Historia de la civilización ibérica – MARTINS (LH)

MARTINS, J. P. Oliveira. Historia de la civilización ibérica. Con un estudio preliminar de Sérgio Campos Matos. Pamplona: Urgoiti Editores, 2009. Resenha de: MAURÍCIO, Carlos. Ler História, n.60, p.193-195, 2011.

1A História da Civilização Ibérica de Oliveira Martins acaba de ser publicada pela sétima vez no país vizinho. Após seis edições pela mão de editoras madrilenas, coube agora a vez a uma casa editorial de Navarra. Esta sétima edição, que reproduz, com algumas correcções e acrescentos, a tradução pioneira de Luciano de Taxonera (1894), caucionada pelo próprio Martins, traz ainda um detalhado estudo introdutório da autoria de Sérgio Campos Matos. Após uma breve introdução ao historiador, destinada ao público de língua castelhana, S.C.M. descreve as relações de Oliveira Martins com Espanha e com o mundo intelectual do país vizinho, o contexto cultural em que foi escrita a História da Civilização Ibérica e os combates em que se inseriu, a recepção da obra em Espanha e o historial das suas traduções e edições no mundo hispânico.

2 É sobre alguns aspectos deste estudo que a presente recensão se debruça. Oliveira Martins terá sido o intelectual português, do seu tempo, que melhor conheceu Espanha e as culturas hispânicas. A História da Civilização Ibérica (originalmente publicada em 1879) foi a primeira – e até agora a única – tentativa de história integrada da Península Ibérica. Facto que não passou despercebido a diversos autores espanhóis. Salvador de Madariaga, na primeira edição da obra em língua inglesa (em 1930), sublinhava o facto de a primeira perspectiva ibérica sobre a história da Península ter sido escrita por um português. E já em 1886, Menéndez Pelayo comentava a propósito do livro: «es hasta ahora lo más ibérico que ha salido de pluma alguna española ni de allá ni de acá». A recepção favorável da História da Civilização Ibérica em Espanha, escreve S.C.M., deveu muito à utilização que dela foi feita no combate político e cultural contra o incipiente nacionalismo catalão. Em meados do século passado, esta recepção estendeu-se a vários países da América Latina, como o atestam duas edições na Argentina, uma no Peru e outra no México. Eu acrescentaria ainda que, para a cultura e a política portuguesas, o iberismo foi quase sempre um «fantasma de serviço», muito útil como arma de arremesso (Basta lembrar o alarmismo provocado ainda há poucos anos pelas considerações de Saramago). Já para a Espanha, o receio de uma absorção pelo pequeno Portugal nunca fez qualquer sentido. Daí não ser de espantar o sucesso editorial desta obra do outro lado da fronteira, a contrastar com as traduções para castelhano da restante bibliografia martiniana: Navegaciones y descubrimientos de los portugueses anteriores al viaje de Colón (Madrid, 1892) e Los hijos de Don Juan I (Buenos Aires, 1946).

3 É verdade que, da parte dos autores espanhóis, as críticas não deixaram também de se ouvir. A mais eloquente terá sido talvez a de Sánchez Moguel, que acarinhou, com Oliveira Martins, o projecto de uma Liga Ibérica. Entre os objectivos desta iniciativa estava a produção de uma historiografia peninsular capaz de transcender as dimensões regionais. Ora, após o início da publicação das monografias relativas à Casa de Avis, Moguel pôs em dúvida a sinceridade da hispanofilia ostentada por Martins na obra de 1879. No entender deste crítico, as monografias de 1891 e 1893, onde aflorava um «particularismo regional», vinham contradizer as grandes linhas que presidiam à História da Civilização Ibérica. Esta contradição também não escapou a diversos autores portugueses contemporâneos do historiador, embora lhe dessem, geralmente, uma interpretação diversa: depois de uma fase demolidora, plasmada na trilogia da História da Civilização Ibérica (1979), História de Portugal (1979) e Portugal Contemporâneo (1881), Martins passara a uma fase de reconciliação com o passado pátrio.

4 O iberismo de Oliveira Martins é naturalmente um dos temas centrais deste estudo preliminar. O iberismo da História da Civilização Ibérica não é de natureza política, sublinha S.C.M., mas eminentemente cultural. No final dos anos 80, Martins advogava uma cooperação entre os dois Estados visando um melhor conhecimento recíproco das respectivas histórias e culturas bem como eventuais alianças diplomáticas. Sob o influxo do Ultimatum, o escritor consideraria mesmo desejável a extensão desta aliança às antigas colónias peninsulares na América Latina com o fim de contrariar a asfixiante hegemonia britânica no mundo. O significado do iberismo martiniano foi um tópico bastante controverso até aos anos 40, em Portugal, e continua sendo debatido hoje. É certo que, até 1870, Martins fez a apologia da reorganização federativa do estado português num quadro republicano e peninsular. Depois, sob o influxo do pensamento proudhoniano, entrosou o seu iberismo republicano com o socialismo mutualista (1872/73). Depressa se desiludiu porém com o ideário federal e a ideologia republicana, distanciando-se também do seu mestre Proudhon. Em poucos anos, evoluiu para uma concepção organicista da sociedade, onde o Estado adquiria uma posição predominante e a questão do regime deixava de ter importância. Em 1885 cortou os últimos laços com os políticos anti-sistémicos e encetou uma carreira política na monarquia. Em 1892 ascendeu a Ministro da Fazenda e incitou o jovem rei D. Carlos a prosseguir na via de um cesarismo democrático. Até ao fim dos seus dias Martins continuou a intitular-se socialista, tendo-se aproximado dos princípios do socialismo catedrático. Ao contrário do Príncipe de Salina, em Oliveira Martins foi necessário que alguma coisa permanecesse para que tudo o mais mudasse. E o que permaneceu foi essa hispanofilia dos vinte e poucos anos de idade e uma postura anti-liberal estribada na percepção/construção socialista do dilema liberdade-igualdade.

5 O iberismo vertido na História da Civilização Ibérica tinha porém outras dimensões, como nota S.C.M.. Era uma resposta – ibérica – à lenda negra que fora sendo gerada nas nações protestantes do Norte da Europa e que retratava as sociedades peninsulares como atrasadas, onde imperava o medo, a superstição e um mau uso das riquezas ultramarinas. Ao utilitarismo e ao materialismo dos anglo-saxónicos – um dos seus ódios de estimação – Martins contrapunha o génio peninsular, feito de idealismo e acção. Quando esse utilitarismo entrasse em declínio, aos povos peninsulares estaria destinado iluminar espiritualmente o mundo. Uma questão que mereceria alguma reflexão é a seguinte: dispondo de modelos consagrados de histórias da civilização francesa (Guizot, 1832) ou espanhola (Tapia, 1840), Martins entendeu escrever uma história da civilização ibérica, mas não uma história da civilização portuguesa. À história nacional dedicou a História de Portugal (1879) e o Portugal Contemporâneo 1881), é certo, mas os contrastes entre a História da Civilização Ibérica e a narração do caso português têm merecido a atenção de múltiplos estudiosos. S.C.M. vê nesta dicotomia a maneira de o historiador harmonizar uma abordagem das dimensões institucionais, sociais e de mentalidades de uma sociedade com uma abordagem, mais narrativa, dos seus sucessos políticos. Pela minha parte, a dicotomia entre a perspectiva idealista, com tonalidades messiânicas, patente na História da Civilização Ibérica e a perspectiva iconoclasta e pessimista com que as outras duas obras estão escritas foi a solução encontrada por Martins para lidar com uma tensão, muito estrutural no seu pensamento, entre o plano do ideal e a execução real. A regeneração da Península parecia-lhe sorrir num futuro algo distante, mas só muito esporadicamente reconhecia aos portugueses a capacidade de se auto-regenerar. Martins foi toda a sua vida um pregador de penitência, tão mais convicto da sua missão quanto mais sabia que um paraíso de bonança era possível – se bem que muito difícil – de alcançar. É também por esta contradição tão íntima que continuamos hoje a (re)lê-lo.

Carlos Maurício – CEHC – Instituto Universitário de Lisboa

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