tensão no interior do espaço público.

No que pese a desqualificação do exercício de reflexão histórica, parece fundamental abrirmos o tempo atual às múltiplas temporalidades, desnaturalizar o presente, acenar para novas abordagens e problemas do contemporâneo. Este dossiê é um exercício de imersão nesse campo de disputas. A partir da reflexão de historiadoras e historiadores, convida ao debate sobre os limites e potencialidades da narrativa histórica no tempo presente.

Ao propormos este dossiê para a revista Tempo e Argumento, não esperávamos pelo número de quase 40 artigos submetidos. A partir da avaliação ad hoc, selecionamos 11 textos. Acreditamos que são representativos da diversidade teórica e metodológica da história em tempos recentes, assim como da possibilidade de intervenção nas questões que afligem as humanidades, e a história em particular.

Esperamos que os leitores não deixem os artigos caírem na vala comum das milhares de produções científicas que circulam na internet, ou seja, que leiam, critiquem e debatam entre colegas e alunos. Que se posicionem sobre as reflexões propostas e, com isso, intervenham nas discussões do nosso tempo.

Marcelo de Mello Rangel

Rogério Rosa Rodrigues

(Organizadores)


RANGEL, Marcelo de Mello; RODRIGUES, Rogério Rosa. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.10, n.24, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Memória e usos políticos do passado: 130 anos da abolição e pós-abolição / Tempo e Argumento / 2018

13 de maio de 2018. Há 130 anos foi promulgada a Lei Áurea, que aboliu definitivamente a escravidão em todo o Brasil. A evocação dessa data assume para todos nós a indicação de uma efeméride. Mas o que são efemérides? Mais do que a celebração de um acontecimento ou fato importante assinalado em determinada data, são pontas de icebergs, emergem da “relação inextricável entre o acontecimento, que elas fixam com a sua simplicidade aritmética, e a polifonia do tempo social, do tempo cultural, do tempo corporal, que pulsa sob a linha de superfície dos eventos”.1 As efemérides, com todos os seus significados, usos e apropriações sociais, políticas e culturais, provocam reflexões. Desafiam-nos ao exame crítico. Assim, elas são balizas importantes para os historiadores e cientistas sociais de modo geral. Há muito do passado no presente desta nação. Não se pode dizer que tudo é uma decorrência da escravidão, mas devemos ponderar como o Brasil, o último dos países das Américas a abolir o regime de cativeiro, foi marcado pela experiência da escravidão, cujos legados (sociais, políticos, culturais e simbólicos) não podem ser esquecidos. Ao contrário, devem fazer parte da agenda nacional.

Conforme assinalam Maria Helena Machado e Lilia Schwarcz, os movimentos de emancipação nas Américas traduziram conjuntos de processos históricos de larga amplitude, os quais recolocaram, em novas perspectivas, desafios e dilemas antigos, mas atualizados a partir de novos cenários: “a questão do trabalho, do lugar social dos africanos e afrodescendentes nas sociedades sem escravidão, o problema da raça e da mestiçagem nos quadros dos emergentes Estados nacionais e de uma ciência comprometida com a construção de sistemas de classificação e exclusão, a questão da imagem e da formação de estereótipos e políticas de representação pós-coloniais”. As autoras ressaltam, igualmente, o papel das relações de gênero como marcador social da diferença, influenciando e intersecionando as experiências de homens e mulheres nos limiares das invenções da liberdade. Quando colocados em relação, “esses diferentes marcadores – como raça, etnia, região, gênero, classe – revelam panoramas diferenciados, mas ao mesmo tempo persistentes na determinação e preservação de processos de exclusão social” na nossa sociedade. 2

Este dossiê tem por finalidade apresentar pesquisas atuais sobre a história da abolição e pós-abolição no Brasil, conferindo atenção especial aos usos públicos e políticos da memória e suas implicações sociais, culturais, políticas e identitárias em suas diferentes manifestações numa sociedade marcada pelas heranças ressignificadas do cativeiro. A iniciativa de organizar este dossiê também respondeu ao crescente (e renovado) interesse pela temática.

São oito artigos selecionados. Como ponto de partida, Francisco Assis Nascimento e Túlio Henrique Pereira analisam as formas pelas quais o corpo humano foi representado em duas imagens publicadas no impresso baiano A Coisa e em uma imagem publicada na revista norte-americana Verdict. O argumento dos autores é que essas imagens, colocadas em circulação pela imprensa ilustrada entre o final do Império e a Primeira República no Brasil, conferem visualidades para esses corpos, ao mesmo tempo em que veiculam discursos raciais, culturais, sociais e políticos. No artigo seguinte, Karla Leandro Rascke examina a produção e difusão da chamada imprensa negra em Florianópolis, nas primeiras décadas após a Abolição. Mostra como os “homens de cor” letrados da capital catarinense se mobilizaram em prol de direitos, valendo-se, para tanto, de jornais, que vocalizavam seus projetos de ascensão social e de cidadania.

Já Petrônio Domingues investiga a presença do jazz no meio negro de São Paulo na década de 1920, demonstrando como o estilo de origem afro-diaspórica impactou a vida daquele segmento populacional, influenciando suas experiências culturais relacionadas especialmente aos estilos modernos e cosmopolitas. No artigo posterior, Yussef Daibert Salomão de Campos discute como a Constituição brasileira de 1988 trata os direitos quilombolas e indígenas, tanto em relação à terra quanto à cultura. Seu argumento é que a Carta Magna é incoerente, na medida em que separou o binômio lugar e território das práticas e bens culturais classificados como patrimônio. A seu ver, essa separação, que aparece no texto legal, só pode ser compreendida à luz do jogo político.

Ao reconstituir a trajetória dos Cazumbás na Bahia, José Bento Rosa da Silva examina em seu artigo como uma família de descendentes de africanos, desde o século XIX, mantém o sobrenome familiar e como isto tem implicações nas questões relacionadas à identidade, história e memória dos Cazumbás. Na sequência, Fernanda Barros dos Santos lança seu olhar para a relação entre Estado e movimentos sociais negros no Brasil contemporâneo. Além de comparar como os governos de José Sarney (1985-1990), Fernando Henrique Cardoso (1995- 2003) e Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) lidaram com a questão racial, a autora esquadrinha o surgimento da Fundação Cultural Palmares (1988) e da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), em 2010.

Luís Fernando Cerri e Rubia Caroline Janz, por sua vez, abordam a implantação da lei n. 10.639 / 2003, a qual tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica, por meio de elementos da aprendizagem e das opiniões de estudantes. No artigo, são analisados como os estudantes do Ensino Médio da cidade de Ponta Grossa, no Paraná, concebem questões relativas à escravidão, práticas de resistência e o processo de abolição do cativeiro. Já Gustavo de Andrade Durão, no artigo derradeiro desse dossiê, perscruta alguns aspectos do conceito de pan-africanismo como meio de se conectar ao debate pós-colonial. Enfocando análises transnacionais de pensadores importantes como Edward Blyden, Marcus Garvey e W. E. B. Du Bois, o autor procura mapear as perspectivas pelas quais tais pensadores se debruçaram para constituir as definições de pan-africanismo e do pós-colonial, um debate atual e desafiador para os estudos afro-diaspóricos.

Os artigos aprofundam análises e discussões cujo eixo gira em torno de escolhas temáticas, objetos, abordagens, cronologias e universos empíricos que interseccionam o pósabolição e as questões contemporâneas emergentes. O objetivo foi reunir pesquisas centradas em processos históricos multifacetados – experiências, ideias, narrativas, agências, contextos, movimentos, instituições e seus protagonistas. O dossiê oferece ao leitor um rico e instigante painel do que vem sendo produzido sobre a história, a memória e as políticas raciais a respeito do Brasil na era das emancipações e do pós-abolição, o que certamente contribuirá para a ampliação do conhecimento sobre o campo.

Marc Bloch define a história – “ciência dos homens no tempo” – a partir de dois atributos: o seu caráter humano e as relações dialógicas entre passado e presente. Com relação a este último aspecto, chamou a atenção para a importância de compreender o “presente pelo passado” e o “passado pelo presente”, nunca pelas vias de um trajeto linear, mas levando em conta as influências mútuas (rupturas e continuidades). Bloch ressalta que a visão de um mesmo passado se altera conforme as transformações de longa, media e curta duração. O historiador é um sujeito de seu tempo.3 As questões próprias de sua época demandam revisões constantes sobre o passado que, por seu turno, sugerem novas questões e novas formas de investigação que culminam na reescrita da história.

A história da abolição e pós-abolição no Brasil está sendo (re)escrita, em permanente diálogo com as questões do tempo presente. Se é verdade que, apesar de passados 130 anos da Lei Áurea, os egressos do cativeiro e / ou seus descendentes ainda enfrentam uma série de desafios na esfera do reconhecimento, dos direitos e do exercício da cidadania no seio da nação, não é menos verdade que vem sendo crescente a sensibilização do Estado e da sociedade civil às políticas de reparações, ações afirmativas etc. A história e a memória são arenas de disputas e embates de projetos de nação. Nesse contexto, “lembrar”, argumentam Lilia Schwarcz e Flávio Gomes, é um “exercício de rebeldia; de não deixar passar e de ficar para contar”.4 A história da escravidão à liberdade já foi tecida, ao passo que a da liberdade à igualdade ainda faz parte dos horizontes de expectativas. Que um dia as marcas do passado escravista, atualizadas sob o selo das desigualdades raciais, deixem de atormentar o país.

Notas

1 BOSI, Alfredo. O tempo e os tempos. In: NOVAES, Adauto (org.). Tempo e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 19.

2 MACHADO, Maria H. P. Toledo e SCHWARCZ, Lilia Moritz. Apresentação. In: MACHADO, Maria H. P. Toledo e SCHWARCZ, Lilia Moritz (orgs). Emancipação, inclusão e exclusão: desafios do passado e do presente. São Paulo: Edusp, 2018, p. 11-12.

3 BLOCH, Marc. Introdução à História. Mira-Sintra; Mem Martins: Publicações Europa-América, 1997 [Edição revista, aumentada e criticada por Etienne Bloch].

4 SCHWARCZ, Lilia e GOMES, Flávio. Apresentação. In: SCHWARCZ, Lilia e GOMES, Flávio (orgs). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 19.

Petrônio Domingues

(Organizador)


DOMINGUES, Petrônio. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.10, n.25, 2018. Acessar publicação original [DR]

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História do Tempo Presente: perspectivas / Tempo e Argumento / 2017

História do Tempo Presente / Tempo e Argumento / 2017

O Programa de Pós‐Graduação em História, da Universidade do Estado de Santa Catarina, comemora dez anos de existência em 2017 com uma ótima notícia. No último ano, este periódico do curso, a revista Tempo & Argumento, obteve posicionamento no estrato A2 no sistema de avaliação Qualis / Capes. Esta conquista é fruto do trabalho árduo de editores, docentes, discentes, técnicos universitários e gestores públicos. Agradecemos a todas as pessoas envolvidas nos esforços de dar consistência à revista desde 2009 e, em especial, aos editores anteriores Rogério Rosa Rodrigues e Márcia Ramos de Oliveira.

Aproveitamos para informar também que nos próximos números de Tempo & Argumento apresentaremos uma nova seção, denominada Debates, bem como contaremos com editores assistentes internacionais. Essas inovações têm o objetivo de fazer com que o periódico seja cada vez mais uma referência nacional e internacional nos estudos da História do tempo presente.

Este primeiro número de 2017 conta com as seções Dossiê, Artigos, Resenha, Entrevista e Tradução. O dossiê História do Tempo Presente: perspectivas é composto por cinco artigos que debatem rumos desse domínio historiográfico em construção no Brasil, seja do ponto de vista da teoria ou sob o viés metodológico.

“Ditaduras brasileiras: aproximações teóricas e historiográficas”, de autoria de Carlos Fico, discute visões presentes na historiografia brasileira e estrangeira sobre o tema da ditadura militar, bem como os embates acerca das temporalidades que configuram esse período histórico. A historiadora Maria Conceição Francisca Pires, no artigo “Bob Cuspe: resistências microscópicas, contra condutas e a potência do ‘não’ nos quadrinhos underground de Angeli”, analisa as novas formas de expressão do campo do político que emergiram nos anos de 1980 através dos quadrinhos do cartunista Angeli. Daniel Pinha Silva, por sua vez, no artigo “O lugar do tempo presente na aula de história: limites e possibilidades”, apresenta uma reflexão sobre os usos pedagógicos da epistemologia que norteia os estudos sobre o tempo presente. O discurso jornalístico e suas intersecções com o campo disciplinar da História no que tange ao teórico e ao metodológico é o tema do artigo de Rodrigo Bragio Bonaldo, intitulado “Quando a Odebrecht construiu Salvador: a narrativa jornalística da história na coleção Terra Brasilis, de Eduardo Bueno (1998‐2006)”. As historiadoras Luciana Rossato e Maria Teresa Santos Cunha apresentam uma cartografia das pesquisas realizadas pelos discentes do Programa de Pós‐Graduação em História, da Universidade do Estado de Santa Catarina, entre 2007 e 2017. O artigo é alusivo às comemorações de dez anos de criação do curso.

A seção Artigos também é composta por cinco trabalhos de investigação. O historiador Alberto Gawryszewski, em um estudo de caráter comparativo entre a revista “Careta” e a imprensa comunista, esboça um panorama sobre caricaturas de Getúlio Vargas produzidas entre 1945‐1954. A antropóloga social Miriam de Oliveira Santos discute os pressupostos que balizaram a produção de identificações entre grupos sociais – italianos, alemães e portugueses – que habitavam o Sul do Brasil nos séculos XIX e XX. Jorge Pagliariani Junior, por sua vez, em um estudo acerca da História Pública, reflete sobre os processos de produção dos conteúdos históricos de sites de municípios do Estado do Paraná. O historiador Marcelo Hansen Schachta, em artigo que tematiza os testemunhos na Comissão Nacional da Verdade do Paraná, problematiza um conjunto de questões presente na Justiça Restaurativa no Brasil. Por fim, Mario Marcelo Netto discute a produção historiográfica do historiador estadunidense Robert James Maddox, tendo em vista o problema posto na relação temporal presente‐futuro‐passado.

A seção Resenha traz a análise de duas obras. O historiador Dilton Cândido Santos Maynard comenta de forma crítica a obra do historiador francês Henry Rousso, membro do Institut de Histoire du Temps Présent (IHTP), intitulada “La dernière catastrofe: l´histoire, le présent, le contemporain”, traduzida para o português em 2016. A tradução dessa obra de grande importância para o estudo da História do tempo presente ocorreu a partir de uma parceria entre o Programa de Pós‐Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina e a Fundação Getúlio Vargas. Dilton Cândido Santos Maynard, além de descrever o conteúdo do livro, aponta para o / a leitor / a os principais debates de cunho teórico metodológicos propostos por Henry Rousso. Em seguida, o historiador Carlos Gregório dos Santos Gianelli apresenta comentários críticos sobre o livro “As estórias a favor da História: as efemérides mineiras de José Pedro Xavier da Veiga”. Na resenha são ressaltadas as interfaces entre o discurso literário e o da História.

Esse número da revista Tempo e Argumento inaugura um conjunto de entrevistas que serão realizadas ao longo de 2017 com historiadores / as da América Latina com o intuito de traçar um cenário sobre esse campo historiográfico no continente. O primeiro pesquisador, entrevistado por Elisangela da Silva Machieski, foi Hugo Antonio Fanzio Vengoa. O historiador, autor de vários estudos sobre História Global e História do Tempo Presente, descreve seu itinerário nesse campo do saber, bem como a situação em que se encontra a História do tempo presente em seu país, a Colômbia.

A seção Tradução apresenta o capítulo 4 da obra do historiador inglês Quentin Skinner intitulada, “Visions of Politics” inédita no Brasil, vertido para o português por Marcus Vinícius Barbosa. O referido capítulo do livro constitui‐se em referência para os estudos sobre a relação entre Filosofia Política e a História.

Silvia Maria Fávero Arend

Luiz Felipe Falcão 

Editores


AREND, Silvia Maria Fávero; FALCÃO, Luiz Felipe. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.9, n.20, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Memória e Mídia / Tempo e Argumento / 2017

A explosão dos acontecimentos de maio de 1968, na França, colocou em questão a relação entre a narrativa midiática dos “fatos históricos” e o trabalho acadêmico dos historiadores que consideravam esse tipo de concepção superficial e ultrapassada. Em O Renascimento do acontecimento, François Dosse reinterpreta o clássico artigo de Pierre Nora, que encara “O retorno do fato” com surpresa e desconforto, já que para os herdeiros de Braudel o que importava eram as permanências. Com a irrupção de acontecimentos espetaculares, que já poderiam ser considerados “históricos” no próprio momento em que repercutiam, Pierre Nora compreende que a imaginação histórica das massas difere muito do modo como os historiadores haviam aprendido a lidar com o passado. Preocupado com isso, ele define os limites do historiador no âmbito dos arquivos e debates acadêmicos, deixando o trabalho memorialístico para artistas e jornalistas, sendo que esta produção memorialística poderia servir, ela mesma para ser analisada por historiadores como documentos de época. Mas o que ocorre quando elas são documentos de nossa época? Não há um passado que reverbera no presente? Ou só o presente reverbera no passado, e este não passa de uma imagem caricata que nós produzimos segundo os nossos próprios desejos?

Na trama dos três tempos – o acontecimento, a sua formulação narrativa e a reação que ela desencadeia –, se estabelece uma relação fundamental para compreender a História do Tempo Presente, com novas camadas narrativas produzidas segundo os interesses do momento. Mas como observa Paul Ricoeur, mesmo a primeira narrativa produzida sobre um acontecimento, ainda que realizada imediatamente depois dele, já se constitui como memória. Tanto as notícias de jornais quanto os livros de memórias elaboram narrativas de presumida identidade com seus leitores. Visam convencer e, assim, corresponder a uma certa cumplicidade de expectativas sociais. O material impresso possui um poder de artefato de memória em registro físico, que pode ser guardado e catalogado, o que lhe dá uma perenidade. Aquilo que foi impresso possui significado social marcante, por ter sido publicado, o que envolve relativo reconhecimento e que, portanto, merece ser lembrado posteriormente, como “algo que vai ficar para a História”.

Certamente outras mídias, como a televisão, talvez tenham mais influência na reação do público diante dos acontecimentos narrados imediatamente. Por outro lado, ao longo do tempo, elas tendem a provocar mais esquecimento do que memória, segundo ponderou Frederic Jameson, já que o televisor, como aparelho de fluxo contínuo de imagens, está sempre nos desviando a atenção de uma coisa para a outra, nos distraindo de forma irreversível. Esse aspecto aleatório, em que o telespectador não sabe qual é a imagem, o programa ou o comercial que virá a seguir, bem como aquele que passa em outro canal, também é um complicador para a pesquisa histórica. Isso porque as emissoras são muitas vezes produtoras dos programas veiculados e proprietárias exclusivas do conteúdo que é difundido por elas, ainda que esta seja uma concessão pública. Por essa razão, sempre houve pouca disponibilidade de consulta à programação televisiva para fins de pesquisa histórica. A existência de alguns acervos físicos particulares, como observou Áureo Busetto, permitiu sua transferência para plataformas digitais, o que hoje amplia em muito os limites da pesquisa histórica nesse âmbito, fundamental para compreender a dinâmica do imaginário social a partir dos anos 1970.

Por outro lado, há produtos culturais que preservam sua autonomia no sentido de serem veiculados e vendidos como obras, como foi o caso dos livros, da música gravada em disco e posteriormente do cinema quando os filmes passaram a ser comercializados em fitas para serem vistos em casa. No cinema de ficção clássico, vemos nos chamados “filmes de época” personagens do presente que vestem roupas do passado, e dos seus conflitos pode ser tirada uma lição – tal como analisa Fábio Nigra quando trata da história dos Estados Unidos produzida em Hollywood. Considerado como arte, o cinema se torna também parte da monumentalização do passado, promovida pela memória, pelo desejo de colocar na tela os personagens que já não se encontram ao nosso redor. Ou, então, relembrar as ações daqueles que ainda se encontram ativos, mas que foram marginalizados e esquecidos ao longo do tempo, ou que ainda continuam publicamente em evidência. No cinema documentário, o tratamento dado ao passado é outro. Ao propor que trata diretamente de lugares, acontecimentos e personagens reais, observamos que não é raro que esses elementos dos quais ele trata estejam hoje soterrados, apagados ou desaparecidos, e precisem ser resgatados. Em ambos os casos, o cinema visa lançar uma luz sobre o passado, mas seu objetivo é fazer com que o espectador se identifique de alguma maneira com alguém que aparece na tela ou fala sobre aquilo que se vê.

Como obra, o cinema cria imagens que se cristalizam na memória, que se tornam referências do imaginário coletivo, sobre o qual desejam deliberadamente intervir. E intervir na memória através da mídia é uma preocupação recorrente dos movimentos sociais. Criar táticas de repercussão na mídia é um de seus métodos, embora também contem com suas próprias estratégias de divulgação militante, disputando um espaço no imaginário social. Ao mesmo tempo, lutam por manter o espaço já conquistado, reivindicando‐se como herdeiros das lutas do passado. Mas também esse legado é alvo de disputa na memória coletiva, sendo constantemente ressignificado por diversos grupos em função de seus próprios interesses. Em geral, reivindicam causas que aqueles personagens não poderiam ter concebido, atribuindo a suas ações um sentido muito distante daquele que era formulado. Por essa razão, sempre que propomos analisar as relações entre a memória e a mídia, emerge o problema da história militante, que busca denunciar manipulações da mídia, combater esquecimentos para assim reparar a memória social dos seus erros e omissões.

Essas são as reflexões a que está dedicado este número da Revista Tempo & Argumento, que reúne contribuições de pesquisadores do Brasil e da Argentina. Agradeço à colaboração de Javier Campo, professor da Faculdade de Artes da Universidad del Centro de la Província de Buenos Aires (UNCPBA), que dividiu comigo a organização do presente dossiê. Esperamos com isso ter dado nossa contribuição para pensar as relações entre Memória e Mídia, algo de inegável valor para qualquer pesquisa feita no âmbito da História do Tempo Presente.

Rafael Rosa Hagemeyer – Professor do Programa de Pós‐Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).


HAGEMEYER, Rafael Rosa. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.9, n.21, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Redes de produção e circulação da música popular nas Américas do Século XX / Tempo e Argumento / 2017

O Dossiê Redes de produção e circulação da música popular nas Américas no século XX: apresentação O dossiê intitulado “Redes de produção e circulação da música popular nas Américas no século XX” tem em si uma provocação acerca da importância desta forma de manifestação artística e cultural no desenvolvimento histórico do continente e seus reflexos em outras regiões planetárias no ambiente de interação.

A ideia da circulação de pessoas e música não surgiu, obviamente, no século XX e XXI, porém teve como diferencial, neste período, o surgimento dos meios massivos de captação, divulgação e comercialização dos sons, definindo modelos de formação nacional associados ao desenvolvimento da indústria cultural no capitalismo vigente.

A noção de rede – estruturas de sociabilidade – esteve presente na elaboração de diferentes circuitos e cenas musicais que, muitas vezes, extrapolaram os lugares de origem, atravessando limites regionais, nacionais e oceanos, a exemplo do Atlântico.

Difícil conter dentro das fronteiras os modelos e representações fragilmente construídos pelos perfis nacionalistas, especialmente a partir do embate de tradições de distintos grupos humanos que buscavam sua identificação e pertencimento nos mesmos espaços ocupados. O ideal romântico do popular, que inspirou boa parte desta definição por diferentes países nas primeiras décadas do século XX, principalmente embalados pelas canções gravadas da nascente indústria fonográfica, foi pouco a pouco se diluindo. Diante do contínuo movimento identificado nas diásporas, multiplicavam-se também os bens culturais comercializados como efeito e fenômeno decorrente da falência e construção dos modelos de representação que não mais atendiam às necessidades do capitalismo em expansão. A modernidade líquida já instalada em suas dimensões.

“Acordes d’Álem Mar – Memórias das Bandas Filarmônicas Portuguesas nas Américas”, como o título já evoca, aponta para a diáspora lusitana e a disseminação, nas Américas, das bandas filarmônicas dentro dos moldes existentes em Portugal e sua importância como elo agregador, constructo identitário para os imigrantes . Sob oposto viés investigativo, “Xô, fado! Nacionalismo e antilusitanismo na terra do samba” aborda a hostilidade à presença portuguesa em território brasileiro, associada à propagação do fado em contraposição ao samba, como indicativo de portugalidade e brasilidade, respectivamente.

As disputas envolvendo o samba como identidade nacional ganham novo fôlego em “Afinidades eletivas: a Funarte e o samba carioca como patrimônio da cultura nacional”. O artigo inventaria e analisa a vasta rede de sociabilidade composta por jornalistas, músicos e produtores culturais que, ocupando lugares de poder nos meios de comunicação e em instituições públicas, negociam com política cultural do regime militar, nos anos de 1970 e 1980, a monumentalização de artistas e repertórios do universo musical do Rio de Janeiro como patrimônio da cultura nacional. O embate acerca dos repertórios eleitos como representação de brasilidade evidencia-se em “Nas asas da Varig e da Panair: o Conjunto Farroupilha e o espalhamento da música popular brasileira e gaúcha nos anos 50 e 60 do século XX”, ao analisar as tensões que permeiam a inserção nacional e a projeção internacional da música dita regional.

A configuração local na construção histórica da identidade também é o cerne do artigo “Música, metáforas e lugar: Os sons do Rio da Prata”, especialmente destacando os trânsitos entre países como Uruguai e Argentina, no período pós-ditadura militar, definindo formas poéticas e musicais específicas. Finalizando o dossiê, no rastro da articulação dos grupos que incluem e excluem repertórios, legitimando ideologias hegemônicas e contra-hegemônicas, “Ayudar a aquellos artistas que transformaron la canción en un arma de lucha”: o papel das Juventudes Comunistas na difusão da Nova Canção Chilena (1968-1973)”, enfoca as políticas culturais partidárias voltadas ao movimento, explicitando seu papel na construção de redes de sociabilidade dentro e fora do país.

Acrescentando-se ao conjunto de textos reunidos, vale também destacar a realização da entrevista feita pela etnomusicóloga Susana Sardo ao Colecionador José Moças, tematizada pela formação da Coleção de discos 78 rpm (1900-1950), sediada no Acervo que leva seu nome e encontra-se sob a guarda da Universidade de Aveiro / Portugal.

Aos autores, entrevistadora e entrevistado, agradecemos a contribuição que ora divulgamos. Aos leitores, desejamos que desfrutem dos escritos que provocam uma estendida compreensão sobre a produção e circulação da música e os efeitos que suscita, considerando sua historicidade e espaço de enunciação.

Márcia Ramos de Oliveira

Tânia Costa Garcia

(Organizadoras)


OLIVEIRA, Márcia Ramos de; GARCIA, Tânia Costa. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.9, n.22, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Humor e Política / Tempo e Argumento / 2016

“Melhor é de risos que de lágrimas escreva, porque o

riso é a marca do homem.” (Bakhtin, 1987)

As discussões sobre o humor, mais especificamente o humor visual, tiveram início no Brasil no início do século XX por diversos autores como Pedro Sinzing (1911), Max Fleiuss (1916), Gonzaga Duque (1929), Monteiro Lobato (1959), Herman Lima (1963) e Nélson Werneck Sodré (1977). Estes estudiosos voltaram‐se para a análise desse tema a partir da crescente importância que este assumiu como recurso literário no interior da imprensa diária, bem como pelo seu alcance e eficácia social. Mesmo sendo pouco apreciado pela conservadora produção literária do período, tornava‐se imperativo inserir esta temática no debate sobre artes plásticas e produção cultural.

No âmbito dos estudos históricos, o recurso ao humor visual como fonte de pesquisa foi propiciado pelas inovações metodológicas trazidas com a Nova História, atingindo o ápice na década de 1970. A partir daí há uma significativa ampliação dos trabalhos em que cartuns, charges, caricaturas, quadrinhos e outras fontes de humor gráfico passam a ser empregados com uma outra dimensão, não mais restrita ao caráter ilustrativo, mas assinalando os diversos papeis que adquire como produto da cultura de massa: instrumento de alienação, controle social, subversão, transgressão ou carnavalização.

Apreendendo suas especificidades torna‐se possível tentar desenvolver uma discussão sobre sua atuação em um determinado cenário sociocultural, colocando em relevo não só questões relacionadas a forma e conteúdo, mas também ao contexto histórico em que se desenvolve sua produção, as formas de distribuição e de consumo. Assim, torna‐se possível pontuar a potencialidade do humor para recodificar informações, através de um processo que lhe permite atuar como produtor de conhecimento e construtor de realidades e não apenas como mero “repassador de conteúdos”, ao mesmo tempo que concede mecanismos de expressão e de identificação das diferenças existentes no interior de uma dada realidade social.

Esse dossiê pretende representar uma contribuição aos estudos sobre o humor ao reunir onze artigos que sob diferentes referências teóricas e metodológicas exploram outras nuances do humor, para além da condição de instrumento de entretenimento, como o seu papel na elaboração de uma crítica social e política desde os anos finais do século XIX até os dias atuais. Assim, encontramos nos artigos de Rodrigo Patto Sá Motta, Ivan Lima Gomes, Rodrigo Rodriguez Tavares e Joanna Wilk‐Racieska o interesse comum pelos usos políticos do humor tanto na imprensa brasileira, como na produção quadrínistica latino americana ou ainda como forma de expressão popular no interior do socialismo real polonês.

Nos artigos de Marilda Lopes Pinheiro Queluz, Pedro Krause Ribeiro e Everton de Oliveira Moraes o enfoque foi para intelectuais – suas obras e trajetórias ‐ que em diferentes temporalidades empregaram o humor como uma forma peculiar de observar, narrar e analisar as suas épocas, algumas vezes privilegiando a subjetividade, o discurso indireto e a informalidade para expressar idéias e juízos de valores.

Finalmente, os artigos de Rodolpho Gauthier dos Santos, Rozinaldo Antonio Miani, Vinícius Liebel e Juan Luis Besoky exploram – também em temporalidades e espacialidades distintas ‐ a pluralidade com que a produção humorística atuou no interior de diferentes veiculos da imprensa gráfica, examinando diversos aspectos que envolvem tanto a produção, como a circulação, o seu papel e o impacto que estes exercem na produção de opiniões e sentidos. Na abordagem da relação entre humor e imprensa é importante ponderar acerca do seu alcance social, uma vez que por seu caráter informal, o humor consegue estabelecer uma maior proximidade com o cotidiano das pessoas comuns. É neste sentido que o humor representa um excelente recurso para o historiador que procura “escutar” as diversas vozes que interagem numa história.

Para completar o dossiê, apresentamos aos leitores e leitoras a entrevista com Oscar Steinberg, um dos precursores dos estudos sobre historietas e humor gráfico na Argentina. Com a gentileza e simpatía de sempre, Steinberg respondeu a algumas questões sobre o tema que envolve esse dossiê, nos apresentando suas impressões sobre esse campo de estudos atualmente.

O historiador italiano Carlo Ginzburg preconiza, através do método indiciário, que o fazer do historiador por vezes se assimila ao labor do detetive e do psicanalista na medida em que nestas atividades há a constante busca por “coisas concretas e ocultas através de elementos que normalmente passam despercebidos a nossa observação” (1990: 147). Tal pressuposto mostra‐se um caminho interessante para os estudos sobre o humor ao apresentar a viabilidade do recurso ao humor visual e escrito como fonte e objeto de estudo, passando a ser concebido como parte de uma trama de fios que justapostos compõem um enredo histórico. Ou seja, representações formuladas por personagens reais sobre um determinado momento que proporcionam elementos para a construção de uma versão dos eventos históricos.

Uma vez que o humor e o riso “fazem parte de nosso cotidiano, certamente interferem na percepção e na compreensão que temos da realidade” (Velloso, 1996: 93), logo, por que não os considerar como formas expressivas de conhecimento? É com essa compreensão que convidamos o leitor a desfrutar o presente dossiê que nos oferece elementos para refletirmos sobre o humor como mecanismo de reflexão e de divertimento.

Referências

BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo. Ed. UNB. Hucitec, 1987.

DUQUE, Gonzaga. Contemporâneos. Rio de Janeiro: Typ. Benedicto de Souza, 1929.

FLEIUSS, Max. A Caricatura no Brasil. RIHGB, Rio de Janeiro, 1916

GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas, Sinais: morfologia e História. São Paulo, Companhia das Letras. 1990.

LIMA, Herman. História da Caricatura no Brasil. Rio de Janeiro. José Olympio, 1963.

PIRES, Maria da C. F. Cultura e Política entre Fradins, Zeferinos, Graúnas e Orelanas. SP, Annablume, 2010.

SODRÉ, Nelson W. História da Imprensa no Brasil. São Paulo. Martins Fontes, 1977

VELLOSO, Mônica P. Modernismo no Rio de Janeiro: turunas e quixotes. RJ. Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996.

Maria da Conceição Francisca Pires

Mara Burkart


BURKART, Mara; PIRES, Maria da Conceição Francisca. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.8, n.18, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Tempo Presente e Fotografia / Tempo e Argumento / 2016

Tempo Presente – Fotografia / Tempo e Argumento / 2016

O historiador François Bédarida afirmou que a história do tempo presente (HTP) exige de seus colegas de ofício um cuidado redobrado para que não corra o risco de tudo julgar, visto que a narrativa produzida “se define tanto em relação a um futuro quanto em relação a um passado”.1 Ainda que toda narrativa histórica implique um posicionamento ético e político, ao analisar acontecimentos do presente, os riscos de interferir no seu curso acentuam‐se consideravelmente. O manejo de um instrumental destinado a selecionar, interpretar e construir narrativas sobre histórias abertas, ou ainda em desenvolvimento, torna a história do tempo presente singular. Especialmente ao deparar‐se com o questionamento à suposta imparcialidade no trabalho do historiador, alvo de frequentes controvérsias, inclusive entre os próprios representantes da área.

No momento em que esta edição de n. 17 (2016) vem a público, encontra acirrado debate, especialmente nas redes sociais, a exemplo do posicionamento assumido pela categoria de forma ampliada e identificada como “Historiadores pela Democracia”.2 Historiadores especializados nas mais diversas áreas buscaram interpretar o atual cenário político brasileiro, entre os quais Marcos Napolitano, Rodrigo Patto Sá Mota, Sidney Chalhoub e Hebe Mattos. Perry Anderson da University of California (UCLA) e James Green da Brown University, também acionaram os instrumentais da história para analisar a recente crise brasileira. Analisar e interpretar não significa reconstituir ou resgatar os fios dos acontecimentos em curso. Implica, antes de tudo, verificar estruturas de longa e de recente duração presentes na conjuntura atual. Não significa, tampouco, determinar o que realmente aconteceu, mas, conforme a bela expressão criada por Bédarida, erguer moradias provisórias. Historiadores do futuro poderão acioná‐las, reformulá‐las e até contestá‐las, mas não poderão afirmar que os historiadores se calaram ou foram coniventes com os crimes e injustiças cometidos no seu tempo

Como bem registrou Walter Benjamin acerca do avanço do fascismo europeu, o assombro diante dos acontecimentos recentes não é filosófico, visto que não surpreende quem acompanha e analisa o papel que as ideias conservadoras desempenharam, e desempenham, na manutenção do status quo de grupos que angariaram os maiores privilégios econômicos e políticos ao longo da história. A criminalização dos movimentos sociais, a corrupção na política, a violência policial, a homofobia, o feminicídio, o conluio das tradicionais classes conservadoras para barrar os avanços políticos e sociais conquistados remontam a outros tempos, persistem e se travestem de novidade. Nestas reflexões sobre o passado do país, o que antes soava como exceção há muito é regra.

Como saldo da relatada experiência dos historiadores, ao se arriscar a analisar o tempo presente, encontra‐se a contraposição à tentativa de homogeneização do discurso midiático, protagonizada por parte do jornalismo brasileiro, retirando sua primazia sobre a narrativa dos recentes fatos nacionais. Talvez por isso articulistas de jornais como o Estadão3 e a Folha de S.Paulo4 se tenham manifestado de forma tão contundente contra a chamada “rede” de historiadores, na tentativa de (des)qualificar tal forma de atuação, adjetivando‐a com termos como “formação de quadrilha”, “organização em bando”, ou ainda “alinhamento ideológico totalitário”. Se alguma lição fica aos profissionais da área quanto ao momento crítico em que estamos mergulhados, é que a história do tempo presente deixa de ser considerada apenas um alargamento do campo, e impõe‐se como dever. A Revista Tempo e Argumento junta‐se aos colegas na manifestação contra o atual golpe político no Brasil e soma‐se aos editoriais da Revista Brasileira de História5 e Revista História, Ciências, Saúde ‐ Manguinhos6 em favor da democracia no país.

O dossiê “Tempo presente e fotografia” integra nesta edição 10 artigos assim tematizados, seguidos de 3 textos de demanda contínua, 2 resenhas e 2 entrevistas. Destaca‐ se que a revista ampliou sua base de dados na indexação a Thomson Reuters, junto às demais já vinculadas. Apresenta como novidade também a inclusão da primeira entrevista em vídeo neste periódico.

João Cabral de Melo Neto aponta em versos a maneira como passamos a observar o mundo através das lentes, como traço de distinção em determinado momento, quando declara

Meus olhos têm telescópios

espiando a rua Espiando minha alma

longe de mim mil metros7

O ato fotográfico identifica sob diversos aspectos o tempo presente, definindo esta forma do olhar como experiência individual e coletiva, memória e significação histórica. A câmera como testemunho dos campos de concentração nazistas observados por George Rodger e Henri Cartier‐Bresson, na análise de Erika Zerwes, ou no requintado universo de percepção estendido aos aspectos sensoriais da pesquisa científica que tentou retratar o sonoro, conforme constatou Marcelo Téo, são expressões do tratamento mais conceitual sobre a fotografia apresentado neste dossiê. Seguido das reflexões de Charles Monteiro ao definir, como via de percurso, o fotojornalismo como linguagem e possibilidade de formação discursiva junto a outras imagens. Ainda na esfera deste campo de atuação, a contribuição de Ana Mauad no estudo de caso tematizado pelo “quebra‐quebra” do Centro do Rio de Janeiro em junho de 1987, na cobertura dos jornais e produção do fato histórico. O uso político das imagens fotográficas revela‐se no texto de Pedro Ernesto Fagundes, na análise dos acervos dos órgãos de repressão no Brasil, tematizado pela Campanha pela Anistia. A Revista O Cruzeiro Internacional, enquanto veículo também precursor na prática do fotojornalismo, é apresentada enquanto construção imaginária acerca do pan‐americanismo no artigo de Marlise Meyrer. Cenários, paisagens urbanas e monumentos integram outros 3 textos deste dossiê, a exemplo dos trabalhos de Franco Sánchez, Patrícia Silva e Priscila Grecco, ao observarem e analisarem distintas circunstâncias históricas documentadas pela fotografia na chamada “Nueva Argentina”, “Manaus Moderna” e na Cidade do México, respectivamente. O dossiê finaliza com o uso das fotografias da ditadura civil‐militar no Brasil presente nos livros didáticos, em circulação de 1990 a 2015, conforme texto de Carolina Etcheverry.

Na sequência, os artigos de Maria Claudia Badan Ribeiro e Thiago Nunes Soares dão destaque também ao posicionamento político como análise. As redes políticas de solidariedade na América Latina, conforme identificação do título, indicam a existência de contatos e relacionamentos estendidos como parte do movimento revolucionário brasileiro de repercussão no exterior, envolvendo o acolhimento ao exílio diante dos conflitos resultantes da luta armada, dando a perceber a confluência estendida à América Latina, África e Europa. A anistia no Brasil voltou a ser tematizada nesta edição, desta vez em Recife, através das inscrições nos muros e espaços públicos ampliados, identificadas como “escritas citadinas”, alvo da repressão policial por serem consideradas subversivas. O texto de Misael Corrêa atenta para a reflexão sobre as “brigas de galo”, enquanto estudo de caso de prática recorrente na cidade de Florianópolis / SC, ampliando a discussão sobre a história do esporte, das cidades e das sensibilidades.

Sob o título “Ditadura civil‐militar, cassações políticas e História em Chapecó”, Gustavo Silveira resenhou o livro de Claiton Marcio da Silva, voltado ao estudo das especificidades políticas do município catarinense. Paula Franco apresenta a resenha sobre a produção audiovisual “Orestes”, em suporte DVD, lançada em 2015, no diálogo com o clássico texto da tragédia adaptado.

Ao final desta edição, as entrevistas. Sob o título “Existe história oral em América Latina?”, resulta a transcrição da entrevista realizada com o Prof. Gerardo Necoechea (Instituto Nacional de Antropologia e História da Cidade do México), em resposta às questões apresentadas pelas doutorandas do PPGH / UDESC, Célia Silva, Yomara Fagionato e Lisandra Barbosa Pinheiro, registro que se deu na ocasião da participação do entrevistado no II Seminário Internacional História do Tempo Presente, em outubro de 2015. Em 13 de novembro de 2015, a Profa. Míriam Hermeto (PPGH / UFMG) foi entrevistada pela Profa. Márcia Ramos de Oliveira (PPGH / UDESC), atividade compartilhada com o Daniel Saraiva e Luciano Py de Oliveira (doutorandos também vinculados ao PPGH / UDESC), que deu continuidade ao Minicurso “A Canção Popular Brasileira: Documento para a Pesquisa e o Ensino da História” apresentado na FAED / UDESC.

Como no clique da fotografia, fica aqui um breve registro da divulgação científica na expectativa de que provoque outras reflexões. Desejamos a todos e a todas uma boa leitura!

Márcia Ramos de Oliveira

Rogério Rosa Rodrigues

Editores‐Chefes


OLIVEIRA, Márcia Ramos de; RODRIGUES, Rogério Rosa. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.8, n.17, 2016. Acessar publicação original [DR]

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História Pública / Tempo e Argumento / 2016

Em 2009 foi lançada a revista Tempo & Argumento (T&A) com o mesmo escopo da área de concentração do PPGH / UDESC: História do Tempo Presente. Se comparado a outros periódicos da área, trata-se de uma curta jornada, e por isso ficamos gratos e surpresos com o excelente reconhecimento que a revista tem conquistado nacional e internacionalmente. A T&A está entre as revistas mais lidas e acessadas do país, e pelo índice SJR da base Scopus é a quarta revista brasileira, da área de história, mais citada.

O Programa de Pós Graduação em História, criado em 2007, conseguiu aprovação para a abertura de doutorado em História (2013), e a T&A passou a ser estratificada pela CAPES como periódico de estratos superiores com qualis A2 (2016). Essa conquista em prazo relativamente curto é fruto de muito trabalho, dedicação e seriedade, envolvendo pesquisadores, técnicos e alunos. Nesta edição queremos render nossa homenagem aos que tem contribuído para qualificar a revista, a começar pelo trabalho de todas as chefias editoriais que nos antecederam: Silvia Maria Fávero Arend (2009-2010), Cristiani Bereta da Silva (2011-2012), Maria Teresa Santos Cunha e Luciana Rossato (2013-2015). Leia Mais

Narrativas e escritas de si / Tempo e Argumento / 2015

Blogs, sites pessoais, cartas infantis e adultas, memoriais acadêmicos, livros de memória (auto) biográficos e / ou ficcionais, afinal, o que haveria de comum a todos estes artefatos culturais e tecnológicos – produzidos digitalmente ou não – que medeiam, no tempo presente, formas de sociabilidade, modos de ser e estar que ressoam em nossa época? Que mundo, que relações e que tipos de sujeitos esses dispositivos de comunicação, interação e construção de si, estão a narrar sobre a complexidade da experiência humana?

Na tentativa de enfrentar essas nada fáceis perguntas, esta edição da Revista Tempo e Argumento, volume 7 número 15 (2015.2), apresenta para discussão cinco (5) artigos escritos ao sabor de uma lógica memorial e emocional a partir de experiências pessoais. O conjunto desses artigos faz emergir outras subjetividades construídas na visibilidade de papéis e telas articulados a uma rede de pensamentos e de autores para quem a presença e a construção de si do e no tempo presente traz novas relações com o passado e expectativas em relação ao futuro.

Nesse panorama, no primeiro artigo, a professora Cristiani Bereta da Silva analisa narrativas digitais em blogs e sites sobre o Exame de Admissão, que vigorou no Brasil entre 1931 e 1971. Estes materiais foram tomados em seu sentido de ego-documentos, apresentados em uma narrativa problematizada, em que a autora os trabalha como escritas de si (autobiográficas) e onde se discutem as experiências subjetivas presentes nas dimensões memoriais e sua relação com a historicidade depois que a hiperconectividade alterou significativamente os fluxos do tempo e do espaço.

Da Espanha, uma professora e um professor, ambos pesquisadores reconhecidos internacionalmente, apresentam seus trabalhos na temática aqui em destaque e seus textos sinalizam preocupações em encontrar maneiras criativas e imaginativas para compartilhar seus estudos na área. O trabalho de Verónica Sierra Blass, da Universidade de Alcalá, está pautado em apontar as principais características da correspondência infantil e, com este fim, a autora problematiza as cartas como meios de expressão do “eu” da infância, seja como configuradora de uma identidade, seja pelo uso pedagógico institucionalizado nas escolas entre meados do século XIX e meados do século XX. O texto se faz acompanhar de diversas imagens de modo a amparar visualmente o trabalho desenvolvido. Daniel Escandell Montiel, da Universidade de Salamanca, discute a sociedade digital que permite a construção de uma ou mais identidades nos seus múltiplos espaços virtuais, o que acarreta a construção de uma narrativa do eu em todos esses âmbitos. A análise de relatos textuais e audiovisuais na Internet, empreendida pelo autor mostra que as narrativas do eu do mundo virtual abrem espaço para a confidência e a divulgação da vida íntima do sujeito, indicadoras de uma intimidade, em grande parte, teatralizada.

Pelo uso de uma bibliografia atual que dá consistência à documentação o artigo de autoria de Wilton Carlos Lima da Silva analisa memoriais acadêmicos como formas de narrativas de si que tratam do processo de formação intelectual e profissional. Condicionados à tradição institucional o trabalho está centrado em três memoriais produzidos por docentes da USP entre 1991 e 2003 e a abordagem privilegia o uso deste documento como fonte de pesquisa autobiográfica, por excelência. Méri Frotscher, em um contexto bem historicizado, interpreta a “escrita de si” em um conjunto de cartas–pedido enviadas entre 1946 e 1948 da Alemanha à prefeitura municipal de Blumenau-SC, Brasil. Este corpo documental permite à autora analisar estas informações a partir das estratégias retóricas empregadas na interlocução com o destinatário e identificar, igualmente, o imaginário existente acerca da cidade, a mobilização da identidade étnico-nacional e a maneira como se deu configuração de narrativas trágicas da guerra e do pós-guerra.

Pautados nas abordagens do Tempo Presente, dois artigos que se incluem neste volume, discutem, via moda e literatura confessional, trajetórias pessoais que anunciam experiências que enriquecem o universo da História e da Memória. Nesta clave, as professoras e pesquisadoras Ivana Guilherme Simili e Débora Pinguello Morgado, discutem a trajetória da estilista Zuzu Angel, na luta contra a ditadura civil-militar e em suas relações com as domesticidades, a vida pública e política nos conturbados anos 1960 e 1970, notadamente mostradas no filme que aborda aspectos de vida pessoal e profissional: “Zuzu Angel”. Já Ana Laura de Giorgi, da Universidad de la Republica del Uruguay, traz para conhecimento e discussão dois relatos pessoais publicados com duas décadas de distancia: Mi habitación, mi celda (1990) y Maternidad en prisión política (2010), com o objetivo principal de analisar a aposta política de suas autoras bem como refletir sobre os trabalhos da memória nestas narrativas pessoais do passado.

A entrevista deste número foi realizada, por Cristiani Bereta da Silva, com o Professor António Castillo Gómez, da Universidade de Alcalá. O autor, internacionalmente reconhecido, é professor Titular de Historia da Cultura Escrita tendo inúmeros trabalhos e parcerias no Brasil contribuindo para os estudos no campo da História Social da Cultura Escrita que visam superar a distinção tradicional entre a história da escrita, por um lado, e a história do livro e da leitura, por outro. Suas pesquisas, amplamente divulgadas em livros e revistas da área, dedicam especial atenção aos testemunhos escritos das pessoas comuns durante a Idade Contemporânea. Sua presença e sua colaboração neste número permitem pensar sobre a escrita como forma de salvar do esquecimento os seres humanos, de comunicar experiências, de transmitir as interioridades mesmo aos ausentes, de eternizar em folhas e telas, ideias e saberes que, como a leitura, produzem significados à ordem do existente.

Três resenhas completam este volume da Revista Tempo e Argumento. Na primeira delas, Raphael Guilherme de Carvalho apresenta a resenha, “Escrita de si e história da historiografia”, do livro de Patrick Garcia “Les présents de l’historien. Paris: Publications de la Sorbonne, 2014”, José Carlos da Silva Cardozo, resenha o livro de Pierre Bourdieu, intitulado “Sobre o Estado: cursos no Collège de France (1989-1992)”.(Tradução Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2014, 573 p.) em que discute a concepção mais ampla de Estado propugnada por este importante autor e, finalmente, Karl Schurster, resenha o livro: Jefrey Herf. “Inimigo Judeu. Propaganda nazista durante a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto”. (Tradução: Walter Solon. São Paulo: EDIPRO, 2014.)

Este número pretendeu tornar mais acessível o (re)conhecimento de múltiplas experiências humanas através das narrativas de si, em variados suportes, no Tempo Presente. O conjunto de textos aqui reunidos permitiu considerar que nesta virada digital palavras e imagens caminham juntas e enfrentam, com certa grandeza, esses novos tempos e essas novas gentes que somos agora e este armistício é bom para todos nós!

Fica o convite para uma leitura que, pela rede, dá acesso às narrativas de si, nas páginas de Tempo e Argumento!

Maria Teresa Santos Cunha

Luciana Rossato

Editoras- Chefe


CUNHA, Maria Teresa Santos; ROSSATO, Luciana. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.7, n.15, 2015. Acessar publicação original [DR]

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Infancia en la historia del tiempo presente / Tempo e Argumento / 2015

Infância e infâncias no tempo presente, abordadas no singular e no plural, têm centralidade neste Dossiê cuja organização esteve a cargo das professoras Susana Sosenski, da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) e Liliana Ruth Feierstein da Universidade de Humboldt de Berlim. Estas estudiosas reuniram pesquisadores e pesquisadoras desta temática que são aqui apresentadas em investigações que remetem a vários tempos e lugares. São contribuições de autores e autoras reconhecidos que vêm do México, Alemanha, Cuba, Espanha e do Brasil, as quais se apresentam em sete (7) artigos, que permitem conhecer e pensar tanto sobre este complexo e multifacetado processo da construção social da infância, como sobre os percursos desses sujeitos que se singularizam, hoje, como seres históricos e de direitos.

Para pensar e construir novas bases para a história da(s) infância(s) foi necessário retroceder no tempo cronológico para municiar‐se de recursos ao entendimento deste tempo presente e, nesta perspectiva, o primeiro artigo de autoria das Professoras Gisele de Souza e Andréa Cordeiro, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) vai ao início do século XX para fazer reflexões sobre o papel simbólico da infância na modernização da América, tendo por base empírica os debates nos primeiros Congressos Americanos da Criança (1916‐1922), momento em que a educação da criança foi considerada como motor do desenvolvimento das nações e do continente americano.

Solidamente fundamentados e mantendo a centralidade da interpretação em documentos oficiais, a historiadora Sílvia Maria Fávero Arend, da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), analisa o debate acerca das relações de trabalho no campo da infância, adolescência e juventude durante a construção da Convenção Universal dos Direitos da Criança pelos países membros da Organização das Nações Unidas e Organizações Não Governamentais entre 1978 e 1989. Seu artigo traz, igualmente, informações sobre a presença desta normativa internacional na legislação brasileira para as crianças, adolescentes e jovens instituída no Brasil no ano de 1990. Na mesma clave temática, Paulí Dávila e Luis M. Naya, professores da Universidade do País Basco, na Espanha, analisam a representação da infância na América Latina a partir dos discursos elaborados pelo Comitê dos Direitos da Criança, entre os anos de 1990 e 2013.

Pesquisa de base etno‐histórico da professora Alma Durán‐Merk, mexicana, que trabalha na Universidade de Augsburg, na Alemanha, apresenta as construções e as experiências da infância em um contexto migratório, tendo como alvo o caso de crianças alemães vivendo no México (1900‐1933). O artigo, através da fineza das análises comparativas, conclui, especialmente, que a ascendência estrangeira não é, por si, garantia de uma infância transnacional. A escrita como catástrofe é analisada pela professora Andréa Gremels, da Universidade Goethe / Frankfurt. Neste artigo, ancorada nas atuais preocupações acadêmicas em delinear a emergência dos estudos sobre infância(s), ela reflete sobre duas obras de caráter autobiográfico produzidas em 2006 por escritoras cubanas que vivem nos Estados Unidos e que destacam a narrativa de suas infâncias entrelaçadas com o momento histórico de Cuba que ocasionou um movimento diaspórico nos anos de 1970.

Na tentativa de romper um certo silêncio histórico que oblitera a presença de crianças em manuais escolares, o artigo da historiadora Susana Sosenski propicia uma alentada reflexão sobre a importância do ensino de história da infância na escola para que as crianças possam aparecer como atores sociais e não apenas como sujeitos subordinados ao poder dos adultos.

Fechando o Dossiê, o historiador Humberto da Silva Miranda, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) analisa, nas páginas do jornal Diário de Pernambuco entre os anos de 1964 a 1985, como o discurso de abandono das crianças e as políticas públicas de assistência foram construídas nesse período sócio‐histórico, estabelecendo uma conexão com a atuação da Febem em Pernambuco, instituição fundada no primeiro ano da Ditadura Civil‐Militar.

Compõem, também, esta edição dois (2) artigos de demanda contínua que produzidos no tempo presente são como finas contribuições para a compreensão dos fenômenos de nossa contemporaneidade. Neles se articula uma rede de pensamentos em que a teoria e a empiria são tecidas em narrativas problematizadas que transparecem na qualidade dos textos. Mora González Canosa, da Universidade Nacional La Plata, da Argentina, descreve as políticas de construção do peronismo, nos inícios da década de 1970, detendo‐se às estratégias discursivas das Forças Armadas Revolucionárias (FAR) para legitimar sua identificação com o peronismo a partir de uma perspectiva marxista cujo objetivo final era o socialismo. Já o artigo de Luisa Delgado de Carvalho estuda e preserva o arquivo pessoal de Astrogildes Delgado de Carvalho, educadora que atuou nas décadas de 1930 a 1980 no Rio de Janeiro, na educação infantil e na formação de educadoras dos Centros de Atendimento ao Pré‐Escolar (Capes), juntamente com a Organização Mundial para a Educação Pré‐ escolar / Brasil / Rio de Janeiro (Omep / BR / RJ).

Na seção de Entrevista, há o testemunho do Professor Igor Alexis Goicovic Donoso, da Universidade Nacional do Chile, que respondeu a questões sobre seu trabalho em História Política com ênfase em História da violência política, que foram levantadas pelas doutorandas de História da UDESC / SC, Cristina Iuskow e Juliana Miranda da Silva. A resenha que integra este volume da Revista foi elaborada pela doutoranda Marilane Machado (UFPR) e discute, entre biografia e história, o livro da Profª Mary del Priore intitulado: O Castelo de Papel: uma história de Isabel de Bragança, princesa imperial do Brasil, e Gastão de Orléans, conde D’Eu.

Reafirmar e refinar um conhecimento epistemológico sobre a(s) infância(s) em inúmeros percursos foi um dos objetivos perseguidos neste Dossiê em que leitores e leitoras encontrarão nos estudos, esperamos, uma verticalidade fina e uma horizontalidade densa.

À leitura e ao desejo de que ela possa enriquecer os universos dos sujeitos e da cultura.

Maria Teresa Santos Cunha

Luciana Rossato

Editoras‐ Chefe


CUNHA, Maria Teresa Santos; ROSSATO, Luciana. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.7, n.14, 2015. Acessar publicação original [DR]

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História Oral e resistências na América Latina / Tempo e Argumento / 2015

História Oral – Resistências: América Latina / Tempo e Argumento / 2015

Se a história é mais que um baú de curiosidades sobre o passado, pois tem como tarefa articulá‐lo em função dos problemas e das demandas colocados pelos sujeitos na atualidade, a revista Tempo e Argumento busca cumprir essa função em suas edições.

Em 2015, trouxe a público os dossiês “Infância en la historia del tiempo presente”, “Narrativas e escritas de si”, e apresenta, nesta edição, o tema “História oral e resistências na América Latina”.

Dando continuidade ao competente trabalho realizado pela Equipe Editorial da FAED / UDESC e destacando o esforço concentrado do Colegiado do PPGH / UDESC na ação de integrar o crescente processo de internacionalização da divulgação acadêmica na área de História do Tempo Presente, esta edição vem inteiramente em formato bilíngue. Em específico, esta publicação reúne trabalhos de conceituados pesquisadores da América Latina, sinalizando para a emergência de pensarmos as lutas, as experiências e as resistências ao longo da história.

Os 8 artigos reunidos neste dossiê relacionam‐se ainda com comunicações apresentadas no II Seminário Internacional de História do Tempo Presente, atividade promovida pelo PPGH / UDESC e desenvolvida nos dias 13 a 15 de outubro de 2014, a partir da mediação do Prof. Dr. Luiz Felipe Falcão, como organizador do dossiê, junto a membros da CLACSO (Conselho Latino‐Americano de Ciências Sociais).

Como resultado desta articulação, o leitor terá condições de conhecer a atuação dos sindicatos dos trabalhadores em usinas nucleares, nas mineradoras e na indústria metalúrgica no México, no texto em coautoria de Gerardo Necoechea Gracia (Escuela Nacional de Antropología e Historia, México) e Patricia Pensado Leglise (Instituto de Investigaciones Dr. José María Luis Mora, México); o nascimento e desenvolvimento da esquerda revolucionária chilena, no trabalho de Igor Goicovic Donoso (Universidad de Santiago de Chile); os rumos e novas formas de atuação dos movimentos de esquerda no Brasil e as respectivas memórias relacionadas às militâncias e às organizações no passado, na reflexão de Luiz Felipe Falcão (Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil); a trajetória histórica do surgimento e dos novos contornos da esquerda colombiana entre 1958 e 2010, na coautoria de Mauricio Archila (Universidad Nacional de Colombia) e Jorge Cote (Universidad Nacional de Colombia); a relação dos movimentos guerrilheiros argentinos e a mobilização popular correspondente, no trabalho de Pablo Alejandro Pozzi (Universidad de Buenos Aires, Argentina); o papel da imprensa na fabricação de rumores como estratégia de desarticulação de organizações insurgentes durante os anos de 1970, por Alicia de los Ríos Merino (Escuela Nacional de Antropología e Historia); a trajetória do Partido Comunista chileno na luta contra o fascismo, no contexto da década de 1970, na autoria de Claudio Pérez Silva (Universidad de Santiago de Chile); e, finalizando o dossiê, o debate travado por volta de 1970 entre duas organizações armadas existentes na Argentina, com destaque para suas respectivas concepções sobre classes sociais, ideologia e a questão nacional, na contribuição de Esteban Campos (Universidad de Buenos Aires, Argentina).

No que diz respeito aos 2 artigos de demanda contínua, destacamos a importância das reflexões acerca de novas experiências no ensino de história no programa de história oral “Barakaldo ayer”: no primeiro texto, de autoria conjunta de Alex Ibañez‐Etxeberria, Iratxe Gillate e José María Madariaga (Universidad del Pais Vasco, Espanha), que se refere especialmente ao uso da metodologia da história oral como recurso de ensino e aprendizagem da história mineiro‐industrial na Espanha no Tempo Presente. Na sequência, apresentamos o artigo de Juliana Sayuri Ogassawara (Universidade de São Paulo), como proposta de reflexão sobre as relações estabelecidas entre os intelectuais franceses e argentinos na fundação do periódico Le Monde Diplomatique, na Argentina.

A resenha intitulada Da Organização das Nações apresenta o livro L’incendie planétaire. Que fait l’ONU?, na análise realizada por Daniel Afonso da Silva (Universidade de São Paulo) quanto ao posicionamento assumido pelo autor e diplomata francês Alain Dejammet quando avalia a atuação da ONU no que diz respeito a situações de conflito no cenário internacional, em meio às comemorações dos 70 anos da instituição.

Na sessão Entrevistas, trazemos a público 2 depoimentos, que consistem em relato de experiência profissional e atuação pública. O primeiro, mediante entrevista feita pelo Prof. Robson Laverdi (Universidade Estadual de Ponta Grossa), revela a atividade do Professor Diego Sempol, identificando sua percepção acerca da ditadura, do matrimônio igualitário, da teoria e demais lutas LGBT no Uruguai. Segue‐se a fala do Prof. Dilton Cândido Santos Maynard (Universidade Federal de Sergipe), com destaque para as práticas e perspectivas de abordagem sobre a História do Tempo Presente, em entrevista dada aos doutorandos Daniel Alves Boeira e Felipe Salvador Weissheimer (Universidade do Estado de Santa Catarina).

Vale ressaltar que nesta edição se altera a direção editorial da revista Tempo e Argumento. Apresentamos nosso agradecimento pelo voto de confiança do Colegiado do Programa de Pós‐Graduação em História da UDESC, bem como às colegas que nos antecederam na revista: Prof.as Luciana Rossato e Maria Teresa Santos Cunha. Encontramos a revista em excelentes condições, já consolidada e fortalecida no meio acadêmico, reconhecida nacional e internacionalmente. Grande responsabilidade para nós, mas também um desafio hercúleo em razão das novas políticas instituídas pelas agências de fomento no processo de avaliação e de financiamento de periódicos científicos no Brasil.

Finalizando, estendemos o agradecimento aos autores que contribuíram com a revista, em especial nesta edição. Esperamos que a participação de colegas pesquisadores / as de diferentes nacionalidades possam se somar a esta experiência na divulgação científica e no seu compartilhamento. Afinal, é aos leitores que a revista se dirige. Boa leitura a todos e a todas!

Márcia Ramos de Oliveira

Rogério Rosa Rodrigues

Editores‐Chefes


OLIVEIRA, Márcia Ramos de; RODRIGUES, Rogério Rosa. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.7, n.16, 2015. Acessar publicação original [DR]

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História e pensamento histórico / Tempo e Argumento / 2014

Esta edição da Revista Tempo & Argumento circula com duas mudanças que consideramos importantes: ela passa a ser de publicação trianual e, ao mesmo tempo, inaugura a sistemática de apresentar, em cada número, alguns artigos em duas línguas. Este número, em especial, contou com a colaboração dos professores Cosme Jesús Gómez Carrasco, Jorge Ortuño Molina e Sebastián Molina Puche da Universidade de Murcia (Espanha) que propuseram e organizaram o dossiê História e Pensamento Histórico que reuniu artigos de professores pesquisadores de universidades tanto da Espanha, como da França, EUA, México, Brasil e Austrália.

Com o artigo intitulado Aprender a pensar historicamente. Retos para la historia en el siglo XXI, os professores organizadores do dossiê discutem a necessidade de aprofundar as discussões sobre a epistemologia da história de forma a contribuir para a compreensão histórica. Seus argumentos são desenvolvidos de forma a entender que a história não se resume a acumular informações sobre o passado, mas sim a desenvolver processos complexos de pensamento que possibilitam interpretar os conhecimentos sobre o passado a partir de estratégias próprias da história, como área de conhecimento.

No artigo intitulado Crenças epistêmicas em mudança? Um estudo investigativo do conhecimento entre futuros professores de história, Bruce VanSledright e Kimberly Reddy, a partir de pesquisa com futuros professores de história que frequentaram um curso oferecido em uma universidade dos Estados Unidos, investigam quais as suas crenças em relação ao estatuto epistemológico da história e se estas se modificaram no decorrer deste curso.

Sebastián Plá, professor da Universidad Nacional Autónoma de México, discute os impactos no ensino de história a partir das mudanças implementadas pelo governo nacional nos anos 2000 e 2012. Segundo ele, essas mudanças foram desenvolvidas a partir de avaliações nacionais e internacionais que estabeleceram conteúdos históricos a partir de padrões mensuráveis com a finalidade de desenvolver competências e habilidades para formar um sujeito cognocente universal. Em seu artigo intitulado Qualidade educativa e ensino da história nos governos neoconservadores no México (2000-2012), conclui que “a qualidade educativa e a ideia de sujeito universal são profundamente excludentes em relação a outras formas de pensar o passado dentro da escola”.

Na mesma temática, Benoit Falaize, professor da Universidade de Cergy Pontoise, em seu artigo O ensino de temas controversos na escola francesa: os novos fundamentos da história escolar na França?, discute as transformações no ensino de história na França nas últimas décadas e o rompimento com uma tradição escolar e acadêmica francesa de uma história imóvel e chauvinista, marcada por figuras heróicas cuja história se confundia com a história nacional. Segundo o autor, as mudanças na educação escolar francesa, têm relação com a virada memorial dos anos 1980 que colocou em discussão questões traumáticas da história nacional como o holocausto e a colonização.

No artigo La Historia Social de la familia en España y su repercusión en la Didáctica de las Ciencias Sociales, Juan Hernández Franco e Raimundo A. Rodríguez Pérez fazem uma reflexão sobre os impactos dos estudos de história social da família, desenvolvidos tardiamente na Espanha em relação a outros países, no ensino das ciências sociais. Já Raquel Sánchez Ibáñez e Pedro Miralles Martínez no artigo intitulado Pensar a las mujeres en la historia y enseñar su historia en las aulas: estado de la cuestión y retos de futuro, também se propõem a refletir sobre a produção acadêmica sobre a história das mulheres e seus ecos na educação secundária obrigatória e nos materiais didáticos produzidos, principalmente livros textos. Em ambos os artigos, os autores concluem sobre a dificuldade de levar para os espaços não acadêmicos as contribuições dos estudos dos especialistas de cada área.

O artigo As concepções de verdade histórica e intersubjetividade no conhecimento histórico de jovens estudantes do ensino médio, de Marcelo Fronza, fecha o dossiê História e Pensamento histórico. Nele são investigados como os estudantes de ensino médio entendem a verdade histórica e a intersubjetividade do conhecimento histórico. Para isso, o autor analisou a resposta de jovens de quatro escolas públicas à pergunta: Para você, o que é história?

Além dos artigos do dossiê, este número da Tempo & Argumento traz outras importantes contribuições na forma de quatro artigos, uma entrevista e uma resenha. Renata Meirelles em seu artigo intitulado A Anistia Internacional e o Brasil: o princípio da não violência e a defesa de presos políticos, analisa a partir do conceito de compaixão de Hannah Arendt com foi a atuação da Anistia Internacional durante os governos militares no Brasil. No artigo O retorno do imortal: D. Pedro I mitificado pelos militares nas representações imagéticas das Revistas O Cruzeiro e Manchete no Sesquicentenário da Independência (1972), Cristina Ferreira e Evander Ruthieri Saturno da Silva problematizam as imagens veiculadas por ocasião das comemorações desse acontecimento em 1972. Para isso, os autores utilizaram as reportagens veiculadas nas revistas O Cruzeiro e Manchete, a fim de analisar o esforço empreendido pelo governo brasileiro à época em reconstruir a imagem de D. Pedro I a partir de suas façanhas militares. Memórias e representações dos estudantes secundaristas desaparecidos durante a última ditadura civil-militar argentina (1976 – 1983), discute as representações e memórias produzidas na Argentina pós-ditatorial sobre os desaparecidos. Para sua análise, Marcos Tolentino foca o estudo nos estudantes secundaristas a fim de analisar quais os elementos e os silenciamentos que vão formar as memórias sobre este grupo durante o período ditatorial e também no período democrático. E, fechando a sessão de artigos, Luiz Augusto Mugnai Vieira Júnior, em seu texto intitulado Os debates em torno da ilegalidade do aborto: da luta pela autonomia reprodutiva feminina à esfera legal dos projetos de leis, interpreta as disputas discursivas em torno do tema do aborto no Brasil. O tema, muito atual, dá possibilidades para refletir sobre os discursos em relação à mulher no Brasil, especialmente, os discursos morais sobre esta questão.

Na resenha Ditadura e democracia: entre memórias e história, os mestrandos Hudson Campos Neves e Luisa Rita Cardoso analisam o livro de Daniel Aarão Reis Filho, Ditadura e Democracia no Brasil: do Golpe de 1964 à Constituição de 1988, publicado este ano pela editora Zahar. O livro, escrito por um especialista no tema, traz uma importante contribuição para o debate no ano em que se completam 50 anos da deposição do poder de João Goulart.

Para fechar esta edição, apresentamos a entrevista com a historiadora María del Mar del Pozo Andrés, da Universidade de Alcalá-de-Henares, na Espanha. Em Escribir una biografia es una experiencia investigadora fascinante, a professora espanhola dialoga com o Norberto Dallabrida sobre a experiência de escrever uma biografia, dos documentos utilizados e das escolhas teórico-metodológicas para acessar o passado a partir de uma perspectiva micro-macro da história.

A todos e todas desejamos uma boa leitura.

Luciana Rossato

Maria Teresa Santos Cunha

Editoras- Chefe


CUNHA, Maria Teresa Santos; ROSSATO, Luciana. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.6, n.11, 2014. Acessar publicação original [DR]

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História e Internet / Tempo e Argumento / 2014

O momento em que este número da Revista Tempo & Argumento se dá a ler ao público, coincide com o encerramento das atividades de uma grande rede social pela Internet, o ORKUT. Este fato, em princípio ocasional, reforçou e importância de se pensar no caráter efêmero destas tecnologias sujeitas à brevidade, à transitoriedade e, especialmente, para apresentar discussões que tematizam a História e a Internet no Tempo Presente, enfatizando estudos sobre as chamadas “mídias digitais” que ampliam o mundo de nossa existência social e as relações com o avanço dos suportes digitais do conhecimento.

Dessa maneira, este número pretende discutir como a Internet e as novas ferramentas de comunicação, dela derivadas, vêm modificando as bases históricas de nossa experiência e os parâmetros nos quais a sociabilidade, no tempo presente, se edifica tendo no horizonte de expectativa variados ambientes de interação humanos positivados pela transitoriedade e pelas muitas possibilidades de acesso à informação que, cada vez são mais complexas.

Com o objetivo de aprofundar estas delicadas e arriscadas relações entre História e Internet no Tempo Presente, este volume 6, número 12 (2014) da Revista Tempo & Argumento apresenta um conjunto de onze (11) artigos que evidenciam como as possibilidades de acesso à informação revolucionam as relações entre os indivíduos, alimentam novas modalidades de construção subjetiva do conhecimento e trazem as redes para dentro das escolas e do cotidiano dos alunos, ensinando‐os a habitar e conviver com este novo / outro espaço de convivência e experimentação.

Nos dois primeiros artigos, o professor uruguaio Juan Bresciano e a professora brasileira Núcia Alexandra Silva de Oliveira evidenciam as conexões entre Internet e História mostrando a incorporação de novas tecnologias em investigações sobre os usos, pelos historiadores, do passado local e cujos resultados culminam em narrativas que apresentam outras formas de produção e divulgação do saber histórico na escola e / ou fora dela.

Na trilha do interesse renovado, os usos da Internet na pesquisa histórica vêm mobilizando autores e pesquisas que problematizam, em cinco (5) artigos, situações da conjuntura política e social do Tempo Presente e que nos convidam a pensar sobre os prolongamentos das escritas e das imagens, das redes para as páginas. Nesse sentido, Dilton Maynard investiga como grupos fascistas do Brasil e da Argentina disseminam ideias e articulam grupos, nas páginas da rede, através de mensagens xenófobas, racistas, antissemitas e homofóbicas presentes no portal Libre Opinión. Por sua vez, o artigo de João Gilberto Neves Saraiva analisa imagens e textos de postagens, em relação à política e à História do Brasil, realizadas pela embaixada dos Estados Unidos do Brasil na rede social Flickr no ano de 2009, durante o primeiro governo do presidente Barack Obama.

A construção de memória de uma cidade submersa pela construção de uma barragem no Rio Grande do Norte, em 1980, cria condições para que Francisco das Chagas Silva Souza discuta o papel do Orkut, três décadas depois, como suporte para “salvar” restos do passado pela construção de uma memória para aquele local. Os escritos em blogs, Orkut, Facebook são problematizados por Pedro Eurico Rodrigues que analisa estas ferramentas de comunicação, disponíveis na Internet, como formas de novos mecanismos de sociabilidade em um movimento que incita a borrar fronteiras entre o público e o privado. Completando este bloco de artigos que enfatizam, de maneira geral, os usos da Internet na pesquisa história, George Zeidan Araújo trata da chamada “história digital” ao escrever sobre a emergência e as configurações atuais da Internet associadas à ressonância destas mídias digitais na pesquisa e escrita da História, no Tempo Presente com seus desafios e suas possibilidades.

Três importantes artigos, resultados de pesquisas no âmbito das universidades, abordam as possibilidades de acesso à informação que tratam a relação entre os indivíduos e a escola, e muito especialmente, como as tecnologias de informação e comunicação (TICs) podem gerar novas práticas. Marcella Albaine Farias da Costa e Carmen Teresa Gabriel problematizam a forma como as disputas em torno da significação e fixação de ‘sentidos do digital’ circulam no currículo de História, tendo como empiria o Edital do Programa Nacional do Livro Didático (PNDL) 2015 e mobilizando conhecimentos em diálogo com a cultura histórica e a cultura escolar. Um estudo que pretende compreender como o computador vem sendo utilizado no ensino de história, em escolas públicas e particulares, do ensino fundamental e médio da região de Londrina (PR) é trazido à leitura por Simioni França e Cristiano Biazzo Simon. Na mesma clave da presença do computador em aulas de História e deslocando um olhar especificamente para o ensino de História Antiga, Dominique Vieira Coelho dos Santos divisa possibilidades de, por meios digitais, sistematizar ferramentas para auxiliar os interessados na temática e assim, fomentar o ensino e a pesquisa nas culturas cuneiformes, no Brasil.

Encerrando a seção de artigos, Veridiano Koeffender Moreira, sob o título “Plasmando a história: efeito‐mundo, retórica do tempo e ficção” apresenta uma discussão sobre o problema do falso e da ficção em história, tema atual e que se liga aos estudos sobre a narrativa na historiografia.

Duas resenhas completam este número da Revista. Na primeira, Rafael Trindade Pellegrini e Ramon Trindade Pellegrini discutem a obra escrita por Julian Assange, primeiro livro do autor, editor chefe do Wikileaks, publicado no Brasil (Boitempo Editorial,2013) intitulada “Cypherpuns: Liberdade e Futuro da Internet” e , por sua vez, Adgélzira Capeloti Pereira discute a obra “A jornada mitológica de Mário Palmério. Um estudo sobre a ascensão social e política do autor de Vila dos Confins” (Editora UNESP, 2012) escrita por André Azevedo da Fonseca.

Dar visibilidade a este tema permitiu refletir sobre a presença das mídias como uma das características do nosso Tempo em todos os aspectos da vida, além de reconhecer como as mídias digitais ampliaram sua abrangência e passaram a ser um imperativo que produz outras (novas) sensibilidades nas relações da contemporaneidade. Em certo sentido, discutir / propor / ler este tema significa discutir criticamente seus argumentos e refletir sobre que tipo de História podemos escrever, que estilo de vida devemos defender e que tipo de país queremos construir no Tempo Presente; contudo, convém pensar na perigosa ilusão de que se pode vencer o Tempo.

Desejamos, enfim, que estes artigos sejam inspiração para uma leitura crítica das mídias digitais neste Tempo Presente, tão incerto quanto encantador!

Maria Teresa Santos Cunha

Luciana Rossato

Editoras‐ Chefe

 


CUNHA, Maria Teresa Santos; ROSSATO, Luciana. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.6, n.12, 2014. Acessar publicação original [DR]

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História e Cultura Escrita / Tempo e Argumento / 2013

Desde a década de 1990, a História da Cultura Escrita – entendida como o estudo das diferentes formas de produção, uso e conservação do universo textual – centra-se na interpretação das práticas sociais de ler e escrever. Nesse aspecto, converteu-se em um campo de investigação singularmente produtivo e dinâmico que pode ser reconhecido como uma das chaves para os estudos que versam sobre a memória escrita, de uma dada sociedade, apresentados em variados suportes.

Com o objetivo de aprofundar o conhecimento de seus objetos de análise e suas abordagens na clave da História do Tempo Presente, o volume 5, número 9 (2013) da Revista Tempo e Argumento (que a partir desta edição passa a utilizar a numeração sequencial em suas publicações) apresenta, inicialmente, um conjunto de seis (6) artigos que se situam entre a reflexão e o debate em torno de uma série de questões teóricas e metodológicas sobre a História da Cultura Escrita que emergem no Tempo Presente e que vêm modificando as bases de nossa experiência no mundo e os parâmetros nos quais nossa sociabilidade é construída. Neste número, apresentamos também ao público leitor uma seção temática bilíngue (francêsportuguês), composta por sete (7) artigos que versam sobre arquivos. Parte desses artigos foram apresentados no evento Sombres Archives: Journée d’études, realizado em Toulouse (França), em abril de 2012.

Dessa maneira, é possível refletir, nos dois artigos iniciais, sobre assuntos como o poder de publicações brasileiras que evidenciaram importantes empreendimentos editorais, suas disputas e seus processos para a organização de coleções, ambas comprometidas com a produção de um novo conhecimento sobre o Brasil. Giselle Martins Venâncio e André Carlos Furtado estudam a Coleção Brasiliana, publicada entre os anos de 1956 e 1972. Fábio Franzini analisa a Coleção Documentos Brasileiros, publicada entre os anos de 1930 e 1960. As historiadoras e museólogas Carla Rodrigues Gastaud e Cristiéle Santos Souza enunciam seus discursos sobre lugares de produção e publicização de acervos autorreferenciais em um contexto contemporâneo e o fazem através das trajetórias de constituição de dois conjuntos documentais: as cartas de D. Joaquim, bispo de Pelotas (RS), escritas entre os anos de 1915 e 1940, em cotejo com as cartas da baronesa Amélia, escritas entre 1889 e 1918 e depositadas em arquivos pelotenses.

Pensar sobre o processo de constituição de uma historiografia sobre a cultura e a arte marginais, no Piauí, e discutir as maneiras como tais produções se configuram, é o que objetiva o trabalho de Edwar de Alencar Castelo Branco e Fábio Leonardo Castelo Branco Brito, os quais analisam como esta escrita historiográfica piauiense se relaciona com a que é produzida em âmbito nacional. No mesmo movimento, Marilane Machado faz uma análise de dois cadernos de alunas da Educação de Jovens e Adultos (EJA), produzidos em 2008 em Florianópolis. Através deles a autora aprofunda interpretações sobre a produção e a materialidade desse material na perspectiva das “escritas ordinárias”, consideradas nas abordagens da cultura escrita como documentos privilegiados para o conhecimento do cotidiano e dos fazeres de pessoas comuns.

Um estudo que pretende contribuir para o conhecimento das relações entre escrita, espaço e paisagem no âmbito do saber histórico é oferecido por Roberg Januário dos Santos e Lucilvana Ferreira Barros. Os autores problematizam a produção da paisagem dos verdes carnaubais da cidade do Assú, localizada no sertão do Rio Grande do Norte, mediante a construção da escrita de escritores e poetas locais sobre esta paisagem.

Na seção Artigos, dois instigantes textos fecham esta primeira parte da Revista com questionamentos que discutem o fazer historiográfico no Tempo Presente. Ainda que não estejam diretamente ligados ao tema da História da Cultura Escrita, abordam temáticas que são por ela transversalizadas. Nesse sentido, Jaqueline Martins Zarbato faz reflexões sobre as experiências de professoras de História e interpreta seus processos de formação, suas implicações e tensões no fazer docente, desde os elementos simbólicos, às escolhas e trajetórias que permitiram o “fazer-se professoras” de História. Já Sheille Soares de Freitas discute as desigualdades e as pressões que potencializam as práticas dos trabalhadores na sociedade capitalista ao colocar em evidência suas trajetórias no espaço de trabalho na ThyssenKrupp – em Campo Limpo Paulista – (SP), a partir de meados do século XX.

A segunda parte – Seção Temática: Arquivos no tempo e na história – é composta de um dossiê com sete (7) artigos que tematizam os arquivos como instâncias que preservam, notadamente, rastros de memórias traumáticas e oferecem pontos de vista privilegiados sobre a maneira como nossas sociedades tratam dos males passados. Esta seção temática ficou sob a responsabilidade das historiadoras Sylvie Sagnes – Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS – Paris) e Silvia Maria Fávero Arend – Programa de PósGraduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina (PPGH-UDESC).

Sylvie Sagnes, pesquisadora do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), abre o dossiê e realça a presença, no arquivo, de relações desarmônicas entre história e memória ao enfatizar que as memórias dominadas e dominantes, vitimárias e heroicas, subjetivas e objetivas, memórias do coração e da razão se opõem e afetam infalivelmente a disciplina histórica.

“Entre memória e história, filiação destruída, trauma, narrativa de vida e paixão por arquivos” é o titulo do artigo do professor e psicólogo Yoram Mouchenik, cujo teor relata aspectos de uma pesquisa sobre traumas e desaparecimentos, a partir do convívio com um grupo particular de pessoas que foram crianças judias sobreviventes, e que permaneceram escondidas na França durante a Ocupação. Na mesma perspectiva, o professor Patrice Marcilloux expõe como a abertura ao público dos arquivos da segunda guerra mundial, nos anos 1990, constituiu um episódio marcante e por vezes conflituoso da história recente dos arquivos na França, notadamente entre a comunidade judaica, e argumenta sobre as transformações profundas nas lógicas de uso do documento de arquivos.

Arquivos pessoais do historiador Philippe Ariès e do advogado e político francês Gaston Bergery são tratados pelos professores e pesquisadores Guillaume Gros e Yves Pourcher, respectivamente. Através da análise de variados documentos como cartas, artigos e outros documentos pessoais e públicos, buscou-se traçar a trajetória destes indivíduos analisando-se, sobremaneira, a constituição de seus arquivos, como veículos para a construção de memórias, sem esquecer as tensões constantemente presentes nessas operações escriturísticas.

Duas historiadoras brasileiras, Janice Gonçalves e Cristina Scheibe Wolff, apresentam os resultados de seus investimentos de pesquisa. Janice Gonçalves, historiadora e pesquisadora da área patrimonial, discute aspectos históricos que envolvem o acesso à documentação arquivística de caráter público, sua utilização para a produção de conhecimento histórico e sua relevância para o exercício da cidadania e a consolidação de práticas democráticas. Sob o sugestivo título “A recusa do segredo: exercício de direitos e acesso a documentos públicos” a autora aborda o debate arquivístico acerca da avaliação de documentos de arquivo e sua relação com o tema do acesso aos próprios arquivos. Cristina Scheibe Wolff apresenta uma reflexão sobre os arquivos que guardam acervos sobre as ditaduras nos países do Cone Sul (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai), para mostrar como se podem encontrar perspectivas de gênero em acervos que originalmente tiveram como principal propósito a repressão aos movimentos políticos de resistência às ditaduras, mas que não problematizaram especialmente as questões de gênero.

O livro do historiador José Carlos dos Reis sobre o desafio de se escrever a História é, finalmente, resenhado por Vicentônio Regis do Nascimento Silva e se constitui em uma contribuição para ampliar o debate no campo da Historiografia.

As análises aqui apresentadas se prestam a múltiplas interpretações, mas, seja no âmbito dos estudos de cultura escrita, seja no âmbito dos arquivos, há sempre na produção de um impresso desta natureza um desejo recôndito de leitura que aponta para esta espécie de autoria às avessas, tão anônimo quanto criativo, tão impalpável quanto necessário para produzir sentidos: o leitor! a leitora!

Maria Teresa Santos Cunha

Luciana Rossato

Editoras- Chefe


CUNHA, Maria Teresa Santos; ROSSATO, Luciana. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.5, n.9, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Ditaduras e Democracias (décadas de1960-1980) / Tempo e Argumento / 2013

Em poucos meses fará 50 anos da deposição do presidente João Goulart e do início de um período que marcou a história do tempo presente no Brasil. Esta data suscitará uma nova rodada de discussões a esse respeito: novos estudos serão divulgados e novas memórias entrarão no campo de disputas. Os debates em torno dos trabalhos da Comissão da Verdade e da exumação do corpo do presidente deposto são sinal de um passado ainda presente e aberto a múltiplas interpretações. A Revista Tempo & Argumento espera, com a publicação do dossiê Ditaduras e Democracias (1960-1980), trazer novos elementos para o debate sobre este conturbado momento da nossa história.

O dossiê inicia com o artigo Ditaduras Civil-Militares no Cone Sul e a Doutrina de Segurança Nacional – algumas considerações sobre a Historiografia, de autoria do professor Dr. Ricardo Antonio Souza Mendes. Neste artigo, são analisadas as primeiras obras sobre a Doutrina de Segurança Nacional, elaboradas entre os anos de 1979 e 1982, e que são um primeiro esforço no sentindo de entender o conjunto de ideias que norteou os governos autoritários que tomaram o poder na Argentina, no Brasil, no Chile e no Uruguai. O artigo Ditadura, Democracia e Esquecimento: 1964 – o acontecimento recalcado e a ascensão da Folha como canal da democracia, de autoria da professora Dr.a Sônia Maria Meneses, investiga como o jornal Folha de São Paulo conseguiu construir sua identidade vinculada às expectativas de democracia e ao mesmo tempo formulou um bem sucedido projeto de “reconstrução” da memória sobre os governos militares. A sua análise enfatiza como o golpe de 1964 é narrado pelo jornal entre 1978 e 1980, período de abertura política, e como se constitui o processo de lembrar e esquecer na construção de uma nova identidade política. Utilizando também como documento de análise o jornal Folha de São Paulo, o professor Dr. Reinaldo Lindolfo Lohn, no artigo Um longo presente: o papel da imprensa no processo de redemocratização – a Folha de São Paulo em 1974, discute como foi construída pela grande imprensa uma narrativa política no qual se estabeleceu a proeminência de setores e agentes políticos e sociais e o papel das eleições no processo de democratização brasileira a partir de 1974. No artigo O direito à memória: a história oral de mulheres que lutaram contra a ditadura militar (1964-84), a doutoranda Marta Gouveia de Oliveira Rovai analisa os relatos de mulheres que lutaram contra a ditadura militar brasileira a fim de identificar as múltiplas formas de ações na luta contra o autoritarismo. O artigo “Somos guardiões da memória…”: uma coleção homenageia os “vitoriosos” de 31 de março de 1964, do doutorando Eduardo dos Santos Chaves (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), analisará a coleção “1964 – 31 de março: o movimento revolucionário e sua história”. Esta coleção comporta um conjunto de entrevistas de membros das Forças Armadas brasileiras sobre a tomada do poder pelos militares. O autor examina o significado dessa coleção de entrevistas como resultado da disputa pela memória sobre a ditadura brasileira, bem como uma homenagem do Exército àqueles que eles consideram “salvadores da pátria”. O artigo A internet, um novo espaço de disputa pela memória da Ditadura Militar no Brasil, escrito pela doutora Maria Gabriela da Silva Martins da Cunha Marinho e pela mestranda Sonale Diane Pastro de Oliveira, a partir da análise de dois sítios eletrônicos, discute as disputas pela memória sobre o período da Ditadura Militar no Brasil e como a Internet se tem transformado em espaço de divulgação de distintas posições políticas. O artigo Civismo e cidadania num regime de exceção: as políticas de formação do cidadão na ditadura civil-militar, de autoria da doutora Tatyana de Amaral Maia, é dedicado a analisar a atuação do Conselho Federal de Cultura no Ministério da Educação e Cultura durante a ditadura civil-militar (1964-1985) e as políticas culturais e educacionais que foram postos em prática a fim de formar um cidadão considerado ideal. Para este estudo, a autora analisou os Cadernos de Estudos Brasileiros, o Atlas Cultural do Brasil e a obra O cidadão e o civismo: educação moral e cívica, suas finalidades. No artigo “En todas las dictaduras siempre hay espacios de resistencia frente a la opresión”: A atuação dos movimentos pela anistia e o controle e vigilância do regime civil-militar (1975-1983), a mestranda Pâmela Almeida Resende analisa, a partir do estudo do Movimento Feminino pela Anistia (MFPA) e do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), como se dava a vigilância e o controle de parte da comunidade de informações e segurança aos movimentos que lutavam pela anistia e pela redemocratização. Para este estudo foram utilizados os documentos produzidos pelo do DEOPS / SP e SNI.

Na sequência do dossiê encontram-se quatro artigos que se debruçam sobre universidades brasileiras durante o período dos governos militares no Brasil. O artigo Os movimentos docentes brasileiro e português na virada dos anos 1970-80, da doutora Libania Nacif Xavier, analisa as ações e manifestações docentes ocorridas no Brasil e em Portugal, nos anos 1970-80, período marcado pelo declínio dos regimes autoritários e pela ascensão de movimentos de contestação política aos poderes constituídos. O artigo A UFPA e os Anos de Chumbo: A administração do reitor Silveira Neto em tempo de ditadura (1960-1969), de autoria da doutora Joana Fontes Oliveira (Universidade Federal do Pará), analisa os impactos do AI-5 e da repressão a estudantes, professores e servidores públicos durante o mandato do reitor José da Silveira Neto. O doutor Pedro Ernesto Fagundes apresenta, no artigo Universidade e repressão política: o acesso aos documentos da Assessoria Especial de Segurança e Informação da Universidade Federal do Espírito Santo (AESI / UFES), os problemas de acesso aos documentos produzidos pela Assessoria Especial de Segurança e Informação da Universidade Federal do Espírito Santo, que era vinculada ao Ministério da Educação e coordenado pelo Serviço Nacional de Informação (SNI), e que entre os anos de 1971 e 1983 tinha como função monitorar as atividades da comunidade universitária. No artigo intitulado A constituição da Faculdade de Educação / UFRGS em tempos de ditadura civil-militar (1970-1985), a doutora Doris Bittencourt Almeida procura compreender como, no presente, os sujeitos professores rememoram o tempo vivido naquela instituição, mais especificamente sobre as implicações da ditadura civil-militar na constituição e no cotidiano da Faculdade da Educação, nos anos 1970 e início dos anos 1980. Para fechar este dossiê, temos o artigo Estudantes no Pontal Mineiro e ditadura militar na década de 1960, do doutor Sauloéber Tarsio de Souza e da mestranda Isaura Melo Franco, os quais, a partir de quatro coleções de jornais do município de Ituiutaba, que circularam na década de 1960, e de entrevistas a ex-líderes estudantis, analisam as ações e as práticas do movimento estudantil no Pontal do Triângulo Mineiro durante a ditadura militar.

A sessão de artigos da Revista Tempo & Argumento conta com três artigos que versam sobre diferentes temas. O artigo da doutoranda Amanda Palomo Alves, intitulado Angola: musicalidade, política e anticolonialismo (1950-1980), analisa como a música popular urbana auxiliou na construção de uma consciência nacionalista, contribuindo para a resistência e a luta anticolonial. O artigo As divisões políticas da primeira elite castrense da ditadura chilena (1973-1978): grupos políticos, alternativas institucionais e formação profissional, do doutorando Tiago Francisco Monteiro, discute a composição, a atuação política e os anseios institucionais dos grupos de militares que ocuparam os principais cargos da ditadura chilena, imposta ao país após o golpe militar de 11 / 09 / 1973, com enfoque na formação profissional dos oficiais que denominados de “primeira elite castrense”, e enfatizando as suas relações com grupos civis e com as escolas militares estadunidenses. A mestranda Ana Karine Braggio e o doutor Alexandre Felipe Fiuza, no artigo Acervo da DOPS / PR: uma possibilidade de fonte diferenciada para a história da educação, propõem um novo olhar para os acervos das extintas Delegacias de Ordem Política e Social (DOPS), com vistas ao estudo da História da Educação.

Este volume também traz duas resenhas. A resenha Por uma história da loucura no sul do país, da acadêmica do curso de história da UDESC, Tassila Sant’Anna Espindola, analisa o livro Loucos nem sempre mansos, de autoria da professora Dr.a Viviane Borges. Resultado da dissertação de mestrado que descortina o mundo da Colônia Itapuã, centro agrícola de reabilitação localizado no município de Viamão, no estado do Rio Grande do Sul. Silvania Rubert, no texto que intitula Para além da “guerra suja”, resenha o livro Memórias de uma Guerra Suja, que traz os depoimentos de Cláudio Guerra, o qual atuou no DOI-CODI (órgão de inteligência e repressão subordinado ao Exército brasileiro durante o regime militar), aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros.

Para finalizar este volume da revista, trazemos a entrevista com o Dr. Carlos Fico, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Na entrevista, feita em 2013 durante a Anpuh, em Natal, pelos professores do PPGH / UDESC, Rafael Hagemayer, Reinaldo Lindolfo Lohn e Silvia Maria de Fávero Arend, são discutidos temas como suas pesquisas sobre a ditadura militar no Brasil, a atuação da Comissão da Verdade e as possibilidades de pesquisa sobre o período a partir de novas questões que se colocam no tempo presente.

Luciana Rossato

Maria Teresa Santos Cunha

Editoras- Chefe


CUNHA, Maria Teresa Santos; ROSSATO, Luciana. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.5, n.10, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Ensino de História / Tempo e Argumento / 2012

Ensinar História no tempo presente. Este é um desafio que está no centro das experiências e perspectivas de profissionais e educadores que pretendem produzir e refletir o conhecimento histórico na sala de aula. O volume 4, número 2 (2012) da revista Tempo e Argumento, intitulado “Ensino de História”, apresenta resultados de pesquisas e análises que tomam a produção historiográfica em sua dimensão de saber escolar, como um processo em que estão envolvidos diferentes atores sociais: docentes, discentes, representantes do Estado, editoras, etc.

A seção Dossiê deste número da revista Tempo e Argumento é composta por sete artigos. No artigo intitulado “A campanha presidencial televisiva de Lula em 2006 revista desde a Didática da História”, Luis Fernando Cerri discute o lugar ocupado pela propaganda televisiva no ensino-aprendizagem da História no tempo presente. O autor apresenta uma reflexão sobre as questões epistemológicas que norteiam a disciplina Didática da História com destaque para o proposto por Klaus Bergmann, Jörn Rüsen e Christian Laville. A partir desses referenciais e de um conjunto de representações sociais evocadas pela História política brasileira, o historiador analisa a campanha televisa presidencial de 2006 feita pelo candidato Lula.

Os historiadores João Batista Gonçalves Bueno, Arnaldo Pinto Junior e Maria de Fátima Guimarães, no artigo “Livros didáticos de História: entrecruzando leituras de imagens e orientações editoriais nas décadas de 1970 e 1980”, procuraram conhecer as permanências e rupturas relativas às formas de editoração dos textos escritos e imagens presentes nos livros didáticos da área da História. Para os autores, estes procedimentos implementados num momento de modernização do campo editorial nortearam em grande parte as obras de caráter didático, bem como as formas de leitura vindouras.

O livro didático no tempo presente também é o tema do artigo de Clarícia Otto e Geane Kantovitz denominado “Livros didáticos da rede Salesiana de escolas: prescrições e usos”. As autoras analisam, por um lado, as prescrições presentes nestas obras e, por outro, como um grupo de docentes e discentes utilizam este material no cotidiano escolar. As autoras enfatizam que, apesar das prescrições relativas ao saber histórico presentes nas obras, é a mediação didática que estabelece os rumos do ensino-aprendizagem.

O historiador Ricardo de Aguiar Pacheco, no artigo “O museu na sala de aula: propostas para o planejamento de visitas aos museus”, apresenta uma metodologia composta por três fases para o uso didático do museu pelos docentes da área da História. Para o autor, as vistas aos museus devem constituir-se em ações educativas que envolvam o binômio ensino e pesquisa.

O educador Roper Pires de Carvalho Filho, no artigo “Ensino de História: políticas curriculares, cultura escolar, saberes e práticas docentes”, discute, a partir de um estudo de caráter etnográfico, a complexa relação entre as prescrições vigente nos currículos da área de História, a cultura escolar e as práticas docentes.

O mercado editorial e o ensino de História é o tema também do artigo de Jeferson Rodrigo da Silva. O historiador, no artigo intitulado “De anônimo a best seller: digressão sobre o Projeto Araribá – História no PNLD de 2008”, buscou compreender como se processou o sucesso editorial da referida coleção publicada pela Editora Moderna. Segundo ao autor, este êxito está associado a um conjunto de fatores, entre os quais destacas as políticas públicas que visavam a melhoria do ensino e os interesses comerciais.

As pesquisadoras Raquel Alvarenga Sena Venera e Juliana Pirola da Conceição, no artigo “Tensões curriculares e narrativas: o ensino de História da América”, a partir dos referenciais dos Estudos Culturais, analisam a relação entre as práticas curriculares e construção de identificações sobre a América Latina por estudantes da rede pública de ensino.

Na seção Artigos temos duas contribuições. A historiadora Geni Rosa Duarte e o historiador Emilio Gonzalez, no estudo “Visões sobre a conquista da América Hispânica pela música popular” buscaram compreender como canções das décadas de 1970, 1980 e 1990 abordaram o tema da conquista da América pelos espanhóis, sob uma perspectiva da chamada História dos vencidos. A historiadora Marlise Regina Meyrer, por sua vez, volta seu olhar para a História política do Brasil. No artigo denominado “A vassoura, a simpatia e a espada: imagens da democracia brasileira nos anos 50”, a autora investiga as representações sociais presentes na revista O Cruzeiro sobre a cena política da década de 1950, assim como acerca de personagens de destaque, tais como Jânio Quadros, Juscelino Kubitscheck e Henrique Teixeira Lott que aturam na naquele contexto histórico.

A seção Resenhas é composta por três contribuições. As historiadoras Lara Rodrigues Pereira e Caroline Antunes Martins Alamino apresentam uma reflexão sobre a obra “Ver História: o ensino vai aos filmes”, organizada por Marcos Silva e Alcides Freire Ramos. De acordo com as autoras, a obra descortina para os leitores as várias possibilidades metodológicas de utilizar as produções cinematográficas em sala de aula.

Júlio César Virgínio Costa, por sua vez, analisou a obra autobiográfica de Chil Rajchman, intitulada “Eu sou o último judeu: Treblinka (1942-1943)”, publicada pela editora Zahar, em 2010. Para o historiador, a obra demonstra o quão complexa é a relação entre o rememorar e o esquecer como operações da produção da memória, sobretudo, quando está em jogo a construção de representações sociais individuais e coletivas de processos históricos, tal como a denominada “solução final”.

Já o historiador Geraldo Magella de Menezes Neto, apresenta uma reflexão sobre o livro “Arcanos do verso: trajetória da literatura de cordel”, de autoria de Rosilene Alves de Melo, que recebeu o prêmio “Silvio Romero” de melhor monografia sobre cultura popular em 2003. A obra tem como foco a análise do repertório presente nos folhetos de cordel produzidos entre 1932 e 1982, pela tipografia São Francisco, localizada na cidade de Juazeiro do Norte (CE).

Por fim, a seção Entrevistas apresenta uma entrevista realizada pela historiadora Cristiani Bereta da Silva com o professor Peter J. Lee, que trabalhou na Unidade de Educação Histórica do Instituto de Educação da University of London. A entrevista intitulada “O ensino de Historia – algumas reflexões do Reino Unido” além de historiar a trajetória das pesquisas do entrevistado, aborda o importante debate vigente no campo epistemológico sobre os processos de ensino aprendizagem na área da História.

Desejamos, a todos e todas, uma boa leitura.

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Comitê editorial. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.4, n.2, 2012. Acessar publicação original [DR]

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História e Historiografia do Tempo Presente / Tempo e Argumento / 2012

As últimas décadas do século XX colocaram em pauta o instante, o presente em contraposição ao “império do passado”. A hipertrofia do presente, resultado de outras formas de experimentação e interpretação do tempo, operou mudanças substantivas na escrita da História. A narrativa histórica configura o tempo histórico ao pautar percursos possíveis de horizontes de expectativas e futuros tornados presentes. A recusa de uma relação antiquária com o passado e o entrecruzamento de temporalidades apresentou à História um passado com novas potencialidades. Mas esse deslocamento na relação com o tempo apresenta armadilhas e exige cuidados ainda mais atentos por parte do historiador. Potencialidades e limites de uma escrita da História sob o domínio do presente foram amplamente discutidos nas conferências, mesas redondas e simpósios temáticos no I Seminário Internacional História do Tempo Presente, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina e ANPUH-Seção-Santa Catarina, realizado entre os dias 07 e 09 de novembro de 2011, na cidade de Florianópolis / Brasil.

Entendemos que a discussão está apenas começando. Nesse sentido, como contribuição ao debate, apresentamos aos leitores um Dossiê especial o qual chamamos História e Historiografia do Tempo Presente, composto por reflexões expressas nas conferências apresentadas, naquela ocasião, pelos autores convidados e que tiveram participação significativa nas discussões em pauta no Seminário de 2011.

O historiador francês François Dosse abre o dossiê com o tema de sua conferência de abertura: História do tempo presente e historiografia. Dosse apresenta um conjunto de reflexões que visa, por um lado, historicizar a emergência do tempo presente como campo historiográfico e, por outro, inferir sobre os problemas e desafios presentes na escrita da História do Tempo Presente.

Na sequência trouxemos a conferência de encerramento feita por Michèle Lagny, professora da Universidade Paris III. No texto Imagens audiovisuais e história do tempo presente apresentam-se discussões sobre o interesse pelo audiovisual por parte dos historiadores, no momento em que emerge o conceito de história do tempo presente, na França.

O texto Narrativas del yo y memorias traumáticas de Leonor Arfuch, professora da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires (UBA), foi alvo do debate proposto pela Mesa Redonda História e narrativas. Partindo da premissa que as narrativas do eu invadem e dilatam o horizonte cultural contemporâneo, a autora problematiza o sujeito e sua fala, evidenciando o testemunho como narrativa, e as muitas formas possíveis nas quais a experiência traumática traduz-se em narrativas do eu.

Por sua vez, Pablo Pozzi, professor e diretor do Programa de História Oral da Universidade de Buenos Aires (UBA) e Presidente da Associação de História Oral da República Argentina, assina o texto Esencia y práctica de la historia oral que fez parte da Mesa Redonda Memórias e Identidades. O autor se propõe discutir a relação entre história, história oral e a história do presente. Parte-se do pressuposto de que as fronteiras entre essas áreas não são fixas, posto que estão articuladas e que se distribuem e se organizam por meio dessa articulação.

Fechando o dossiê temos o historiador Hernán Ramírez que participou da Mesa Redonda Culturas políticas e tempo presente. O texto Política e tempo presente na historiografia das ditaduras do Cone Sul da América Latina abordou a relação entre política e tempo presente que se estabeleceu em torno da produção historiográfica sobre as ditaduras do Cone Sul da América Latina. O autor se dedicou a analisar de que formas o presente vivido pelos pesquisadores e a sua relação com a política interferiram nas pesquisas sobre as ditaduras que tiveram lugar nessa região.

Dos artigos de demanda contínua selecionamos aqueles que possuem relações ou que possibilitam o diálogo com o tema do Dossiê. Exemplo são as questões levantadas pelo historiador Fábio Henrique Lopes, professor da UFRRJ, no artigo Reflexões sobre a operação historiográfica: diálogos e aproximações possíveis sobre a operação historiográfica no tempo presente. O autor se propõe a identificar e analisar as implicações políticas do fazer histórico, os limites e desafios desse saber, bem como as referências epistemológicas que orientam a produção do conhecimento historiográfico.

Cláudio Pereira Elmir, professor da UNISINOS, analisa o livro Uma vida em trânsito. Memórias de um homem entre duas culturas (1998), do intelectual argentino / chileno naturalizado americano desde 2004, Ariel Dorfman, no artigo As palavras que cabem no trânsito da vida: memórias de Ariel Dorfman. Com base na leitura do livro de memórias de Dorfman, busca-se verificar de que maneira o autor traça as razões da aproximação de um homem vinculado a projetos de esquerda na América Latina com as referências culturais norte-americanas.

O Povo Novo Brasileiro: Mestiçagem e identidade no pensamento de Darcy Ribeiro, de Flávio Raimundo Giarola, analisa a obra de Darcy Ribeiro, sobretudo o livro O Povo Brasileiro (1995), enfocando a relação entre mestiçagem e identidade no pensamento do autor. O objetivo é dotar de inteligibilidade a identificação do Brasil como um povo novo, ou seja, uma entidade étnica ímpar, surgida da mistura de povos distintos e com diferentes características raciais, culturais e linguísticas.

Relações internacionais são abordadas de formas e temas distintos em dois artigos que encerram essa seção. Nova Varsóvia, laboratório de ocupação ou ninho de terroristas? A Faixa de Gaza e a vida nua, de Fábio Bacila Sahd, que problematiza a política securitária de Israel em relação à Faixa de Gaza, por meio de análise da pertinência de considerar Gaza como imunitas, campo e homo sacer, tendo por base conceitos que pensam a política na modernidade. A guerra ao terror e a privatização da força: uma primeira análise do uso de companhias militares privadas nas intervenções estadunidenses no pós-onze de setembro, de Priscila Borba da Costa, discute historicamente as companhias militares privadas e sua progressiva presença nas intervenções militares, promovidas pelos Estados Unidos desde o fim da Guerra Fria, a partir de um recorte específico – o período da “Guerra ao Terror” promovida pelo governo Bush.

A seção Resenhas é iniciada por Gabriela Dalla-Corte Caballero sobre o livro organizado por QUIJADA, Mônica (ed.). De los cacicazgos a la ciudadanía. Sistemas políticos en la frontera, Río de la Plata, siglos XVIII -XX. Berlin: Gebr. Mann Verlag, 2011. A resenha destaca a utilização do termo “Cacicazgo” vinculado à antiga “República de Índios” no período colonial hispânico e central na investigação histórica sobre a independência e a construção da nação argentina.

Marilda Marques, mestranda em História pela UNIOESTE, apresenta a resenha do livro de STEIN, Marcos Nestor. “O Oitavo Dia”: produção de sentidos identitários na Colônia Entre Rios-PR (segunda metade do século XX). Guarapuava: UNICENTRO, 2011. O livro aborda a identidade étnica alemã por meio da investigação sobre como a identificação “suábios do Danúbio” foi elaborada, imaginada, e por meio de quais marcos cristalizados nos discursos sobre a história do grupo é fomentado o sentimento de pertencimento, de (re)criação de um “eu” coletivo na colônia Entre Rios, localizada no município de Guarapuava, Centro Sul do estado do Paraná.

Como uma homenagem à historiadora que contribuiu significativamente para a difusão do conceito e ampliação das pesquisas sobre cultura política no Brasil, o mestrando em História da UDESC Felipe de Sousa Lima Vasconcellos resenhou a nova edição do livro organizado por GOMES, Ângela de Castro (org.). Vargas e a crise dos anos 50. 3. ed. Rio de Janeiro: Ponteio, 2011. Ângela de Castro Gomes é reconhecida como um dos principais nomes da historiografia nacional quando se trata do período getulista e da abordagem historiográfica utilizando conceitos como cultura política e cultura histórica. A obra, composta por artigos escritos por estudiosos de várias áreas do conhecimento, trata dos anos 1950 por meio de uma perspectiva plural. Lançada pela primeira vez em 1994, chega a sua terceira edição, para a satisfação de quem busca abordagens diferenciadas acerca desse período conturbado e importante da História do nosso país.

Outra homenagem, dessa vez a Walter Benjamin, foi feita por Chrystian Wilson Pereira ao resenhar o livro de MARX, Ursula; SCHWARZ, Gudrun; SCHWARZ, Michael; WIZISLA, Erdmut (eds.). Archivos de Walter Benjamin. Fotografías, textos y dibujos. Tradução de Joaquín Chamorro Mielke. Madrid, (Círculo de Bellas Artes / Sociedad Estatal de Conmemoraciones Culturales), 2010. Publicado inicialmente na Alemanha em 2006, para acompanhar uma mostra da Academia de Artes de Berlim, o livro também foi divulgado juntamente com uma exibição de arquivos de Benjamin realizada pelo Círculo de Belas Artes de Madrid. Os autores da publicação espanhola organizaram 13 capítulos, cada um deles precedido por citações do próprio Benjamin e acompanhado de pequenos textos introdutórios ao material apresentado no original alemão. Destaca-se, na edição espanhola, a qualidade de reprodução das imagens e digitalizações dos manuscritos. Grande parte do material não ganhou tradução para o espanhol, salvo algumas legendas de fotografias, notas explicativas e bilhetes, além de listas de frases e palavras proferidas por Stefan, filho de Benjamin, e anotadas por este.

Organizamos este volume 4, volume 1 de 2012, como contribuição ao adensamento das discussões relativas à escrita de uma história consequente dos temas relacionados ao presente, e esperamos que os leitores aproveitem a leitura!

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Comitê editorial. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.4, n.1, 2012. Acessar publicação original [DR]

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Cidades e Bens Culturais / Tempo e Argumento / 2011

Para o italiano Ítalo Calvino, cada cidade tem a forma e o sentido que lhe atribui quem lança sobre ela seu olhar. Os olhares sobre a cidade deveriam, então, não apenas observar suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas as respostas possíveis que elas podem fornecer às nossas perguntas.1

Os artigos do Dossiê Cidades e Bens Culturais, apresentado neste terceiro ano da revista Tempo e Argumento, do Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), trazem olhares distintos sobre as cidades e os bens culturais evidenciando que ainda que as cidades e as narrativas produzidas sobre elas não sejam idênticas, apresentam inúmeros pontos de contato, possibilidades de leituras e de reflexões.

O artigo que abre o Dossiê é assinado por Artur Simões Rozestraten, intitulado Belém do Pará, Maceió e a sobrevivência dos “Portadores do Modelo de Arquitetura”. O autor trata das interações das expressões dos promesseiros do Círio de Nazaré em Belém do Pará, dos “brincantes” do auto-natalino do Guerreiro Alagoano e o universo dos modelos arquitetônicos, com o motivo artístico do “portador do modelo de arquitetura”, figuração característica da arte medieval, que apresenta um personagem tendo nas mãos um objeto de tamanho reduzido e formas arquitetônicas, como uma maquete.

Educação e Patrimônio Cultural: diálogos entre cidade e campo como lugar de identidades ressonantes de Elizabete Tamanini e Zilma Isabel Peixer é apresentado na sequência. Nesse artigo, as autoras procuram delinear as interfaces entre educação popular, patrimônio cultural, campo e cidade tecendo um quadro ainda novo na construção de conhecimento e nos debates na área de Educação e patrimônio cultural.

Marcos Sorrilha Pinheiro traz o artigo Lima, uma cidade entre a aristocracia e a plebe (1950-1980) onde problematiza as transformações ocorridas na cidade de Lima ao longo dos últimos sessenta anos. Mais do que alterações em seu plano urbanístico, sustenta o autor, Lima teria passado por uma reconfiguração étnica e social que dariam novas cores e novos padrões comportamentais e culturais à capital peruana. A chegada do migrante à cidade provocou a reação conservadora da elite local e evidenciou a separação existente entre a aristocracia e a plebe da cidade.

A historiadora Ilanil Coelho em Embarques e desembarques na estação da memória em Joinville interpreta, a partir da historiografia, os embates travados no processo de patrimonialização de uma antiga estação ferroviária na cidade de Joinville, Santa Catarina.

O artigo Florianópolis: espaço urbano, Poder público e disciplinarização (Décadas 1910 e 1920) de Sandro da Silveira Costa discute o aprimoramento do aparato legislativo implantado em Santa Catarina e em sua Capital, especialmente durante as décadas de 1910 e 1920, que pretendeu melhor organizar e controlar o deslocamento dos veículos – motorizados e / ou operados por força motriz animal – pelas vias intermunicipais e pelas ruas do perímetro urbano da cidade de Florianópolis. Para o autor essas ações disciplinadoras objetivaram adequar esse espaço às posturas civilizatórias propagadas pelas elites locais, observadas naquelas facções ligadas ao viés republicano que almejavam – pelo menos em teoria – o progresso material e moral da sociedade brasileira da época.

O Bar Palácio, fundado na cidade de Curitiba da década de 1930, é objeto de estudo de Mariana Corção. No artigo De espaço de inovação a lugar de tradição, bar Palácio como espectador e ator da dinâmica urbana de Curitiba (1930-2006) a autora explora fontes impressas que defendem a tradicionalidade do Bar Palácio diante das intensas transformações ocorridas em seu entorno (somadas a algumas mudanças internas). Desta forma, a relativa imutabilidade do Palácio, em relação às transformações urbanas de Curitiba ao longo do século XX, valoriza-o enquanto espaço de rememoração.

Fechando o Dossiê, temos o artigo Entre o campo e a cidade: memória e preservação na Fazenda do Quilombo em Minas Gerais assinado por Elizabeth Aparecida Duque Seabra. O artigo discute como se elaboram reflexões sobre a história, a memória e a preservação de bens culturais a partir do contato com o patrimônio cultural em visitas educativas. A autora toma como suposto que os sujeitos em situações educativas de visita se tornam parte constitutiva do movimento de produção e disponibilização de novos sentidos para o patrimônio cultural.

Na seção Artigos apresentamos Do Rio de Janeiro para a Sibéria tropical: prisões e desterros para o Acre nos anos de 1904 e 1910 de Francisco Bento da Silva. No artigo se observa a discussão de aspectos de dois acontecimentos que marcaram a nascente República brasileira no alvorecer do século XX: a Revolta da Vacina (1904) e a Revolta dos Marinheiros (1910). Para o autor há obscuridades na história desses acontecimentos, sobretudo no que concerne o envio de homens e mulheres do período, condenados ao desterro, para o Território do Acre, na Amazônia.

O artigo Família, modernização capitalista e democracia: retomando alguns marcos do antigo debate sobre as transformações da família no Brasil de Maria de Fátima Araújo analisa as transformações da família no Brasil ocorridas sob a influência da modernização capitalista e dos movimentos sociais libertários em defesa da democracia, da liberdade e igualdade, reconhecimento das diferenças e dos direitos humanos e individuais.

Felipe Augusto dos Santos Ribeiro, no artigo Pronta para ajudar os operários que a elegeram: vereadora Ilza Gouvêa e a militância das tecelãs de Magé / RJ, analisa a militância política das tecelãs mageenses, com destaque para a operária Ilza Gouvêa, eleita vereadora em 1950.

E, por fim, Soraia Carolina de Mello no artigo Um trabalho naturalmente feminino? Discussões feministas no Cone Sul (1970-1990) discute a história sobre a naturalização do trabalho doméstico nos feminismos de Segunda Onda do Cone Sul, utilizando como fonte as produções impressas desses feminismos, com ênfase em periódicos, mas não somente.

Na seção Resenhas Tânia Regina Zimmermann apresenta o livro de Ivone Gebara Vulnerabilidade, Justiça e Feminismos: antologia de textos, publicado em 2010, e Rogério Duarte Fernandes dos Passos resenha o livro de organizado por José Camilo dos Santos Filho e Silvia E. Moraes Escola e Universidade na Pós-Modernidade, também de 2010.

Fechando este número da revista, temos a seção Entrevistas, com a entrevista feita com o Prof. Dr. Daniel Aarão Reis Filho, assinada por Mariana Joffily e Sergio Luis Schlatter.

Nota

1 CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. 2. ed. São Paulo: Cia. das Letras, 2004.

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Comitê editorial. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.3, n.1, 2011. Acessar publicação original [DR]

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Globalização e Relações Internacionais / Tempo e Argumento / 2011

Abrimos esse número da Revista Tempo e Argumento, Revista do Programa de Pós-Graduação em História da UDESC, com uma homenagem ao Prof. Américo da Costa Souto que faleceu neste ano de 2011. O texto “Professor Américo, o historiador da longa duração” de Norberto Dallabrida, ex-aluno do professor, aponta aspectos de sua atuação, como docente das disciplinas História Moderna e Contemporânea na UFSC, entre 1963 e 1991, destacando sua contribuição para a formação de duas gerações de historiadores e historiadoras, muitos dos quais atuando em Cursos de graduação e pós-graduação na UDESC, na UFSC e também em diferentes universidades do país. Inovador e refinado em suas análises, o Prof. Américo apropriou-se das concepções historiográficas da chamada escola dos Annales, tornando-se um divulgador do pensamento do historiador Fernand Braudel em suas aulas e escritos. A falta que ele nos fará não cabe em palavras, e esta homenagem, como forma de agradecimento, ilumina detalhes que a mera racionalidade não enxerga.

Na sequência, apresentamos os artigos que compõem o Dossiê Globalização e Relações Internacionais, tema emergente nas sociedades contemporâneas, invocado aqui como forma de pensar as linguagens e as sociabilidades que se firmam no tempo presente como outras formas de cultura política. A discussão de caráter mais epistemológico em pauta refere-se às diferenças entre as concepções que buscam olhar para o mundo sob efeito de um fenômeno global e outras que problematizam o presente partindo de uma ideia de internacionalidades. A globalização não é em si uma novidade, pois ao menos desde o século XV há uma circulação de mercadorias, ideias e pessoas. A novidade reside em como se articulam – nas três últimas décadas – os fluxos no contemporâneo colaborando para a produção de fenômenos transnacionais. Esperamos que os artigos que constituem o dossiê desse número possam colaborar para a intensificação do debate.

O artigo Los planes de igualdad en España: respuestas locales con perspectiva de género a problemas globales de Belén Blázquez Vilaplana, professora da Universidade de Jaén, Espanha, apresenta algumas reflexões sobre a implementação de políticas públicas de igualdade na Espanha nos últimos trintas anos, desde a morte do ditador Francisco Franco e a reinstalação da democracia no país. A autora analisa o contexto local de aplicação dessas políticas e, a partir dele, questiona se tais políticas realmente têm se transformado em ações concretas para as mulheres ou se os papéis e estereótipos que as invisibilizam, como coletivo e como indivíduo, ainda seguem imperando. Argumenta ela que, embora as mulheres espanholas tenham avançado em direção ao reconhecimento de sua condição de cidadãs de pleno direito, existe ainda, na Espanha, uma defasagem inegável entre o que se está legislando e o cotidiano das mulheres, como, por exemplo, o tema da violência de gênero, o qual não se conseguiu diminuir o número de mulheres assassinadas por seus parceiros ou ex-parceiros.

Em “Diplomacia do pé”: o Brasil e as competições esportivas sul-americanas de 1919 e 1922, João Manuel Casquinha Malaia Santos discute o papel das primeiras competições esportivas internacionais sediadas no Brasil, em 1919 e 1922, inserindo-as no quadro das relações internacionais do país. O autor parte da ideia de que competições esportivas mundiais, como a Copa do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos, no início do século XX, expunham valores ocidentais para todo o planeta pelos meios de comunicação. Tais eventos oferecem uma oportunidade singular para a reverberação de valores legitimadores de uma nova ordem internacional, tendo os esportes e seus valores como bases de tal projeto.

Também trabalhando com as relações internacionais do pós-primeira guerra, a historiadora Juçara Luzia Leite observa que a década de 1920, especialmente, foi marcada por uma discussão ampla sobre o papel da educação – especialmente do ensino de História – na construção de um mundo de paz. O livro didático esteve no centro desse debate e educadores de tendências opostas manifestaram-se naquele momento. Ao longo desses debates, o papel da Commission Internationale de Coopération Intellectuelle (CICI) se destacou na Liga das Nações, procurando facilitar a colaboração de intelectuais no serviço de promoção da paz mundial dentro dos objetivos da Liga. O artigo Revisando livros didáticos de História: ação da diplomacia cultural em nome da paz reflete sobre esse contexto, destacando o papel do Brasil na adoção de uma diplomacia cultural válida tanto para os países europeus quanto para os vizinhos latino-americanos, considerando a dinâmica da transição do foco de interesses da Liga das Nações para a União Panamericana.

José Cairus, professor da Universidade de York, em Toronto – Canadá, assina o artigo Modernization, nationalism and elite: the genesis of Brazilian jiu-jitsu, 1905-1920 que, a partir de recorte de sua tese de doutorado The Gracie Clan and the Making of Brazilian jiujitsu: National Identity, Culture and Performance, 1905-1993, analisa a forma como um determinado segmento da elite branca do Brasil reinventou uma arte marcial de origem japonesa conhecida como jiu-jitsu. A arte marcial híbrida desenvolvida no Brasil a partir da matriz japonesa, pela família Gracie, é pensada como produto do conflito entre tradição e modernidade que ao longo do século XX se transformou em um complexo ritual de hipermasculinidade baseado em violência, matizado por ele como made in Brazil.

O artigo de Giulio Mattiazzi, Cidadania, migração e agentes políticos no século XXI, problematiza as transformações relativas aos significados da noção de cidadania e os desafios políticos que estas mudanças apresentam a partir do contexto italiano. O autor analisa discursos do parlamento italiano, que, segundo o autor, de tributários de uma tradição política que fez dos conceitos de pátria, família e nação uma questão de superioridade racial, passam a defender a utilização do dispositivo da concessão da cidadania como forma de rápida integração para (alguns) estrangeiros, na Itália e na Europa do século XXI. Reflete-se aqui sobre a emergência de novas pautas que fogem da tradicional sistematização do campo baseada na estrutura de classes sociais e nos outros paradigmas da modernidade no jogo de identificação de um “agente político migrante”, na condição de indivíduo que promove fluxos culturais, mestiçagem e reformulação das categorias e das pautas políticas, acrescentando à base econômica das relações interétnicas a esfera cultural que transita junto a eles.

Um diplomata na Revolta da Armada: as impressões políticas e a atuação do Conde de Paço D’Arcos, de João Júlio Gomes dos Santos Júnior, traz análises de fontes diplomáticas objetivando compreender as impressões e a atuação de Carlos Eugênio Corrêa da Silva, o Conde de Paço D’Arcos, primeiro diplomata a representar Portugal no Brasil após a Proclamação da República. No transcorrer do período que ele ficou à frente da Legação portuguesa, entre 2 de junho de 1891 e 20 de novembro de 1893, ele acompanhou com atenção diversas disputas políticas. Dessa forma, a documentação produzida por esse diplomata é um excelente testemunho sobre o período de consolidação da República brasileira.

A seção Artigos inicia com a instigante discussão sobre a possibilidade de recriação da ideia de cidade, como projeto coletivo, a partir da experiência de Medellín, Colômbia, apresentada no artigo A cidade como projeto coletivo: impressões sobre a experiência de Medellín, de Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira. Segundo a autora estão em jogo nesse processo não só a obsessão por segurança, a angústia e o medo que assolam os moradores das cidades, como também a segregação, ausência de espaço público, esvaziamento da vida coletiva, sentido de passagem e não de permanência, não pertencimento que constituem o espaço das cidades, no presente.

Na sequência temos o artigo As religiões afro-brasileiras no mercado religioso e os ataques das igrejas neopentecostais, de Paulo Eduardo Angelin, que trata sobre a perda de adeptos do conjunto das religiões afro-brasileiras, bem como sobre os ataques sofridos pelo candomblé e umbanda, efetuados principalmente pelas igrejas neopentecostais.

Entre prédios envidraçados, uma cruz eslava: ucranianos, bens culturais e a cidade, de Paulo Augusto Tamanini, traz apontamentos sobre o local de estabelecimento dos imigrantes ortodoxos ucranianos na cidade de Curitiba, discute sobre as estratégias adotadas, no intuito de preservar os bens culturais étnicos, durante o processo de modificação do espaço trazido pela urbanização da Avenida Cândido Hartmann (que até 1978 se chamava Vila dos Ucraínos).

“O melhor para quem?” O Juizado de órfãos e o discurso de valorização e proteção aos menores de idade no início do século XX, de José Carlos da Silva Cardozo, analisa discursos produzidos sobre os menores, adoção e família nas primeiras décadas do século XX a partir da ação do Juizado Distrital da Vara de Órfãos de Porto Alegre. O autor traz aspectos interessantes sobre a opção por tutela das crianças ao invés de adoção, no período, o que talvez pudesse significar a não inclusão do tutelado na partilha de bens, pois só os menores adotados teriam todos os direitos legais de um filho biológico.

Tradição x inovação: Patrimônio cultural e memória através dos repertórios musicais do Carnaval do Zé Pereira em Florianópolis / SC, de Lisandra Barbosa Macedo, problematiza questões políticas e culturais envolvidas na patrimonialização de eventos, como o Carnaval Zé Pereira, que acontece há mais de cem anos nas imediações do bairro Ribeirão da Ilha, em Florianópolis / SC. Esse evento, nos últimos anos, tem sido destaque na programação dos eventos carnavalescos no estado, tanto na mídia quanto pelo aumento no número de participantes.

Na seção Entrevista os historiadores Emerson César de Campos, Luiz Felipe Falcão e Reinaldo Lindolfo Lohn abordam a temática Tempo presente brasileiro: cultura política, ditaduras e historiografia por meio do diálogo com Rodrigo Patto Sá Motta. A entrevista foi realizada por ocasião da palestra desse autor sobre o tema “História e memória nas ditaduras”, em fins de 2010, no Programa de Pós-Graduação em História da UDESC. A entrevista apresenta reflexões acerca de temas variados que perpassam a cultura política e suas implicações para a compreensão das especificidades da ditadura militar brasileira e suas congêneres no Cone Sul.

Fechando esse volume temos a resenha, feita por Jéferson Dantas, do livro HUNT, Tristram. Comunista de casaca: a vida revolucionária de Friedrich Engels. Traduzido por Dinah Azevedo – Rio de Janeiro: Record, 2010. O resenhista apresenta uma leitura de Hunt feita por setores da mídia impressa, a fim de apresentar a obra deste professor de História da Universidade de Londres e comentarista político nos jornais The Guardian, The Times e London Review Of Books.

Esperamos que todos apreciem a leitura!

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História e Testemunhos / Tempo e Argumento / 2010

A revista Tempo e Argumento, do Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), em seu terceiro número leva a cabo seu objetivo de promover a reflexão sobre a História do Tempo Presente, assim como de divulgar estudos de caráter nacional e internacional produzidos nesta área do conhecimento.

Este volume, além das seções Artigos, Resenhas e Fontes do Tempo Presente, apresenta o Dossiê “História e Testemunhos”. Os testemunhos, desde os primeiros interesses por investigações históricas voltadas ao chamado Tempo Presente, adquiriram grande importância por sua condição de fontes documentais, especialmente nas áreas da Política e da Cultura Política. Em função de debates provocados pelas narrativas históricas construídas a partir dessas fontes, pensadores de diferentes áreas das Ciências Humanas produziram reflexões de ordem epistemológica sobre as possibilidades de utilização dos testemunhos. Diferentes estudos como os de Paul Ricoeur1, Beatriz Sarlo2, Henry Rousso3 e Giorgio Agamben4 destacaram-se nesta perspectiva. Uma parcela significativa dos artigos que compõem o dossiê foi edificada tendo como pano de fundo reflexões epistemológicas.

Márcio Seligmann-Silva, no artigo “O local do testemunho”, lança “luzes” sobre o debate vigente no Brasil em relação aos testemunhos e à ditadura civil-militar de 1964-1985. O historiador Hernán Ramírez, por sua vez, analisa entrevistas de Ernesto Geisel e José Oscar de Mello Flôres, com vistas a desconstruir interpretações dos depoentes acerca da ditadura civil-militar brasileira do referido período. O historiador Jefferson José Queler também caminha, em seu artigo, no sentido do autor anterior, analisando testemunhos de Samuel Wainer e Carlos Lacerda sobre a chamada “Era Vargas”. A socióloga Valentina Isolda Salvi, tendo em vista a sociedade argentina, discute os problemas éticos e subjetivos enfrentados pelos pesquisadores no processo de utilização dos testemunhos dos repressores e dos torturadores nas Comissões de Verdade e Reconciliação. O historiador Roberto Mendes Ramos Pereira, através dos testemunhos, procura conhecer os sentidos que os fiéis atribuem às suas demandas diárias aos santos, na cidade de Montes Claros (MG), no período compreendido entre 1996 e 2004. Por fim, a historiadora Mariana Joffili analisa, sob a perspectiva das relações de gênero, testemunhos sobre as violações de Direitos Humanos que integraram os informes Nunca más / Nunca mais, levados a cabo na Argentina (1984), no Brasil (1985) e no Uruguai (1989).

A seção Artigos é composta por quatro textos. Os antropólogos sociais Judith McDonnell, Cileine de Lourenço e Rex Nielson, partir de narrativas de mulheres brasileiras que migraram para os Estados Unidos na década passada, discutem o conceito de saudade, a experiência de ser transnacional e o desejo de retornar ao Brasil. O historiador Reginaldo Benedito Dias apresenta uma análise das dificuldades encontradas pelos pesquisadores que utilizam a documentação relativa aos agrupamentos de esquerda que atuaram durante a ditadura civil-militar, vigente no Brasil entre 1964 e 1985. A educadora Maria Antonieta Campos Tourinho, em seu artigo “História e ficção: fronteiras e ensino de História”, apresenta uma reflexão sobre a aprendizagem na Educação Básica e questões de ordem epistemológica do campo historiográfico. As historiadoras Laurinda Rosa Maciel e Anna Beatriz de Sá, por sua vez, evidenciam as possibilidades de uso do acervo de depoimentos orais produzidos pelo projeto Memória da Poliomielite.

Pela primeira vez, a Revista Tempo e Argumento, na seção Fontes do Tempo Presente, apresenta um conjunto de fontes documentais visuais. Estas são provenientes do acervo da versão espanhola da revista Seleções do Reader’s Digest, entre 1950 e 1960. A historiadora Mônica Sol Glick, a partir de uma perspectiva transcultural, reflete sobre os impactos dessas informações na Espanha do período franquista.

A obra resenhada pelo historiador Fábio F. F. Souza, intitulada “O que resta de Auschwitz: o arquivo e o testemunho (Homo Sacer III)”, aborda questões epistemológicas, sobretudo as que se referem, nas fontes documentais, à noção de subjetividade dos testemunhos.

Notas

1 RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: UNICAMP, 2008.

2 SARLO, Beatriz. Tempo passado. Cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

3 ROUSSO, Henry. A história do Tempo Presente, vinte anos depois. In: PORTO JR., Gilberto (Org.) História do Tempo Presente. Bauru: EDUSC, 2007. p. 277-296.

4 AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e o testemunho (Homo Sacer III). São Paulo: Boitempo Editorial, 2008.

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Relações de Gênero / Tempo e Argumento / 2010

A revista Tempo e Argumento do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), em seu quarto número, reafirma seus objetivos de ser um canal de divulgação de estudos de caráter nacional e internacional na área da História do Tempo Presente. Este número da revista, agora indexada em bases de dados internacionais, também inaugura uma nova fase. Este processo é de suma importância para a divulgação da produção do conhecimento das Ciências Humanas, sobretudo a edificada no âmbito da pós-graduação brasileira e internacional.

Este volume, além das seções Artigos, Resenhas e Traduções, apresenta o dossiê “Relações de Gênero”. Os estudos de gênero produziram uma ampliação do conhecimento histórico, seja do ponto de vista epistemológico, seja das temáticas a serem investigadas e das fontes, conforme afirmaram as historiadoras Raquel Soihet e Joana Maria Pedro.1 No caso da História do Tempo Presente, observamos que os estudos de gênero, buscam promover com maior ênfase o debate sobre as desigualdades evocadas nos discursos de masculino e de feminino, bem como questionar as identificações e práticas construídas no plano individual e no coletivo. Esta abordagem norteia os artigos que compõem o dossiê, bem como os outros textos sobre a temática.

Temis Gomes Parente e Valcelir Borges da Silva, no artigo “Bilhetes do cárcere: elo entre espaços” efetuaram um estudo sobre o cotidiano vivenciado por apenados do sexo masculino em Palmas (TO), entre os anos de 2005 e 2006, tendo em vista as escritas de si.

A introdução de novas práticas para as mulheres pobres da cidade de Criciúma a partir do ideário maternalista, nas décadas de 1950 e 1960, é o tema do artigo de Ismael Gonçalves Alves, intitulado “Famílias operárias mineiras e relações de gênero: a construção do feminino através de cursos populares na região carbonífera catarinense (1950-1960)”.

Caroline Jacques Cubas, por sua vez, no artigo “Memórias de Formação: Sentidos e sensibilidades durante o início da vida religiosa na Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição (1960 – 1990)”, investiga os processos de socialização de mulheres em uma instituição religiosa católica, entre 1960 e 1990.

Rogério da Silva Martins da Costa, em seu artigo “Sociabilidades homoeróticas e relações identitárias: o caso do jornal O SNOB (Rio de Janeiro, década de 1960)”, a partir do jornal O Snob que circulou no Rio de Janeiro nos anos de 1960, analisou a formação redes de sociabilidades homoeróticas e a construção de identificações advindas deste processo.

Por fim, Hugo Augusto Vasconcelos de Medeiros, no artigo intitulado “Melindrosas e almofadinhas: relações de gênero no Recife dos anos 1920”, realiza uma análise dos discursos veiculados em jornais da cidade de Recife (PE), na década de 1920, sobre a figuras da melindrosa e dos almofadinhas.

Além dos artigos do dossiê, outros dois textos deste número apresentam reflexões sobre as Relações de Gênero e História do Tempo Presente. Carmen Silvia de Moraes Rial, Giovanna Maria Poeta Grazziotin, Juliana Bez Kroeger, Rochelle Cristina dos Santos e Cintia Lima Crascêncio discutem, na entrevista com o antropólogo Miguel Vale de Almeida, a emergência de estudos sobre as masculinidades neste campo de pesquisa e as suas implicações epistemológicas. O pesquisador ainda comenta, nesta entrevista, a relação existente entre este campo de estudo e o ativismo, bem como sobre os estudos pós-coloniais produzidos por investigadores portugueses e brasileiros.

A resenha da obra “História Oral, Feminismo e Política”, realizada por Marta Gouveia de Oliveira Rovai, debate a produção da História Oral e as suas interfaces com o discurso feminista.

A seção Artigos é composta por seis textos. Alan Patrick Marcus, no artigo intitulado “Back to Goiás and Minas Gerais: Returnees, Geographical Imaginations and its Discontents”, analisa as representações sociais dos migrantes brasileiros que retornaram ao país, na primeira década do século XXI, sobre seu cotidiano nos diferentes lugares. Ely Bergo de Carvalho, no artigo “No fundo da mata virgem: a complexidade de um elemento mítico no imaginário ocidental sobre a natureza”, apresenta uma reflexão sobre a idéia de “mata virgem” presente no imaginário Ocidental e as suas repercussões sobre as atualíssimas discussões a respeito de alterações ambientais e ecossistemas, discutindo relação natureza versus culturas. Rita Aparecida da Conceição Ribeiro, no artigo “Errância e exílio na soul music: do movimento Black-Rio nos anos 70 ao Quarteirão do Soul em Belo Horizonte, 2010”, analisa a gênese da Soul Music, na cidade de Belo Horizonte (MG), na década de 2000. Renata Figueiredo Moraes, no artigo “As relíquias literárias de Machado de Assis”, realiza um estudo sobre os problemas aventados por Machado de Assis na emergência da República no Brasil. Mirian Santos Ribeiro de Oliveira, no artigo “Refletindo sobre construção de identidades diaspóricas: estudo de caso sobre a “hinduidade”, discute os embates vigentes no processo de construção de identificações em relação a “hinduidade” nos movimentos populacionais transnacionais, nas últimas décadas do século XX. Rafael Pereira da Silva, no artigo “A autonomia aparente: educação popular, sindicalismo e política nos anos 1980 em Criciúma / SC”, analisa o processo de edificação do Centro de Estudos, Documentação e Informação Popular (CEDIP), da cidade de Criciúma / SC e sua relação com o Partido dos Trabalhadores e outras instituições presentes na região.

Na seção Traduções, apresentamos a entrevista do historiador alemão Reinhart Koselleck, intitulada “A História é uma Ficção?”, publicada na revista suíça NZZ Folio. A entrevista foi traduzida para o vernáculo por Maria Aparecida Barbosa e Antônio Celso Mafra Júnior.

O livro Foucault, sa pensée, sa personne, de autoria de Paul Veine, resenhado por Viviane Trindade Borges, aborda a trajetória de vida e intelectual de Michel Foucault, pensador de fundamental importância para a compreensão de fenômenos da História do Tempo Presente, cuja obra dialogou com os estudos de gênero.

Nota

1 SOIHET, Raquel; PEDRO, Joana Maria. A emergência da pesquisa da História das Mulheres e das Relações de Gênero. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 27, n. 54, p. 281-300, 2007.

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Diásporas / Tempo e Argumento / 2009

A revista Tempo e Argumento, do Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), chega a seu segundo número cumprindo o objetivo de promover a reflexão sobre a História do Tempo Presente, bem como divulgar os estudos de caráter nacional e internacional produzidos nesta área do conhecimento.

Entre os fenômenos sócio-culturais do Tempo Presente destacam-se os grandes movimentos populacionais ocorridos nas últimas décadas do século XX e no início do século XXI. Estas diásporas, como vêm sendo denominadas por pesquisadores das Ciências Humanas, as migrações nacionais ou transnacionais, caracterizam-se por um conjunto de processos articulados ainda pouco investigados pelos historiadores. Compreendem não só a perspectiva de obtenção de bens de consumo como motivação principal para a partida, mas avançam para processos como a fragmentação e / ou reconfiguração identitária, a expectativa do retorno, o permanente contato, através do telefone e da rede mundial de computadores, com os parentes e amigos, a formação de redes sociais em determinados campos laborais, o investimento de recursos financeiros adquiridos pelos migrantes nos seus países ou regiões de origem, sem deixar de mencionar um cotidiano, muitas vezes permeado de tensões e medos, em função da ausência de documentação.1 O Dossiê “Diásporas” pretende ser uma contribuição acadêmica aos estudos e debates que dizem respeito a este fenômeno mundial que percorre nosso tempo presente.

O referido dossiê é composto por cinco artigos escritos por historiadores / as e cientistas sociais. Luiz Fernando Beneduzi analisa as vivências de mulheres migrantes brasileiras e argentinas na Itália. A migração de comunidades de pescadores entre distintas regiões da Espanha é o tema do estudo de Esmeralda Broullón Acuña. Ana Maria Sosa González, por sua vez, apresenta uma reflexão sobre a “diáspora” uruguaia ocorrida nas três últimas décadas do século XX e seus desdobramentos para a sociedade daquele país. Sueli Siqueira, assim como Gláucia de Oliveira Assis e Emerson César de Campos discutem, a partir de diferentes perspectivas, os desafios enfrentados pelos migrantes que retornaram dos Estados Unidos, no início do século XXI, para o Brasil.

Na seção Artigos temos quatro investigações. Pablo Alejandro Pozzi apresenta uma reflexão sobre o perfil dos integrantes da organização clandestina argentina denominada, Partido Revolucionario de los Trabajadores-Ejército Revolucionario del Pueblo (PRT-ERP), entre 1968 e 1976. Francisco Alcides do Nascimento e Regianne Monte Lima, em seu estudo, abordam o processo de constituição da periferia da cidade de Teresina (PI), na década de 1970, a partir da chegada de migrantes. A interdição e criminalização da violência sexual contra crianças e jovens realizada pelo Poder Judiciário e a influência deste processo na formação da sociedade do município de Londrina (PR), entre 1930 e 1970 são analisados por Lucia Helena Oliveira Silva e Cristiano Gustavo Biazzo Simon. Por fim, Nilo Dias de Oliveira discute os meandros da atuação do Serviço Secreto da Delegacia de Ordem Política e Social de São Paulo (DOPS-SP), entre 1950 e 1961, sobre os integrantes das Forças Armadas brasileiras.

A obra resenhada pelo pesquisador Raphael Freitas Santos, intitulada “Diáspora Negra no Brasil”, aborda o legado cultural dos africanos oriundos da África Central para a sociedade brasileira.

Na seção Fontes do Tempo Presente temos uma reflexão elaborada pelo historiador Carlos Barros, acerca da experiência do grupo História a Debate, sobre a produção historiográfica da História Imediata. Este mesmo tema é abordado por Marlene de Fáveri e Felipe Côrte Real de Camargo, em uma entrevista, com as historiadoras argentinas Marina Franca e Florência Levin, as fundadoras da Red Interdisciplinaria de Estudios sobre Historia Reciente (RIEHR).

Nota

1. HALL, Stuart. Da Diáspora: Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG; Brasília: representação da UNESCO no Brasil, 2003.

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Tempo & Argumento | UDESC | 2009

Tempo e ARgumento3

A Revista Tempo & Argumento (Florinópolis, 2009-) é uma publicação do Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC.

Apresenta como objetivos estabelecer-se como canal de divulgação de estudos recentes e inovadores na área de concentração do Programa de Pós Graduação: História do Tempo Presente; estimular e desenvolver o intercâmbio entre pesquisadores e profissionais atuantes na área de História e/ou áreas afins; fomentar o intercâmbio de informações e experiências entre instituições nacionais e/ou estrangeiras; fomentar o debate de questões teórico-metodológicas referentes à História; divulgar publicações, comentários, entrevistas e documentos concernentes à pesquisa em História.

Periodicidade quadrimestral.

Acesso livre.

ISSN 2175-1803 (Online)

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História do Tempo Presente / Tempo e Argumento / 2009

A revista Tempo e Argumento, do Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado de Santa Catarina, contribuirá para o adensamento dos estudos e debates sobre o Tempo Presente, como foco da historiografia. Se retomam algumas atitudes da historiografia clássica, que se voltava para o relato das experiências vividas pelos próprios autores, os historiadores do Tempo Presente o fazem, contudo, de modo inteiramente novo. Isso se dá porque as temporalidades do que chamamos de presente possuem outras características e pressupõem apropriações socioculturais marcadas por processos e eventos que alteraram os modos de vida de enormes contingentes populacionais, afetados pelo impacto das tecnologias criadas a partir da industrialização e das sucessivas ondas de modernização que refazem cotidianos, experiências e valores.

O tempo presente, como tempo histórico, diz respeito tanto a experiências quanto a expectativas, o que entrelaça passado e futuro. A experiência remete ao passado, a expectativa remete ao futuro. Ambos, passado e futuro, fazem parte do presente, mas de modos diferentes e tensos. Para Reinhart Koselleck, na era moderna “a diferença entre experiência e expectativa aumenta progressivamente, ou seja, só se pode conceber a modernidade como um tempo novo a partir do momento em que as expectativas passam a distanciar-se cada vez mais das experiências feitas até então”. A assimetria entre experiência e expectativa permitiu a instauração de um novo horizonte: o progresso e a crença de que “o futuro será diferente do passado, vale dizer, melhor”. 1

O presente alargou-se: antes, um pequeno lapso, um instante, entre um passado deixado para trás e distinto de um futuro a ser construído, passou a ser experimentado como um “extenso presente”. A História do Tempo Presente, a partir dessa acepção, pode ser entendida como História das intensas mutações culturais que presidem as novas acepções do “tempo histórico”. 2

As guerras totais, a velocidade dos movimentos populacionais em grande escala, a urbanização, a restrição aos modos de vida chamados tradicionais, a defesa de direitos humanos considerados universais e, em especial, a reinvenção de cotidianos pela inserção na vida privada de novas sociabilidades e identificações, fazem com que se renovem sobremaneira os objetos de interesse dos historiadores. O tempo presente apresenta-se, então, sob a forma de práticas, linguagens e discursos que traduzem processos políticos relativos ao âmbito não apenas do Estado, mas das sensibilidades, as quais demandas análises históricas que lhes atribuam densidade, para além do senso comum.

Nesta edição de estréia, a revista Tempo e Argumento, apresenta o dossiê História do Tempo Presente. Este é composto por cinco artigos, escritos por François Dosse, Paulo Kauss, Enrique Serra Padrós, Maria Antonieta Antonacci e Yonissa Marmitt Wadi acerca dos complexos processos de edificação de memórias no campo do político, de imagens do urbano, bem como de discursos historiográficos e institucionais. Na seção de Artigos temos quatro estudos onde temáticas relativas à sociedade brasileira estão em foco: Carla Simone Rodeguero discute a anistia política entre 1974 e 1979; Sonia Menezes a relação entre mídia e a memória; Manoel Dourados Bastos a modernização musical de Mario de Andrade; e Paulo Rogério Melo de Oliveira o turismo histórico. O livro, resenhado por Tiago Losso, aborda a construção do conceito de América Latina pelos norte-americanos. Na seção de Traduções temos o artigo do historiador francês Paul-André Rosental, acerca da historiografia relativa a história das populações, publicado na Revista Annales. Por fim, na seção Fontes para o Tempo Presente temos uma entrevista realizada por Silvia Maria Fávero Arend e Fabio Macedo com o historiador francês Henry Rousso, que dirigiu o Institut d’Histoire du Temp Present (IHTP) entre 1995 e 2004 e uma conferência do historiador espanhol Manuel Peres Ledesma sobre a (des) construção da memória do Franquismo.

Notas

1 KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC-Rio, 2006. p. 305-327.

2 GUMBRECHT, Hans Ulrich. Modernização dos sentidos. São Paulo: Editora 34, 1998. p. 23-27.

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