História e imprensa / Antíteses / 2017

A chamada inicial para esse dossiê temático teve por objetivo reunir artigos sobre História e Imprensa em distintas perspectivas de historiadores e estudiosos do Impresso e sua importância na construção de abordagens propostas pela historiografia contemporânea. Durante muito tempo a imprensa foi vista pelos historiadores apenas como fonte de informações. As transformações historiográficas contemporâneas têm, contudo, promovido a abordagem da Imprensa como fonte e objeto da pesquisa histórica. Como vários teóricos já observaram a imprensa cria fatos, interfere e produz realidades dotando o presente de sentidos diversos. Assim buscou-se selecionar textos de autores que contivessem a pluralidade das abordagens historiográficas do tempo presente acerca das relações entre História e Imprensa, envolvendo periódicos, revistas, projetos editoriais, formas de edição, toda uma gama de temas que ajudam a compor um universo de

Os textos que integram esse número da revista apontam para novos horizontes alcançados dentro da historiografia brasileira sobre o estudo dos impressos, com um universo temático bastante rico e multifacetado e que refletem o amadurecimento dos estudos do tema. Também indicam recortes temáticos e de periodização que contemplam os séculos XIX, XX e buscam iluminar novas perspectivas sobre História e Imprensa, suas interseções e margens. Isto significa novos olhares e reflexões sobre o tema, superando tradicionais interpretações e apontando novas direções de maneira multifacetada, inter-relacional e dinâmica. Nas últimas décadas, aliás, as tendências historiográficas têm questionado as explicações generalizantes e reducionistas. Hoje em dia, as pesquisas sobre História e Imprensa, e sobre os Impressos em geral, guardam uma riqueza ampla que está presente nos quatorze textos selecionados para compor esse dossiê

Seguindo a linha editorial da Revista Antíteses , os conteúdos dos artigos voltam-se para a questão da recepção dos impressos, nos mais diferentes registros que circularam na sociedade brasileira, considerando tais escritos não só enquanto instrumentos de poder – poder político, poder das elites, poder daqueles que detinham o privilégio do saber e da escrita – como também espaços de lutas, polêmicas, formas de consagração, debates, análises e vitrine para os autores inseridos nessas diversas conjunturas históricas.

O conjunto de textos pretende, assim, trazer à luz investigações, cujas abordagens teórico-metodológica encontram-se nas fronteiras da história dos periódicos, dos livros, do teatro, da música nas lutas e dos movimentos sociais e políticos registrados através dos impressos, tal como preconizam a historiografia francesa e anglo-saxônica, mas combinando com enfoques da nova história política e da história cultural.

O artigo de Aristeu Elisandro Machado Lopes analisa as ilustrações de três periódicos: A Vida Fluminense, O Mosquito e Semana Illustrada e o ambiente positivo criado pelos republicanos brasileiros para celebrar a República Espanhola. As notícias veiculadas e a iconografia utilizada pelos periódicos assinalavam para os leitores a mudança de regime político na Espanha e as festividades envolvidas com viés de humor e irreverência que caracterizava os jornais de ilustrações do período.

Silvia Cristina Martins de Souza nos insere no universo da cultura teatral do século XIX através dos diálogos estabelecidos entre os títulos de peças teatrais publicadas que se respondiam ou se parodiavam. Tais práticas criaram uma espécie de “sistema telefônico” baseado numa relação estreita entre palavra, intérprete, produtor e receptor, indo ao encontro das expectativas e interesses das plateias cada vez mais heterogêneas que assistiam às representações teatrais.

Camila Bueno Grejo tem como enfoque um periódico, a Revista de Derecho, Historia y Letras, fundada e dirigida por Estanislao Zeballos e na sua análise destaca a importância desse intelectual e de sua Revista, especialmente em relação à construção de uma identidade internacional argentina.

As pesquisas de Paulo Rodrigo Andrade Haiduke o levaram a abordar as relações que se estabeleceram entre literatura, imprensa e mercado editorial na França da Terceira República, mais especificamente em Paris nas décadas de 1910 e 1920. A ênfase do artigo está no papel do novo intermediário cultural que se configurou então através da imprensa e do mercado livresco, e que marcou de maneira fundamental a história do modernismo literário, enfocando Proust e o projeto editorial que o consagrou.

Leandro Antonio Guirro, aborda as relações conflituosas entre Portugal e Moçambique colonial e as narrativas presentes em alguns periódicos que fizeram do colonialismo o centro de discussões entre várias narrativas, em dupla perspectiva, isto é na imprensa portuguesa e moçambicana e levantaram a problemática da tradição imperialista portuguesa para seus leitores.

Nas polêmicas político-partidárias presentes na imprensa brasileira do século XX, Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos analisa um episódio, conhecido como carta Brandi, cuja polêmica se iniciou dias antes das eleições presidenciais de 1955. A principal fonte histórica do trabalho é o diário carioca Tribuna da Imprensa, de propriedade de Carlos Lacerda, então deputado federal pela UDN (União Democrática Nacional) e destaca sua atuação nos calorosos debates desse momento político convulsionado, marcado pelo forte imaginário antiperonista.

Ivania Skura, Cristina Satiê de Oliveira Pátaro e Frank Antonio Mezzomo dividem a autoria de um artigo que trata do jornal Folha do Norte do Paraná como fonte e objeto de pesquisa, analisando as representações de beleza de mulher presentes no periódico entre os anos de 1962 a 1964. Fundado pela Igreja Católica da diocese de Maringá / PR, o destaque pretendido é centrado nas perspectivas de um jornal regional e das representações socioculturais históricas da mulher na sociedade norte paranaense.

Marcelo Garson analisou, no período entre 1960 e 1965, como a imprensa foi fundamental para dar corpo e substância à ideia de música jovem no Brasil. As fontes que destaca para sua abordagem são A Revista do Rádio – em especial a sessão O mundo é dos Brotos, de Carlos Imperial – e também publicações especializadas, como A Revista do Rock, que segundo o autor ajudaram a definir os códigos sonoros, visuais e morais que nortearam um novo nicho profissional de música popular brasileira.

A personalidade de Adalgisa Nery e o papel polêmico de sua coluna no jornal Ultima Hora são apresentados por Isabela Candeloro Campoi em artigo que busca discutir a polarização política refletida na imprensa brasileira às vésperas do golpe civil-militar de 1964, a partir da análise dos artigos da coluna “Retrato sem retoque” assinada pela jornalista e escritora que lhe deram projeção no mundo político brasileiro.

Elisangela Silva Machieski e Silvia Maria Fávero Arend optam por enfocar a imprensa regional e o discurso presente nas reportagens do jornal Tribuna Criciumense, da cidade de Criciúma (SC), acerca da infância pobre na década de 1970, quando o chamado ciclo da marginalização do menor, enunciado pelas autoridades da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), ganhou as páginas dos periódicos brasileiros. As crianças, adolescentes e jovens pobres foram noticiadas no jornal Tribuna Criciumense, sobretudo, sob três enfoques jurídicos: menores abandonados, menores delinquentes e menores trabalhadores.

Alvaro de Oliveira Senra e Flávio Anício Andrade tem como fonte o Jornal da Baixada, publicado nos anos de 1979 e 1980, e discutem a emergência da luta por melhores condições de vida na periferia da cidade do Rio de Janeiro, no contexto de reaparecimento na cena política de movimentos sociais que reivindicavam o usufruto ao direito e à cidadania em suas variadas formas. Outro ponto de destaque desse texto é usar como fonte privilegiada um órgão da então chamada “imprensa alternativa” politicamente identificado com as lutas por direitos, nos anos finais do governo militar instalado em 1964.

O objetivo do artigo de Everton de Oliveira Moraes é compreender os modos de historicidade presentes no suplemento Anexo, caderno de cultura e artes publicado no jornal Diário do Paraná no final da década de 1970, com a intenção de ser um espaço gráfico de experimentação artística, uma tentativa de fazer arte no jornal.

O artigo de Fabiano Coelho analisa as representações do MST quanto à figura do presidente Fernando Collor de Mello, no Jornal Sem Terra, no período em que esse ocupou a presidência da República (1990-1992). O recorte escolhido centra-se nos editoriais do periódico, por serem espaços exclusivos da Direção Nacional, que dessa forma o utiliza para falar em nome do Movimento. A ideia de representação, a partir das contribuições do historiador Roger Chartier, foi significativa para as reflexões do artigo. Ao longo do texto, destaca que Collor foi representado como inimigo dos trabalhadores e da reforma agrária, assim como a figura de um presidente autoritário.

Por fim, Carla Luciana Souza da Silva procura problematizar algumas questões sobre as dificuldades encontradas pelos historiadores no uso da imprensa como fonte, destacando especificamente, as concepções de verdade e mentira veiculadas pela mídia. Essas noções criam imensas dificuldades para a leitura do texto midiático, já que as mentiras possuem um lugar social e político e misturam fatos e narrativas com nítidas intenções ideológicas.

Para a escolha de todos esses textos contamos com a participação de um número significativo de pareceristas, aos quais queremos agradecer pela disponibilidade e cuidado ao analisar e apontar aqueles que melhor se adequavam ao dossiê. Nós, os editores, temos a satisfação de apresentar um conjunto de textos que refletem a riqueza de narrativas e das pesquisas desenvolvidas no Brasil por estudiosos de História e Imprensa e História do Impresso tal como preconizam as mais recentes correntes historiográficas.

Tania Maria Bessone da Cruz Ferreira – UERJ

José Miguel Arias Neto – UEL

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