Imprensa, cultura e circulação de ideias / Estudos Ibero-Americanos / 2020

Este dossiê foi proposto, tendo por norte os objetivos do grupo de pesquisa inscrito no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq): Imprensa e circulação de ideias o papel dos periódicos nos séculos XIX e XX que reúne cerca de 90 pesquisadores nacionais e estrangeiros, distribuídos em várias linhas de estudos, para pensar a imprensa impressa periódica de grande circulação em suas conexões nacionais e internacionais. Proposto pela linha de pesquisa O Brasil e as Américas, o dossiê aqui apresentado reúne artigos que ultrapassam os limites desta última, apresentando temas que envolvem não só a imprensa ibero-americana, mas também aspectos mais gerais do fazer jornal e do fazer jornalismo.

Demos aos artigos selecionados uma organização cronológica, mas que acaba por atender também a uma divisão temática. O artigo de Karen Racine transporta a questão para a década de 1820, em Birghman, na Inglaterra, a nação mais poderosa do mundo e berço da imprensa periódica. Em um contexto tanto de expansão da imprensa como de novas experiências pedagógicas, jovens estudantes, filhos da elite de uma América hispânica revolucionada foram enviados para o estrangeiro, a fim de estudar numa escola progressiva chamada Hazelwood onde produziram um curioso jornal, o Hazelwood Magazine, que alinhado com os objetivos cívicos e pedagógicos da escola, pretendia formar os cidadãos de bom caráter dentro da lógica revolucionária liberal. Do outro lado do mundo, no Brasil, o embate que se verificava entre as elites de um Maranhão ainda divido entre a adesão à independência brasileira e a fidelidade a Portugal, aparece nas páginas do jornal longevo – para os padrões do tempo –, o Conciliador do Maranhão. Exemplo que demonstra como as notícias e o debate constitucional tiveram uma circulação transatlântica que incluía os pontos mais distantes desse imenso país, como o demonstra o artigo de Marcelo Cheche. Na corte do Rio de Janeiro, uma imprensa incipiente, mas de grande atividade agitaria a cena da independência. Um dos personagens de maior destaque foi João Soares Lisboa, redator do Correio do Rio de Janeiro que liderou o movimento pela convocação de uma constituinte brasileira, a partir de um abaixo-assinado apresentado a d. Pedro. Soares Lisboa foi um difusor da cultura política das luzes e, em seu artigo, Paula Caricchio apresenta e discute a forma como as ideias de Civique Gastine foram difundidas no Brasil através as páginas do Correio do Rio de Janeiro.

Dentro do mesmo recorte temporal, século XIX, reunimos os artigos que contemplam o papel da evolução das técnicas de impressão e da especialização das atividades jornalísticas que sucederam aos embates travados na imprensa do Primeiro Reinado. O uso da litografia pela imprensa periódica possibilitou o surgimento e a popularização das revistas ilustradas dando vez a um elenco de caricaturistas e ilustradores especialmente estrangeiros, que tornariam bem mais animada a cena impressa brasileira. Um dos que aqui aportou, em 1875, foi Rafael Bordalo Pinheiro, maior nome da caricatura portuguesa do XIX. Rosangela de Jesus analisa as dificuldades de adaptação de Bordalo Pinheiro em um ambiente já consolidado em que outros artistas já tinham conquistado renome. Com a multiplicação de jornais e revistas ao longo do século XIX, os empregos nas tipografias para profissionais do ramo também se multiplicaram. Exercendo uma profissão que requeria o bom conhecimento da língua, os tipógrafos foram uma das primeiras categorias a se organizar e a publicar seus próprios jornais. Tania de Luca analisa esse processo a partir do estudo de uma das publicações do gênero, a Revista Tipográfica, que circulou no Rio de Janeiro entre 1888 e 1890, revelando a forma como os tipógrafos viam a profissão e como avaliavam o avanço da arte tipográfica no Brasil. O progresso da imprensa no dezenove também levou a uma especialização setorial com destaque para a imprensa esportiva uma das que primeiro se firmou. Sendo o famoso esporte bretão o que viria a se tornar o mais popular no Brasil, Victor Melo apresenta as adaptações que o futebol sofreu, comparando as informações que a imprensa fluminense fornecia sobre a prática daquele esporte na Inglaterra, na França e na Argentina. Em 1898, a realização, em Lisboa, do Congresso Internacional da Imprensa, como nos revela Adelaide Machado, seria um fator de reconhecimento da grande transformação que a imprensa sofrera ao longo do século XIX: o jornalismo tinha se firmado como profissão independente; fora criado um estilo jornalístico de escrita e a própria imprensa se convertera um negócio altamente lucrativo dando origem às grandes empresa jornalísticas.

A segunda parte de nosso dossiê se ocupa do século XX e se divide entre quatro artigos. Os dois primeiros voltados para o tema da imigração em dois contextos bem diferentes. A política de imigração europeia iniciada por d. Pedro II teve grande impulso no final do século XIX. O artigo de Rosane Marcia Neuman nos apresenta curiosa publicação aparecida em Leipzig, na Alemanha, em 1902 e 1903. Era assinada pelo dono de uma empresa de colonização, Hermann Meyer, com o objetivo de fazer propaganda das vantagens de imigrar para o Brasil. Em sua publicação, Meyer reproduz artigos e cartas de e / imigrantes alemães, membros da colônia criada por ele, entre os municípios de Cruz Alta e Palmeira, no Rio Grande do Sul. Uma outra imigração, bem diversa foi a que, depois da Segunda Guerra Mundial, deu origem a uma colônia formada por certa de 2500 pessoas que se estabeleceram no município de Guarapuava, no Paraná, no hoje distrito de Entre Rios. Esse distrito foi fundado, entre março de 1951 e janeiro de 1952, justamente para acolher aqueles imigrantes. Os membros dessa colônia se identificam coletivamente como suábios do Danúbio e eram oriundos de áreas da antiga Iugoslávia, Hungria e Romênia. Marcos Nestor Stein em seu artigo, apresenta e analisa as narrativas desses imigrantes publicadas em 1991 e 1992 no Jornal de Entre Rios em comemoração aos 40 anos de fundação daquele distrito.

O uso da imprensa para a desconstrução de imagem de um político é contemplado com dois artigos que falam sobre Getúlio Vargas em dois períodos momentos distintos. George Seabra escreve sobre o jornal Anhanguera, principal veículo de divulgação do ideário do movimento bandeirante que se apropriava de representações literária dos bandeirantes paulistas com finalidades políticas. O autor apresenta o perfil de alguns de seus membros, analisa a forma como divulgam seu ideário e mostra como o jornal foi recebido por militares e civis. Destaca ainda o papel de Anhanguera na construção da imagem negativa de Getúlio Vargas, em contraste com a do candidato paulista à Presidência da República, Armando de Salles Oliveira, nas eleições de 1937, abortadas pelo golpe do Estado Novo. Outro Getúlio Vargas, eleito presidente em 1951 e já transformado pela história, será o alvo dos ataques do jornal Correio da Manhã. Luiz Carlos dos Passos Martins, mostra em seu artigo como aquele jornal fundando no final do século XIX, seria uma das trincheiras de combate a Vargas e ao próprio regime democrático.

Finalmente, mas não menos importante, é a contribuição que nos traz de Cuba Yaneidys Arencibia Coloma, que nos revela um pouco do que era a imprensa que se fazia na ilha, antes da revolução de Fidel. A autora nos apresenta a Jorge Manach, jornalista, editor e intelectual de grande influência no seu país, destacando o caráter de ensaística cultural que caracterizava seus escritos, seus vínculos com vários projetos editoriais e sua ação decisiva no sentido de que fosse criada a Universidad del Aire. Esse artigo nos ajuda a conhecer o gradual processo de autonomia e de legitimação do pensamento cultural cubano, além de contribuir para nos mostrar formas específicas de sociabilidade intelectual, originadas pela atuação de Manach em seu tempo.

Temos o privilégio de encerrar esse número com uma entrevista com Celia Del Palácio Montiel, importante pesquisadora da história da imprensa mexicana, fundadora da Red de Historiadores de la Prensa en Iberoamérica (1999) e, desde 2018, coordenadora do Grupo Temático Historia de la Comunicación, da Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (ALAIC) e autora de inúmeras publicações. Nesta entrevista, Célia del Palácio reafirma a importância da imprensa como campo estratégico fundamental para a história e demonstra como esse campo de estudos vem se consolidando na América Latina. A historiadora também destaca o papel dos estudiosos da imprensa no atual contexto mundial: “A los estudiosos de los medios toca analizar a profundidad lo que ocurre, desde la academia, denunciar los ataques a la libertad de expresión y presentar la evidencia en los foros más allá del reducido espacio académico” [3]. Esperamos que este Dossiê seja uma contribuição à essa tarefa.

Notas

3. PALÁCIO, Célia Del. Depoimento de Célia Del Palácio. Destinatários: Marlise Regina Meyrer e Helder V. Gordim da Silveira. [S. l.], 7 abr. 2020. 1 mensagem eletrônica.

Isabel Lustosa – Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro, RJ. orcid.org / 0000-0003-2456-6925 E-mail: [email protected]

Marlise Regina Meyrer – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs). orcid.org / 0000-0002-6446-7799 E-mail: [email protected]


LUSTOSA, Isabel; MEYRER, Marlise Regina. Apresentação. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v. 46, n. 2, maio / ago., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Dossiê: Imprensa, partidos e eleições no Oitocentos  / Ágora / 2020

Ágora da imprensa: a experiência do oitocentos em revista

A década de 2020 iniciou-se com o impensável, até inícios do século XXI, questionamento da imprensa. Pode-se dizer que tudo se começou com a revolução tecnológica que tirou da imprensa jornalística a primazia da informação, disputada agora por blogs, plataformas, transmissão on-line, entre outras inovações. Em princípio, a novidade foi festejada em todo o mundo, dando ensejo a movimentos populares conhecidos como a primavera árabe e as agitações no Brasil de 2013.

Após dez anos de canais informais de notícias, emergiu o grande fantasma intitulado Fake News. Nomeado por Donald Trump, justamente o líder mais retrógrado com potencial global, reconheceram-se os danos à política que a máquina do Fake News pode proporcionar. A discussão tornou-se acalorada e colocou em novo patamar as antigas empresas jornalísticas com seus protocolos de ética a serem cumpridos sob pena de sofrerem sanções judiciais. Não se esqueceu, porém, a crítica sobre os interesses corporativos que, muitas vezes, dominam as empresas oficiais de imprensa. Não se desconsidera o poder de divulgação de notícias omitidas pela grande imprensa pelos canais informais. No entanto, enfrenta-se atualmente o desafio de produzir com a nova tecnologia informações confiáveis, éticas e fidedignas.

A imprensa merece toda atenção dos estudiosos, dado o lugar que ocupa no mundo contemporâneo. E este periódico não podia se omitir diante do assunto. Como ensina Marc Bloch, a história não é ciência retroativa, mas é sempre o passado lido com preocupações do presente. Daí a decisão de organizar um dossiê que remetesse ao século XIX, quando a imprensa era declaradamente partidária e claramente abrigava grupos de interesse. A solução do século XX em tornar a imprensa um empreendimento capitalista, como bem definiu Habermas, alterou completamente os procedimentos jornalísticos. Não nos propomos a avaliar as mudanças, mas apenas apontar as diferenças.

Nesse sentido, o dossiê temático elaborado para esta edição, intitulado Imprensa, partidos e eleições no Oitocentos, teve como proposta apresentar a dinâmica política do século XIX a partir de diferentes abordagens, evidenciando, por exemplo, a atuação de grupos políticos, as transformações na cultura política, o uso da imprensa como veículo de ideias, assim como o funcionamento do sistema representativo. O dossiê reúne textos de pesquisadores que se dedicam a analisar a política do Oitocentos por meio de investigações que vão além do viés institucional, apontando para novas reflexões teóricas que buscam as múltiplas dimensões circunscritas no campo político e da imprensa deste período.

É importante afirmar que dentre os elementos que se destacam no conjunto de textos apresentados, percebe-se a pluralidade de fontes utilizadas e suas distintas análises metodológicas para a compreensão do contexto oitocentista. Além disso, os estudos inseridos neste dossiê dedicados ao contexto político do Brasil oitocentista evidenciam desde as discussões e agitações políticas da Corte, até aquelas ocorridas em províncias e municípios.

No artigo de abertura deste dossiê, Marcela Ternavasio nos apresenta o estudo denominado Pluralidad ciudadana y unidad del cuerpo político: desafíos y dilemas de la soberanía popular en el Río de la Plata en la primera mitad del siglo XIX. Utilizando a imprensa da época, a autora discute os elementos que permearam a composição da dinâmica política do Rio da Prata na primeira metade do Oitocentos. A reflexão proposta tem o objetivo de recriar os ambientes de discussão política no Oitocentos e os debates acerca da representação eleitoral, a divisão de poderes e a busca por cidadania.

Com a escala de análise agora centrada no Brasil oitocentista, o artigo de Arthur Ferreira Reis, intitulado A imprensa pernambucana no processo de independência (1821- 1824), busca identificar a circulação de ideias políticas ligadas ao processo de independência por meio de jornais produzidos em Pernambuco. Já com o intuito de compreender as reformulações em torno das esferas municipais e provinciais, além do novo arranjo monárquico-constitucional, o artigo Entre a autoridade do monarca e o lugar do poder local: rupturas e continuidades na Assembleia Constituinte de 1823, escrito por Glauber Miranda Florindo, destaca as rupturas e continuidades na Assembleia Constituinte de 1823.

Momento de conturbações políticas e discussões de diferentes projetos de nação, o período regencial também se tornou objeto de análise de alguns textos contidos neste dossiê. O artigo de Kátia Santana, Ajuntamentos e política na Corte regencial (1831– 1833), destaca a análise dos registros de ocorrência da Secretaria de Polícia da Corte e os Instrumentos de Justiça, enfatizando a atuação das autoridades contra as reuniões que eram enquadradas como ajuntamentos ilícitos naquele contexto.

Já no artigo Na “Cadeira da Verdade”: a ação política dos padres por meio dos púlpitos em Minas Gerais regência, Júlia Lopes Viana Lazzarini demonstra a dinâmica política mineira na década de 1830. A autora lança mão da imprensa local para analisar a participação de padres e párocos na política provincial, indicando a participação destes em grupos políticos, além da propagação de seus discursos e a atuação dos padres no cenário eleitoral.

O artigo escrito por Pedro Vilarinho Castelo Branco, denominado Imprensa e Política no Piauí na primeira metade do período monárquico, transita entre o período regencial e o início do Segundo Reinado. O autor elabora sua análise a partir das particularidades envolvidas na criação da imprensa no Piauí, destacando as dificuldades da difusão de discussões oposicionistas diante do domínio político do Barão de Parnaíba. A imprensa oitocentista permanece no diálogo proposto por este dossiê por meio do artigo A mão pesada da morte acaba de arrebatar mais uma vida preciosa”: sensibilidades nos anúncios de falecimento no jornal “O Piauhy” entre 1869 e 1873, escrito por Mariana Antão de Carvalho Rosa. Nesta análise, as relações políticas e sociais do Piauí da segunda metade do XIX são colocadas em discussão por meio dos anúncios de falecimento e das sensibilidades envolvidas neste processo, tendo os jornais como fonte de pesquisa.

Rodrigo Marzano Munari, no artigo Eleições em São Paulo do século XIX: uma pletora de leis, votantes e votos em disputa, aborda o contexto das eleições em São Paulo na segunda metade do Oitocentos. O autor assinala os principais aspectos políticos que envolviam a dinâmica eleitoral, além de elaborar sua análise acerca do voto e dos votantes, destacando-os como participantes ativos do processo político do período.

O fim do século XIX e a difusão das ideias republicanas são reflexões também levantadas em estudos do presente dossiê, sobretudo, por meio do cenário político das províncias e da atuação da imprensa. O artigo As vozes do progresso: os liberais positivistas na imprensa capixaba oitocentista, escrito por Karulliny Siqueira, analisa a relação entre a imprensa e o projeto político dos liberais positivistas visualizado na província do Espírito Santo no início da década de 1880. Por meio dos jornais políticos, um novo vocabulário foi inserido na dinâmica política provincial, destacando a ideia de progresso e, posteriormente, abrindo espaço para a a discussão acerca do republicanismo e da crítica ao Império.

A Moção Plebiscitária de São Borja e o jornal A Federação: uma análise a partir da hipótese de agendamento (1888), é o último artigo que completa esta coletânea. Escrito por Taciane Neres Moro, este estudo analisa a imprensa republicana Rio-Grandense, evidenciando o contexto de consolidação do Partido Republicano do Rio Grande do Sul, bem como sua ramificação no município de São Borja. Por meio do estudo de jornais, a autora indica a circulação do plebiscito acerca da possibilidade do III reinado no Brasil, demonstrando a adesão e a influência desta publicação no sul do país durante os momentos finais do Império.

Junho de 2020

Ou a Era do Fake News

Adriana Pereira Campos – Doutora em História (UFRJ). Professora do Departamento de História da Universidade Federal do Espírito Santo e dos Programas de Pós-Graduação em História e em Direito da mesma instituição. Coordenadora do Laboratório de História, Poder e Linguagens (UFES). Bolsista produtividade do CNPq. Editora Chefe da Revista Ágora desde janeiro de 2020. E-mail: [email protected].

Karul l Iny Sil Verol Siqueira – Doutora em História (UFES). Professora do Departamento de Arquivologia da Universidade Federal do Espírito Santo e pesquisadora do Laboratório de História, Poder e Linguagens da mesma instituição. Organizadora do presente dossiê “Imprensa, partidos e eleições no Oitocentos”. E-mail: [email protected]

kátia Sausen da Motta – Doutora em História (UFES). Pesquisadora do Laboratório de História, Poder e Linguagens (UFES). Atua no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Espírito Santo como bolsista do Programa de Fixação de Doutores da Capes/Fapes, desenvolvendo pesquisa de pós-doutorado. Vice-editora chefe da Revista Ágora desde janeiro de 2020. E-mail: [email protected]

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História do Esporte e Comunicação: para além da imprensa e da mídia como fontes | Recorde | 2019

É com imensa satisfação que apresentamos uma seleção de trabalhos envolvidos com temáticas relacionadas à História do Esporte e da Comunicação. A proposta de organizarmos o presente dossiê surgiu de nosso envolvimento em ambas as disciplinas e da percepção de que existem imensas lacunas e possibilidades na intersecção entre elas. Não obstante, a adesão de pesquisadores nos surpreendeu, tanto pela quantidade de submissões, quanto pelo atendimento a algumas das sugestões e provocações que fizemos na chamada de trabalhos.[3] Neste sentido, foi possível organizar um dossiê com temas diversificados, fato que reforça nossa perspectiva de que existe uma via em construção nos estudos do esporte para pesquisadores de diferentes áreas que dialogam com a História do Esporte e a Comunicação.

Isto posto, convidamos os leitores a apreciarem os artigos. Primeiramente, destacamos três trabalhos que abordam o evento Jogos Olímpicos e dois sobre os Jogos Paralímpicos. Elcio Cornelsen e Izidoro Blikstein escreveram “A utilização da mídia em estratégias de marketing político no contexto da Olímpiada de Berlin” buscando identificar a construção da imagem que a imprensa alemã estabelece no momento da realização do evento utilizando um arcabouço conceitual das áreas de Marketing Político, Mídia e Análise do Discurso. Intitulado “Olimpíadas Rio 2016: A (In) Sustentabilidade do nosso Legado”, o trabalho de Roberta Ferreira Brondani e José Carlos Marques apresenta uma crítica ao suposto legado olímpico a partir de uma comparação entre o que apresenta a página “Rio 2016” no Portal do Comitê Olímpico Internacional e o conteúdo de reportagem exibida pelo programa Fantástico, da TV Globo, dois anos após os jogos. O artigo “Os Jogos Olímpicos jamais foram modernos: um ensaio da antropologia simétrica ao longo da história olímpica”, de Carlos Roberto Gaspar Teixeira e Roberto Tietzmann, se utiliza da perspectiva teórica da antropologia simétrica para problematizar a questão da presença dos “não-humanos” nos Jogos Olímpicos, bem como questionar o caráter moderno desses eventos utilizando como referência conceitual a proposta de Bruno Latour em sua obra Jamais fomos modernos (1994).

No que concerne as Paralimpíadas, o artigo de Tatiane Hilgemberg apresenta o desenvolvimento histórico do evento paralímpico em diálogo com as transformações ocorridas nos jogos, no próprio esporte e nas representações da ideia de deficiência. A autora estabelece também um paralelo com estudos críticos da deficiência e apresenta dados de sua pesquisa sobre a cobertura das Paralimpíadas pelo diário O Globo. Em “Paralimpíadas Escolares (2006-2018): evidências em mídias digitais acerca do evento esportivo”, Giandra Anceski Bataglion e Janice Zarpellon Mazo abordam o tema a partir de uma perspectiva local, descrevendo detalhadamente as composições históricas para a organização das Paralímpiadas Escolares no Brasil e buscando identificar agentes importantes, bem como sua repercussão em mídias digitais.

Dois trabalhos que relacionam a Economia com temáticas histórico-comunicacionais não apenas trazem discussões importantes, mas apontam promissoras e pouco exploradas sendas de investigação. Anderson David Gomes dos Santos apresenta uma pesquisa sobre os direitos de transmissão em eventos esportivos no Brasil articulando o tema com um estudo sobre a legislação desportiva no país. Trata-se de uma abordagem inovadora no âmbito da discussão de políticas públicas e econômicas sobre esporte que faz parte de um trabalho comparativo mais amplo com outros países latino-americanos (Argentina e México).

O trabalho coletivo capitaneado por Ana Carolina Vimieiro parte de uma perspectiva histórica da economia política do futebol para analisar criticamente as transformações, contradições e conflitos na mais recente “onda” do processo de mercantilização do futebol no país. Para tanto, as autoras utilizam conceitos como neoliberalização, comodificação e hibridação e uma análise empírica de tradicionais aspectos da organização estrutural e das relações de poder na conformação do futebol brasileiro no século XXI.

Quatro trabalhos se voltam para países latino-americanos, utilizando diferentes fontes para debater aspectos relativos aos próprios países ou à relação com outras nações.

Andrés Morales apresenta aspectos de sua atual pesquisa de doutorado sobre a representação simbólica da final de 1950 no imaginário coletivo dos uruguaios. Trabalhando com o conceito de hibridação de Néstor Canclini para analisar o discurso em diversas fontes da imprensa do país, o autor aponta também a importância do rádio e os vínculos politicos presentes nos diferentes meios de comunicação. Uma reflexão sobre a hipótese de “Maracanização” da sociedade uruguaia e sua influência no próprio futebol do país complementam o artigo, que aponta novos caminhos de investigação sobre um tema paradigmático nos estudos que relacionam Copas do Mundo e identidade nacional tanto no Brasil quanto no Uruguai.

O artigo de Gastón Laborido apresenta uma contextualização histórica dos fatores que possibilitaram a introdução do futebol na cidade de Montevidéu e a entrada desse esporte nos veículos da imprensa no início do século XX. A hipótese de um processo de “criolização” do futebol uruguaio, que teria surgido a partir da formação de um estilo de jogo híbrido, marcado pela presença de imigrantes que se contrapunham à forma britânica de praticá-lo, é reforçada e analisada nos discursos dos periódicos citados.

A partir de uma perspectiva da Nova História Política, o artigo de Alvaro do Cabo aborda questões sobre a Copa do Mundo de futebol realizada na Espanha em 1982. A primeira parte do trabalho é uma contextualização da conjuntura histórica que possibilitou a realização do torneio no país europeu: a transição democrática após a longa ditadura franquista. O segundo item utiliza os periódicos argentinos Clarín e El Gráfico para analisar as expectativas em torno da participação da seleção argentina, então campeã do mundo, na Copa de 1982, em meio a um contexto político marcado pelo conflito bélico com a Inglaterra, conhecido como Guerra das Malvinas.

Leda Soares e Carlos Guilherme Vogel analisam a série de ficção Club de Cuervos, uma produção latino-americana ambientada no México. Além de uma interessante contextualização da propagação do espaço midiático ocupado pelos seriados televisivos nas últimas décadas, com uma nova dinâmica estética e moral a partir do aumento das televisões fechadas e os canais a cabo, os autores observam uma questões de gênero, preconceito e homofobia no enredo da série. Tendo como tema central o futebol, a série possibilita a discussão de representações sociais em um ambiente latino-americano masculinizado.

Os dois trabalhos que complementam este seleto dossiê versam sobre o futebol e os estudos das crônicas da imprensa. A pesquisa de Nei Jorge dos Santos Junior ressignifica a perspectiva crítica do cronista Lima Barreto sobre a prática do futebol no início do século XX. O olhar a partir de diversas fontes impressas demonstra que a crítica ao esporte se insere em um contexto de defesa e tensionamento mais amplo que enxerga o futebol como uma prática até então elitista e excludente inserida em um discurso preconceituoso sobre as classes menos favorecidas e o “ethos” suburbano. Antes de ser um inimigo do futebol, o literato suburbano seria um crítico das representações geradas pelo futebol amador e os ”sportsman”.

O trabalho de André Couto sobre os cronistas do Jornal dos Sports conjuga uma análise temática que problematiza as principais características do jornal no período estudado, destacando o direcionamento para questões clubísticas e denuncistas e desenvolvendo uma espécie de taxonomia sobre as especificidades dos articuladores. Trata-se de um modelo que pode servir aos estudos que relacionam cronistas esportivos e imprensa em função da tipologia proposta.

O dossiê se completa com uma entrevista realizada por Silvana Goellner com a jornalista Isabelly Morais, que marcou as transmissões sobre Copas do Mundo na televisão brasileira ao narrar a estreia da seleção brasileira no torneio realizado na Rússia em 2018. A conversa explora a trajetória profissional da narradora, desde o período em que cursou Comunicação Social/Jornalismo o trabalho como narradora de futebol no rádio e na televisão.

Agradecemos aos autores que submeteram trabalhos e ao precioso trabalho de avaliação realizado pelos pareceristas. Boa leitura!

Notas

3. A chamada encontra-se em https://historiadoesporte.wordpress.com/2018/09/14/revista-recorde-chamadapara-dossie-historia-do-esporte-e-comunicacao-para-alem-da-imprensa-e-da-midiacomo-fontes/ .

Rafael Fortes – Professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutor em Comunicação. E-mail: [email protected]

Álvaro do Cabo – Professor da Universidade Cândido Mendes. Doutor em História. E-mail: [email protected]


FORTES, Rafael; CABO, Álvaro do. Apresentação. Recorde, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, jan. / jun., 2019. Acessar publicação original [DR].

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Cultura Material e Impressa na construção da História | Temporalidades | 2018

O que se imprime e o que se lê?

Oportuna é a proposta deste dossiê da Temporalidades de evidenciar reflexões que privilegiem o diálogo temático da cultura impressa com a perspectiva de análise historiográfica que busca na leitura dos objetos o caminho instrumental da compreensão histórica. Os elementos materiais da cultura – como prefiro nominar o que normalmente se chama de “cultura material” – apresentam-se ao historiador como documentos de realidades sociais. Não são apenas simples reflexos da construção social, mas, repertórios de objetos criados e feitos pelo homem e integrados em sua constituição histórica. Os artefatos não são, ainda, simples detentores de sentidos sociais deslocados de seus usos: são enunciados que dão sentido às realidades, atribuem valor às coisas dos homens, induzem e instrumentalizam as práticas sociais. Leia Mais

Imprensa e mediadores culturais: ciência, história e literatura / Varia História / 2018

Este dossiê é resultado do trabalho de um grupo de pesquisadores que tem se abrigado sob um título amplo o suficiente, mas também claro o suficiente, para o recorte de seu objeto: “Imprensa e mediadores culturais: ciência, história e literatura”. Composto basicamente por historiadores que trabalham com história da imprensa, história da historiografia, história dos intelectuais, história do livro e da leitura e história das ciências, o grupo é também integrado por estudiosos da literatura e das ciências sociais.

Há alguns anos, membros do grupo vêm se debruçando sobre uma questão chave da área de investigações denominada história dos intelectuais, em cuja abordagem os intelectuais estão sempre imersos em redes de sociabilidade que os situam, inspiram, demarcam e deslocam através do tempo / espaço. Uma das contribuições importantes dessa abordagem é a maneira como se define (ainda que de forma fluida) a figura do intelectual. Entendido como um sujeito histórico que se envolve na produção cultural de bens simbólicos, sendo reconhecido por sua comunidade de pares, o intelectual, em uma acepção mais ampla, também é aquele que se volta para práticas culturais de difusão e transmissão, ou seja, que faz “circular” os produtos culturais em grupos sociais mais amplos e não especializados, razão pela qual pode ser identificado, entre outras possibilidades, como vulgarizador ou divulgador. As dificuldades, mas também as potencialidades de se investir em pesquisas para explorar a categoria de intelectuais e de intelectuais mediadores fizeram com que a maioria dos autores desse dossiê tenha participado do projeto de um livro, intitulado, Intelectuais mediadores: práticas culturais e projetos políticos, organizado por Angela de Castro Gomes e Patrícia Hansen.[1]

A possibilidade do grupo – naturalmente reconfigurado, mas sempre aberto – continuar e avançar na investigação sobre a questão das práticas culturais de mediação e dos perfis dos intelectuais mediadores se renovou e ganhou força com o convite para participar de um projeto maior, “Imprensa e circulação de ideias: o papel dos periódicos nos séculos XIX e XX”, coordenado por Isabel Lustosa (FCRB) e Tânia de Luca (UNESP / Assis). Ora, o objetivo principal deste projeto era justamente aproximar pesquisadores que se dedicassem ao estudo da imprensa brasileira – jornais, revistas e almanaques – neste período de tempo, seja em âmbito local ou nacional, sem desconhecer sua necessária inserção no contexto internacional.

Como uma das orientações de nosso grupo era trabalhar teoricamente com uma gama de sujeitos históricos que atuava fortemente na imprensa escrita – embora não exclusivamente – realizando nela suas ações de mediação cultural no campo científico, artístico e político, integrar uma grande rede voltada para o estudo da imprensa adequava-se perfeitamente aos nossos objetivos. Isso significava aproximar esses intelectuais mediadores das atividades jornalísticas (inclusive, porque muitas vezes eles eram jornalistas), mas também demarcar o tipo de atuação que tinham na imprensa, pois, o que desejamos destacar é a atenção que davam a práticas culturais explicitamente voltadas à divulgação de ideias e conhecimentos para públicos variados. Até porque, para se trabalhar com o papel dos periódicos faz-se necessário um conjunto de atores entendido como muito diferenciado, já que se envolve diretamente tanto na feitura material dos impressos como na produção das ideias que eles propagam, o que exige uma grande preocupação com estratégias de promoção de seus títulos e de atração de públicos, segmentados ou não. Daí a importância da ação de editores, livreiros, escritores, jornalistas, tradutores, ilustradores, críticos literários e teatrais etc, muitos deles, embora não todos eles, podendo ser considerados intelectuais dedicados e até mesmo especializados em práticas de mediação cultural.

Se o interesse de fundo do projeto “Imprensa e circulação de ideias: o papel dos periódicos nos séculos XIX e XX” é detectar e acompanhar a circulação dos títulos, formatos, propostas gráficas, organização do material textual e imagético, e também dos conteúdos publicados; o objetivo específico do subprojeto “Imprensa e mediadores culturais: ciência, história e literatura” é trabalhar com a relação entre imprensa e intelectuais que estejam se dedicando à mediação cultural, situando, nessa dinâmica, o teor extremamente diversificado de seus temas, bem como as múltiplas formas assumidas por suas práticas (direta ou indiretamente ligadas aos periódicos), sempre entendidas em dupla dimensão: política e cultural.

Nesse sentido, a opção teórica realizada pelos artigos que compõem este dossiê é tratar esses intelectuais que estão atuando como mediadores culturais na imprensa, como sujeitos orientados por projetos individuais e coletivos que possuem dimensões políticas e socioculturais, e que sempre estão imersos em redes de sociabilidade diversas, fundamentais para a conformação de seu perfil de intelectual. Sendo assim, a figura dos mediadores culturais e suas formas de ação na imprensa se tornam o foco principal das reflexões dos pesquisadores que colaboram para o dossiê, aliando-se ainda ao enfrentamento de outra questão.

Nas pesquisas históricas recentes que contemplam a relação entre imprensa e mediadores culturais, destacam-se aquelas que apontam a centralidade dessa combinatória para se entender melhor os processos de fabricação e circulação de ideias, valores e conhecimentos no espaço e no tempo, na medida em que, por meio dela, é possível privilegiar seus múltiplos agentes e suas variadas formas de ação, que se beneficiam, crescentemente, do lugar estratégico do impresso no século XIX e XX. Dito de outra forma, o impresso funcionou, durante a maior parte desses séculos, como um vetor incontornável para qualquer projeto político-cultural de produção e divulgação de ideias e conhecimentos.

Por isso, a questão teórica da mediação cultural exige investigações que contemplem a imprensa escrita, lócus de debates e, sobretudo, da ação de divulgação para um público diversificado e não especializado. No caso deste dossiê, interessa atentar para processos e estratégias de divulgação que abarquem as artes (com ênfase para a literatura) e as ciências – quer as ciências da natureza quer as ciências sociais – com particular destaque para a história e, no caso do Brasil, para os chamados estudos brasileiros. Tal tratamento enfatiza a dimensão político-pedagógica dessas ações, ao menos para parte desses mediadores culturais que “militavam” na imprensa, acreditando na possibilidade e viabilidade de permitir a um público mais amplo acesso ao conhecimento científico e artístico, quando estampado de maneira acessível nas páginas dos periódicos. Uma proposta que guardava relações com uma “concepção democrática de ciência” então vigente. Isto é, da defesa do conhecimento “para todos” e / ou para públicos geralmente menos contemplados, como os trabalhadores, as crianças e, no limite, o “povo” de uma nação que desejasse ser moderna.

Os textos reunidos no dossiê foram apresentados, entre outros, no workshop de mesmo nome do subprojeto, “Imprensa e mediadores culturais: ciência, história e literatura”. Ele foi realizado na Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz, em 30 de outubro de 2017. Assim como na proposta do evento, o dossiê busca explorar algumas possibilidades de análise de práticas de mediação cultural na imprensa, a partir de dois caminhos que, embora possam ser tratados separadamente, acabam se interpelando por muitas vias: o de uma história da divulgação científica; e o de uma história dos intelectuais aliada à história da historiografia. Em um primeiro plano, dá-se destaque aos mediadores das ciências da natureza e da ciência histórica em suas diferentes estratégias de divulgação, cuja legitimação ou “popularização” pela imprensa, impôs determinadas hierarquizações frente aos saberes – academicamente constituídos. Nesse sentido, Kaori Kodama apresenta um estudo de caso sobre o intelectual Louis Figuier – um dos vulgarizadores das ciências mais reconhecidos da segunda metade do século XIX – cujo nome circulou na imprensa brasileira até ao menos a primeira metade do século seguinte. Por meio da trajetória de Figuier, que fez de sua atividade um meio de vida e de carreira, o texto conduz a reflexões sobre uma das questões centrais sinalizadas na historiografia sobre divulgação científica: a dupla posição / identidade dos vulgarizadores desse período, que são vulgarizadores e também autoridades que falam em nome da ciência. Paralelamente, o artigo pretende mostrar como o público de Figuier se modificou ao longo das décadas de 1850 e 1870, conforme se dava a maior circulação de seus textos. Assim, busca-se apresentar alguns aspectos das relações entre as variações do público leitor e o estabelecimento de novas culturas científicas.

Por um ângulo um pouco diferente, mas também tratando da divulgação do conhecimento científico nas publicações brasileiras, ao longo do século XIX, o texto de Maria Rachel Fróes da Fonseca procura mapear jornais e revistas, apontando-os como significativos loci para a afirmação da ideia de uma “ciência para todos”. Nessa perspectiva, apresenta um conjunto de periódicos dedicado à “vulgarização das ciências” e à promoção da instrução, dirigido e redigido por intelectuais mediadores. Entre eles estão A semana: Jornal litterario, scientifico e noticioso; a Academia popular – Semanário de Instrucção e Recreio para o Povo; e a Sciencia para o povo. A ideia do valor central da ciência e da educação para o Brasil era difundida nas páginas de muitos destes periódicos. O artigo igualmente ressalta a importância do pensamento de Rui Barbosa em relação ao ensino da ciência e ao método, na época, considerado mais adequado para seu ensino: o das lições de coisas.

Uma atenção particular é dada ao próprio suporte ou veículo através do qual alguns mediadores criaram seus bens culturais e se consagraram diante de seus públicos. Os vulgarizadores das ciências (como eram chamados) atuaram na imprensa das últimas décadas do século XIX e certamente se inseriram e se beneficiaram de uma conjuntura de crescimento da leitura. Alguns jornais e revistas chegaram a ter uma seção de ciências em suas páginas, e outros passaram a se dedicar exclusivamente a esses assuntos, adotando uma linguagem mais compreensível para a população em geral, o que também ocorria com a publicação de livros. Pode-se dizer, portanto, que no momento em que se ampliava o acesso aos impressos e se discutia, nos países ocidentais, a “educação popular”, os mediadores tornavam-se, eles mesmos, produtores de novas modalidades de bens culturais dentro da mídia impressa e, também, autores de um novo tipo, produzidos por esse mesmo suporte. Assim, transfiguravam-se em intelectuais altamente reconhecidos por seu público, bem como por aqueles que realizavam a crítica de seus textos na imprensa, valorizando-os ainda mais.

Porém, as características da consagração de um intelectual mediador quer pelo público, quer pela crítica – o que, em certo sentido, pode ser avaliado por sua capacidade de “popularizar” um determinado saber – podem ser encontradas também na primeira metade do século XX, como no artigo de Angela de Castro Gomes, que trabalha com o texto e a recepção da peça, A Marquesa de Santos, de Viriato Corrêa, estreada em 1938. Nesse caso, o teatro histórico, enquanto texto e encenação, é que ganha destaque, estimulado pelo Estado Novo, então promovendo a nacionalização do ensino e a valorização do conhecimento histórico, que devia ser divulgado a partir de novas e variadas mídias. A Marquesa de Santos foi uma entre diversas produções de teatro histórico desse período a fazer muito sucesso. A numerosa e, em geral, elogiosa crítica publicada na imprensa permite tanto uma aproximação do espetáculo como a realização de reflexões sobre: o tipo de cultura histórica que estava então sendo construída e difundida; o tipo de batalhas de memória que eram travadas, quando um projeto nacionalista de Estado precisava “negociar” com eventos e heróis já conhecidos e consagrados; e o tipo de diálogo que se estabelecia entre uma escrita da história científica e uma escrita da história de teor cívico-patriótico, dirigida a um grande público, diálogo que, nesse caso, beneficiava-se do vetor das artes cênicas. Ambas, na verdade, em processo de construção e afirmação e, portanto, de discussão, dentro e fora das instituições acadêmicas.

Com o artigo de Angela de Castro Gomes, o dossiê começa a enveredar pelo segundo caminho nele contemplado, a saber, o que lida mais de perto com o enfoque dos estudos brasileiros e da história da historiografia. Se um dos interesses deste dossiê é o de situar a própria imprensa como objeto de análise, vislumbrando nela as possibilidades e significados da atuação dos mediadores culturais, é fundamental atentar para tudo que a estrutura e organiza materialmente, tal como os suplementos, as seções, os anúncios, as colunas, as fotografias, as manchetes, os encartes etc. Assim, Robertha Triches, volta-se para a coluna – “Terras de Nossa Terra” – do jornal, A Voz de Portugal, um entre os muitos periódicos da imprensa étnica que circulava pelo Brasil em meados do século XX. Mostra também como essa forma de imprensa se relacionava com o desenvolvimento de outras mídias populares à época, em particular, os programas de rádio. O jornalista e escritor encarregado da coluna era José Correia Varella, um imigrante português que por décadas se dedicou às mais diversas atividades culturais, tendo uma vasta rede de sociabilidade tanto entre a intelectualidade carioca como entre a vasta colônia portuguesa do Rio de Janeiro. Nesta coluna, ele se dedicou especialmente às históricas relações políticas e culturais entre Brasil e Portugal, celebrando a figura de Salazar e se transformando em um agente de propaganda do Estado Novo português no Brasil.

Por fim, Robert Wegner e Giselle Venancio elaboram uma instigante análise sobre o gênero do ensaio, a partir de uma série de artigos publicados no Suplemento Literário doDiário de Notícias, entre 1948 e 1950, com especial atenção para os escritos por dois intelectuais reconhecidos e festejados no momento em que escrevem: Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre. Os debates sobre esse gênero de escrita histórica, travados entre eles, nas páginas do jornal (portanto, lidos por um público não acadêmico), abrem uma janela para um período muito especial: o da implementação das pesquisas históricas em instituições universitárias no país. Um período de mudanças e deslocamentos, com as decorrentes redefinições dos lugares do intelectual acadêmico-universitário e, por conseguinte, do erudito que estava “fora” dessa nova rede de sociabilidade, distinta das associações de pares até então dominantes, a exemplo dos institutos históricos e geográficos.

As diversas caixas de diálogo abertas neste dossiê esperam por contribuições e esforços, individuais ou coletivos, para que melhor possamos compreender o complexo perfil do intelectual que se delineia, quando consideramos que diversificadas práticas de mediação cultural são igualmente parte constitutiva de sua identidade. Algo que, como fica aqui demonstrado, não é tão novo, mas que se torna urgente e quase incontornável no mundo mediatizado em que vivemos no século XXI. Que a leitura do dossiê seja um convite estimulante e convincente.

Nota

1.. GOMES; HANSEN, 2016. O livro recebeu o Prêmio Sérgio Buarque de Holanda, na categoria Ensaio Social, atribuído pela Biblioteca Nacional em 2017.

Referência

GOMES, Angela de Castro e HANSEN, Patrícia. Intelectuais mediadores: práticas culturais e projetos políticos. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2016. [ Links ]

Angela Maria de Castro Gomes – Programa de Pós-Graduação em História Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected] 

Kaori Kodama – Casa de Oswaldo Cruz Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: [email protected] http: / / orcid.org / 0000-0002-5327-2689

Maria Rachel Fróes da Fonseca – Casa de Oswaldo Cruz Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: [email protected] http: / / orcid.org / 0000-0003-0865-2436


GOMES, Angela Maria de Castro; KODAMA, Kaori; FONSECA, Maria Rachel Fróes da. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.34, n.66, set. / dez., 2018. Acessar publicação original [DR]

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Imprensa e ideologia / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2017

Esse novo número da Revista História em Reflexão é composto por um dossiê com artigos que possuem o periódico como objeto de pesquisa para a construção do conhecimento histórico por parte dos historiadores e das historiadoras e um conjunto de artigos de temática livre.

Atualmente o historiador e a historiadora possuem no periódico uma rica fonte para a pesquisa histórica. Contudo, nem sempre foi assim. No texto História dos, nos e por meio dos periódicos, Tania Regina de Luca afirma que na historiografia brasileira até a década de 1970 era relativamente pequeno o número de trabalhos que se valiam de jornais e revistas como fonte para o conhecimento da história do país. Para isso pesava uma tradição historiográfica moldada desde o século XIX, associada ao ideal de busca da Verdade dos fatos, que acreditava que isso apenas seria possível com fontes de tempos longínquos, analisadas de modo objetivo e imparcial. Os periódicos, por tratarem do cotidiano, com registros fragmentários da vida presente, pareciam pouco adequados para esse fim. Foi ao longo do século XX, quando o território de Clio gradativamente ampliou seus temas de pesquisa, abrindo espaço para uma história social, econômica e cultural, e não apenas política, que passou a redefinir o que seria fonte histórica, incluindo dados estatísticos, literatura e periódicos, por exemplo. Os Annales, a história cultural, a nova história política, foram propostas historiográficas que valorizaram o periódico como fonte histórica. E a historiografia brasileira não ficou isolada dessa renovação que atingiu Clio, contribuindo para isso a produção acadêmica, por meio de teses, dissertações e revistas especializadas. Nesse sentido, os diversos artigos que compõem esse número de História em Reflexão estão em sintonia com essa nova forma de compreender a produção do conhecimento histórico.

Na parte do dossiê há o artigo de Edvaldo Correia Sotana que analisa o material jornalístico sobre a manutenção da paz mundial publicado pela revista O Cruzeiro entre os anos de 1945 e 1953. Com esse artigo ele estabeleceu como objetivo demonstrar: a) o anticomunismo da revista O Cruzeiro; b) a possibilidade de investigar o noticiário internacional em periódicos brasileiros; c) a importância de olhar a posição político-ideológica de periódicos voltados para o entretenimento.

Cláudio Kuczkowski e Tatiane Dumerqui Kuczkowski abordam sobre a condição dos periódicos enquanto objetos e documentos de pesquisa no espaço da escrita acadêmica em História. Especificamente, examina a matéria nas teses defendidas nos Cursos de Doutorado dos Programas de Pós-Graduação de três Universidades do Rio Grande do Sul, Brasil: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). O artigo propõe-se constituir uma visão panorâmica de como esses materiais vêm sendo estudados.

Ana Gonçalves Sousa e Adriana Aparecida Pinto apresentam como as mulheres eram representadas no jornal A Tribuna, de Rondonópolis / MT, analisando o discurso da imprensa local sobre o papel e lugar social atribuído as mulheres na década de 1980, buscando perceber as formas de resistência e manutenção da ordem e de uma sociedade machista, que ainda concebia o lugar da mulher na esfera do privado e aos homens na esfera pública.

Matheus de Carvalho Leibão faz uma análise de editoriais do jornal O Globo que comentavam a questão das cotas raciais no acesso ao ensino superior público no Brasil. A partir de uma leitura do material do jornal entre os anos de 2003 e 2012, destacam-se os argumentos mais recorrentes utilizados pelo jornal na sua posição contrária à Lei de Cotas, encaminhada pelo governo federal e sancionada em 2012 por Dilma Rousseff.

Paula Antonia Henn e Marta Rosa Borin analisam a figura do Papa Pio XII e de que forma o Vaticano atuou no cenário internacional durante a Segunda Guerra Mundial, partindo da análise das ações do Pontífice Romano de 1939 a 1945, através da revista A Ordem e Revista Eclesiástica Brasileira (REB). Com isso elas buscaram entender a linha de ação política do Vaticano veiculada na imprensa brasileira neste período.

Herib Caballero Campos e Carlos Gómez Florentín estudam o discurso político do periódico “El Semanario de Avisos y Conocimientos Útiles”, que era voz do governo paraguaio para mobilizar os cidadãos no conflito do país contra o Brasil, Argentina e Uruguai. Luiz Eduardo Pinto Barros investiga como os periódicos paraguaios e brasileiros trataram a ocupação militar brasileira numa região de fronteira, em 1965. De acordo com Luiz Eduardo Pinto Barros, manifestações de repúdio ao Brasil foram expostas no Paraguai de diferentes formas, tendo grande espaço na mídia controlada pela ditadura militar de Alfredo Stroessner, que soube tirar proveito da situação e explorar o litigio fronteiriço a favor de sua imagem como “defensor dos interesses nacionais”. Já no Brasil, sob um regime militar, o assunto teve menor repercussão, mas foi explorado por periódicos brasileiros de maior circulação como interesse nacional, ao mesmo tempo em que houve casos de veículos oposicionistas declarados fizessem do impasse mais um objeto de crítica ao governo Castelo Branco.

Bruno Cortês Scherer discute as relações entre o espiritismo e outras perspectivas religiosas no Rio Grande do Sul em meados do século XX, a partir das publicações da revista A Reencarnação, editada pela Federação Espírita do Rio Grande do Sul (FERGS). São analisadas as percepções do movimento espírita organizado sobre o catolicismo e a umbanda, entrevendo a posição e as ações do espiritismo no campo religioso.

Na parte dos artigos livres há o trabalho de Mirian Martins Finger e Jorge Luiz da Cunha, o qual aborda noções de representação balizadas em fragmentos pertencentes aos domínios da filosofia, da história e da arte, a partir de um recorte da série do artista Iberê Camargo, intitulada Carretéis. Na primeira parte do texto é exposto noções de representação vinculadas à noção de verdade, tanto no que tange as narrativas dos eventos históricos, quanto às produções artísticas. Na segunda, são analisadas duas obras da Série e verificar como Iberê representou plasticamente seu objeto de memória, o carretel.

Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski reflete em seu artigo sobre a morte e seus lugares de memória e sobre o suicídio cercado de tabus e silenciamentos. Para isso utiliza narrativas de testemunhas de inquéritos policiais sobre suicídios do final do século XIX e início do século XX em Castro / PR como exemplos de ‘não lembrar’, ‘não dizer’, para não constituir uma memória que justifique um ato suicida.

Maria Verónica Perez Fallabrino trabalha com diários familiares escritos por mercadores florentinos do Tre-Quattrocento, chamados Ricordi ou Ricordanze, são uma documentação muito rica para o estudo dessa sociedade. Esse material é analisado não somente por se tratar de uma tradição amplamente difundida ou pela diversidade de informações registradas – acontecimentos familiares, impressões pessoais, sentimentos, negócios e assuntos da vida pública –, mas também pela intenção desses mercadores de reconstruir a memória familiar e pela consciência que tinham da importância que o passado familiar exercia para o homem. Esses diários apresentam anotações precisas, de caráter informativo e de natureza prática, apelam à invocação religiosa e refletem a individualidade de cada mercador na forma e conteúdo dos registros. Luciene Carla Corrêa Francelino analisa a atuação das irmãs de Jesus na Santíssima Eucaristia na Santa Casa de Misericórdia de Cachoeiro de Itapemirim, entre os anos de 1929 a 1950, período em que as freiras administraram internamente o hospital.

Luciene Carla Corrêa Francelino defende a hipótese que as religiosas cuidavam dos doentes internados na instituição, mas esse cuidado rompia as fronteiras do corpo e alcançava os limites da alma, visto que estas se preocupavam com o conforto espiritual dos convalescentes e de seus familiares, favorecendo a cura ou minimizando o sofrimento e possibilitando uma melhoria na qualidade de vida daqueles que eram atendidos no hospital.

Por fim, há o texto de Marisa Bittar, convidada especial para escrever na Revista História em Reflexão. Nesse trabalho ela expõe os fatos mais imediatos que culminaram na lei de 11 de outubro de 1977 que dividiu Mato Grosso e criou Mato Grosso do Sul sem consulta à população. Baseado em fontes primárias de pesquisas sobre o regionalismo, o divisionismo, a criação de Mato Grosso do Sul e atuação de suas elites políticas, o artigo focaliza a decisão do general Ernesto Geisel, então presidente da República, a posição dos dois últimos governadores de Mato Grosso (uno), a postura dos seus parlamentares e políticos em geral no processo de divisão do Estado. Marisa Bittar revela que não houve mobilização popular pela divisão, e expõe as articulações “subterrâneas” que respaldaram a decisão de cima para baixo, concluindo que a criação de Mato Grosso do Sul só foi possível porque o regionalismo secular que caracterizou a sua formação encontrou contexto favorável ao coincidir com os interesses geopolíticos do regime militar.

Ricardo Oliveira da Silva – Professor do Curso de História UFMS / CPNA

Nova Andradina / MS, 1º de fevereiro de 2018.


SILVA, Ricardo Oliveira da. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão, Dourados- MS, n. 11, v. 22 jul. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Intelectuais, Imprensa e Poder (II) / História.com / 2017

Apresentação [1]

A comunicação de massa tem um domínio sobre a pauta da opinião pública. Ela é um importante instrumento político para convencer a sociedade acerca da legitimidade da agenda de grupos organizados; tratando-se de um elemento que não pode ser negligenciado pelos historiadores dedicados ao estudo de diversos temas como: política, movimentos sociais, economia, dentre outros.

O Brasil, assim como outros países afetados pela crise econômica iniciada em 2008, tem sido palco de eventos como: manifestações, greves, ocupações, dentre outros. Tem havido uma profusão de fatos históricos e a imprensa tem sido um veículo de disputas de narrativas que contribui para sentirmos, cada vez mais, a necessidade de cruzarmos todos os discursos possíveis que apresentam diferentes leituras sobre os acontecimentos, sejam elas confirmando a agenda pautada pelos órgãos de imprensa tradicionais ou a questionando.

As redes sociais possibilitaram que não apenas os grandes grupos econômicos pudessem ter o monopólio sobre as notícias e a formação da opinião pública, mas que, também, intelectuais, trabalhadores, jovens, idosos, a direita, a esquerda, o centro, as feministas, os evangélicos e demais variedades de sujeitos sociais pudessem disputar a “voz do povo”.

E a imprensa e os intelectuais do passado? Como atuavam? Como pensavam? Como eram lidos? Como influenciavam? Como ecoavam? Como se posicionavam? Movidos por estas e demais questões que instigam os estudiosos investigadores das práticas e processos históricos, sociais e culturais, a Revista Discente História.com propôs o Dossiê Temático “Intelectuais, Imprensa e Poder”. (v. 4, n. 8, 2017). Como recebemos muitas propostas para a publicação e considerando os problemas que enfrentamos no início de 2017, resolvemos organizar com esses artigos e resenhas dois números. Tivemos a felicidade de recebermos trabalhos que analisaram de forma “problematizadora” a atuação dos veículos midiáticos e editoriais, bem como dos pensadores em diferentes contextos.

Luiz Mário Burity e Shirley Silva, com o texto “’As tuas horas de lazer, emprega-as no estudo’: a imprensa pedagógica enquanto suporte para a cultura educacional paraibana (1930-1945)”, analisaram experiências educativas que exploraram a imprensa paraibana como veículo de divulgação de uma proposta pedagógica para o estado da Paraíba entre 1930 e 1945.

Hugo Cavalcante, no artigo “Disputas entre a agricultura e a criação de gados no Cariri cearense da segunda metade do século XIX: o liberalismo de João Brígido e o jornal O Araripe”, problematizou os discursos do jornal cearense O Araripe quando este retratava processos criminais envolvendo as esferas econômico produtiva e do cotidiano.

Alex Guimarães, no texto “Sob a pena de Júlia: sociabilidades intelectuais, imprensa e poder no entresséculos (XIX-XX)”, analisou as ações e a produção intelectual de Júlia Lopes de Almeida, que atuou na imprensa e na literatura do Rio de Janeiro entre o final do século XIX e início do século XX.

Pedro Henrique Alves, no artigo “Archimínia Barreto: mulher, negra, protestante, intelectual”, apresenta a trajetória de uma intelectual negra, protestante e de origem pobre que rompia com os estereótipos da intelectualidade das últimas décadas do século XIX e das primeiras do XX.

Além dos trabalhos supracitados, não deixe de conferir as demais seções do atual número da revista: Artigos Livres, Resenhas e História na Sala de Aula. Eles também abrilhantam a contribuição deste periódico para com os debates da historiografia e áreas afins.

Boa Leitura!

Antonio Cleber da Conceição Lemos – Conselho Editorial. Mestre em História pela Universidade Federal de Sergipe. Correio eletrônico: [email protected]

Nota

1. A caricatura de Rachel de Queiroz foi retirada do website Templo Cultural Delfos. Disponível em: http: / / www.elfikurten.com.br / 2012 / 11 / rachel-de-queiroz-dama-sertaneja-das.html?m=1 . Acesso em: 27 abr. 2018.


LEMOS, Antônio Cleber da Conceição. Apresentação. História.com. Cachoeira, v.4, n.8, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Intelectuais, Imprensa e Poder (I) / História.com / 2017

É com muita satisfação que apresentamos ao leitor e leitora, o Dossiê Temático “Intelectuais, Imprensa e Poder” [1] (v. 4, n. 7, 2017) da Revista Eletrônica Discente História.com. No entanto, antes de qualquer coisa, queremos tornar público nosso pedido de desculpas pelos atrasos involuntários que ocorreram para finalizarmos a primeira edição de 2017.

É difícil fazer funcionar adequadamente uma revista no Brasil, mesmo online, pois existem vários imprevistos e problemas que podem acontecer, especialmente no caso dos integrantes do Conselho Editorial deste periódico. Quando criamos a revista em 2012, ainda éramos todos estudantes do curso de graduação em História do Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Hoje, a maioria dos editores já cursou ou está cursando o mestrado e doutorado em Instituições de Ensino Superior (IES) do país. Infelizmente, não conseguimos voluntários para continuar a empreitada, por isso tivemos que continuar o trabalho, nós mesmos, sem acréscimos no corpo funcional estruturante ou suporte pessoal adicional, o que sobrecarrega demasiadamente o grupo fundador de idealizadores deste projeto. Mas, como dar conta das diversas demandas de uma revista acadêmica, sendo estudante de pós-graduação? Como cuidar da revista e ter que, ao mesmo tempo, cursar disciplinas, pesquisar e escrever a dissertação, desenvolver relatórios de pesquisa e qualificação? Estes foram alguns dos dilemas que tivemos que enfrentar entre 2014 e 2018.

O mais importante é que não deixamos o projeto esmorecer. Continuamos um projeto que foi idealizado por cinco estudantes da graduação (Adalton Barbosa, Antonio Cleber Lemos, Elias Santos, Geferson Santana e João Paulo do Carmo), chegamos a alcançar a nota B3 no Qualis Capes, mas obtivemos a nota máxima B4 (Interdisciplinar) na última avaliação (2013-2016) conforme demonstra a plataforma Sucupira. Queremos que a revista continue sendo um espaço de publicação dos artigos e resenhas de estudantes de graduação, graduados, mestres e doutores de todas as instituições do país. Num cenário cada vez mais hierarquizado entre as revistas, onde estudantes de pós-graduação (mestrando e doutorandos) não podem publicar nas seções principais (Artigo Livre e Dossiê Temático), mas apenas nas chamadas “Notas de Pesquisa”. Então, queremos que a Revista Eletrônica Discente História.com continue sendo um espaço de tratamento isonômico entre todos os pesquisadores e pesquisadoras que busquem um espaço democrático de divulgação de suas pesquisas.

Aproveitamos ainda para informar que estamos dando uma cara nova para a diagramação das capas, apresentações, artigos e resenhas. Queremos adequar nosso periódico o máximo possível aos critérios estabelecidos pela área de História do Qualis CAPES. No entanto, não vamos abrir mão de alguns elementos como a não exigência de “resumo” em uma segunda língua, entendemos que nem todas as universidades oferecem cursos de línguas estrangeiras, e que nem todos os estudantes, especialmente os de graduação, ingressam dentro das mesmas condições. Não queremos dizer que o estudante não possa aprender uma língua estrangeira de maneira autodidata, mas também entendemos que nem todos conseguem, devido à desigualdade que impera no sistema de ensino brasileiro, desencadeado pelo fosso socioeconômico imposto e vigente nesse país…

Mas, voltando à proposta de apresentação do Dossiê Temático intitulado “Intelectuais, Imprensa e Poder”, contamos com a colaboração do autor Lucas Bento Pugliesi denominada de “A categoria „índio‟ nos periódicos oitocentistas da Faculdade de Direito de São Paulo”, onde o autor faz uma análise dos discursos dos intelectuais da Faculdade de Direito de São Paulo entorno dos corpos e da categoria “índio”, conforme está expresso no título do artigo. É também interessante notar, as diversas fontes usadas por Pugliesi, demonstrando que aqueles discursos “espera-se refletir como pensamento desses atores sociais que no momento ulterior assumiriam as mais variadas posições na burocracia do Império veio a impactar e responder a questões políticas coevas no que tange a legislação sobre o aldeamento indígena”, diz Pugliesi.

O artigo de autoria de Paulo Alves Pereira Júnior, intitulado de “A cobertura do caso Castro Malta pelo jornal O Paiz e a difusão do ideário republicano no Segundo Império”, vem apresentar e refletir sobre o cenário de crescimento dos periódicos que faziam circular, no país, o ideário republicano. Neste artigo, o leitor encontrará uma excelente análise histórica sobre o desaparecimento de Castro Malta, que foi reportado nas páginas do periódico O Paiz, sem perder de vistas o objetivo de entender as estratégias usadas pelo II Império para fazer circular suas ideias.

Em “Defendendo os interesses pátrios contra os inimigos do Brasil: nacionalismo e educação através do jornal Correio de São Leopoldo (São Leopoldo / RS, 1938-1943)” de autoria do professor Rodrigo Luis dos Santos, tem-se o objetivo de “analisar a interação entre os campos político e intelectual através da imprensa, a partir de um estudo de caso que tem como local o município sul-rio-grandense de São Leopoldo, durante o período mais intenso do regime do Estado Novo, durante os anos de 1938 e 1943”. A proposta da investigação é analisar a atuação intelectual de Carlos de Souza Moraes, no jornal Correio de São Leopoldo, dando especial atenção às suas ideias nacionalistas e aos discursos sobre determinadas raças e grupos étnico-raciais.

Elegemos o artigo “„Opção pelos pobres ou neoconstantinismo às avessas?‟: A imprensa que desvela os desencontros político-eclesiais entre intelectuais da igreja católica no Nordeste brasileiro (1965-1979)” de Osnar Gomes dos Santos para fechar o dossiê. Conforme Santos, a pesquisa “tem por objetivo tratar das disposições político-eclesiais da Igreja Católica, no Nordeste brasileiro, que emergiram na discussão acerca da „opção preferencial pelos pobres‟, encetada em fins dos anos 1960”. O autor faz uso de diversas fontes para entender como os religiosos exerciam suas funções intelectuais no referido recorte temporal da pesquisa, e como seus discursos influenciaram a sociedade – e o próprio Estado – sobre determinadas questões.

Também queremos convidá-los a visitar as seções Artigo Livre, História na Sala de Aula e Resenha. Apesar de todos os problemas que enfrentamos ao longo de 2017 e início de 2018, fizemos um esforço, junto aos pareceristas que nos auxiliaram durante a edição, para selecionar bons artigos e resenhas de pesquisadores graduados, graduandos, mestres, mestrandos, doutores e doutorandos de diversas IES do país.

Vida longa à Revista Eletrônica Discente História.com!

Boa leitura!

Nota

1. A caricatura do escritor baiano Jorge Amado que consta na capa da presente edição é de autoria de Tiago. Disponível em: https: / / br.pinterest.com / pin / 333759022358129191 . Acesso em: 23 mar. 2018.

Geferson Santana – Editor Gerente. Mestre em História pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP / FAPESP). Correio eletrônico: [email protected].


SANTANA, Geferson. Apresentação. História.com. Cachoeira, v.4, n.7, 2017. Acessar publicação original [DR]

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História e imprensa / Antíteses / 2017

A chamada inicial para esse dossiê temático teve por objetivo reunir artigos sobre História e Imprensa em distintas perspectivas de historiadores e estudiosos do Impresso e sua importância na construção de abordagens propostas pela historiografia contemporânea. Durante muito tempo a imprensa foi vista pelos historiadores apenas como fonte de informações. As transformações historiográficas contemporâneas têm, contudo, promovido a abordagem da Imprensa como fonte e objeto da pesquisa histórica. Como vários teóricos já observaram a imprensa cria fatos, interfere e produz realidades dotando o presente de sentidos diversos. Assim buscou-se selecionar textos de autores que contivessem a pluralidade das abordagens historiográficas do tempo presente acerca das relações entre História e Imprensa, envolvendo periódicos, revistas, projetos editoriais, formas de edição, toda uma gama de temas que ajudam a compor um universo de

Os textos que integram esse número da revista apontam para novos horizontes alcançados dentro da historiografia brasileira sobre o estudo dos impressos, com um universo temático bastante rico e multifacetado e que refletem o amadurecimento dos estudos do tema. Também indicam recortes temáticos e de periodização que contemplam os séculos XIX, XX e buscam iluminar novas perspectivas sobre História e Imprensa, suas interseções e margens. Isto significa novos olhares e reflexões sobre o tema, superando tradicionais interpretações e apontando novas direções de maneira multifacetada, inter-relacional e dinâmica. Nas últimas décadas, aliás, as tendências historiográficas têm questionado as explicações generalizantes e reducionistas. Hoje em dia, as pesquisas sobre História e Imprensa, e sobre os Impressos em geral, guardam uma riqueza ampla que está presente nos quatorze textos selecionados para compor esse dossiê

Seguindo a linha editorial da Revista Antíteses , os conteúdos dos artigos voltam-se para a questão da recepção dos impressos, nos mais diferentes registros que circularam na sociedade brasileira, considerando tais escritos não só enquanto instrumentos de poder – poder político, poder das elites, poder daqueles que detinham o privilégio do saber e da escrita – como também espaços de lutas, polêmicas, formas de consagração, debates, análises e vitrine para os autores inseridos nessas diversas conjunturas históricas.

O conjunto de textos pretende, assim, trazer à luz investigações, cujas abordagens teórico-metodológica encontram-se nas fronteiras da história dos periódicos, dos livros, do teatro, da música nas lutas e dos movimentos sociais e políticos registrados através dos impressos, tal como preconizam a historiografia francesa e anglo-saxônica, mas combinando com enfoques da nova história política e da história cultural.

O artigo de Aristeu Elisandro Machado Lopes analisa as ilustrações de três periódicos: A Vida Fluminense, O Mosquito e Semana Illustrada e o ambiente positivo criado pelos republicanos brasileiros para celebrar a República Espanhola. As notícias veiculadas e a iconografia utilizada pelos periódicos assinalavam para os leitores a mudança de regime político na Espanha e as festividades envolvidas com viés de humor e irreverência que caracterizava os jornais de ilustrações do período.

Silvia Cristina Martins de Souza nos insere no universo da cultura teatral do século XIX através dos diálogos estabelecidos entre os títulos de peças teatrais publicadas que se respondiam ou se parodiavam. Tais práticas criaram uma espécie de “sistema telefônico” baseado numa relação estreita entre palavra, intérprete, produtor e receptor, indo ao encontro das expectativas e interesses das plateias cada vez mais heterogêneas que assistiam às representações teatrais.

Camila Bueno Grejo tem como enfoque um periódico, a Revista de Derecho, Historia y Letras, fundada e dirigida por Estanislao Zeballos e na sua análise destaca a importância desse intelectual e de sua Revista, especialmente em relação à construção de uma identidade internacional argentina.

As pesquisas de Paulo Rodrigo Andrade Haiduke o levaram a abordar as relações que se estabeleceram entre literatura, imprensa e mercado editorial na França da Terceira República, mais especificamente em Paris nas décadas de 1910 e 1920. A ênfase do artigo está no papel do novo intermediário cultural que se configurou então através da imprensa e do mercado livresco, e que marcou de maneira fundamental a história do modernismo literário, enfocando Proust e o projeto editorial que o consagrou.

Leandro Antonio Guirro, aborda as relações conflituosas entre Portugal e Moçambique colonial e as narrativas presentes em alguns periódicos que fizeram do colonialismo o centro de discussões entre várias narrativas, em dupla perspectiva, isto é na imprensa portuguesa e moçambicana e levantaram a problemática da tradição imperialista portuguesa para seus leitores.

Nas polêmicas político-partidárias presentes na imprensa brasileira do século XX, Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos analisa um episódio, conhecido como carta Brandi, cuja polêmica se iniciou dias antes das eleições presidenciais de 1955. A principal fonte histórica do trabalho é o diário carioca Tribuna da Imprensa, de propriedade de Carlos Lacerda, então deputado federal pela UDN (União Democrática Nacional) e destaca sua atuação nos calorosos debates desse momento político convulsionado, marcado pelo forte imaginário antiperonista.

Ivania Skura, Cristina Satiê de Oliveira Pátaro e Frank Antonio Mezzomo dividem a autoria de um artigo que trata do jornal Folha do Norte do Paraná como fonte e objeto de pesquisa, analisando as representações de beleza de mulher presentes no periódico entre os anos de 1962 a 1964. Fundado pela Igreja Católica da diocese de Maringá / PR, o destaque pretendido é centrado nas perspectivas de um jornal regional e das representações socioculturais históricas da mulher na sociedade norte paranaense.

Marcelo Garson analisou, no período entre 1960 e 1965, como a imprensa foi fundamental para dar corpo e substância à ideia de música jovem no Brasil. As fontes que destaca para sua abordagem são A Revista do Rádio – em especial a sessão O mundo é dos Brotos, de Carlos Imperial – e também publicações especializadas, como A Revista do Rock, que segundo o autor ajudaram a definir os códigos sonoros, visuais e morais que nortearam um novo nicho profissional de música popular brasileira.

A personalidade de Adalgisa Nery e o papel polêmico de sua coluna no jornal Ultima Hora são apresentados por Isabela Candeloro Campoi em artigo que busca discutir a polarização política refletida na imprensa brasileira às vésperas do golpe civil-militar de 1964, a partir da análise dos artigos da coluna “Retrato sem retoque” assinada pela jornalista e escritora que lhe deram projeção no mundo político brasileiro.

Elisangela Silva Machieski e Silvia Maria Fávero Arend optam por enfocar a imprensa regional e o discurso presente nas reportagens do jornal Tribuna Criciumense, da cidade de Criciúma (SC), acerca da infância pobre na década de 1970, quando o chamado ciclo da marginalização do menor, enunciado pelas autoridades da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), ganhou as páginas dos periódicos brasileiros. As crianças, adolescentes e jovens pobres foram noticiadas no jornal Tribuna Criciumense, sobretudo, sob três enfoques jurídicos: menores abandonados, menores delinquentes e menores trabalhadores.

Alvaro de Oliveira Senra e Flávio Anício Andrade tem como fonte o Jornal da Baixada, publicado nos anos de 1979 e 1980, e discutem a emergência da luta por melhores condições de vida na periferia da cidade do Rio de Janeiro, no contexto de reaparecimento na cena política de movimentos sociais que reivindicavam o usufruto ao direito e à cidadania em suas variadas formas. Outro ponto de destaque desse texto é usar como fonte privilegiada um órgão da então chamada “imprensa alternativa” politicamente identificado com as lutas por direitos, nos anos finais do governo militar instalado em 1964.

O objetivo do artigo de Everton de Oliveira Moraes é compreender os modos de historicidade presentes no suplemento Anexo, caderno de cultura e artes publicado no jornal Diário do Paraná no final da década de 1970, com a intenção de ser um espaço gráfico de experimentação artística, uma tentativa de fazer arte no jornal.

O artigo de Fabiano Coelho analisa as representações do MST quanto à figura do presidente Fernando Collor de Mello, no Jornal Sem Terra, no período em que esse ocupou a presidência da República (1990-1992). O recorte escolhido centra-se nos editoriais do periódico, por serem espaços exclusivos da Direção Nacional, que dessa forma o utiliza para falar em nome do Movimento. A ideia de representação, a partir das contribuições do historiador Roger Chartier, foi significativa para as reflexões do artigo. Ao longo do texto, destaca que Collor foi representado como inimigo dos trabalhadores e da reforma agrária, assim como a figura de um presidente autoritário.

Por fim, Carla Luciana Souza da Silva procura problematizar algumas questões sobre as dificuldades encontradas pelos historiadores no uso da imprensa como fonte, destacando especificamente, as concepções de verdade e mentira veiculadas pela mídia. Essas noções criam imensas dificuldades para a leitura do texto midiático, já que as mentiras possuem um lugar social e político e misturam fatos e narrativas com nítidas intenções ideológicas.

Para a escolha de todos esses textos contamos com a participação de um número significativo de pareceristas, aos quais queremos agradecer pela disponibilidade e cuidado ao analisar e apontar aqueles que melhor se adequavam ao dossiê. Nós, os editores, temos a satisfação de apresentar um conjunto de textos que refletem a riqueza de narrativas e das pesquisas desenvolvidas no Brasil por estudiosos de História e Imprensa e História do Impresso tal como preconizam as mais recentes correntes historiográficas.

Tania Maria Bessone da Cruz Ferreira – UERJ

José Miguel Arias Neto – UEL

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História e Imprensa / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2013

O número 22 da revista Fronteiras, a Revista Catarinense de História, com o dossiê História e Imprensa, apresenta discussões produzidas por pesquisadores e pesquisadoras de diferentes formações e de distintos lugares. Em comum um tema, ou ainda um objeto de estudo: a imprensa. Objeto de investigação complexo e instigante, a imprensa tem feito parte da agenda de pesquisa e análise da historiografia bem como de diversas áreas do conhecimento, e tem recebido notável destaque. Neste volume, apresentamos artigos cujos autores se debruçaram sobre jornais de grande circulação, jornais locais, bem como sobre jornais clandestinos. Assim, temos notícias do cotidiano, de política, de arte, de movimentos sociais, de turismo, dentre outros, analisados à luz dos instrumentos da interpretação histórica.

O artigo de autoria de Luciana Rossato e Mariane Martins, cujo título é “Um pedacinho de terra perdido no mar”: um novo destino turístico em construção, apresenta a discussão através de notícias publicadas no jornal catarinense O Estado na década de 1980. Em meio ao interesse político de impulsionar o turismo na cidade de Florianópolis, este jornal teve papel importante colocando em evidência temas que acionavam o passado da cidade para referenda-la como “destino turístico”.

A mídia catarinense é também discutida no texto de Rafaela Duarte, A euforia na imprensa: o movimento Diretas Já visto pelos jornais catarinenses, no qual a autora procura compreender o papel da imprensa como “ator social” durante o movimento Diretas Já. Tem como fontes textos e fotografias dos jornais O Estado, Jornal de Santa Catarina e A Notícia, todos de circulação em Santa Catarina.

Douglas Satírio da Rocha e Vicente Neves da Silva Ribeiro também de debruçaram sobre a mídia catarinense, e apresentam o artigo com o título Ocupando os editoriais: representações do MST no Jornal Diário da Manhã no Oeste Catarinense (1985 – 1989). Os autores analisam as representações sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) a partir da análise do jornal Diário da Manhã, publicado entre os anos de 1985 e 1989 no Oeste catarinense, e percebem que questões relacionadas ao MST estão presentes no citado jornal em editoriais marcados por opiniões e interesses.

Outro texto sobre a mídia catarinense é apresentado por Anelise Rodrigues Machado de Araujo, As crianças estão nos noticiários: a imprensa escrita periódica na construção da História da Infância (Jornal Diário Catarinense, 1986-1990). Este artigo propõe reflexões relativas à História da Infância a partir de pesquisa realizada no Jornal Diário Catarinense (edições entre 1986 e 1990).

A exposição de notícias em jornais clandestinos do Brasil e do Uruguai, que denunciavam violências cometidas contra mulheres militantes contrárias às ditaduras desses países, é tema do artigo Miriam Alves do Nascimento, Os discursos nas denúncias de violência: Brasil e Uruguai. A pesquisadora utiliza os estudos de Gênero, além da História Comparada e da História Oral, buscando perceber se as autorias de tais jornais se utilizavam de prescrições de Gênero para estabelecer algum tipo de sensibilização junto aos seus leitores.

Crimes que se tornam “sensação” na imprensa carioca do século XIX são discutidos por Marilia Rodrigues de Oliveira, em Quando os crimes se tornam “sensação”: narrativas da imprensa, ciência e moral no Rio de Janeiro da Primeira República. Tais crimes eram apresentados relatando os problemas vividos pelos cidadãos-leitores e também de modo a suscitir o extraordinário ente eles. A autora parte de um caso especifico do caso da “Tragédia da rua Januzzi” para analisar porque determinados crimes mereciam tal espaço na mídia em detrimento de outros.

Completando a revista, na seção Artigos, temos o texto Nasce uma estrela: os primeiros anos da trajetória musical de Elis Regina, onde Andrea Maria Vizzotto Alcântara Lopes estuda a carreia musical da cantora e a recepção à sua obra, bem como a relação desta com a indústria fonográfica e meios de comunicação brasileiros.

Conectando-se com a História: a oficina “A História em diálogo com as NTICs e com o mundo virtual: o saber, o fazer e o ensinar histórico de Marcella Albaine Farias da Costa é outro texto da seção. A pesquisadora traz uma discussão sobre a ampliação da noção de fonte histórica a partir das novas linguagens midiáticas. Mais especificamente trata-se de uma investigação sob a ótica especifica de professores de História em formação inicial que vivem o desafio de pensar o ensino de História a partir das NTICs.

Na seção Resenha, a obra Mujeres peruanas. El otro lado de la Historia, de Sara Beatriz Guardia é apresentada por Edda O. Samudio, com ênfase na historiografia feminina e na historiografia latinoamericana. Temos também a resenha de Luisa Rita Cardoso feita para o livro de Gabriel Felipe Jacomel cujo título é Falar de si, falar de nós: o teatro feminista em tempos de ditadura.

Marlene de Fáveri

Nucia Alexandra Silva de Oliveira

Editoras de Fronteiras – Revista Catarinense de História


FÁVERI, Marlene de; OLIVEIRA, Núcia Alexandra de. Editorial. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.22, 2013. Acessar publicação original [DR]

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História e imprensa / Historiae / 2011

Mais uma vez trazendo ao público uma temática específica nos estudos de cunho histórico, a Historiae edita o Dossiê “História e imprensa”, intentando apresentar variadas facetas entre a análise histórica e as práticas jornalísticas. Como um dos meios de comunicação mais eficazes na difusão de informações e opiniões, a imprensa teve e tem um papel significativo na formação dos hábitos, dos gostos, das atitudes, dos desejos e, enfim, da opinião pública, desencadeando-se a partir daí a sua relevância como fonte / objeto da pesquisa histórica. A construção do conhecimento articulada a partir da imprensa se dá através de um processo de duas vias, quer seja, de um lado os jornais influenciam a sociedade, estimulando ou construindo modos de agir e pensar, e, ao mesmo tempo, são influenciados pelo próprio entorno social, uma vez que pretendem atingir determinados interesses inerentes às demandas de leitura. Dessa forma, o desvendar das relações inter, intra e extradiscursivas constitui ponto crucial da ação dos pesquisadores que voltam suas atenções para os periódicos, numa análise indissociável não só do jornal, mas também do contexto social no qual ele foi produzido.

Nesse sentido, vários são os temas abordados no citado dossiê, como a construção de imagens caricaturais para a arte estatuária, a cultura e as representações artísticas expressas por meio da imprensa, a retórica política impressa no jornalismo, as interfaces entre a história e a imprensa literária, as relações entre intelectualidade e jornalismo, a edificação de uma identidade caricatural a um evento político, as intersecções entre história e imprensa no caso brasileiro, o jornal como forma de expressão da cultura negra e a análise da história política pelo viés do jornalismo. Além dessa seção especial, a Historiae não deixou de publicar textos atinentes a uma temática livre com estudos de caso acerca do coronelismo no Rio Grande do Sul, a importância da história comparada para a construção do conhecimento historiográfico, a relevância do sindicalismo no quadro português e brasileiro, a gênese do Estado Novo em Portugal e um enfoque acerca da colonização alemã sul-rio-grandense.

Com o dossiê “História e imprensa” e os artigos de tema livre, a Historiae – Revista de História da Universidade Federal do Rio Grande completa o seu segundo ano de edição na atual configuração e dá continuidade a sua caminhada de mais de três décadas, iniciada com uma das revistas departamentais mais antigas da FURG, mantendo-se o espírito da constante e cada vez mais ampla difusão do conhecimento acadêmico-científico de natureza histórica.

Francisco das Neves Alves – Presidente do Corpo Editorial


ALVES, Francisco das Neves. Apresentação. Historiae, Rio Grande- RS, v. 2, n. 3, 2011. Acessar publicação original [DR]

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Imprensa, impressos / Revista Brasileira de História / 2008

Revista Brasileira de História conquistou o pertencimento ao SciELO Brasil em 1998, tendo sido um dos primeiros periódicos na versão brasileira desse portal. Assumiu, assim, papel pioneiro na área de humanas. Mais recentemente, outras revistas de nossa área passaram também a integrar o portal, e isso facilitou a busca de artigos por pesquisadores diversos e abriu um caminho cada vez mais profícuo para a construção do conhecimento histórico. Tal pertencimento, entretanto, não é um privilégio. Relaciona-se ao mérito alcançado por esses periódicos que, para serem aceitos, preencheram inúmeros quesitos formais de publicação, os quais devem ser mantidos a cada número. Especialmente, esses periódicos adotam formas de oferecer, aos seus leitores, artigos de qualidade e ineditismo, que realmente possam contribuir para o debate entre os pesquisadores.

Muitas vezes a incursão em um portal desse tipo traz alguma sensação de estranhamento ao historiador, já que muitos recursos — comuns aos pesquisadores de outras áreas — apresentam-se um tanto misteriosos para nós. Entretanto, rapidamente se evidenciam a utilidade de várias ferramentas e a dinâmica que elas podem instaurar tanto em nossas pesquisas bibliográficas como na divulgação do conhecimento produzido. Afinal, um autor escreve para ser lido.

No portal, cada revista traz instrumentos de busca por autor, assunto e título, assim como pelas palavras-chave exigidas em cada artigo. Nos relatórios de utilização, podem ser encontrados o ano de ingresso de cada periódico no portal, o índice de visitas dos volumes e o número de artigos requisitados a cada mês, ao longo dos anos. No site específico de cada revista, novamente abrem-se possibilidades de busca dos artigos de várias maneiras, mas também instruções aos autores e dados sobre a revista, assim como o número exato de consultas a cada artigo. A partir daí, o visitante pode ler ou imprimir livremente os textos, ou apenas avaliar o que lhe interessa através dos resumos. Mas pode também visualizar as referências usadas em cada texto e seguir o link de cada uma delas através do Google. Há ainda ferramentas de busca dos artigos de temas semelhantes, o caminho para o currículo Lattes do autor (e a visualização de outras publicações) e o acesso aos outros artigos do mesmo autor no SciELO, bem como a facilidade de enviar o texto por e-mail. Através do Lattes é possível acessar os artigos do mesmo autor no SciELO, ao passo que a inclusão do número DOI (Digital Object Identifier) no preenchimento dos dados de cada produção bibliográfica facilita o acesso direto ao texto. Enfim, através da internet, os periódicos tornam-se um veículo impressionante no processo de debate, expansão e divulgação do conhecimento. Associados à Plataforma Lattes, assumem um papel inestimável no fomento do contato entre pesquisadores de diversas áreas e diversas instituições.

É claro que não há diminuição da importância do registro em papel. A Revista Brasileira de História, assim como várias outras revistas, mantém sua versão impressa e prioriza sua distribuição. Se o diálogo e a interação são fomentados virtualmente, a sua realização permanece ligada à leitura em papel, alimentando o nosso verdadeiro ‘fetiche’ por livros, também tão característico da nossa área e nem sempre bem compreendido entre os outros ramos do conhecimento acadêmico.

Neste momento em que a web estimula cada vez mais os diálogos entre os historiadores, o dossiê Imprensa, impressos discute aspectos dessa forma de veiculação de idéias, informações e análises que revolucionou a vida dos homens de maneira similar — ou talvez até mais profunda, como medir? — ao modo como a internet tem revolucionado a sociedade contemporânea. Os artigos deste número privilegiaram debates sobre a imprensa e a sociedade brasileira. Meize Lucas analisa como a imprensa da década de 1950 alimentou uma cultura cinematográfica, e como as cinematecas nutriram a cultura letrada no Brasil. Noé Sandes focaliza a atuação do jornalista Costa Rego no Correio da Manhã nos anos 30 e como suas práticas valorizavam a experiência política. Marcos Gonçalves debate a cultura política em construção através da imprensa católica no início do século XX. Marisa Midori demonstra a inserção do mercado de consumo de livros em São Paulo dentro de um movimento editorial mundial crescentemente dinâmico em meados do século XIX, e Wlamir Silva discute a atuação da imprensa na ampliação do lugar da mulher no espaço público em Minas Gerais no mesmo período.

Na seção de artigos avulsos, Ângela Domingues faz instigante incursão em textos pouco divulgados sobre o Brasil no século XVIII, como diários de viagens, mapas e vistas de marinheiros e traficantes, assim como textos produzidos por homens ilustrados. Oldimar Cardoso propõe a consideração da Didática da História como uma subárea da História, argumentando como ela se apresenta muito além dos conteúdos escolares. Fabricio Santos propõe uma análise da expulsão dos jesuítas e do confisco e venda de suas propriedades, construindo um diálogo entre a economia e a política, discutindo as transformações no Império português na mesma época. Marisa Leme discute as forças dinâmicas centrífugas e centrípetas na construção do Estado no Brasil na década de 1820, e Diogo Cabral avalia exploração madeireira, império português e indústria naval em abordagem sob a perspectiva da história ambiental.

A seção Estado da Arte traz ensaio de Marcelo Mattos sobre a fecunda produção historiográfica realizada em franco diálogo com o ‘aniversário’ de quarenta anos do Golpe Militar, em 2004, e com os trinta anos da morte de Goulart, completados em 2006. O texto avalia ainda a relação entre escrita da história e centros de pesquisa e documentação. Seguem-se seis resenhas críticas, focalizando obras de interesses diversos.

Esperamos que, entre impressos e hipertextos, o presente volume da Revista Brasileira de História fomente nossos contatos, contribuindo para o trânsito de nossas experiências, idéias, pesquisas e, sobretudo, de nossas esperanças.

Conselho Editorial


Conselho editorial. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.28, n.55, jan. / jun., 2008. Acessar publicação original [DR]

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Imprensa e Memória / História & Perspectivas / 2008

Imprensa e Memórias é o tema selecionado pela revista História & Perspectivas para compor o seu número 39. Ao longo desses anos, a revista tem enfrentado o desafio de propor reflexões não apenas no âmbito da História, mas de forma ampla no das Ciências Humanas.

Neste presente número, temos a articulação entre imprensa e memórias como um campo rico de investigação e debate. No Brasil, os estudos sobre a imprensa não se circunscrevem aos pesquisadores da área da comunicação e têm avançado em suas problematizações, contando com a importante contribuição de historiadores, cientistas sociais e tantos outros interessados em desvendar as diferentes formas de imprensa, seus complexos caminhos e espaços de composição. Historiadores que trabalham numa perspectiva de fazer uma história da imprensa se somam a outros que, para além desta preocupação, discutem os processos de produção, expansão e instituição da imprensa nas suas múltiplas historicidades, enfrentando diversas linguagens e narrativas que compõem o seu universo.

Tais perspectivas apontam para a imprensa como espaço amplo de produção e circulação de jornais, revistas, livros, materiais impressos e não impressos e, porque não dizer, um lastro de produção virtual que conquista ordem e sentido no mundo contemporâneo da comunicação. As possibilidades de pesquisas proporcionadas por esse campo podem nos colocar diante de muitas histórias: história da imprensa, do livro, do jornal, da leitura, da instrução, e assim podemos seguir enumerando. Histórias que também desvendem seus produtores, seus sujeitos e redes de relações sociais como parte constitutiva da vida em sociedade.

Importante, nesta trajetória, é considerar a articulação entre imprensa e memórias enquanto relação necessária à reflexão de todos nós que lidamos com esses materiais. Como discutir a experiência de produção de memórias dentro do vasto empreendimento da imprensa? De que modo enfrentar sua materialidade, suas linguagens, sua força social? Explorar a memória, nesse sentido, pode tornar possível a construção de uma visibilidade para sujeitos e projetos distintos.

Os artigos que compõem o dossiê apresentam caminhos de reflexão para esses estudos. Seja ao discutir os sentidos de comemoração por ocasião dos 200 anos de imprensa, para pensar no que existe por detrás dos festejos e discursos laudatórios e propor um olhar mais amplo e crítico dos estudiosos para o presente e para as posições que assumimos historiográfica e historicamente em relação aos marcos históricos; seja na investigação da constituição de uma imprensa feita por trabalhadores, para discutir os significados de uma imprensa popular ou ainda compreender os sentidos da experiência desses trabalhadores na cidade. Tudo isso adverte para a necessidade de refletir sobre a existência de múltiplas experiências de imprensa, constituindo força em diferentes espaços de ação, para desvendar os vários circuitos, a formação de redes de comunicação, os caminhos dos livros, da literatura, etc., buscando provocar a construção de novos horizontes de pesquisa em meio às interrogações sobre o tema.

Para além da temática central deste número, a revista publica tradução de artigo de Alessandro Portelli, analisando diferentes maneiras de abordar os fatos históricos, as dos historiadores e as dos narradores sociais, buscando explicar os significados dessas divergências e artigos de pesquisadores de diversas instituições do país, que abordam temas variados que trazem questões metodológicas importantes, como os significados de nação, formação de identidades, história e política.

Na sessão de resenhas são apresentadas duas publicações, onde, na primeira, os desafios de refletir sobre diversidade, políticas públicas e cidadania cultural estão no foco das análises sobre o Apartheid e, na segunda, esse foco se situa nas relações entre memórias, histórias, culturas e linguagens.

Essas investigações permitem entrar na discussão dos vários temas da vida social, dos enfrentamentos cotidianos que circulam entre os jornais, as revistas, a literatura. Permitem perguntar sobre os modos como lidamos com cada conjunto documental, como colocamos as questões para o presente pelo diálogo entre pesquisadores e materiais de pesquisa e para nós mesmos enquanto historiadores e pesquisadores preocupados com as mais variadas realidades. Ao apresentar diferentes percursos de pesquisa, indicados pelas escolhas e maneiras de lidar com as mais variadas fontes e perspectivas de História, para além de fazer circular as idéias, História & Perspectivas lança o desafio do debate.

Conselho Editorial


Imprensa e Memória. História & Perspectivas, Uberlândia, v.1, n.39, 2008.

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História e Imprensa / Projeto História / 2007

Por ocasião das comemorações dos 200 anos da imprensa no Brasil, somando esforços com iniciativas de outros centros universitários e outras publicações, a Revista Projeto História traz a público um número temático sobre “Imprensa e História”.

Cientes que a importância crucial dos meios de comunicação de massa faz da reflexão sobre a comunicação social um campo interdisciplinar estratégico para a compreensão da vida contemporânea e, motivados pela oportunidade da comemoração, a intenção foi organizar um número da Projeto História que abrisse espaço para a reflexão crítica sobre a História da Imprensa na atualidade. Logo de início algumas questões se impunham para a crítica histórica: No espaço do Bicentenário o que se comemorar? Quem podia comemorar o quê? Que marcos de memória seriam atualizados? O que seria lembrado? O que seria esquecido? Que significados do passado revivido seriam articulados às disputas sobre o lugar e o papel dos meios de comunicações e, em particular, da imprensa brasileira na atualidade? E, principalmente, como os estudiosos da imprensa, com diferentes estudos, temas e abordagens, poderiam contribuir para este debate?

Nos últimos dois anos, os meios acadêmicos foram mobilizados por diferentes apelos e se organizaram para participar das comemorações do Bicentenário. Professores e pesquisadores ligados às diversas áreas envolvidos com a temática – da Comunicação às Ciências Sociais, da Arquivologia à História – desenvolveram pesquisas e debates e preparam livros e artigos sobre a história da imprensa e do impresso. Várias revistas acadêmicas destas áreas organizam dossiês sobre o tema. As semanas de jornalismo de vários cursos, os encontros e seminários de diversas associações acadêmicas propuseram destaque em suas agendas à história da imprensa e a comemoração dos 200 anos. A tônica de preparação destes eventos e publicações tem sido a chamada para a reflexão e a avaliação sobre o desenvolvimento dos estudos sobre a atuação da imprensa e os meios de comunicação entre nós.

No diálogo com agenda pública nacional que coloca em pauta a questão da democratização dos meios de comunicação e do direito a informação e a canais de audiência como questões urgentes da democracia brasileira, a intenção da Revista Projeto História ao organizar um número especial foi também trazer para o espaço das comemorações estudos e pesquisas sobre Imprensa e História, que dando vitalidade as nossas reflexões sobre memória e História neste campo, contribuam para o desenvolvimento da reflexão crítica e para o repensar das perspectivas de presente sobre o tema.

Na configuração de diferentes áreas de pesquisa do pensamento social brasileiro nas últimas décadas e, particularmente, no campo da historiografia, é crescente a presença de estudos sobre a imprensa e / ou que fazem uso de jornais e outras publicações periódicas como principal fonte de pesquisa. Tais estudos, desenvolvidos sob a ótica de diferentes abordagens e procedimentos metodológicos, abrem-se para inúmeros campos teóricos e temáticos.

Este número sobre “História e Imprensa” é composto por artigos, notícias de pesquisa e resenhas que dão visibilidade a reflexão teórico-metodológica e campos e temáticas de pesquisa que na atualidade articulam a diversidade do trabalho de historiadores e outros pesquisadores sobre a Imprensa.

As reflexões que emergem de suas páginas nos remetem tanto à análise da própria imprensa e sua atuação nas diversas conjunturas e situações históricas, quanto a própria atividade jornalística, representada pelos profissionais da área, assim como às análises que fazem emergir das páginas de diferentes veículos impressos múltiplos aspectos da história de nossa sociedade. Remetem também a preocupação com dimensões teórico-metodológicas do trabalho de pesquisa e análise histórica da imprensa e suas relações com outras dimensões da vida social.

Os artigos abordam temas e publicações de diferentes períodos e regiões do Brasil, incorporando também reflexões sobre a atuação da imprensa no contexto da América do Sul. Destaque-se como emergente para os estudos sobre história da imprensa entre nós, a importância assumida pela reflexão voltada para nosso passado mais recente e que indaga sobre facetas diversas das relações imprensa e ditadura no Brasil. Demonstrando o desenvolvimento da pesquisa em diferentes espaços do campo social articulado pela comunicação impressa, para além de sinalizar a importância crucial dos jornais comerciais que a cada conjuntura constituem o que se convencionou chamar de grande imprensa, o trabalho de pesquisa diversifica-se abrangendo publicações da imprensa regional, da imprensa feminina, da imprensa operária, entre outras. A pesquisa nestes diferentes materiais dá visibilidade a um repertório de indagações instigantes e que remetem a campos essenciais da reflexão histórica na área, tais como: as relações entre imprensa, poder e a configuração dos sistemas políticos em diferentes situações; a atuação da imprensa como espaço de mobilização, difusão e generalização de diferentes projetos, valores e personagens de grupos que disputam / afirmam a hegemonia a cada conjuntura histórica; os mecanismos de controle e censura que a cada momento regulam os conteúdos e o acesso aos meios impressos de maior circulação bem como a atuação de publicações alternativas.

A tradução do artigo clássico de Raymond Williams sobre imprensa e a cultura popular na Inglaterra do século XIX, citado por inúmeros estudos, mas de difícil acesso aos pesquisadores, busca contribuir para a expansão das perspectivas históricas do debate na área. Nele, Williams desenvolve perspectivas teóricas e metodológicas instigantes para o estudo das relações entre Imprensa e História Social. No estudo sobre a experiência inglesa no século XX, o artigo aborda temas fundamentais como o dos caminhos e sentidos históricos da popularização da imprensa comercial e o da emergência de espaços alternativos, radicais ou dissidentes no campo da comunicação impressa.

Desde fins do século XIX até períodos bem recentes, atribui-se à imprensa múltiplos significados e finalidades, tais como já o haviam feito desde tempos imemoriais, por exemplo, Olavo Bilac e Lima Barreto, os quais a consideravam válida quando cumpria sua função de auxiliar na implantação de reformas tidas como essenciais à sociedade brasileira. Tal finalidade atribuída à imprensa é recuperada no artigo em que se discute como um Jornal como o Rio News, discute, no período abolicionista, os preceitos e os projetos abolicionistas, assim como as propostas de reorganização da sociedade brasileira depois da abolição. Ou ainda quando se observa a contribuição de um noticiário para o processo de transformação de uma cidade, suas lutas sociais, ou seja, para a constituição de sua identidade. Particularmente, observa-se esta relação no desenvolvimento do primeiro jornal santista, a Revista Commercial, desde fins do século XIX até meados de 1930. Conforme o autor, “a repercussão que tiveram os movimentos abolicionista, republicano e operário em Santos se deve, em larga medida, ao vigor do jornalismo e da imprensa na cidade, que estimularam e potencializaram a circulação de novas idéias”.

Muito distante da atuação em prol do bem público conforme enfatizava Lima Barreto, observa-se em outro artigo, o uso do poder de formar opinião, inerente a este veículo de comunicação de massa, em prol de interesses privados. Com tal ótica dois enfoques se destacam. De um lado, o historiador que recupera o uso da mídia impressa como facilitador da aceitação de acordos internacionais firmados entre nações e de outro, o uso deste mesmo canal de comunicação para fazer ascender à cena pública indivíduos a serviço de interesses privados.

No primeiro caso a historiadora espanhola analisa como os jornais do Chaco (região entre o Paraguai, a Bolívia, Argentina e Brasil) traduziram, no início do século XX, a expectativa da população de participar da vida nacional, na ilusão de que, para tanto, deveriam acompanhar a dinâmica norte-americana. Tomando como documento o principal jornal dessa região que aspirava ser província, demonstra como esse divulga notícias internacionais em detrimento dos acontecimentos locais ou regionais, embora contasse com a colaboração de “todos los chaqueños para exponer problemas y proponer soluciones y manifestar las diversas inquietudes”.

No segundo aspecto, emerge para o leitor o uso da imprensa como veículo de ascensão de figuras inexpressivas à cena pública. Observa-se como tal uso tem sido possível quando os períodicos de grande circulação passam a asociar a imagem do indivíduo à determinadas expectativas da população. Tal perspectiva é aqui analisada a partir da visibilidade que adquire, no início do segundo quartel do século XX, um político como Jânio Quadros, o qual, através da imprensa, vai construindo “uma figura sedutora aos olhos do eleitorado, cuja desconfiança aumentava progressivamente em relação aos seus oponentes”.

No entanto, assim como as associações podem ser positivas para os interesses político / particulares, o podem também ser negativas para indivíduos que atuam na área. Tal se observa, por exemplo, em artigo que analisa a “saia justa” em que se vêem, tanto o próprio jornal, quanto seus colaboradores, jornalistas e proprietários, após terem, de alguma forma, pactuado com ditaduras militares, das quais a burguesia se utiliza para fazer valer seus interesses de forma autocrática. Nesta perspectiva, resgata-se das páginas de grandes matutinos em tempos bem recentes, os esforços empreendidos por estes sujeitos, para desvincular sua imagem da última ditadura vigente no país. Analisa-se, não a trajetória do jornal, mas a de “jornalistas íntimos ou não do círculo policial repressivo, os quais trocaram intencionalmente a narrativa de um acontecimento pela publicação de versões que acabam por corroborar o ideário autoritário oficial, interpretado tanto como autocensura como colaboração e nos tempos subseqüentes, o acompanhamento da trajetória destes indivíduos, quando não se afastam das atividades jornalísticas, se readaptam ou mesmo constroem para si uma imagem positiva e ‘até mesmo heróica’”.

Jornais que no período ditatorial se viram na contingência de se submeterem aos ditames do bonapartismo quanto à censura que se estendeu também ao controle do erotismo e da “pornografia para homens, mulheres e gays” e cujas ações denotam a moralidade vigente nos “procedimentos da sociedade e do governo brasileiro para controlar o sexo no jornalismo. […] Era em nome da vigilância de atos, exposição, desenho, pintura, distribuição ou qualquer objeto obsceno que o discurso repressor se propagava.

Como se observa, os usos que a imprensa possibilita aos historiadores são múltiplos e por isso demandam um repertório de procedimentos teórico-metodológicos capazes de garantir a objetividade no entendimento da imprensa como força social ativa, inerente à historicidade que circunscreve cada conjuntura estudada. Desta assertiva resulta, conforme se recupera nas páginas desta revista, a indicação de instrumentais que possam auxiliar o historiador na empreitada de “articular a análise de qualquer jornal ou material da imprensa periódica que se estude, ao campo de lutas sociais no interior do quais se constituem e atuam”.

Tal instrumental é tanto mais necessário quando se evidencia o uso do material impresso como fonte de informações sobre uma dada realidade, o que abre um leque de muitas outras possibilidades temáticas e de resgate de especificidades históricas. Essa perspectiva se evidencia claramente, por exemplo, no texto em que o autor analisa o papel da imprensa na propagação de conceitos de progresso e civilização versus o arcaísmo, particularmente destacados na contraposição entre o urbano desenvolvido e o rural atrasado. Observa-se como os anúncios publicados nos jornais de cidades como Diamantina e Juiz de Fora permitem ao historiador “indagar sobre o cotidiano, sobre as mudanças nos valores, sobre o impacto dessas novidades sobre aqueles que as consumiam – e também sobre o caráter excludente dessa nova cidade que se vendia nas páginas impressas, nas quais nem todos têm o mesmo espaço, e o consumo passa a ser uma marca distintiva de pertencimento à civilização e ao progresso”. Neste sentido, conforme afirma ainda o autor, “no arfar das caldeiras, no mover das impressoras, os homens de imprensa em Diamantina e Juiz de Fora deixaram no papel suas impressões, sua representação de uma cidade moderna, da tecnologia e do progresso. Através dos anúncios, abriram espaço para produtos e serviços, ligados a uma nova sociabilidade, novos hábitos de higiene e consumo, novas demandas geradas pela civilização moderna. Buscavam atender, também, às necessidades tradicionais, dentro de uma lógica, também esta, moderna – negócios eram negócios, e os anúncios eram parte do negócio da imprensa”.

A partir das informações da imprensa também se recupera as contradições de classe e as lutas sociais que se expressam a partir do noticiário de eventos que, aparentemente, explicitam contendas individuais. Tal perspectiva se destaca no texto em que o autor norte americano radicado no Brasil, a partir de um estudo de caso, identifica as versões antagônicas que emergem dos depoimentos divulgados pela imprensa sobre o assassinato de um líder do MST. Assim, não tanto pela interpretação do jornal, mas pelos depoimentos reproduzidos pelos matutinos, demonstra-se como as entrevistas concedidas pelos protagonistas e reproduzidas nas páginas dos noticiários, auxiliam o historiador na análise das diferentes representações que cada um dos envolvidos elabora, a partir de seus interesses e nas circunstâncias sócio / econômico / culturais que os condicionam. Conforme apontado pelo autor, a “aproximação íntima do atirador e da vítima nos diz mais sobre a realidade brasileira do que uma imagem dos dois como lutadores de classes. Aqui estavam dois vendedores, dois homens que viviam de seus próprios punhos, um dos quais se tornou um porta-voz para os camponeses arrendatários, enquanto o outro se tornou, talvez, por apenas um momento, um agente dos interesses latifundiários”.

As disputas pela memória, agora sobre determinado período histórico, são evidenciadas em análise que toma as repercussões na mídia de dois filmes que têm como pano de fundo a última ditadura militar brasileira. Trata-se do artigo que reflete sobre a repercussão dos filmes Lamarca (1994) e O que é isso companheiro? (1997) em três grandes jornais, a Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil.

Recupera-se ainda as representações sobre o feminino vigente em nossa sociedade no início do século XX, particularmente no meio operário que fazia circular jornais em defesa de seus interesses corporativos ou de classe. Toma-se como fonte de informações jornais de tendências anarquistas, os quais, de forma mais enfática, se colocavam como libertários em relação ao gênero feminino. Com a preocupação de ir além da informação e da reflexão crítica sobre a realidade, suas assertivas encontram-se “repletos (as) de opiniões e posições, […] valores, constituindo um campo de tensões no qual surgiram referências variadas ao feminino”. Este universo de informações possibilita hoje ao analista recuperar a posição relativa das mulheres naquele universo, as expectativas de comportamentos, atitudes e preceitos aceitos ou rejeitados, atribuídos ao feminino.

Heloisa de Faria Cruz

Vera Lucia Vieira

Editoras Científicas


VIEIRA, Vera Lúcia; CRUZ, Heloisa de Faria. Apresentação. Projeto História, São Paulo, v. 35, 2007. Acessar publicação original [DR]

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