Perspectivas em História Social / Antíteses / 2008

Editorial

Iniciar uma nova revista apresenta sempre múltiplos desafios, principalmente pela força criadora e aglutinadora que esta empreitada leva implícita, já que não depende apenas de nosso esforço único, mas também da ação coletiva e institucional. Por isso, das atividades acadêmicas seja talvez aquela na qual a longa duração se reflita de forma mais contundente. Em Antíteses, projetos individuais, de grupos e oficiais se encontrarão para dar origem a um produto que levará suas marcas e no qual poderão ser perceptíveis seus humores temporais.

O Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina abraçou a idéia desta publicação, já que considera o debate a chave para aperfeiçoar o conhecimento e as revistas como um dos instrumentos mais importantes para constituir uma arena onde autores e idéias sejam colocados à disposição pública e divulgados e, com isso, poderão transpor os limites espaciais e temporais aos quais estamos sujeitos.

O nome escolhido para a revista é a primeira amostra dessa intenção, retomando uma palavra que o tempo tinha ossificado decidimos resgatá-la, mas desta vez livre de interpretações que podem gerar preconceitos teóricos, e de alguma forma brincamos com sua natureza polissêmica. Assim, adotando-a como própria, não pretendemos reviver questões ideológicas há muito superadas, mas registra-o como um dos mais importantes objetivos almejados pela revista.

Para alcançar esse propósito, procuramos interagir com um público acadêmico amplo valendo-nos das novas tecnologias e oferecendo diferentes alternativas de participação e discussão. Em primeiro lugar acreditamos na força dos dossiês temáticos, os quais abordarão uma gama de problemáticas consideradas relevantes. Nos artigos de fluxo contínuo os pesquisadores poderão tratar de temas que julguem meritórios, mas que não estejam contemplados nos dossiês em andamento.

Pesquisadores de notório saber serão convidados a expor suas contribuições nos âmbitos nos quais se destacam. Nesta ocasião, Estevão Chaves de Rezende Martins nos proporciona uma reflexão sobre “Memória e experiência vivida: a domesticação do tempo na história”, tema da aula inaugural que deu início ao período letivo de 2009 em nosso programa de pós-graduação, no qual analisa como os atos humanos de lembrar e esquecer se constituem em procedimentos elementares do conhecimento, da coesão social e, por conseqüência, da história.

Com as seções de notas sobre acervos e fontes de pesquisas, nos propomos a constituir uma ferramenta para que os investigadores possam divulgar suas descobertas, inquietações ou caminhos percorridos e, assim, apresentar aos nossos leitores novas possibilidades no âmbito da pesquisa, já que os acervos, por ocasiões tão ricos, encontram-se, muitas vezes, ocultos dos não iniciados que, dessa forma, poderão encontrar auxílios para trilhar suas próprias sendas, ou pontos de encontro para compartilhar suas experiências.

No espaço reservado às entrevistas, pretendemos divulgar opiniões de personalidades e acadêmicos, privilegiando aqueles que sejam pouco conhecidos no Brasil. Com isso, pretendemos contribuir para que outras perspectivas amplifiquem sua voz.

A seção de debates, uma modalidade que há anos era a favorita dos periódicos acadêmicos e que vem praticamente desaparecendo desse meio, foi retomada com força em Antíteses, como um espaço para a polêmica sadia e necessária, sem privilegiar nenhum ponto de vista em particular, permitindo que todos possam dialogar, respeitando as alteridades, sem perder com isso seu sentido original.

Muitas vezes essa prática foi deslocada para as resenhas, estas, aqui, sem perder seu ponto de vista nem esquecer seu lado crítico, serão reservadas para dar conhecimento de obras com méritos diversos a um público mais amplo. Com as traduções, nos propomos colocar à disposição da comunidade acadêmica textos que, apesar de seu mérito, ainda não hajam sido divulgados em nossa língua. Todas essas seções serão coordenadas por nossa colega Silvia Cristina Martins de Souza e Silva.

Por fim, com a seção Primeiros Passos, que será coordenada pelo professor Alfredo dos Santos Oliva, nos propomos a incorporar novos ares às discussões, incentivando, através de chamadas específicas, a participação de nossos acadêmicos da graduação e da pós-graduação a apresentação de artigos produzidos nas pesquisas realizadas na instituição em suas diversas instâncias.

Falando das concretizações deste primeiro número, gostaria salientar o difícil dilema que nos foi colocado pelo Dossiê “Perspectivas em História Social”, que não era outro senão o de tomar a decisão sobre quais colaborações incluir e quais excluir. De certa forma, toda história pode ser considerada História Social, na mesma medida que toda história é História Cultural. Não existe história não social ou história não cultural. Definir os limites desse corte, portanto, não é nada fácil, razão pela qual decidimos deixá-lo a critério do leitor.

Nesse número, o veio teórico-metodológico aberto por Rezende Martins continua, à sua medida, com o artigo de José D’Assunção Barros, que disserta em “História, narrativa, imagens. Desafios Contemporâneos do Discurso Historiográfico”, sobre um problema que a cada tanto retorna, agora com maior força, por causa dos novos critérios nos processos avaliativos da produção acadêmica. Assim, a preocupação recorrente acerca da tensão entre a liberdade acadêmica, neste caso na produção de textos, e a “objetividade cientifica” é o objeto principal de sua análise, contribuindo com isso para um debate sempre atual.

Adotando diferentes perspectivas, os outros artigos se ocupam de estudos de casos, que manifestam a riqueza da produção nas ciências sociais em geral, num país de dimensões continentais, com objetos e ângulos teóricometodológicos diversos.

César Augusto B. Queirós em “A questão social no Rio Grande do Sul: positivismo, borgismo e a incorporação do proletariado à sociedade moderna” analisa a forma como o Partido Republicano Rio-Grandense, de forte inspiração positivista, durante os governos de Júlio de Castilho e Borges de Medeiros, tratou o movimento operário, num momento de forte agitação social.

O aporte das próximas duas colaborações vai além dos seus objetivos específicos dos autores, já que, através do diálogo interdisciplinar, podemos trazer de volta para uma revista, focada na problemática histórica e editada por historiadores, discussões que no Brasil por diversos motivos estão quase ausentes do debate nesse campo historiográfico, mas que inegavelmente deveriam retornar para poder compreender melhor certos processos.

Assim, Fabiane Santana Previtalli e Andréia Farina de Faria em “Reestruturação produtiva e novas formas de controle no local de trabalho: a experiência da indústria de fumo em Uberlândia / MG” nos brindam com uma abordagem da problemática relação entre novas tecnologias, trabalho e educação num contexto específico, mas que seguramente pode ser interpretada numa perspectiva mais abrangente.

Também desde uma perspectiva sociológica, Luciana da Luz Silva, em “Breve relato histórico da luta por moradia em Salvador: o caso da ocupação Quilombo de Escada” ilustra o conflito fundiário no cenário soteropolitano, não apenas focado nesse aspecto, mas com nuances que permitem inserir a problemática no contexto amplo do quotidiano e da luta pela sobrevivência de amplos segmentos sociais brasileiros, que não se limitam apenas a esse espaço geográfico.

A partir de outro ângulo, mas igualmente focado na problemática que nos é colocada pela exclusão, Mauro Amoroso, através de depoimentos de repórteres, proporciona, em “Memórias do olhar: as favelas do Rio de Janeiro na lembrança dos repórteres fotográficos”, um panorama acerca do papel da imprensa e do discurso foto jornalístico na cobertura de matérias sobre as favelas cariocas.

Esse artigo e os posteriores se ocupam de problemas e utilizam perspectivas que mostram o dinamismo da historiografia brasileira, que rapidamente incorporou as novidades vindas do mundo afora, mas que às vezes se esqueceu ou enviou ao ostracismo assuntos e visões, que, apesar dos justos questionamentos, são medulares na análise social, vista como um todo.

Demonstrando a riqueza desses novos olhares, Raul Max Lucas da Costa se centra, no artigo “Alcoolismo, discurso científico e escrita de si no Diário do Hospício de Lima Barreto”, na relação entre a perspectiva individual e coletiva para tratar de um problema social e médico, que tem despertado um interesse crescente, precisamente por mudar o locus a partir do qual é abordado, pelas diferentes tradições teóricas nos mais diversos tempos e espaços.

A preocupação por questões vinculadas à arte de curar é comum a Patrícia de Freitas que desde a perspectiva de gênero aborda em “‘A mulher é seu útero’. A criação da moderna medicina feminina no Brasil”, as vicissitudes particulares no surgimento de duas especialidades voltadas para a saúde das mulheres como a ginecologia e obstetrícia.

Igualmente com foco no gênero, Caroline P. Leal nos propõe continuar como tema das festas populares em “Carnaval em Porto Alegre: mulheres, entrudo, perseguição e repressão”, resgatando seu surgimento na capital da Província do Rio Grande, ainda no século XIX, assim como muitas das polêmicas que levaram à sua defesa ou condenação.

Já na seção de Notas sobre Acervos e Fontes, contamos com a colaboração de Nancy E. Juncos, colega da Argentina, que oferece, em “El retorno de los Documentos de las Temporalidades de Córdoba al Archivo General e Histórico de la Universidad Nacional” um pequeno, mas significativo, panorama de um riquíssimo arquivo da mais antiga universidade argentina, prestes a completar quatro séculos de existência, e que também foi a cabeça intelectual dos jesuítas no Cone Sul, durante o período colonial tendo, em épocas recentes protagonizado fatos relevantes como a Reforma Universitária, que repercutiu em vários países da América Latina.

Na continuação, Nora Siegrist, também colega da Argentina, elabora uma resenha do livro de Ana María Rivera Medina, Entre la cordillera y la Pampa: la vitivinicultura en Cuyo, Argentina (S. XVIII), e Ana Claudia Ribas nos ilustra a respeito da coletânea organizada por Luiz Fernando Duarte, Maria Luiza Heilborn, Myriam Lins de Barros, Clarice Peixoto, Família e Religião.

Para finalizar, manifesto meu reconhecimento a todos aqueles colegas que se animaram a colocar seus nomes à disposição para dar crédito a algo novo como membros de seus conselhos Editorial e Consultivo, que nos apóiam, e aos quais deveremos prestar contas, esperando confirmar a confiança depositada. Também aos autores, que nos confiaram seus textos, aos consultores ad hoc, que os avaliaram em tempo e que contribuíram com sugestões valiosas para aprimorá-los, demonstrando assim o quanto a criação do conhecimento é dinâmica e fruto do esforço coletivo.

Igualmente devo agradecer aos colegas do programa de pós-graduação por se engajarem na formação dos conselhos, indicando membros tão qualificados, e, em especial, ao seu Coordenador, José Miguel Arias Netto; a Francisco César Alvez Ferraz, agradeço pela organização deste primeiro dossiê; a Célia Regina da Silveira Célia, Isabel Bilhão e Silvia Cristina Martins de Souza e Silva, pela correção de alguns textos; às assistentes editorias, Daniela Reis de Moraes e Manuela Garanhani Lopes de Mello que, no atribulado fim de ano, esticaram seu tempo para se dedicarem a inúmeras tarefas. Sem as suas colaborações, a aspiração de lançar uma nova revista não teria sido possível.

Hernán Ramírez –  Editor

Londrina, dezembro de 2008

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