Humanidades Digitais / Estudos Históricos / 2020

Este número de Estudos Históricos tem por tema “Humanidades digitais”. Trata-se de um rótulo recente, abrangente e pouco preciso. Nele, pode-se incluir tudo que signifique a aplicação de computação e de tecnologias digitais ao universo das humanidades. O pano de fundo é a expansão de big data, conjuntos de dados grandes demais para serem analisados por formas tradicionais de pesquisa.

Não há uma visão consensual sobre o que é esse mundo. Para alguns, trata-se de um novo campo de conhecimento; para outros, seria mais uma “comunidade” de práticas de pesquisa. De qualquer forma, podemos afirmar ao menos duas coisas com segurança: primeiro, que se trata de um mundo profundamente multi e interdisciplinar; segundo, que a prática da pesquisa de cientistas sociais e historiadores será, se já não o foi, profundamente alterada. Temos, assim, tanto uma riqueza em termos de potencialidade criativa quanto um desafio em termos de formação profissional. Não se trata de substituir o “artesanato intelectual” de que tratou C. Wright Mills por computadores e inteligência artificial, mas de continuar existindo o que ele chama de “imaginação sociológica” nesse admirável (?) mundo novo.

Os artigos selecionados para este número, bem como a entrevista com o professor Matthew Connelly, permitem-nos, para além de seus objetos específicos, conhecer um repertório variado de possibilidades de pesquisa, bem como alguns caminhos que os pesquisadores têm utilizado. Esperamos que sirvam de inspiração para outras explorações.

Referência

MILLS, C. W. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.

Celso Castro – Professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC / FGV) e Editor convidado da Revista Estudos Históricos. E-mail: [email protected]


CASTRO, Celso. Editorial. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.33, n.69, jan. / abr.2020. Acessar publicação original [DR]

Digital Humanities e o fazer histórico na contemporaneidade / Aedos / 2020

Ao adentrar a terceira década do século XXI, tornou-se um eufemismo apontar a emergência das Tecnologias de Informação e Comunicação como o grande fenômeno cultural dos nossos tempos. A obra Cibercultura, de Pierre Levy (1997), já conta mais de vinte anos desde sua publicação e, neste intervalo, foi seguida por extensa bibliografia que se dedicou a escrutinar as transformações produzidas pela cultura da informação em nosso cotidiano a partir de variados enfoques. Ainda assim, continuamos a sentir os impactos produzidos pelo advento do que alguns têm denominado como ‘quarta revolução industrial’ (SCHWAB, 2017), sendo constantemente atravessados pelas transformações que uma diversidade de novas plataformas, ferramentas e gadgets têm causado em nossa vivência cotidiana, em nossas formas de sociabilidade e em nossos processos de trabalho.

O campo acadêmico tem sido um dos pontos focais deste processo, posto que ocupa, simultaneamente, três papéis distintos nas dinâmicas que se produzem a partir da emergência de um novo paradigma tecno-cultural: é um espaço de criação – de concepção de novas tecnologias, de desenvolvimento de ferramentas, de inventividade, enfim; é um espaço impactado pelo desenvolvimento das novas técnicas, instrumentos, programas, recursos e métodos, à medida que incorpora estes ao seu próprio processo de produção do conhecimento; e, ademais, é um espaço que se propõe a refletir sobre os impactos e transformações que ditos processos produzem sobre a sociedade e sobre si próprio, bem como suas potencialidades e limitações.

Nesse contexto, é possível apontar que as Humanidades vêm incorporando progressivamente as novas tecnologias aos seus processos de produção, interpretação e crítica do conhecimento. Se bem que esta não seja exatamente uma novidade: como afirma o professor Daniel Alves – que participa de uma das entrevistas publicadas nesta edição da Aedos –, a convergência entre os computadores e investigadores das mais diversas áreas das humanidades (sejam historiadores, geógrafos, filólogos, linguistas, cientistas sociais, etc.) é algo presente desde o surgimento dos primeiros, nos (aparentemente) distantes anos 1950 ou 1960. Por outro lado, os últimos vinte ou trinta anos parecem ter produzido uma mudança qualitativa nesta relação, a partir da disposição desse campo em assumir e pensar sobre as transformações de caráter epistemológico produzidas pela interface entre humanidades e tecnologias – em outras palavras, a partir do momento em que reconhecemos que as tecnologias impactam nossa forma de produzir conhecimento e transformam o próprio conhecimento que produzimos.

No início dos anos 2000, o linguista John Unsworth, da University of Virginia, formaliza a utilização de uma nova categoria para pensar estas relações e seus desdobramentos: Digital Humanities, termo posteriormente traduzido como “Humanidades Digitais”. A obra A Companion to Digital Humanities, de 20042 , consistiu no primeiro esforço de discussão sistemática de trabalhos relacionados à área de humanidades que tinham como denominador comum justamente a incorporação das TIC’s ao seu fazer acadêmico, e os efeitos que se produziam a partir daí. Mais do que isso, a obra aspirava a constituição das Humanidades Digitais como uma nova disciplina acadêmica, o que, como ficaria demonstrado depois, está longe de constituir um consenso entre os pesquisadores que vêm se envolvendo neste debate desde então.

A partir desta primeira definição, outros autores viriam a tratar desta relação nos anos seguintes, propondo diferentes abordagens e interpretações. Daniel Alves, por exemplo, defende que o conjunto de pesquisadores que passam a se dedicar ao desenvolvimento de estudos na área de Humanidades Digitais constituem, antes do que uma disciplina ou área específica, uma “comunidade de práticas”, tendo em comum o emprego das tecnologias informáticas como ferramentas para produção do conhecimento (ALVES, 2016). Anaclet Pons, por sua vez, aponta que o “humanista digital” seria aquele que aposta em novos modelos interpretativos, não apenas por “hacer cosas de modo distinto” mas principalmente por “’pensar’ el mundo de manera diferente a través de las especificidades que definen el medio digital y el pensamiento computacional” (PONS, 2018, p. 38).

Já o historiador uruguaio Juán Bresciano, ao refletir sobre a atualização do campo historiográfico nesse processo, indica que a incorporação das novas tecnologias introduz novas formas de produção e comunicação do conhecimento histórico, que o autor classifica como rizomáticas, justamente em razão da centralidade que o hipertexto assume nas novas tecnologias de comunicação baseadas na Internet (BRESCIANO, 2015, p. 33). Para além disso, o autor destaca o fato de que “los acontecimientos históricos actuales se reflejan en una variada gama de registros digitales que modifican el concepto tradicional de fuente […] por sus estructuras, funciones y características, de aquellos a los que se encuentra habituado el historiador” (Idem, p. 20). Serge Noiret, por seu turno, destaca que “quase todas as problemáticas tradicionais do ofício de historiador […] sobretudo a comunicação da história e dos resultados de pesquisa […] passam agora, em parte ou no todo, pela tela do computador” (NOIRET, 205, p. 32-33), sinalizando a emergência de novos desafios para o exercício de nosso ofício.

A última década, em particular, assistiu a uma proliferação de produções acadêmicas das mais diversas áreas que se incorporaram a esta discussão, seja a partir de reflexões de cunho teórico, seja em estudos aplicados que incorporaram propriamente as ferramentas informáticas aos seus métodos de trabalho. E nessa leva podemos identificar que a História, enquanto disciplina dinâmica e em permanente processo de (re)construção, tem marcado presença, inclusive com uma significativa participação de jovens pesquisadores brasileiros que têm se dedicado a explorar um campo emergente que têm sido denominado por alguns como História Digital – especialmente em sua interface com os debates acerca da História Pública, como se verá. Aqui, sem nenhuma pretensão de dar conta da totalidade dos trabalhos e pesquisadores que têm se destacado nesta área, poderia apontar alguns nomes, tais como os de Anita Lucchesi, Bruno Laitano, Bruno Leal, Dilton Maynard, Fábio Almeida, Leonardo Barleta, Pedro Telles, Rafael Laguardia, Tiago Gil e Thiago Nicodemo, dentre outros nomes de uma geração – na qual muito modestamente me incluo – que tem contribuído para a construção de uma produção historiográfica qualificada e, quiçá, inovadora, a partir dos métodos, práticas e reflexões que vem propondo.

Torna-se muito pertinente destacar, neste sentido, o dado apresentado por Daniel Alves (2016), quando destaca que o português se consolidou como a segunda língua em termos de produção acadêmica no campo das Humanidades Digitais, ficando atrás apenas da produção em língua inglesa. Isto demonstra, a nosso ver, certa maturidade nos debates que vêm se desenvolvendo no campo acadêmico lusófono, e ao mesmo tempo indica o quanto podemos contribuir para o avanço do conhecimento em humanidades nessa área.

Partindo deste contexto, o presente dossiê da Revista Aedos teve por objetivo discutir a produção do conhecimento histórico e a constituição do próprio ofício do historiador contemporâneo a partir da abordagem das ditas Humanidades Digitais, em suas mais diferentes apresentações. Pensado a partir do Manifeste des Digital Humanities (2010), este número temático desafiou os colegas historiadores e historiadoras a incorporar tais ferramentas às suas reflexões teóricas e à construção de seus objetos e pesquisas. Assim, o presente dossiê se propõe a contribuir para a discussão a respeito da incorporação das tecnologias informacionais às práticas dos profissionais da área, bem como suas implicações teóricas, metodológicas e epistemológicas para a constituição de nossa disciplina. Cabe destacar, antes de adentrar a apresentação propriamente dita dos artigos que compuseram esta edição, o expressivo número de submissões recebido pela revista: foram mais de 20 trabalhos enviados para a composição deste dossiê temático, abrangendo os mais diversos recortes, abordagens teóricas e metodologias. Tivemos bastante trabalho até chegar a nossa seleção final, mas podemos afirmar que ficamos realmente felizes com o resultado.

A configuração do dossiê que ora se apresenta foi marcada por uma diversidade de temáticas e abordagens, trazendo para o debate diversas perspectivas possíveis da relação entre a História e as novas tecnologias. Dentre essas perspectivas, podemos notar que a relação entre a História Digital e a História Pública foi bastante presente, aparecendo de forma transversal nos artigos que compuseram este número. Exemplo disso é o trabalho de Bruno Constante, intitulado “O uso da mídia social Twitter como fornecedora de fontes primárias e sua utilização em um caso específico”. Nele, o autor discute o uso da rede social Twitter como fonte para o estudo de temas contemporâneos, utilizando como corpus um conjunto de tuítes publicados por lideranças políticas e empresariais brasileiras no ano de 2016. Pela própria temática abordada, o artigo dialoga diretamente com a construção de uma história política e socialmente engajada, nos moldes do que já foi defendido por autores como Eric Hobsbawm ou René Rémond. Desta forma, Constante analisa a polarização que se estabeleceu nas redes em torno do episódio da queda do governo petista de Dilma Rousseff, concluindo pela defesa de que o processo que levou a sua derrubada consistiu, efetivamente, em um golpe de Estado.

Outro trabalho que se debruçou sobre a relação entre História Digital e História Pública foi o artigo “Grupo ‘História de Guaíba’: uma iniciativa de História Pública Digital no Facebook”, de Karen Silva. A autora busca, em seu texto, estabelecer um diálogo com o conceito de História Pública Digital formulado por Serge Noiret para analisar as postagens realizadas na página que empresta seu nome ao título do artigo. A partir do exame das postagens realizadas, Silva discute as potencialidades que iniciativas similares têm de contribuir para a difusão do conhecimento histórico nas redes, além de colaborar para o engajamento de agentes diversos na construção desse conhecimento, extrapolando as fronteiras da academia e dialogando diretamente com as discussões sobre a produção de uma História Pública.

Já Ana Carolina Machado busca refletir sobre as relações entre o público, o digital e o conhecimento histórico a partir de uma perspectiva bastante atual no artigo “História digital em tempos de crise: as demandas do tempo imediato e suas implicações no trabalho dos historiadores”. Pensando as consequências ocasionadas pelo contexto de pandemia em que nos encontramos no momento desta publicação, Machado procura entender o papel que cumpre à História Digital em tempos em que a presença física se encontra impossibilitada. Desta forma, estabelece um diálogo privilegiado com a proposta original deste dossiê, ao discutir temas como “o ofício do historiador e seu papel social, a função da história diante das demandas do presente e do imediatismo, e os limites e potencialidades do ciberespaço como meio de divulgação e método de ensino da história”.

A constituição da rede mundial de computadores como um espaço de produção e divulgação da História também está presente nos trabalhos publicados nesta edição – como esperado, aliás. Um exemplo é o artigo “Produzindo e Difundindo Conhecimento Histórico no Youtube: O Canal ‘Nerdologia’ e os Conceitos de ‘Golpe’ e ‘Revolução’”, de Danilo Linard, que, também partindo das discussões a respeito da História Pública e das propostas metodológicas formuladas por Carneiro e Laitano (2019), busca compreender como conceitos históricos são apresentados e problematizados em um canal da plataforma de vídeos Youtube. Linard observa que o conteúdo produzido pelo canal “Nerdologia”, embora não seja voltado para um público acadêmico, não deixa de observar critérios pertinentes à pesquisa e à escrita da história. O autor conclui sugerindo que essa nova prática “historiográfica” (qual seja, a produção de conteúdo de divulgação científica para plataformas e ambiente virtuais) reafirma a “relevância do papel social do historiador e da contribuição do conhecimento histórico para a compreensão e intervenção na realidade que nos cerca”.

Outro trabalho que aborda o papel da Internet e as novas formas de produção do conhecimento é o artigo “Memórias afetivas na era digital: um passado não tão distante”, de autoria de Kelly Nepomucena e Lucas Pereira. Neste caso, o foco dos autores foi problematizar a noção de memória afetiva frente ao advento da cultura digital, discutindo o universo dos matches e o crescente mercado de aplicativos de relacionamento no Brasil – uma temática que, pela sua singularidade, contribui para demonstrar como o público e o digital contribuem para a abertura de novas perspectivas e abordagens de pesquisa, especialmente quando pensamos na história da própria Internet.

Na chamada original desta edição, também propúnhamos debater as variadas metodologias, abordagens e tipologias documentais que se apresentam para o historiador a partir da emergência das tecnologias informáticas, sendo este um tema que também se fez presente, grosso modo, em todos os trabalhos que reunimos. Contudo, para facilitar nossa apresentação, escolhemos destacar três artigos que, a nosso ver, discutem de forma mais sistemática a perspectiva metodológica relacionada a apropriação das tecnologias ao fazer acadêmico, apresentando diferentes enfoques que podem ser adotados quando se trabalha com as Humanidades Digitais.

O primeiro desses trabalhos é o artigo de Priscila Scoville, intitulado “As definições do tablete foram atualizadas: o Antigo Oriente Próximo e as Humanidades Digitais”, que explora o uso da metodologia de Análise de Redes Sociais (ou SNA, na sigla em inglês). Sendo esta uma técnica que se notabilizou nos últimos anos pelos estudos aplicados a redes sociais online, destacamos a inovação do trabalho apresentado por propor sua aplicação ao estudo de sociedades da Antiguidade Próximo-Oriental. Partindo da aplicação das ferramentas de Análise de Redes, Scoville apresenta um “mapa” em que são exploradas as interações diplomáticas entre diferentes reinos, propondo assim “revisitar o antigo oriente, desmistificando e recontextualizando aqueles povos em uma realidade mais integrada e interconectada”.

Pedro Nuñes, Marcia Vasquez e Bruno Martins, por sua vez, discutem a utilização de softwares de Realidade Virtual em pesquisas históricas e arqueológicas no artigo “Projeção tridimensional de uma estrutura funerária egípcia: implicações, formulações e análise espacial da tumba de Nakht (1401-1353 A.E.C.)”. Como se vê, ganha destaque mais uma vez o contraste entre uma temporalidade afastada e a aplicação de ferramentas normalmente pensadas em contextos contemporâneos, como no trabalho anterior. Os autores apresentam, em seu trabalho, uma reconstrução tridimensional de uma estrutura funerária egípcia, buscando discutir como o uso da Realidade Virtual pode auxiliar na compreensão do espaço e na análise de significados simbólicos e religiosos, de modo a facilitar a interpretação da agência dos objetos e imagens dispostos na tumba.

Já no artigo de Leandro Santos, intitulado “Entre o líder político e o mito religioso: a construção do perfil de Padre Cícero a partir de acervos de periódicos e arquivos digitais”, o foco da discussão recai sobre o uso de acervos digitais na pesquisa histórica, no caso, o acervo de jornais digitalizados e disponíveis na Hemeroteca Digital, sítio eletrônico mantido pela Biblioteca Nacional. A partir da pesquisa em 18 periódicos e jornais publicados no estado do Ceará na primeira metade do século XX, Santos analisa a construção do perfil público do padre Cícero Romão Batista, figura política de destaque na Primeira República, buscando refletir sobre as diferentes imagens construídas pela imprensa da época e como estas variavam de acordo com o posicionamento político-editorial de cada veículo.

O uso das novas tecnologias em sala de aula também é um tema debatido por alguns dos trabalhos do presente dossiê. No artigo “A História que queremos: uma proposta de ensino de História para as redes sociais”, por exemplo, Bruno Schlatter propõe-se a discutir o uso de redes sociais online em sala de aula a partir de um estudo de caso desenvolvido em sua prática docente no Ensino Fundamental. Trabalhando com o conceito de protagonismo juvenil, o autor parte das postagens realizadas pelos seus estudantes para analisar o engajamento e agência dos alunos na produção do conhecimento, demonstrando como as redes sociais podem se constituir como um espaço privilegiado para a construção das relações de ensino-aprendizagem, seja como espaço de expressão dos jovens, seja como apoio para produção e disseminação de novos saberes.

Por outro lado, Ana Gláucia Motta analisa a utilização de exposições museológicas disponibilizadas em formato digital como ferramentas pedagógicas no texto “Museus históricos no mundo digital e suas potencialidades em sala de aula”. O trabalho busca discutir o uso de exposições disponíveis na web como ferramentas didáticas e sua aplicação na construção do conhecimento histórico no âmbito escolar, partindo da análise de três importantes e tradicionais instituições de memória que disponibilizam parte de seu acervo para acesso online – o Acropolis Museum, de Atenas, o British Museum, de Londres, e o Museu Imperial, localizado em Petrópolis. A partir de um esforço de revisão bibliográfica e das reflexões propostas ao longo do trabalho, a autora destaca que, mais importante do que a simples incorporação dessas novas tecnologias ao cotidiano escolar, é o trabalho do professor na construção de uma didática que propicie a construção de um raciocínio crítico e autônomo por parte dos estudantes.

Por falar em museus na Internet, outro trabalho que busca explorar a relação entre as instituições de memória e a rede mundial de computadores é o artigo de Ian Marino, denominado “A história e as mídias digitais na experiência do Instituto Museu da Pessoa”. Neste trabalho, o foco recai sobre a análise de uma experiência singular de uma instituição que tem seu trabalho pensado em termos virtuais e colaborativos. Assim, Marino propõe-se a discutir o papel das tecnologias digitais na constituição deste museu, levantando importantes questionamentos a respeito dos métodos de construção do conhecimento histórico em meio ao advento das novas tecnologias digitais, além de destacar a experiência única desenvolvida pelo Museu da Pessoa em seus mais de 20 anos de existência, constituindo-se em uma instituição na qual o debate com a História Pública se dá também de forma privilegiada.

Concluímos o presente dossiê trazendo duas entrevistas internacionais com pesquisadores cujas produções constituem uma significativa contribuição para o desenvolvimento do campo das Humanidades Digitais. Na primeira delas, os integrantes do grupo de pesquisa Arqueologia Interativa e Simulações Eletrônicas (ARISE), da USP, reuniram-se para entrevistar Andrew Reinhard, professor do Departamento de Arqueologia da University of York, no Reino Unido, e especialista em um campo inovador do conhecimento arqueológico denominado Archaeogaming. Conforme apontam os autores, o objetivo central da entrevista foi “difundir a área de pesquisa que relaciona videogames com Arqueologia”, explorando, entre outros temas, a constituição dos softwares e jogos digitais como registros da cultura humana contemporânea, além de aspectos teóricos e metodológicos presentes na obra do professor Reinhard.

Na segunda entrevista, realizada por este que vos escreve, trazemos uma conversa com o professor Daniel Alves, do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa (UNL). Como um dos principais divulgadores do campo das Humanidades Digitais em nosso idioma, o professor Daniel tem desenvolvido um trabalho marcado por intensa colaboração interdisciplinar, sendo um dos fundadores da Associação das Humanidades Digitais (AHDig), que reúne grande número de pesquisadores brasileiros e portugueses vinculados a áreas bastante diversas do conhecimento acadêmico. A entrevista explora aspectos diversos da relação entre humanidades e tecnologias, como o surgimento do campo das Humanidades Digitais e os impactos das novas tecnologias para o trabalho do historiador, além de retomar o conceito de “comunidade de práticas” defendido pelo pesquisador em seus trabalhos.

Como apontamos, as contribuições para o presente número temático foram diversas e variadas, abordando a interface entre Humanidades e as novas tecnologias a partir de múltiplas perspectivas. Esperamos, assim, que a publicação deste conjunto de trabalhos possa contribuir para que se avance no debate a respeito das Humanidades Digitais no campo historiográfico brasileiro, fomentando cada vez mais a incorporação destas ferramentas no trabalho de jovens historiadores e historiadoras, como forma de ampliar as perspectivas do conhecimento histórico, alcançar novas fronteiras e atingir públicos cada vez mais diversos. Boa leitura!

Notas

1 Licenciado e Mestre em História. Doutorando no PPG em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Membro do Grupo de Pesquisa CNPq / SARAS – Sociedades de Antigo Regime no Atlântico Sul. Tem experiência na área de Tecnologias da Informação e Comunicação aplicadas à pesquisa e ao ensino de História, com interesse no campo das Digital Humanities. É colaborador do Portal de História Digital Cliomática, mantido pelo Laboratório de História Social da UnB. E-mail: [email protected]

2 Embora o termo Digital Humanities possa ser identificado de forma esporádica em obras da década de 1990, ele só é formalizado e alcança certa popularização a partir da publicação da obra organizada por Unsworth, Schreibman e Siemens (2004).

Referências

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SCHWAB, Klaus. The Fourth Industrial Revolution. New York City: Crown Business, 2017.

Israel Aquino1 – Licenciado e Mestre em História. Doutorando no PPG em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Membro do Grupo de Pesquisa CNPq / SARAS – Sociedades de Antigo Regime no Atlântico Sul. É colaborador do Portal de História Digital Cliomática, mantido pelo Laboratório de História Social da UnB. E-mail: [email protected]


AQUINO, Israel. Apresentação. Aedos, Porto Alegre, v. 12, n. 26, ago, 2020. Acessar publicação original [DR]

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