Narrativas sobre África(s) a partir do Brasil | Aedos |2022

Boi Caprichoso Foto Bianca PaivaAgencia Brasil
Boi Caprichoso | Foto: Bianca Paiva/Agência Brasil

Em toda a sua história, este é o primeiro dossiê da revista Aedos dedicado exclusivamente aos estudos relacionados ao continente africano e/ou às populações, culturas e tradições deste espaço geopolítico. Desde o final do século XX, muitas narrativas acadêmicas sobre a(s) África(s) têm sido produzidas a partir do Brasil, tendo um papel relevante na divulgação desses conhecimentos as revistas: ABPN, África e Africanidades, AbeÁfrica (UFRJ), Afro-Ásia (UFBA), África (USP), África(s) (UNEB), Dados de África(s) (UNILAB/UNEB), Cadernos de África Contemporânea (UNILAB), Kwanissa (UFMA) e a Revista Brasileira de Estudos Africanos (UFRGS). Contudo, tais divulgações ainda ocorrem em periódicos específicos e especializados nos estudos africanos, quando o almejado é que tais comunicações circulem também em revistas não especializadas, garantindo assim maior difusão e visibilidade dos vários espaços, tempos e povos no curso da história, associando os conhecimentos sem fundi-los, distinguindo-os sem separá-los (MANFREDO, 2012, p. 1-3).

Nesse sentido, o presente dossiê objetiva construir novos espaços de divulgação de saberes em relação às Áfricas, reunindo produções acadêmicas geradas no Brasil que lançam seus olhares para as múltiplas formas existenciais da África e dos(as) africanos(as), contribuindo para a descentralização acadêmica dos debates sobre essas temáticas. Leia Mais

Moralidades: norma e transgressão no Brasil contemporâneo | Aedos | 2021

A proposta deste dossiê surgiu do desejo de reunirmos reflexões em torno de práticas, discursos e políticas morais elaboradas no Brasil ao longo do período republicano. Nos últimos anos, o tema das moralidades tem pautado o debate público brasileiro e dividido opiniões. Por um lado, testemunhamos o recrudescimento de discursos que visam denunciar uma alegada ameaça ao que seriam os valores tradicionais brasileiros. Por outro, observamos um movimento de reação em amplos setores da sociedade, que veem em tais discursos um arremesso contra os direitos civis. 4

Apesar das particularidades do momento atual, essa é uma questão que se faz latente em diversos períodos da nossa história, como testemunham inúmeros trabalhos já consagrados que, a partir de diferentes perspectivas, se debruçaram sobre o tema das normas e transgressões morais. Referências importantes são, por exemplo, o trabalho de Jurandir Freire Costa (2004) e o de José Leopoldo Ferreira Antunes (1999), que analisam a intervenção médico-higienista na instituição familiar e nos hábitos sociais brasileiros entre os séculos XIX e XX. No que diz respeito às normas e transgressões sexuais e de gênero, são imprescindíveis os trabalhos de Sueann Caulfield (2000) e Martha Abreu Esteves (1989) que, a partir de discursos médicos, jurídicos, políticos e eclesiásticos, discutem os usos e sentidos da honra sexual e suas intersecções com raça e classe no Brasil durante a primeira metade do século XX. Igualmente importantes nesse sentido são os trabalhos de Margareth Rago (1985; 1991) e Beatriz Kushnir (1996), que investigam códigos sexuais e de gênero em torno das práticas de prostituição feminina em capitais brasileiras entre os séculos XIX e XX, assim como a pesquisa pioneira de Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2003), que analisa a construção social e histórica da virilidade nordestina. 5 Leia Mais

Migrações: identidades, culturas e trajetórias / Aedos / 2021

Filosofia e Historia da Biologia 26
Migrações | Imagem: Fundação FHC |

Há pouco mais de um ano, nossos editores finalizavam o volume onze, número vinte e cinco, da Revista Aedos, já sob as recomendações sanitárias de isolamento social, fundamentais para o enfrentamento da pandemia de Covid-19. Este é o volume doze, vigésimo sétimo número desse periódico, e a terceira publicação finalizada, integralmente, sob tais circunstâncias. A crise sanitária persiste, acompanhada por uma dolorosa paisagem de mortes e destruição econômica e social. No Brasil, passado um ano dos primeiros alertas da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a disseminação em massa do novo coronavírus, ainda há uma assombrosa carência de políticas efetivas e coordenadas pelo governo federal para mitigar esses efeitos – o que nos lançou tragicamente ao epicentro da crise mundial nas últimas semanas. Enquanto estas palavras são escritas, o país beira as três mil mortes diárias, sem contar subnotificações, de um total de mais de trezentas mil vidas perdidas. Os profissionais da saúde encontram-se exaustos; por toda parte, faltam leitos e medicamentos essenciais para o tratamento dos pacientes.

Embora o vírus não descrimine ninguém, demonstrando como a comunidade humana é igualmente frágil, a desigualdade, segundo Judith Butler (2020, p. 60-62), que inclui “o nacionalismo, a supremacia branca, a violência contra as mulheres, as pessoas queer e trans, e a exploração capitalista”, atribui-lhe esse componente de modo cada vez mais “radical”. Ora, pois não seria ao menos emblemático que a primeira vítima notificada no Brasil tenha sido uma empregada doméstica de 63 anos? E, já que falamos disso, como não recordar, conforme Achille Mbembe (2020, p. 4), de “todas as epidemias imagináveis e inimagináveis que, durante séculos, devastaram povos sem nome em terras remotas”? Como esquecer das guerras e ocupações predatórias que mutilam e lançam milhares de pessoas a uma vida errante?1 Ou ainda, que tem a saúde e a expectativa de vida comprometidas pela “ação de empresas poluidoras e destruidoras da biodiversidade.” A propósito, na medida em que o vírus quebrava as barreiras do espaço e dos alvéolos pulmonares, as florestas brasileiras (os pulmões da Terra), juntamente com a sua fauna, arderam em chamas, tal qual qualquer imagem arquetípica do juízo final. A fumaça liberada daquele “inferno” transformou dia em noite.

Ainda que muitas vezes queiramos nos livrar do fato, é no mínimo lamentável tamanha destruição para “olharmos para a história humana como parte da história da vida nesse planeta”, como tanto insistiu Dipesh Chakrabarty (2013, p. 15). Nessa perspectiva, nos voltamos ao “corpo”, com seus medos, desejos e sensibilidades – e, agora, isolado; nos voltamos à experiência do “frágil e minúsculo corpo humano”, a que Walter Benjamin (1987, p. 114) tanto se esforçou para evidenciar no século passado. Diante de tamanha catástrofe, esperamos que os trabalhos reunidos em mais uma edição “pandêmica”, com um dossiê temático dedicado às migrações, identidades, culturas e trajetórias, possa talvez servir como um “sopro”. Não como aquele que vem da “tempestade do paraíso”, impedindo o “anjo da história” de Benjamin (1987, p. 226) de “acordar os mortos e juntar os fragmentos”; mas como o “(co)movedor”, no “jogo de palavras” de Alistair Thomson (2002, p. 359), toque da cítara dos aedos

Notas

1. Com a pandemia, segundo o último relatório de Tendências Globais (2020) do Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), “o número de pedidos de asilo registrados na União Europeia em março de 2020 caiu 43% em comparação com fevereiro, à medida que os sistemas de asilo diminuíram ou pararam com países fechando fronteiras”.

Referências

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1987. v. 1.

BUTLER, Judith. El capitalismo tiene sus limites. In: AGAMBEN, Giorgio et. al. Sopa de Wuhan. Pensamiento contemporáneo en tiempos de Pandemias. [S.l.]: ASPO (Aislamiento Social Preventivo y Obligatorio), 2020.

CHAKRABARTY, Dipesh. O clima da História: quatro teses. Sopro, São Paulo, n. 91, jul. 2013.

MBEMBE, Achille. O direito universal à respiração. N-1 Edições, São Paulo, 2020.

THOMSON, Alistair. Histórias (co)movedoras: História Oral e estudos de migração. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 22, n. 44, p. 341-364, 2002.

UNCHR. Global Trends. Forced Displacement in 2019. The UN Refugee Agency, Genebra, 18 jun. 2020

Lúcio Geller Junior – Mestrando do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). E-mail: [email protected]


GELLER JUNIOR, Lúcio. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v. 12, n. 27, março, 2021. Acessar publicação original [DR]

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Ensino e Pesquisa em História Antiga e História Medieval no Brasil | Politeia: História e Sociedade | 2020

Um mergulho na história antiga e na história medieval

A História Antiga e a História Medieval vieram para ficar. No Brasil, esses campos expandiram-se significativamente nas últimas três décadas, marcando presença em revistas especializadas, dossiês, livros autorais, coletâneas de artigos e em eventos acadêmicos de toda sorte. A História Antiga, legatária ou não das perspectivas marxistas, weberianas ou da Escola de Cambridge, conquistou espaços na universidade brasileiras e, como apontaram Margarida Maria de Carvalho e Pedro Paulo A. Funari, “os investigadores antiquistas escolherão seus métodos, técnicas e teorias de abordagem, associando tais interpretações à análise iconográfica e à cultura material” (CARVALHO; FUNARI, 2007, p. 15). A História Medieval, vinculou-se às três gerações da Escola dos Annales, estruturalistas ou não, assumindo escolhas semelhantes à História Antiga, e constituiu-se igualmente como uma espécie de manancial inesgotável de temas, métodos e abordagens teóricas, cuja capacidade é testar as identidades e alteridades com o passado, que ultrapassam a crença nas perspectivas temporais continuístas e baseadas em noções problemáticas tais como origem, sobrevivência, reminiscências ou herança (BASTOS, RUST, 2008, p. 187-188; SILVA, 2004, p. 87-107). Leia Mais

Digital Humanities e o fazer histórico na contemporaneidade / Aedos / 2020

Ao adentrar a terceira década do século XXI, tornou-se um eufemismo apontar a emergência das Tecnologias de Informação e Comunicação como o grande fenômeno cultural dos nossos tempos. A obra Cibercultura, de Pierre Levy (1997), já conta mais de vinte anos desde sua publicação e, neste intervalo, foi seguida por extensa bibliografia que se dedicou a escrutinar as transformações produzidas pela cultura da informação em nosso cotidiano a partir de variados enfoques. Ainda assim, continuamos a sentir os impactos produzidos pelo advento do que alguns têm denominado como ‘quarta revolução industrial’ (SCHWAB, 2017), sendo constantemente atravessados pelas transformações que uma diversidade de novas plataformas, ferramentas e gadgets têm causado em nossa vivência cotidiana, em nossas formas de sociabilidade e em nossos processos de trabalho.

O campo acadêmico tem sido um dos pontos focais deste processo, posto que ocupa, simultaneamente, três papéis distintos nas dinâmicas que se produzem a partir da emergência de um novo paradigma tecno-cultural: é um espaço de criação – de concepção de novas tecnologias, de desenvolvimento de ferramentas, de inventividade, enfim; é um espaço impactado pelo desenvolvimento das novas técnicas, instrumentos, programas, recursos e métodos, à medida que incorpora estes ao seu próprio processo de produção do conhecimento; e, ademais, é um espaço que se propõe a refletir sobre os impactos e transformações que ditos processos produzem sobre a sociedade e sobre si próprio, bem como suas potencialidades e limitações.

Nesse contexto, é possível apontar que as Humanidades vêm incorporando progressivamente as novas tecnologias aos seus processos de produção, interpretação e crítica do conhecimento. Se bem que esta não seja exatamente uma novidade: como afirma o professor Daniel Alves – que participa de uma das entrevistas publicadas nesta edição da Aedos –, a convergência entre os computadores e investigadores das mais diversas áreas das humanidades (sejam historiadores, geógrafos, filólogos, linguistas, cientistas sociais, etc.) é algo presente desde o surgimento dos primeiros, nos (aparentemente) distantes anos 1950 ou 1960. Por outro lado, os últimos vinte ou trinta anos parecem ter produzido uma mudança qualitativa nesta relação, a partir da disposição desse campo em assumir e pensar sobre as transformações de caráter epistemológico produzidas pela interface entre humanidades e tecnologias – em outras palavras, a partir do momento em que reconhecemos que as tecnologias impactam nossa forma de produzir conhecimento e transformam o próprio conhecimento que produzimos.

No início dos anos 2000, o linguista John Unsworth, da University of Virginia, formaliza a utilização de uma nova categoria para pensar estas relações e seus desdobramentos: Digital Humanities, termo posteriormente traduzido como “Humanidades Digitais”. A obra A Companion to Digital Humanities, de 20042 , consistiu no primeiro esforço de discussão sistemática de trabalhos relacionados à área de humanidades que tinham como denominador comum justamente a incorporação das TIC’s ao seu fazer acadêmico, e os efeitos que se produziam a partir daí. Mais do que isso, a obra aspirava a constituição das Humanidades Digitais como uma nova disciplina acadêmica, o que, como ficaria demonstrado depois, está longe de constituir um consenso entre os pesquisadores que vêm se envolvendo neste debate desde então.

A partir desta primeira definição, outros autores viriam a tratar desta relação nos anos seguintes, propondo diferentes abordagens e interpretações. Daniel Alves, por exemplo, defende que o conjunto de pesquisadores que passam a se dedicar ao desenvolvimento de estudos na área de Humanidades Digitais constituem, antes do que uma disciplina ou área específica, uma “comunidade de práticas”, tendo em comum o emprego das tecnologias informáticas como ferramentas para produção do conhecimento (ALVES, 2016). Anaclet Pons, por sua vez, aponta que o “humanista digital” seria aquele que aposta em novos modelos interpretativos, não apenas por “hacer cosas de modo distinto” mas principalmente por “’pensar’ el mundo de manera diferente a través de las especificidades que definen el medio digital y el pensamiento computacional” (PONS, 2018, p. 38).

Já o historiador uruguaio Juán Bresciano, ao refletir sobre a atualização do campo historiográfico nesse processo, indica que a incorporação das novas tecnologias introduz novas formas de produção e comunicação do conhecimento histórico, que o autor classifica como rizomáticas, justamente em razão da centralidade que o hipertexto assume nas novas tecnologias de comunicação baseadas na Internet (BRESCIANO, 2015, p. 33). Para além disso, o autor destaca o fato de que “los acontecimientos históricos actuales se reflejan en una variada gama de registros digitales que modifican el concepto tradicional de fuente […] por sus estructuras, funciones y características, de aquellos a los que se encuentra habituado el historiador” (Idem, p. 20). Serge Noiret, por seu turno, destaca que “quase todas as problemáticas tradicionais do ofício de historiador […] sobretudo a comunicação da história e dos resultados de pesquisa […] passam agora, em parte ou no todo, pela tela do computador” (NOIRET, 205, p. 32-33), sinalizando a emergência de novos desafios para o exercício de nosso ofício.

A última década, em particular, assistiu a uma proliferação de produções acadêmicas das mais diversas áreas que se incorporaram a esta discussão, seja a partir de reflexões de cunho teórico, seja em estudos aplicados que incorporaram propriamente as ferramentas informáticas aos seus métodos de trabalho. E nessa leva podemos identificar que a História, enquanto disciplina dinâmica e em permanente processo de (re)construção, tem marcado presença, inclusive com uma significativa participação de jovens pesquisadores brasileiros que têm se dedicado a explorar um campo emergente que têm sido denominado por alguns como História Digital – especialmente em sua interface com os debates acerca da História Pública, como se verá. Aqui, sem nenhuma pretensão de dar conta da totalidade dos trabalhos e pesquisadores que têm se destacado nesta área, poderia apontar alguns nomes, tais como os de Anita Lucchesi, Bruno Laitano, Bruno Leal, Dilton Maynard, Fábio Almeida, Leonardo Barleta, Pedro Telles, Rafael Laguardia, Tiago Gil e Thiago Nicodemo, dentre outros nomes de uma geração – na qual muito modestamente me incluo – que tem contribuído para a construção de uma produção historiográfica qualificada e, quiçá, inovadora, a partir dos métodos, práticas e reflexões que vem propondo.

Torna-se muito pertinente destacar, neste sentido, o dado apresentado por Daniel Alves (2016), quando destaca que o português se consolidou como a segunda língua em termos de produção acadêmica no campo das Humanidades Digitais, ficando atrás apenas da produção em língua inglesa. Isto demonstra, a nosso ver, certa maturidade nos debates que vêm se desenvolvendo no campo acadêmico lusófono, e ao mesmo tempo indica o quanto podemos contribuir para o avanço do conhecimento em humanidades nessa área.

Partindo deste contexto, o presente dossiê da Revista Aedos teve por objetivo discutir a produção do conhecimento histórico e a constituição do próprio ofício do historiador contemporâneo a partir da abordagem das ditas Humanidades Digitais, em suas mais diferentes apresentações. Pensado a partir do Manifeste des Digital Humanities (2010), este número temático desafiou os colegas historiadores e historiadoras a incorporar tais ferramentas às suas reflexões teóricas e à construção de seus objetos e pesquisas. Assim, o presente dossiê se propõe a contribuir para a discussão a respeito da incorporação das tecnologias informacionais às práticas dos profissionais da área, bem como suas implicações teóricas, metodológicas e epistemológicas para a constituição de nossa disciplina. Cabe destacar, antes de adentrar a apresentação propriamente dita dos artigos que compuseram esta edição, o expressivo número de submissões recebido pela revista: foram mais de 20 trabalhos enviados para a composição deste dossiê temático, abrangendo os mais diversos recortes, abordagens teóricas e metodologias. Tivemos bastante trabalho até chegar a nossa seleção final, mas podemos afirmar que ficamos realmente felizes com o resultado.

A configuração do dossiê que ora se apresenta foi marcada por uma diversidade de temáticas e abordagens, trazendo para o debate diversas perspectivas possíveis da relação entre a História e as novas tecnologias. Dentre essas perspectivas, podemos notar que a relação entre a História Digital e a História Pública foi bastante presente, aparecendo de forma transversal nos artigos que compuseram este número. Exemplo disso é o trabalho de Bruno Constante, intitulado “O uso da mídia social Twitter como fornecedora de fontes primárias e sua utilização em um caso específico”. Nele, o autor discute o uso da rede social Twitter como fonte para o estudo de temas contemporâneos, utilizando como corpus um conjunto de tuítes publicados por lideranças políticas e empresariais brasileiras no ano de 2016. Pela própria temática abordada, o artigo dialoga diretamente com a construção de uma história política e socialmente engajada, nos moldes do que já foi defendido por autores como Eric Hobsbawm ou René Rémond. Desta forma, Constante analisa a polarização que se estabeleceu nas redes em torno do episódio da queda do governo petista de Dilma Rousseff, concluindo pela defesa de que o processo que levou a sua derrubada consistiu, efetivamente, em um golpe de Estado.

Outro trabalho que se debruçou sobre a relação entre História Digital e História Pública foi o artigo “Grupo ‘História de Guaíba’: uma iniciativa de História Pública Digital no Facebook”, de Karen Silva. A autora busca, em seu texto, estabelecer um diálogo com o conceito de História Pública Digital formulado por Serge Noiret para analisar as postagens realizadas na página que empresta seu nome ao título do artigo. A partir do exame das postagens realizadas, Silva discute as potencialidades que iniciativas similares têm de contribuir para a difusão do conhecimento histórico nas redes, além de colaborar para o engajamento de agentes diversos na construção desse conhecimento, extrapolando as fronteiras da academia e dialogando diretamente com as discussões sobre a produção de uma História Pública.

Já Ana Carolina Machado busca refletir sobre as relações entre o público, o digital e o conhecimento histórico a partir de uma perspectiva bastante atual no artigo “História digital em tempos de crise: as demandas do tempo imediato e suas implicações no trabalho dos historiadores”. Pensando as consequências ocasionadas pelo contexto de pandemia em que nos encontramos no momento desta publicação, Machado procura entender o papel que cumpre à História Digital em tempos em que a presença física se encontra impossibilitada. Desta forma, estabelece um diálogo privilegiado com a proposta original deste dossiê, ao discutir temas como “o ofício do historiador e seu papel social, a função da história diante das demandas do presente e do imediatismo, e os limites e potencialidades do ciberespaço como meio de divulgação e método de ensino da história”.

A constituição da rede mundial de computadores como um espaço de produção e divulgação da História também está presente nos trabalhos publicados nesta edição – como esperado, aliás. Um exemplo é o artigo “Produzindo e Difundindo Conhecimento Histórico no Youtube: O Canal ‘Nerdologia’ e os Conceitos de ‘Golpe’ e ‘Revolução’”, de Danilo Linard, que, também partindo das discussões a respeito da História Pública e das propostas metodológicas formuladas por Carneiro e Laitano (2019), busca compreender como conceitos históricos são apresentados e problematizados em um canal da plataforma de vídeos Youtube. Linard observa que o conteúdo produzido pelo canal “Nerdologia”, embora não seja voltado para um público acadêmico, não deixa de observar critérios pertinentes à pesquisa e à escrita da história. O autor conclui sugerindo que essa nova prática “historiográfica” (qual seja, a produção de conteúdo de divulgação científica para plataformas e ambiente virtuais) reafirma a “relevância do papel social do historiador e da contribuição do conhecimento histórico para a compreensão e intervenção na realidade que nos cerca”.

Outro trabalho que aborda o papel da Internet e as novas formas de produção do conhecimento é o artigo “Memórias afetivas na era digital: um passado não tão distante”, de autoria de Kelly Nepomucena e Lucas Pereira. Neste caso, o foco dos autores foi problematizar a noção de memória afetiva frente ao advento da cultura digital, discutindo o universo dos matches e o crescente mercado de aplicativos de relacionamento no Brasil – uma temática que, pela sua singularidade, contribui para demonstrar como o público e o digital contribuem para a abertura de novas perspectivas e abordagens de pesquisa, especialmente quando pensamos na história da própria Internet.

Na chamada original desta edição, também propúnhamos debater as variadas metodologias, abordagens e tipologias documentais que se apresentam para o historiador a partir da emergência das tecnologias informáticas, sendo este um tema que também se fez presente, grosso modo, em todos os trabalhos que reunimos. Contudo, para facilitar nossa apresentação, escolhemos destacar três artigos que, a nosso ver, discutem de forma mais sistemática a perspectiva metodológica relacionada a apropriação das tecnologias ao fazer acadêmico, apresentando diferentes enfoques que podem ser adotados quando se trabalha com as Humanidades Digitais.

O primeiro desses trabalhos é o artigo de Priscila Scoville, intitulado “As definições do tablete foram atualizadas: o Antigo Oriente Próximo e as Humanidades Digitais”, que explora o uso da metodologia de Análise de Redes Sociais (ou SNA, na sigla em inglês). Sendo esta uma técnica que se notabilizou nos últimos anos pelos estudos aplicados a redes sociais online, destacamos a inovação do trabalho apresentado por propor sua aplicação ao estudo de sociedades da Antiguidade Próximo-Oriental. Partindo da aplicação das ferramentas de Análise de Redes, Scoville apresenta um “mapa” em que são exploradas as interações diplomáticas entre diferentes reinos, propondo assim “revisitar o antigo oriente, desmistificando e recontextualizando aqueles povos em uma realidade mais integrada e interconectada”.

Pedro Nuñes, Marcia Vasquez e Bruno Martins, por sua vez, discutem a utilização de softwares de Realidade Virtual em pesquisas históricas e arqueológicas no artigo “Projeção tridimensional de uma estrutura funerária egípcia: implicações, formulações e análise espacial da tumba de Nakht (1401-1353 A.E.C.)”. Como se vê, ganha destaque mais uma vez o contraste entre uma temporalidade afastada e a aplicação de ferramentas normalmente pensadas em contextos contemporâneos, como no trabalho anterior. Os autores apresentam, em seu trabalho, uma reconstrução tridimensional de uma estrutura funerária egípcia, buscando discutir como o uso da Realidade Virtual pode auxiliar na compreensão do espaço e na análise de significados simbólicos e religiosos, de modo a facilitar a interpretação da agência dos objetos e imagens dispostos na tumba.

Já no artigo de Leandro Santos, intitulado “Entre o líder político e o mito religioso: a construção do perfil de Padre Cícero a partir de acervos de periódicos e arquivos digitais”, o foco da discussão recai sobre o uso de acervos digitais na pesquisa histórica, no caso, o acervo de jornais digitalizados e disponíveis na Hemeroteca Digital, sítio eletrônico mantido pela Biblioteca Nacional. A partir da pesquisa em 18 periódicos e jornais publicados no estado do Ceará na primeira metade do século XX, Santos analisa a construção do perfil público do padre Cícero Romão Batista, figura política de destaque na Primeira República, buscando refletir sobre as diferentes imagens construídas pela imprensa da época e como estas variavam de acordo com o posicionamento político-editorial de cada veículo.

O uso das novas tecnologias em sala de aula também é um tema debatido por alguns dos trabalhos do presente dossiê. No artigo “A História que queremos: uma proposta de ensino de História para as redes sociais”, por exemplo, Bruno Schlatter propõe-se a discutir o uso de redes sociais online em sala de aula a partir de um estudo de caso desenvolvido em sua prática docente no Ensino Fundamental. Trabalhando com o conceito de protagonismo juvenil, o autor parte das postagens realizadas pelos seus estudantes para analisar o engajamento e agência dos alunos na produção do conhecimento, demonstrando como as redes sociais podem se constituir como um espaço privilegiado para a construção das relações de ensino-aprendizagem, seja como espaço de expressão dos jovens, seja como apoio para produção e disseminação de novos saberes.

Por outro lado, Ana Gláucia Motta analisa a utilização de exposições museológicas disponibilizadas em formato digital como ferramentas pedagógicas no texto “Museus históricos no mundo digital e suas potencialidades em sala de aula”. O trabalho busca discutir o uso de exposições disponíveis na web como ferramentas didáticas e sua aplicação na construção do conhecimento histórico no âmbito escolar, partindo da análise de três importantes e tradicionais instituições de memória que disponibilizam parte de seu acervo para acesso online – o Acropolis Museum, de Atenas, o British Museum, de Londres, e o Museu Imperial, localizado em Petrópolis. A partir de um esforço de revisão bibliográfica e das reflexões propostas ao longo do trabalho, a autora destaca que, mais importante do que a simples incorporação dessas novas tecnologias ao cotidiano escolar, é o trabalho do professor na construção de uma didática que propicie a construção de um raciocínio crítico e autônomo por parte dos estudantes.

Por falar em museus na Internet, outro trabalho que busca explorar a relação entre as instituições de memória e a rede mundial de computadores é o artigo de Ian Marino, denominado “A história e as mídias digitais na experiência do Instituto Museu da Pessoa”. Neste trabalho, o foco recai sobre a análise de uma experiência singular de uma instituição que tem seu trabalho pensado em termos virtuais e colaborativos. Assim, Marino propõe-se a discutir o papel das tecnologias digitais na constituição deste museu, levantando importantes questionamentos a respeito dos métodos de construção do conhecimento histórico em meio ao advento das novas tecnologias digitais, além de destacar a experiência única desenvolvida pelo Museu da Pessoa em seus mais de 20 anos de existência, constituindo-se em uma instituição na qual o debate com a História Pública se dá também de forma privilegiada.

Concluímos o presente dossiê trazendo duas entrevistas internacionais com pesquisadores cujas produções constituem uma significativa contribuição para o desenvolvimento do campo das Humanidades Digitais. Na primeira delas, os integrantes do grupo de pesquisa Arqueologia Interativa e Simulações Eletrônicas (ARISE), da USP, reuniram-se para entrevistar Andrew Reinhard, professor do Departamento de Arqueologia da University of York, no Reino Unido, e especialista em um campo inovador do conhecimento arqueológico denominado Archaeogaming. Conforme apontam os autores, o objetivo central da entrevista foi “difundir a área de pesquisa que relaciona videogames com Arqueologia”, explorando, entre outros temas, a constituição dos softwares e jogos digitais como registros da cultura humana contemporânea, além de aspectos teóricos e metodológicos presentes na obra do professor Reinhard.

Na segunda entrevista, realizada por este que vos escreve, trazemos uma conversa com o professor Daniel Alves, do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa (UNL). Como um dos principais divulgadores do campo das Humanidades Digitais em nosso idioma, o professor Daniel tem desenvolvido um trabalho marcado por intensa colaboração interdisciplinar, sendo um dos fundadores da Associação das Humanidades Digitais (AHDig), que reúne grande número de pesquisadores brasileiros e portugueses vinculados a áreas bastante diversas do conhecimento acadêmico. A entrevista explora aspectos diversos da relação entre humanidades e tecnologias, como o surgimento do campo das Humanidades Digitais e os impactos das novas tecnologias para o trabalho do historiador, além de retomar o conceito de “comunidade de práticas” defendido pelo pesquisador em seus trabalhos.

Como apontamos, as contribuições para o presente número temático foram diversas e variadas, abordando a interface entre Humanidades e as novas tecnologias a partir de múltiplas perspectivas. Esperamos, assim, que a publicação deste conjunto de trabalhos possa contribuir para que se avance no debate a respeito das Humanidades Digitais no campo historiográfico brasileiro, fomentando cada vez mais a incorporação destas ferramentas no trabalho de jovens historiadores e historiadoras, como forma de ampliar as perspectivas do conhecimento histórico, alcançar novas fronteiras e atingir públicos cada vez mais diversos. Boa leitura!

Notas

1 Licenciado e Mestre em História. Doutorando no PPG em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Membro do Grupo de Pesquisa CNPq / SARAS – Sociedades de Antigo Regime no Atlântico Sul. Tem experiência na área de Tecnologias da Informação e Comunicação aplicadas à pesquisa e ao ensino de História, com interesse no campo das Digital Humanities. É colaborador do Portal de História Digital Cliomática, mantido pelo Laboratório de História Social da UnB. E-mail: [email protected]

2 Embora o termo Digital Humanities possa ser identificado de forma esporádica em obras da década de 1990, ele só é formalizado e alcança certa popularização a partir da publicação da obra organizada por Unsworth, Schreibman e Siemens (2004).

Referências

ALVES, Daniel. As Humanidades Digitais como uma comunidade de práticas dentro do formalismo académico: dos exemplos internacionais ao caso português. Ler História, Lisboa, n. 69, p. 91-103, 2016. Disponível em: https: / / journals.openedition.org / lerhistoria / 2496. Acesso em: 05 / 08 / 2020.

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LEVY, Pierre. Cyberculture: Rapport au Conseil de l’Europe. Paris: Odile Jacob Éditions, 1997.

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NOIRET, Serge. História Pública Digital. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 28- 51, 2015. Disponível em: http: / / revista.ibict.br / liinc / article / view / 3634. Acesso em: 01 / 07 / 2020.

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SCHWAB, Klaus. The Fourth Industrial Revolution. New York City: Crown Business, 2017.

Israel Aquino1 – Licenciado e Mestre em História. Doutorando no PPG em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Membro do Grupo de Pesquisa CNPq / SARAS – Sociedades de Antigo Regime no Atlântico Sul. É colaborador do Portal de História Digital Cliomática, mantido pelo Laboratório de História Social da UnB. E-mail: [email protected]


AQUINO, Israel. Apresentação. Aedos, Porto Alegre, v. 12, n. 26, ago, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Nas fronteiras da História: diálogos e alianças interdisciplinares na pesquisa histórica / Aedos / 2009

Em sua quinta edição, a Revista Aedos tem o orgulho de apresentar o dossiê “Nas fronteiras da História: diálogos e alianças interdisciplinares na pesquisa histórica”. Trata-se de três artigos, que abordam as possibilidades oferecidas ao conhecimento histórico pelos contatos com diferentes áreas, em especial, da Literatura, Antropologia e Arqueologia. Renata Dal Sasso Freitas, em seu artigo “José de Alencar e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: apontamentos sobre a concepção do romance As minas de Prata (1862-1865) e a cultura histórica brasileira nos oitocentos”, apresenta uma abordagem que analisa a relação interdisciplinar entre a História e a Literatura, na segunda metade do século XIX. Com uma proposta no mesmo sentido, o artigo “História e Antropologia: possíveis diálogos”, de Marcos Felipe Vicente, aborda as aproximações da História com as Ciências Sociais, em especial com a Antropologia, através das considerações de alguns intelectuais destes dois campos, focando a análise em suas propostas para a aproximação entre as duas disciplinas. O terceiro artigo, de Carolina Kesser Barcellos Dias, intitulado “Colonização grega e contato cultural na Magna Grécia: o testemunho dos vasos lucânicos”, aborda os registros materiais cerâmicos de uma região colonizada pelos gregos, a Lucânia. Através deste estudo apresenta traços dos movimentos de resistência da população local aos padrões helênicos que estavam sendo introduzidos. Um interessante artigo sobre as formas de re-elaboração e interpretação dos padrões culturais na produção artística, marcando também as permanências da cultura dos artistas nativos.

A seção artigos diversos conta com três colaborações. O artigo “Bizâncio, Pérsia e Ásia Central, pólos de difusão do nestorianismo” analisa o surgimento e expansão da corrente nestoriana, além da sua recepção entre diversos povos do Oriente. É destacada também a importância das trocas comerciais como meio dessa difusão. Fabrício Gomes Alves, em seu artigo “Entre a Cultura Histórica e a Cultura Historiográfica: implicações, problemas e desafios para a historiografia”, tem como foco a noção de cultura histórica, analisando a emergência da categoria, suas características e sua aplicabilidade. Por fim, o artigo de Vicente Neves da Silva Ribeiro, “Populismo radical e processo bolivariano: o conceito de populismo de Ernesto Laclau e as análises da Venezuela contemporânea” retoma a discussão acerca do conceito de populismo, pensando a sua aplicação no caso da Venezuela contemporânea. Para a próxima edição são aguardados comentários críticos sobre o artigo de Vicente Ribeiro, com o objetivo de estimular o debate acadêmico, visando uma discussão franca sobre as contribuições trazidas por este artigo.

Na seção Mesa Redonda desta edição, apresentamos o debate travado em torno do texto de Keila Auxiliadora Carvalho, doutoranda da Universidade Federal Fluminense, “Tempo de Lembrar: as memórias dos portadores de lepra sobre o isolamento compulsório”. O artigo toma como objeto a construção da memória e identidade de ex-internos do leprosário “Colônia Santa Isabel”, localizado em Minas Gerais, sendo que sua metodologia insere-se no campo de estudos da História Oral. Participaram como comentadores a Prof. Dra. Beatriz Teixeira Weber, do Departamento de História da UFSM, a Prof. Dra. Nikelen Acosta Witter, do Departamento de História da UNIFRA, e Juliane Conceição Primon Serres, doutora em História pela Unisinos. Por fim, Keila apresenta sua resposta aos apontamentos produzidos pelos especialistas convidados.

Na seção resenhas, apresentamos as sínteses construídas por Rodrigo Bragio Bonaldo, Gabriel Requia Gabbardo e Fábio Bastos Rufino. Bonaldo apresenta um trabalho inédito em português de Hans Ulrich Gumbrecht, “Production of Presence: what meaning cannot convey”, no qual o pesquisador alemão explora a historicidade das formas de produção de sentido. Gabbardo apresenta a obra “The Fall of Rome and the end of civilization”, na qual Bryan Ward-Perkins traz novas contribuições para a discussão sobre a Antiguidade Tardia e o fim do Império Romano através de suas pesquisas arqueológicas. Rufino, resenhando o livro organizado por Maria Teresa Toríbio Lemos, “América Latina: identidades em construção – das sociedades tradicionais à globalização”, justifica a pertinência da obra, na medida em que excursa sobre os seus principais temas e ressalta a conjunção de seu carácter controvertido com um tratamento heterodoxo, aberto a novas contribuições.

Finalizando nossa edição, apresentamos a entrevista com o historiador alemão radicado nos EUA, professor da Stanford Universit, Hans Ulrich Gumbrecht. Em uma conversa agradável, iniciada com temas esportivos, Juliano Antoniolli e Vitor Batalhone conversaram com Gumbrecht sobre questões acerca das ideias de verdade e de referência, e sobre as possibilidades de se aprender com a história.

Por fim, nos alegra sobremaneira continuar o excelente trabalho iniciado pelos colegas da gestão anterior, que souberam, através de muito trabalho, comprometimento e diálogo, construir uma revista séria e comprometida. Através desta edição, damos continuidade ao trabalho iniciado, consolidando esta revista como um espaço de diálogo e de divulgação do conhecimento histórico.

Boa Leitura a todos!

Conselho Editorial

Gestão 2009-2010


Conselho Editorial. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v.2, n.5, julho-dezembro, 2009. Acessar publicação original [DR]

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Temporalidades dissidentes: sujeitos LGBT+ e a escrita da história / Aedos / 2019

Quando propomos, no ano de 2018, a organização do presente dossiê temático à revista Aedos, pensávamos nos 40 anos recém completos do movimento homossexual no Brasil – hoje multiplicados seus atores políticos, conhecido como movimento LGBT+ – como potência para refletirmos sobre as experiências históricas dos sujeitos dissidentes da heteronormatividade, bem como o modo como a historiografia brasileira vem tratando destas. Porém, quanto tempo foi percorrido até que a historiografia, ainda tão afeita às “datas redondas”, reconhecesse as pessoas LGBTs+ como objetos possíveis de estudo, como atores sociais no passado e no presente? E mais, enquanto pesquisadores, em suas subjetividades investigando outras experiências.

Também no ano passado completava sua “maioridade” um dos estudos mais importantes sobre a história dos dissidentes sexuais no Brasil, o livro Além do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX, do brasilianista James Green, publicado por aqui pela primeira vez no ano 2000. O livro é um extenso estudo que aborda as relações mantidas entre homens gays e travestis e o Estado brasileiro ao longo do século XX, entre as quais as classificações e intervenções médico-legais nesses sujeitos, a criação de espaços de sociabilidades nas cidades, como praças, praias, cafés, cinemas e saunas a partir de uma apropriação estratégica do espaço público, a visibilidade deles na imprensa no período do carnaval, a emergência de formas de organização de homossexuais desde os anos 1960, e a repressão da ditadura civil-militar brasileira às sociabilidades e movimentos de homossexuais e travestis.

Como já ressaltaram outros estudiosos da temática LGBT+, Além do Carnaval foi um ponto de ruptura no estrondoso silêncio da historiografia brasileira sobre essas experiências (VERAS; PEDRO, 2014), tornando-se até hoje referência necessária nos estudos sobre dissidência sexual no Brasil. Por mais que o livro de Green delimitasse sua análise às cidades de Rio de Janeiro e São Paulo, ele tornou-se uma referência necessária nos estudos sobre dissidência sexual no Brasil, sobretudo de pesquisas que se dedicam a estudar a construção de sociabilidades homoeróticas no espaço público. Os artigos publicados neste dossiê mostram como ainda é necessário estudar os territórios e formas de sociabilidades criadas por dissidentes sexuais, especialmente aqueles localizados fora do eixo Rio-São Paulo. É o caso, como o leitor poderá ver, no artigo de Luiz Morando ao investigar em jornais e autos judiciais o “Crime do Parque”, ocorrido no Parque Municipal, espaço de homossociabilidade na Belo Horizonte de 1946. Nesse sentido, abordando a homossexualidade masculina nas “vilas de malocas” de Porto Alegre, o estudo de Rodrigo Weimer investiga o viés moralista que existia sobre sexualidade desviante na prefeitura da capital gaúcha nos anos 1950, lhe utilizando como pretexto para expulsões da localidade.

Da mesma forma, as relações que sujeitos LGBTs+ mantém com o Estado e a sociedade civil em tempos de autoritarismo tem sido recorrentemente objeto de análise de historiadorxs. Como vivem esses indivíduos em regimes ditatoriais que buscam eliminá-los? Como resistem cotidianamente e como lidam com suas memórias traumáticas? Como o discursos e as práticas governamentais tentam conformar subjetividades LGBTs+? Essas são algumas perguntas que os textos de Janaína Langaro e Eduardo de Almeida visam explorar em suas pesquisas. Em Langaro, vemos um estudo sobre a perseguição e as demissões sob acusação de “homossexualismo” no Ministério das Relações Exteriores, presentes nas atas da Comissão de Anistia. Também pesquisando o contexto da Ditadura Civil-Militar, está a pesquisa de Almeida, ao discutir a importância do jornal Lampião da Esquina, bem como sua atuação para um nascente Movimento Guei. Pensando as experiências de três homens homossexuais deportados para campos de concentração, bem como o exercício da sexualidade nesse local, vemos o artigo de Karen Pereira, que a partir de conceitos de Michael Pollak investiga essas memórias demonstrando suas diferentes experiências e percepções.

Se hoje, como apontaram Veras e Pedro (2014), já não é mais possível duvidar de uma historiografia LGBT+ no Brasil – ainda que lhe possa resistir – este dossiê contribui também para pensarmos sobre a forma como essas histórias transviadas têm sido escritas. Não seria esta historiografia ainda muito branca e masculina? De que corpos falamos quando nos propomos a escrever uma história dissidência sexual? É possível uma historiografia queer? Os artigos nesse sentido nos convidam a pensar sobre essas questões e a construirmos uma outra história, em diálogo com outros campos e sujeitos. Na pesquisa de Hariagi Nunes, vemos uma reflexão sobre o corpo pós-pornográfico e pornoterrorista, chamando a escrita da História a repensar suas naturalizações e discursos. Analisando essa escrita que concebe uma invenção do passado, está o trabalho de Cassiano Celestino de Jesus, buscando um diálogo entre o discurso historiográfico com as possibilidades das teorias queer.

Refletindo sobre o papel da imprensa na história dessas experiências, temos a pesquisa de Paula Silveira Barbosa, trazendo uma narrativa sobre o conjunto da Imprensa Lésbica brasileira, nos vestígios de sua trajetória entre o período de 1981 e 1995. Leonardo Martinelli, por sua vez, busca uma análise da representação das homossexualidades na revista Veja em 1977, em diálogos com os estudos queer.

Convidamos o / a leitor / a a embarcar por essas narrativas, que comunicam experiências múltiplas, em sujeitos que se apresentam tal as temporalidades que lhe regem – dissidentes – trazendo nesses (des)caminhos de Clio e Eros, incentivos e mesmo provocações para o permanente repensar da disciplina. Na subversão que se torna o ato de diferir da heteronormatividade, podemos assim, conhecer melhor as experiências que compõe esse presente tão urgente que habitamos.

Referências

GREEN, James. Além do carnaval: A homossexualidade masculina no Brasil do século XX. São Paulo: Editora UNESP, 2000.

VERAS, Elias Ferreira; PEDRO, Joana Maria. Os silêncios de Clio: escrita da história e (in)visibilidade das homossexualidades no Brasil. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 6, n.13, set. / dez. 2014, p. 90-109.

Guilherme da Silva Cardoso – Mestrando do Programa de pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Tiago Vidal Medeiros – Mestrando do Programa de pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).


CARDOSO, Guilherme da Silva; MEDEIROS, Tiago Vidal. Apresentação. Aedos, Porto Alegre, v. 11, n. 24, Ago, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Mulheres: biografias e trajetórias / Aedos / 2019

A história das mulheres surge como campo historiográfico nos anos 1960 na França, denunciando a ausência tanto de personagens e temas femininos na história, bem como na sua escrita. Esse surgimento está diretamente relacionado com os movimentos feministas das décadas de 1960-70 (GONÇALVES, 2006), a chamada “segunda onda do feminismo”, e também com a “história vista de baixo”, em que personagens considerados subalternos e invisíveis passaram a ser objeto de estudos das pesquisas historiográficas. Para Margareth Rago, a valorização da presença da mulher na história também pode ser creditada ao ingresso feminino nas universidades, a partir dos anos 1970, levando com elas um conjunto de temas e problematizações próprios do universo feminino (RAGO, 1998, p. 90).

No entanto, como nos mostra Bonnie Smith (2006), mulheres já escreviam história bem antes, ainda nos séculos XVIII e XIX. Devido ao sexismo reinante, eram consideradas amadoras e suas obras não recebiam a mesma valorização e repercussão dos historiadores homens.

Não só a escrita da história, mas também a das biografias incorreu no mesmo apagamento das mulheres, durante muito tempo. Os autores canônicos da historiografia e da biografia são todos homens, dedicados a pesquisar sobre homens ilustres, aqueles considerados, por muito tempo, como os verdadeiros agentes da história.

A retomada da biografia, nos anos 1980, trouxe uma série de renovações importantes, entre elas a expansão dos sujeitos e sujeitas dignos de terem sua vida registrada (LEVILLAN, 2003; SCHMIDT, 2012). Houve também a expansão dos métodos e fontes, como a história oral, especialmente importante para os estudos biográficos. Além disso, temos que levar em conta os mais recentes desenvolvimentos na história das questões étnicas (história dos negros e negras, história da herança africana, história indígena, migrações, etc.) e das questões de gênero.

Todas essas tendências historiográficas contemporâneas trouxeram importante alargamento de fronteiras para a disciplina, e de alguma forma, os artigos que compõem esta edição transitam por essas perspectivas renovadas. Quando propusemos este dossiê, pensamos em trazer à tona pesquisas que tivessem como foco trajetórias de mulheres, e é muito gratificante perceber que nossa intenção foi transformada em realidade, por meio dos artigos que o compõem. São quinze textos, o que mostra a pujança de trabalhos que vêm sendo empreendidos sobre a temática. Maior ainda é nossa satisfação ao constatar a diversidade temática e a qualidade dessas pesquisas.

Os artigos trazem um amplo conjunto de temas e questões teóricas. Trabalham com história oral, história intelectual, história de diferentes períodos, desde idade média até a história do tempo presente. Tratam de trajetórias de mulheres que tiveram atuações muito ricas e variadas: escritoras, professoras, historiadora, cineasta, religiosas, carnavalescas, militantes que transitaram pelo feminismo, feminismo negro, militância indígena. A grande maioria delas não são (re) conhecidas pelo grande público, sequer do restrito público acadêmico, ou da comunidade das / dos historiadoras / os, não são personagens “representativos”, mas talvez, por isso mesmo, interessantíssimas. Vamos falar brevemente de cada um dos textos.

O texto de abertura do dossiê, No rastro da história das mulheres, de Marília Garcia Boldorini e Roberta Barros Meira, faz um balanço histórico, historiográfico e teórico da escrita biográfica enquanto gênero literário, apontando para a proeminência de protagonistas e autores masculinos, mesmo em pleno século XXI. Com isso, reflete sobre o espaço dado às mulheres e suas condições e aponta para a necessidade de ampliação da representatividade feminina, batalha que pode ser assumida por historiadorxs empenhadxs nessa prática de escrita. Apontando, ainda, para as questões identitárias relacionadas à biografia, incluindo a possibilidade de evidenciar “memórias clandestinas”, nos termos de Michel Pollak, o artigo aposta na escrita biográfica como lócus privilegiados para a compreensão das relações de gênero.

Na sequência, temos artigos que tratam das trajetórias de mulheres intelectuais, brasileiras e estrangeiras. O primeiro deles é A representação da mulher letrada no Brasil oitocentista: a biografia de Beatriz Brandão pelo intelectual Joaquim Norberto, em que Laura Oliveira Motta apresenta uma análise das representações do feminino no espaço letrado do Brasil do oitocentos, através do perfil biográfico da poetisa Beatriz Francisca de Assis Brandão, escrito pelo historiador da literatura Joaquim Norberto de Souza e Silva. No artigo, duas trajetórias intelectuais se cruzam para mostrar as possibilidades e os limites da participação da mulher em instituições intelectuais, destacando o papel do biógrafo no reconhecimento de contribuições femininas para a formação literária nacional, ainda que apelando para o reforço de padrões morais tradicionais.

Em Leituras em voz alta, leituras em silêncio: a produção intelectual de Elena Garro e os estudos de gênero, Mariana Adami nos brinda com uma reflexão acurada sobre a trajetória intelectual da mexicana Elena Garro. Adami procura enfatizar as diversas leituras de suas obras feitas por outros intelectuais e suas apropriações ao longo do tempo, além de evocar a importante discussão sobre uma literatura dita “feminina” e sua ingerência nos estudos históricos. O artigo é um convite para se pensar os silenciamentos impostos a produção literária de algumas mulheres.

Em Zilda Diniz Fontes (1920-1984): uma educadora para além dos muros da escola, Alline Rodrigues Bento procura traçar a trajetória de uma professora e escritora, Zilda Diniz Fontes, muito atuante em uma cidade do interior de Goiás, na segunda metade do século XX. Partindo assim de estudos biográficos a autora procura traçar a trajetória intelectual da personagem bem como relata partes de sua vida privada, ambas interconectadas como se pode perceber na leitura do artigo. Novelista, poetisa, dramaturga, mãe, esposa e professora, sua trajetória de vida merece ser (re)conhecida. Uma mulher que ousou percorrer espaços que, na época, eram (quase) exclusivos para os homens.

Karen Cristina Garbo no seu artigo intitulado Andradina de Oliveira e as ausências de uma crítica literária feminina gaúcha procura fazer o resgate da figura, que no século XIX, teve uma carreira reconhecida como escritora e jornalista. Nesse sentido Garbo destaca, no seu texto, tanto a atuação de Andradina à frente do jornal o Escrínio (1898-1910) quanto como escritora de romances, entre eles destacando O Perdão publicado em 1910. Tal como aponta Karen Garbo a autora analisada tratava de temas tabus na época, tais como o divórcio e adultério, os quais, segundo ela, podem ter sido as molas propulsoras para sua obra ter sido relegada ao esquecimento ao longo dos anos e ter contribuído para um (quase) apagamento da escritora gaúcha.

Uma trajetória feminina em construção, e (auto)reflexão narrativa, é o objeto de Lúcio Geller Júnior, no artigo Anna Savitskaia: ou, como narrar uma vida na União Soviética (1964- 1988). Sua pesquisa em História Oral busca compreender a experiência soviética da tradutora e professora emigrada Anna Savitskaia, radicada em Porto Alegre. Das memórias familiares ao discurso histórico russo produzido na / sobre a Guerra Fria, passando por reminiscências mais pessoais (seus deslocamentos, os estudos, a profissão, o casamento etc.), a depoente elabora sua identidade, contrapondo suas vivências cotidianas no socialismo e no capitalismo, na Europa oriental e no Ocidente periférico, tensionando o relato do pesquisador, num jogo de espelhos que obriga a tematização dos lugares de fala de ambos. Com habilidade, o autor descortina um mundo histórico perdido e um universo de significados em aberto.

Em Beatriz Nascimento e a invisibilidade negra na historiografia brasileira: mecanismos de anulação e silenciamento das práticas acadêmicas e intelectuais, Maria Lígia de Godoy Pinn tem como objetivo apresentar a trajetória intelectual e acadêmica da historiadora Maria Beatriz Nascimento, a partir do processo de invisibilização pelo qual passou no ambiente acadêmico, sobretudo no campo da disciplina História. Pinn insere esse apagamento no processo maior em que a intelectualidade e os espaços acadêmicos são negados às mulheres negras, em que as estruturas sociais discriminatórias definem e perpetuam o lugar das mulheres negras em posições sociais subalternas. A partir da trajetória de Nascimento, o artigo produz uma crítica importante ao eurocentrismo da história como disciplina, levando ao epistemicídio sistêmico de populações negras e indígenas, em especial as mulheres dessas etnias não-brancas.

O texto de Manoela Salvador Frederico, Para que não seja esquecida: o acervo pessoal de Eloísa Felizardo Prestes e suas memórias, a partir dos referenciais da história do tempo presente, enfoca o acervo da irmã de Luis Carlos Prestes, bem como sua militância feminista. Os documentos em seu arquivo privado apontam para um grande interesse em salvaguardar registros de sua época, principalmente sobre as questões femininas, suas lutas e a construção do que a autora chama de cultura política feminina. Ao guardar seus papéis, Eloisa construíase como militante. Seu arquivo revela as experiências vivenciadas, seu campo de atuação política e interesses, e, sendo estudado, contribui para tirar do esquecimento a rica atuação dessa feminista.

Alina dos Santos Nunes, no artigo Arte longa, vida breve: Rita Moreira, feminismo em cena trata da trajetória da cineasta, lésbica e feminista Rita Moreira, usando como fonte uma entrevista realizada com a personagem em 2019. A produção de vídeos feministas de Rita nos anos 1970 é analisada por Nunes como um espaço de articulação política. O meio audiovisual também foi importante no sentido de despertar a consciência política de vários sujeitos e sujeitas, em meio à segunda onda do feminismo. Articulando história oral e história das mulheres, o artigo contribui para trazer à tona uma história a ser escrita, ainda pouco visível, a da produção audiovisual feminina, construída na intersecção das lutas e dos conflitos vivenciados nos movimentos feministas e lésbicos.

Dois textos trabalham a temática feminina e a religiosidade. No artigo de Caio César Rodrigues, Agência e diligência discursiva na trajetória de Catarina de Siena (1347-1380), conhecemos a trajetória da penitente Catarina de Siena, que, no século XIV, construiu uma rede de apoio entre religiosos leigos da Toscana e acabou, inclusive, projetando-se como conselheira do papado. A curta biografia da personagem é investigada à luz do contexto religioso e intelectual do final do medievo, bem como em cotejo com a bibliografia especializada nas relações de gênero e na condição feminina na sociedade européia do período. Recorrendo, como fontes, às hagiografias tradicionais, o autor também apresenta uma releitura da construção discursiva da personagem, entendendo essas narrativas em função do modelo medieval de santidade feminina.

O segundo texto é Arquitetura de uma trajetória: o Templo de Minervina Carolina Corrêa, escrito a seis mãos, por Simone Rassmussen Neutzling, Gabriela Brum Rosselli e Guilherme Pinto de Almeida, apresenta a trajetória de uma mulher, Minervina Carolina Corrêa, e sua luta para edificar uma igreja católica, em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, no início do século XX. Uma mulher, que sofreu, na pele, a discriminação da sociedade da época. Simone, Gabriela e Guilherme assim nos trazem uma perspectiva diferente ao darem foco, na sua explanação, para um patrimônio importante da cidade de Jaguarão e, através dele, resgatar a trajetória de Minervina.

Três artigos tratam das trajetórias de três mulheres em contextos distintos: o trabalho no mundo rural, mulheres negras no carnaval baiano e a luta indígena kaingang. O artigo Trajetória de três mulheres rurais: o trabalho como fio condutor das narrativas de vida escrito por Márcia de Fátima de Moraes já deixa claro, no próprio título do seu texto, a sua intenção, ou seja, mostrar como mulheres de uma localidade rural do Rio Grande do Sul relatam suas trajetórias. Através de um estudo de três casos específicos, Márcia de Moraes procura compreender como, no relato dessas mulheres, as memórias relacionadas ao trabalho encontram-se articuladas às questões de gênero e às de identidade feminina, através de uma perspectiva nem sempre percorrida, o viés geracional e de localidade. Um texto instigante por sua atualidade, marcada pelos indicadores de gênero na organização do trabalho rural.

Alberto Bomfim da Silva e Edson Farias, em A construção da autonomia feminina negra nas ousadias da carnavalização, analisam o papel social ocupado pelas mulheres negras no carnaval de Vitória da Conquista (BA) da segunda metade do século XX. As trajetórias de três dessas mulheres – Beta, Arcanja e Dió – ofereceram uma amostra singular desse grupo social, normalmente invisibilizado na história e pela História, mas que tiveram um relevante protagonismo. Os autores se valem das metodologias da história oral em entrevistas e da análise de fotografias relacionadas ao carnaval na cidade pesquisada. A participação feminina no carnaval carrega consigo elementos das religiosidades de matriz africana. Isso é visto pelos autores como constituinte de um quadro social de memória que ancorava componentes de uma identidade para a mulher negra contribuindo, em parte, para a construção de sua autonomia.

As mulheres indígenas são o tema do artigo de Andrea Bazzi, Mulheres Kaingang na frente de batalha: três gerações de lideranças femininas na Terra Indígena Toldo Chimbangue. Da mesma forma que a mulher negra, Bazzi argumenta que ser mulher indígena é diferente de ser mulher não indígena / branca / ocidental, no que se refere a seu apagamento e discriminação. Ou seja, é necessário considerar o lugar de marginalidade histórica em que se encontram as mulheres indígenas para entender que as relações de poder a partir do gênero não podem estar desassociadas de um recorte de classe e de etnia. O texto trata da trajetória de três mulheres kaingang, de gerações diferentes, que ocuparam / ocupam espaços de liderança dentro da comunidade Kaingang Toldo Chimbangue, em momentos políticos e históricos distintos, trazendo à tona agências que compartilham os mesmos princípios e respeito à ancestralidade, à memória e história do povo Kaingang.

O dossiê se encerra com o artigo Biografia de mulheres e Ensino de História – possibilidades metodológicas para a aprendizagem da Ditadura Civil-Militar brasileira. Seu autor, Fernando de Lima Nunes, sintetiza os resultados de seu mestrado em ensino de história, analisando o uso, em sala de aula, de biografias de mulheres mortas e desaparecidas na Ditadura Civil-Militar Brasileira. A partir de documentos e relatos, o professor-pesquisador instigou alunos de 9º ano do Ensino Fundamental e de 3º ano de Ensino Médio a comporem narrativas sobre as vidas das militantes Alceri Maria Gomes da Silva, Ísis Dias de Oliveira e Luiza Augusta Garlippe. O objetivo pedagógico das sequências didáticas era construir “empatia histórica”, segundo conceituação de Peter Lee, fazendo com que os estudantes encontrassem os diferentes pontos de vista dos agentes sociais, especialmente das mulheres desaparecidas e de suas famílias.

Nessa breve apresentação, fica evidente a diversidade e riqueza dos artigos que compõem o dossiê. Esses textos são representativos de como o tema é importante e, mais ainda, da pujança das pesquisas acadêmicas de história. Isso é motivo de grande felicidade para nós como professorxs de história e organizadorxs do dossiê.

Por outro lado, infelizmente, estamos vivendo tempos de negacionismo histórico, de desvalorização do conhecimento científico e, o pior, de cortes de bolsas para a área de ciências humanas, entendidas por quem está no poder como “não prioritária”. Como historiadorxs que não devem se furtar às questões de seu tempo – lembremos nesse sentido, sempre, de Marc Bloch! – não podemos deixar de registrar o nosso repúdio a tal (necro) política em vigor. A história das mulheres está atrelada à militância por um mundo mais justo e igualitário para todas e todos, dessa forma, este dossiê não poderia deixar de se posicionar. Que essas pesquisas inovadoras sobre mulheres tão ímpares nos inspirem nos tempos tenebrosos por que passamos. Este dossiê é uma peça na luta contra o esquecimento de suas trajetórias e também a prova de que a história e as ciências humanas devem ser prioridade, pois falam de, sobre e para nós, de nossas lutas e ações, que é o que dá sentido ao nosso mundo, às nossas identidades (quem somos), às nossas vidas.

Boa leitura! Março de 2020 – Em meio à pandemia de Covid-19

As organizadoras e o organizador.

Referências

GONÇALVES, Andréa Lisly. História e Gênero. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2006.

LEVILLAIN, Philippe. Os protagonistas: da biografia. IN: RÉMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.

RAGO, Margareth. Descobrindo historicamente o gênero. Cadernos Pagu, Campinas, n. 11, p. 89-98, 1998.

SCHMIDT, Benito. História e biografia. IN: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Novos domínios da história. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

SMITH, Bonnie. Gênero & História: homens, mulheres e a prática histórica. São Paulo: Edusc, 2006.

Elenita Malta Pereira – Doutora em História (UFRGS). Professora de História na UNICENTRO. E-mail: [email protected]

Jocelito Zalla – Doutor em História (UFRJ). Professor do Colégio de Aplicação da UFRGS. E-mail: [email protected]

Mônica Karawejczyk – Doutora em História (UFRGS). Pós-doutoranda (PNPD-CAPES) na PUCRS. Professora Colaboradora do PPGHistória PUCRS. E-mail: [email protected]


PEREIRA, Elenita Malta; ZALLA, Jocelito; KARAWEJCZYK, Mônica. Apresentação. Aedos, Porto Alegre, v. 11, n. 25, Dez, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Fronteiras, Culturas e Deslocamentos Populacionais / Aedos / 2018

“O objeto da história é, por natureza, o homem.

Digamos melhor: os homens. Mais que o singular,

favorável à abstração, o plural, que é o modo

gramatical da relatividade”.

Marc Bloch (2001, p. 54)

Marc Bloch, na epigrafe acima, discorre sobre o objeto da história pautado a partir da presença dos homens no tempo, ou seja, a pesquisa histórica eles são próprios sujeitos sociais. Decerto, “o tempo da história, ao contrário, é o próprio plasma em que se engastam os fenômenos e como lugar de sua inteligibilidade” (BLOCH, 2001, p. 55). Nesse sentido, os fenômenos são acionados através da própria realidade concreta.

No livro Apologia a História, Bloch enfatiza que “a história não é uma relojoaria ou uma marcenaria. É um esforço para conhecer melhor: por conseguinte, uma coisa em movimento” (BLOCH, 2001, p. 46). Nesse esforço de compreensão, hodiernamente, faz-se necessário estabelecer novos diálogos e / ou conexões a fim de ter em mãos novos modelos explicativos.

Seguindo essa linha de pensamento, Certeau (2011, p. 47) frisou que “toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção socioeconômico, político e cultural”. O lugar social, portanto, é para o pesquisador campo fértil e é ao mesmo tempo espaço de luta em torno do que será pesquisado. O autor advoga que para isso, “tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar em ‘documentos’ certos objetos distribuídos de outra maneira […] na realidade, ela consiste em produzir tais documentos”.

Nesse caso, os estudos sobre os deslocamentos populacionais, na contemporaneidade, têm se mostrado um campo profícuo nas Ciências Humanas e Sociais. Estudos que trazem a tona novas abordagens e novas perspectivas teórico-metodológicas, tais como: fronteiras, migração (internacional e nacional), refugiados, inserção sociocultural dos migrantes no lugar de destino, relações e tensões societárias (familiares, gênero, xenofobia, empregabilidade, educação, saúde), bem como a atuação do Estado e entidades não governamentais frente a este complexo e multifacetado fenômeno presente no contexto das migrações.

Vale destacar que, os Estados-nações são criações globais, relativamente recentes (HOBSBAWN, 1990), os quais há discrepâncias entre os “nacionais” e os “estrangeiros”. Discrepâncias que são criadas culturalmente e sedimentadas nas leis, com seleção da entrada destes nas fronteiras. A migração de pessoas ultrapassando fronteiras nacionais desses Estados é fenômeno global e multifacetado. Por conseguinte, pensam-se as migrações internacionais, por exemplo, a partir do fluxo de pessoas no globo já que essa condição é regida e limitada por legislações locais dos países soberanos.

No século XVIII o filósofo iluminista Kant propôs, na obra “A Paz Perpétua” uma sociedade universal de paz, com respeito unívoco pelos direitos humanos em um mundo com hospitalidade universal e sem exércitos, pois estes fazem “implicar um uso dos homens como simples máquinas e instrumentos na mão de outrem (do Estado)” (2008, p. 6). Entretanto, não há um direito global de migrar. Entretanto, o artigo 13 da Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê que “todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar” (ONU, 2009), mas não há força vinculante dessa norma internacional nos países, sendo norma meramente programática (ACCIOLY, SILVA, CASELLA, 2012, p. 497; PORTELA, 2010, p. 647).

Posto isso, o dossiê Fronteiras, Culturas e Deslocamentos Populacionais, trazido nesse número, conta com seis artigos, os quais trazem como panorama a questão do deslocamento populacional como fio conduto sobre o fenômeno migratório (inter)nacional.

O primeiro artigo é “Identidades, transnacionalidade e violência: o caso dos brasileiros no Japão”. Nele o fenômeno da imigração brasileira para o Japão é apresentado como um tipo de expulsão que é característica do capitalismo neoliberal. Destaca-se que o ponto de partida do artigo é discussão de dois acontecimentos – o discurso do deputado federal Jair Bolsonaro proferido em abril de 2017, onde o político ataca minorias étnicas e apresenta brasileiros de origem japonesa como “uma minoria exemplar”; e o assassinato da enfermeira japonesa Rika Okada, ocorrido no Japão, março de 2014, no qual a nipo-brasileira Kate Yuri Oishi foi apontada como culpada após entregar-se para as autoridades. Nesse caso, o segundo acontecimento, apesar de extremo, não representa uma exceção no sentido de que os brasileiros de origem japonesa, por vezes vistos como “exemplares” no Brasil, encontram-se em geral bastante marginalizados no contexto social japonês.

Já o segundo, “A História em espiral: compreendendo a receptividade brasileira à imigração haitiana a partir de suas determinações”, discute o mito que descreve o Brasil como um país acolhedor e receptivo à imigração, para tal, toma-se como campo analítico a imigração haitiana, no qual a autora busca demonstrar que essa ideia de pais acolhedor omite questões como os preconceitos e a xenofobia que dificultam a inserção do migrante no lugar de destino.

O terceiro texto, “Migração Venezuelana ao Brasil: discurso político e xenofobia no contexto atual” apresenta o estado de Roraima como principal rota para de entrada dos migrantes venezuelanos. A partir dessa realidade as autoras analisam as narrativas que permeia a Ação Civil Originária 3121, na qual o governo de Roraima solicita que o Supremo Tribunal Federal (STF) determine que a União assuma efetivamente o controle policial e sanitário na entrada do Brasil, inclusive com o fechamento temporário da fronteira. Além disso, procuram demonstrar como o recurso a essa retórica discriminatória atende a interesses políticos e de grupos específicos, agravando ainda mais a vulnerabilidade dos migrantes e dificultando sobremaneira sua integração.

O texto “Do imigrante ao nacional regenerado: a busca pelo trabalhador perfeito” traz o contexto imigratório para a cidade de São Paulo, no último quartel do século XIX, sendo que a maior parte desses migrantes vieram da Europa. Essa realidade, na concepção do autor, alimentou a mentalidade da elite brasileira em relação ao um novo regime de trabalho já que os imigrantes iriam contribuir com a economia paulista. Consequentemente, os imigrantes carregavam consigo a tarefa de “regenerar” a população brasileira, sobretudo a de ascendência africana, vista como uma população degenerada e inferior. Desta feita, o autor problematiza a importância da ação da escola no início do século XX a fim de regenerar o indivíduo.

Em “Da partida à saudade: as representações de migrantes do Nordeste na obra de Luiz Gonzaga”, é discutido o fenômeno da migração de trabalhadores nordestinos, entre as décadas de 1950 a 1970, para as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro através da obra musical do compositor e intérprete Luiz Gonzaga. Nesse caso a música é utilizada pelo autor para discutir a diversidade dos tipos de migrantes representados na obra do “Rei do Baião”.

Já o último artigo a compor o dossiê “Arranchar-se do outro lado do Atlântico: açorianos na freguesia de Taquari (sul da América portuguesa, 1750-1800)” demonstra os aspectos da migração de casais açorianos para o que hoje definido como Rio Grande do Sul a partir da freguesia de Taquari. Para isso, a autora investiga as condições de acesso à terra, bem como sua ocupação deste a chegada até as últimas décadas do século XVIII.

Francisco Marcos Mendes Nogueira – Doutorando em História pela UFRGS. Mestre em Sociedade e Fronteiras pela UFRR. Historiador (B / L) pela UFRR.

Alan Robson Alexandrino Ramos – Doutorando em Ciências Ambientais pela UFRR. Mestre em Sociedade e Fronteiras pela UFRR. Especialista em Segurança Pública e Cidadania pela UFRR. Bacharel em Direito pela UFC e em Filosofia pela Universidade Sul de Santa Catarina. Delegado de Polícia Federal lotado em Roraima.


NOGUEIRA, Francisco Marcos Mendes; RAMOS, Alan Robson Alexandrino. Apresentação. Aedos, Porto Alegre, v. 10, n. 22, Ago, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Para que votar? História do voto e das eleições no Brasil / Aedos / 2018

Pensar as motivações do voto em um momento em que a maioria da população brasileira é movida por um sentimento de descrença nos políticos e mesmo de rejeição à política se faz necessário para compreender o complexo jogo de representação e de expressão da vontade popular nas mais diversas conjunturas históricas e políticas da República brasileira. Enquanto o Brasil experimentava um processo eleitoral dramático, os editores da revista Aedos trabalhavam no dossiê Para que votar? História do voto e das eleições no Brasil, que teve como objetivo reunir trabalhos que abordassem a temática das eleições e do sistema eleitoral no Brasil Republicano e, sobretudo, que refletissem sobre o sentido do voto e da representação política.

Em virtude da complexidade da experiência republicana, marcada por regimes políticos e legislações eleitorais distintas que vigoraram no período, convidamos os pesquisadores a contribuírem no estudo da dinâmica dos processos eleitorais, da história do voto e da representação política nesse recorte temporal, buscando reunir trabalhos que, a partir do estudos de casos ou dinâmicas específicas, proporcionassem reflexões sobre os diferentes sentidos do voto e os diferentes papéis das eleições no jogo político ao longo da República. O objetivo do dossiê também foi o de reunir trabalhos que questionassem a relação estabelecida entre representante e representado na legitimação da autoridade política e na construção democrática do exercício do poder.

No centro desse debate, sobre os regimes representativos, encontram-se os partidos políticos, que ao mesmo tempo que se constituem em instrumento de aproximação e articulação entre os diversos segmentos sociais, também representam demandas particulares e aspirações universais. Durante os processos eleitorais, as siglas partidárias se empenham para promover a personificação das aspirações sociais na pessoa do seu representante e na desconstrução da imagem e no discurso dos seus adversários, com o propósito de convencerem os eleitores a votarem no seu candidato. Logo, são nesses momentos de competição eleitoral que os representados ganham destaque, são o objeto do discurso político, ao serem chamados a exercerem um direito, o do sufrágio. O voto além de manifestar uma escolha e uma posição, diante de um determinado contexto político, econômico e social, também é um instrumento que vincula o representante ao representado.

O voto como objeto da História Política parte da premissa de que sua implementação como meio de participação política possui uma historicidade a ser pensada: longe de ser um meio natural para tomadas de decisão coletivas, o voto foi historicamente instituído, até mesmo em detrimento de outras formas presentes em um vasto repertório de ação coletiva, e constituído como meio legítimo. É o que apontam reflexões de autores como Bernard Manin (1995), Alain Garrigou (1988), Michel Offerlé (1993; 2011) e os diversos textos da coletânea organizada por Letícia Bicalho Canêdo (2005) no Brasil. Um história do voto se apresenta como um empreendimento capaz de identificar, contextualizar e problematizar as práticas e as concepções que levaram eleitores e eleitoras a se constituírem como tais, a se tornarem eleitores, e a estabelecerem relações entre o ato de votar e a vida cotidiana.

A história do voto e das eleições no Brasil está longe de ser a história de uma evolução linear. Sua trajetória foi acidentada e influenciada pelas contingências de um cenário político com alterações constantes. Da implantação do regime republicano até a promulgação da Constituição de 1988 muitas reformas ocorreram em relação ao direito ao voto, que passaram, paulatinamente, a incluir uma massa de indivíduos (não abastados, mulheres e analfabetos) que outrora tinham negado esse direito e determinaram a mudança do voto facultativo para obrigatório. Os artigos que formam o presente dossiê passam por diversos momentos dessa história, em diferentes fases da República, abordando desde os aspectos legais da representação política até as práticas de partidos políticos, as campanhas eleitorais e a competição política.

Neste dossiê, contamos com um artigo sobre as eleições no período da Primeira República (1889-1930), intitulado As Eleições na Primeira República: Abstenções, Legislação e Controle Eleitoral, de autoria de Carina Martiny. Sobre as articulações visando à eleição presidencial de 1937 temos o artigo Luiz Mário Dantas Burity, “Eis o que me ocorre, por hoje”: a campanha presidencial de 1937 e a candidatura de José Américo de Almeida nas correspondências de Juraci Magalhães e Artur Neiva. O período da experiência democrática (1945-1964) foi contemplado por quatro artigos, sendo dois sobre as eleições no Piauí: Jackson Dantas de Macedo e Marylu Alves de Oliveira são autores de História e política: Fontes documentais como lugares de memória e a análise do processo eleitoral de 1945 no Estado do Piauí; e Ábdon Eres da Silva Neto contribui com o artigo O município e o processo eleitoral de 1954 no Piauí. Sobre a dissidência do PSD no Rio Grande do Sul temos o artigo de Tiago de Moraes Kieffer e Marcos Jovino Asturian, intitulado O Partido Social Democrático Autonomista (PSDA): Apontamentos Preliminares de Pesquisa. Completam o dossiê os artigos de Laila Correa e Silva, O direito ao voto feminino no século XIX brasileiro: a atuação política de Josephina Álvares de Azevedo (1851-1913) e o de Letícia Sabina Wermeier Krilow intitulado Democracia em perspectiva: as representações no Correio da Manhã sobre as eleições gerais de 1958.

Acompanham o dossiê duas entrevistas que realizamos tangenciando o tema do voto e da representação política, gentilmente concedidas pelas professoras Cláudia Maria Ribeiro Viscardi (UFJF) e Céli Regina Jardim Pinto (UFRGS). A primeira, destacando as novas abordagens que vêm ressignificando o tema da competição política na Primeira República e a segunda trazendo uma reflexão sobre a democracia no Brasil realizada no calor dos resultados eleitorais de 2018.

Referências

CANÊDO, Letícia Bicalho (Org.). O sufrágio universal e a invenção democrática. São Paulo: Estação Liberdade, 2005.

GARRIGOU, Alain. Le secret de l’isoloir. Actes de la recherche en sciences sociales, v. 71-72, março 1988.

MANIN, Bernard. As Metamorfoses do Governo Representativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 29, pp. 5-34, 1995.

OFFERLÉ, Michel. Un homme, une voix? Histoire du suffrage universel. Paris: Gallimard, 1993.

________________. Perímetros de lo político: contribuiciones a una sócio-historia de la política. Buenos Aires: Antropofagia, 2011.

Douglas Souza Angeli – Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. E-mail: [email protected]

Paula Vanessa Paz Ribeiro – Professora da EMEB Antônio Saint Pastous de Freitas, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em História pela Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: [email protected]


ANGELI, Douglas Souza; RIBEIRO, Paula Vanessa Paz. Apresentação. Aedos, Porto Alegre, v. 10, n. 23, Dez, 2018. Acessar publicação original [DR]

Para que votar? História do voto e das eleições no Brasil / Aedos / 2018

Pensar as motivações do voto em um momento em que a maioria da população brasileira é movida por um sentimento de descrença nos políticos e mesmo de rejeição à política se faz necessário para compreender o complexo jogo de representação e de expressão da vontade popular nas mais diversas conjunturas históricas e políticas da República brasileira. Enquanto o Brasil experimentava um processo eleitoral dramático, os editores da revista Aedos trabalhavam no dossiê Para que votar? História do voto e das eleições no Brasil, que teve como objetivo reunir trabalhos que abordassem a temática das eleições e do sistema eleitoral no Brasil Republicano e, sobretudo, que refletissem sobre o sentido do voto e da representação política.

Em virtude da complexidade da experiência republicana, marcada por regimes políticos e legislações eleitorais distintas que vigoraram no período, convidamos os pesquisadores a contribuírem no estudo da dinâmica dos processos eleitorais, da história do voto e da representação política nesse recorte temporal, buscando reunir trabalhos que, a partir do estudos de casos ou dinâmicas específicas, proporcionassem reflexões sobre os diferentes sentidos do voto e os diferentes papéis das eleições no jogo político ao longo da República. O objetivo do dossiê também foi o de reunir trabalhos que questionassem a relação estabelecida entre representante e representado na legitimação da autoridade política e na construção democrática do exercício do poder.

No centro desse debate, sobre os regimes representativos, encontram-se os partidos políticos, que ao mesmo tempo que se constituem em instrumento de aproximação e articulação entre os diversos segmentos sociais, também representam demandas particulares e aspirações universais. Durante os processos eleitorais, as siglas partidárias se empenham para promover a personificação das aspirações sociais na pessoa do seu representante e na desconstrução da imagem e no discurso dos seus adversários, com o propósito de convencerem os eleitores a votarem no seu candidato. Logo, são nesses momentos de competição eleitoral que os representados ganham destaque, são o objeto do discurso político, ao serem chamados a exercerem um direito, o do sufrágio. O voto além de manifestar uma escolha e uma posição, diante de um determinado contexto político, econômico e social, também é um instrumento que vincula o representante ao representado.

O voto como objeto da História Política parte da premissa de que sua implementação como meio de participação política possui uma historicidade a ser pensada: longe de ser um meio natural para tomadas de decisão coletivas, o voto foi historicamente instituído, até mesmo em detrimento de outras formas presentes em um vasto repertório de ação coletiva, e constituído como meio legítimo. É o que apontam reflexões de autores como Bernard Manin (1995), Alain Garrigou (1988), Michel Offerlé (1993; 2011) e os diversos textos da coletânea organizada por Letícia Bicalho Canêdo (2005) no Brasil. Um história do voto se apresenta como um empreendimento capaz de identificar, contextualizar e problematizar as práticas e as concepções que levaram eleitores e eleitoras a se constituírem como tais, a se tornarem eleitores, e a estabelecerem relações entre o ato de votar e a vida cotidiana.

A história do voto e das eleições no Brasil está longe de ser a história de uma evolução linear. Sua trajetória foi acidentada e influenciada pelas contingências de um cenário político com alterações constantes. Da implantação do regime republicano até a promulgação da Constituição de 1988 muitas reformas ocorreram em relação ao direito ao voto, que passaram, paulatinamente, a incluir uma massa de indivíduos (não abastados, mulheres e analfabetos) que outrora tinham negado esse direito e determinaram a mudança do voto facultativo para obrigatório. Os artigos que formam o presente dossiê passam por diversos momentos dessa história, em diferentes fases da República, abordando desde os aspectos legais da representação política até as práticas de partidos políticos, as campanhas eleitorais e a competição política.

Neste dossiê, contamos com um artigo sobre as eleições no período da Primeira República (1889-1930), intitulado As Eleições na Primeira República: Abstenções, Legislação e Controle Eleitoral, de autoria de Carina Martiny. Sobre as articulações visando à eleição presidencial de 1937 temos o artigo Luiz Mário Dantas Burity, “Eis o que me ocorre, por hoje”: a campanha presidencial de 1937 e a candidatura de José Américo de Almeida nas correspondências de Juraci Magalhães e Artur Neiva. O período da experiência democrática (1945-1964) foi contemplado por quatro artigos, sendo dois sobre as eleições no Piauí: Jackson Dantas de Macedo e Marylu Alves de Oliveira são autores de História e política: Fontes documentais como lugares de memória e a análise do processo eleitoral de 1945 no Estado do Piauí; e Ábdon Eres da Silva Neto contribui com o artigo O município e o processo eleitoral de 1954 no Piauí. Sobre a dissidência do PSD no Rio Grande do Sul temos o artigo de Tiago de Moraes Kieffer e Marcos Jovino Asturian, intitulado O Partido Social Democrático Autonomista (PSDA): Apontamentos Preliminares de Pesquisa. Completam o dossiê os artigos de Laila Correa e Silva, O direito ao voto feminino no século XIX brasileiro: a atuação política de Josephina Álvares de Azevedo (1851-1913) e o de Letícia Sabina Wermeier Krilow intitulado Democracia em perspectiva: as representações no Correio da Manhã sobre as eleições gerais de 1958.

Acompanham o dossiê duas entrevistas que realizamos tangenciando o tema do voto e da representação política, gentilmente concedidas pelas professoras Cláudia Maria Ribeiro Viscardi (UFJF) e Céli Regina Jardim Pinto (UFRGS). A primeira, destacando as novas abordagens que vêm ressignificando o tema da competição política na Primeira República e a segunda trazendo uma reflexão sobre a democracia no Brasil realizada no calor dos resultados eleitorais de 2018.

Referências

CANÊDO, Letícia Bicalho (Org.). O sufrágio universal e a invenção democrática. São Paulo: Estação Liberdade, 2005.

GARRIGOU, Alain. Le secret de l’isoloir. Actes de la recherche en sciences sociales, v. 71-72, março 1988.

MANIN, Bernard. As Metamorfoses do Governo Representativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 29, pp. 5-34, 1995.

OFFERLÉ, Michel. Un homme, une voix? Histoire du suffrage universel. Paris: Gallimard, 1993.

________________. Perímetros de lo político: contribuiciones a una sócio-historia de la política. Buenos Aires: Antropofagia, 2011.

Douglas Souza Angeli – Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. E-mail: [email protected]

Paula Vanessa Paz Ribeiro – Professora da EMEB Antônio Saint Pastous de Freitas, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em História pela Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: [email protected]


ANGELI, Douglas Souza; RIBEIRO, Paula Vanessa Paz. Apresentação. Aedos, Porto Alegre, v. 10, n. 23, Dez, 2018. Acessar publicação original [DR]

História e Crime / Aedos / 2017

A Casa de detenção de São Paulo, também conhecida como Carandiru, foi fundada no início do século XX, tendo sido um dos maiores presídios da América Latina. Há 25 anos, em 02 de outubro de 1992, o Carandiru foi palco de um dos maiores massacres do país resultando em um saldo de 111 presidiários mortos e 87 feridos. Importante ressaltar que essas imagens não imprimem a totalidade de temas do dossiê “História e crime”, contudo, pode-se entrelaçar questões pertinentes tais como: crime e justiça; sistema prisional, disciplina e violência estatal; limites da justiça e direitos humanos.

Dito isso, a visualização dessas imagens nos permitem pensar variadas interpretações, nesse momento, escolhemos a primeira imagem como a perspectiva do Estado, homens uniformizados e disciplinados em prontidão para a realização de suas atribuições policiais. Foto no momento anterior a sua entrada no Carandiru. A segunda imagem, por sua vez, encaramos como ponto de vista dos detentos e, mais, dos grupos marginalizados e excluídos da sociedade.

Nesta edição, o leitor não encontrará unicamente textos que versam especificamente sobre “História e crime” e isso se deve, em grande medida, nos desdobramentos e nas potencialidades de uma reflexão mais profunda, na última década, sobre os referenciais teóricos-metodológicos acerca da documentação. Alinhando-se a esse pensamento, a escolha por entrevistar os Professores Marcos Bretas e Ivan Vellasco teve como finalidade, com base em suas largas e consolidadas experiências em pesquisas empíricas, nas quais suas falas situaram o contexto da produção historiográfica atual e o alargamento de documentos na produção do conhecimento histórico.

Foram selecionados 16 artigos para compor o dossiê “História e crime”. De início, abrimos os trabalhos com o artigo “Circulación trasandina de saberes de identificación. Dactiloscopia en Chile, 1893-1909” que, com uma proposta de análise para entender a ação de instituições policiais para a investigação de crimes, os autores buscaram entender de que forma a datiloscopia influenciou na circulação de técnicas e saberes na Argentina e Chile em fins do século XIX e início do XX. Isso nos remete ao constante esforço e processo de racionalização por parte do Estado no estabelecimento de padrões de conduta social, na qual a atuação da polícia têm destaque na ação punitiva.

Nesse sentido, o artigo “A força pública e o policiamento do estado republicano em Minas Gerais” traz à tona a atuação dos indivíduos responsáveis pela ordem pública, comandantes e chefes de polícia em Minas Gerais, exibindo uma documentação rica em detalhes, como conjunto de relatórios de gestão da Secretaria de Polícia entre outros. Contudo, o projeto de policiamento e controle da população sob disciplina não partia apenas do Estado, as elites participaram ativamente e, inevitavelmente, partilhavam seus interesses. Assim, “Controlar e reprimir: a criminalidade em Bragança-PA no início do século XX” demonstra como a marginalidade e a transitoriedade de indivíduos de classes populares eram preocupações para a elite, do mesmo modo, as estratégias de sobrevivência de um grupo de criminosos em Bragança / PA e sua margem de atuação num espaço onde sua margem de ação era limitada uma vez que sua condição social determinava suas escolhas.

Já o artigo “Um legítimo homicídio emocional”: a Justiça e o crime “passional” no Brasil dos anos 1950” apresenta outros elementos não racionais envoltos na aplicação da justiça. A motivação dos crimes podem ser justificadas a partir do ciúme e atos de honra, valores presentes quando adentramos nas questões de gênero e na construção da masculinidade. Se, nesse texto, se analisou crimes passionais cometidos por homens acusados pela morte de suas companheiras; em “Occultar a deshonra: práticas de infanticídio em Castro – Paraná (1884-1899)” consiste em identificar e revelar as mulheres que cometeram o crime de infanticídio e, assim quebraram a ordem da lei. “Processos crimes de infanticídio e saberes científicos: a busca pela verdade inscrita nos corpos (Rio Grande do Sul 1891- 1919)” explora a questão dos procedimentos de corpo de delitos nos corpos das mulheres que cometiam o infanticídio, englobando, também a relação da medicina e o judiciário.

Esses casos, por sua vez, ganhavam, muitas vezes, uma versão distorcida e assumiam uma caráter de julgamento quando publicados em periódicos. É, igualmente desse modo que o artigo “O samba da morte”. O assassinato de um soldado da Força Policial no Morro da Favela (Rio de Janeiro, 1909)” confronta, através de processos criminais o assassinato de um soldado, revelando as falas de testemunhas e acusados, o que ocasiona, finalmente, em diferenças gritantes entre o que foi repercutido na imprensa e o que, de fato, se escreveu nos processos policiais. Por seu turno, o texto “Longe de pacíficos e ordeiros”: Os crimes e os criminosos na Antiga Colônia Alemã de São Leopoldo” constata, pela investigação de processos crimes, que os alemães e seus descendentes foram, com frequência, réus ou vítimas, desmitificando um discurso que os representava como passivos e cumpridores das leis.

Os artigos “Impressões sobre a Cadeia Velha (1750-1808)” , “Dimensões e facetas do trabalho prisional: as fugas da Casa de Detenção do Recife nos tempos do administrador Rufino Augusto de Almeida (1861-1875)”, “Anatomia do crime: o perfil dos delitos cometidos por cativos no contexto de intensificação do tráfico interno (Pelotas, 1850-1884)” e “Um crime de cor, do sistema penal racista ao tribunal racial: reflexões sobre a condenação de Preto Amaral em 1927” embora com temas distintos, operam seus trabalhos seguindo o objetivo, em linhas gerais, de exibir o perfil, comportamentos e mecanismos de sobrevivência de vítimas dos delitos e de escravos. Torna-se, claro, com a leitura de seus trabalhos que as leis não eram justas, a pobreza e a origem social delineava uma situação de vulnerabilidade e racismo, nos quais descortina questões de má administração da justiça.

Desde o século XVI, com a instalação gradual de um aparato administrativo e jurídico no Brasil, agentes em nome das leis desempenharam atribuições múltiplas e concisas para regular a ordem pública. O texto “Para punir os culpados e evitar malfeitorias: a inserção do juiz de fora na estrutura judiciária brasileira no final do século XVII” e “O degredo como punição: a pena de degredo para o Brasil no Livro V das Ordenações Filipinas”, demonstram, o papel desses cargos na configuração judiciária e também as formas de punições prescritas pela lei àqueles que se desviavam da obediência.

Não obstante, recorrer à justiça nem sempre prevaleceu como primeira alternativa, é o que os leitores encontrarão na leitura dos textos como “Crimes do Oeste: os ladrões de gado em meio às transformações sociais no início do século XX no município fronteiriço de Uruguaiana”, “Honra, litigiosidade e justiça: os crimes de honra na região de Formiga – Minas Gerais (1807-1875)” e Noções de honra e justiça entre as classes populares da fronteira no Brasil meridional na segunda metade do século XIX – estudo de casos”.

Ainda nessa edição trazemos ao leitor onze artigos livres e duas resenhas de temas e recortes variados. O primeiro artigo da seção livre é “A dimensão da ideia de civilização no contexto da reforma urbana de Pereira Passos”, que aborda a ideia de civilização no início do século XX, ou seja, no contexto das reformas do prefeito do Rio de Janeiro Francisco Pereira Passos, o autor realiza sua análise através da abordagem dos discursos propagados à época pelo referido prefeito.

Em seguida temos “Guerra e Infância: um olhar poético infantil sobre os cenários brutais da Segunda Guerra Mundial”, artigo no qual se busca conectar a produção cinematográfica aos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, são destacadas pelo autor questões como momento em que determinado filme foi produzido e a presença de imagens instantâneas que não demandam a mobilização de uma imaginação maior por parte do espectador. Desse modo, são analisados os filmes A menina que roubava livros (2013) e o Menino do Pijama Listrado (2012), ambos adaptações de livros de literatura.

Assim, seguindo um recorte cronológico segue-se o artigo “Configurações políticas, articulações e estratégias de imigrantes e descendentes diante das mudanças decorrentes do Estado Novo no Rio Grande do Sul (1937 – 1945)” que explora questões como imigração, religião e vínculos de imigrantes com a política local e regional, centrados no município de Novo Hamburgo no Rio Grande do Sul.

Em “Transição democrática na Argentina e no Brasil: continuidades e rupturas” são discutidos os conceitos de transição e consolidação, bem como as diferenças e semelhanças entre os processos de abertura política nos países Brasil e Argentina. Por sua vez, “Castigos, Revoltas e Fugas: A fundação do bem-estar do menor retratada nas páginas da Folha de São Paulo 1980-1990” realiza, através de fontes periódicas e jurídicas, a análise da construção de uma imagem negativa a respeito da população infanto-juvenil pobre e / ou infratora, com uma percepção histórica são abordadas questões como transformação ao longo do tempo do discurso propagado sobre jovens infratores diante de mudanças ocorridas na legislação a respeito da criança e do adolescente.

Na segunda parte, estão “Banco de dados e acervos digitais: o uso das TCI’s na pesquisa em História” e “Transi Tombs: pesquisa com fontes medievais através do acesso virtual”. O primeiro investiga a utilização de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC’s) por pesquisadores da área de história do interior do estado do Ceará. Destacam-se questões pertinentes como a dificuldade de acesso a arquivos, seja por inexistência ou má conservação de documentos, encontradas por pesquisadores que não estão nas grandes cidades e a importância do acesso às fontes de maneira digital. Além disso, o artigo destaca também a relevância do recurso virtual frente à ausência de fontes físicas em áreas como História Antiga e Medieval. Por conseguinte, temos “Transi Tombs: pesquisa com fontes medievais através do acesso virtual” que apresenta possibilidades de pesquisa de História Medieval através da análise de fontes primárias disponíveis em acervos digitais. As Transi Tombs ou tumbas cadáveres inglesas do século XV são analisadas pela autora com base no aspecto iconográfico.

Já “Os símbolos da Brigada de Infantaria Paraquedista: influências, permanências e rupturas” destacando a importância de estudos sobre a tradição, neste caso a militar, faz a análise das origens, continuidades e rupturas dos símbolos da Brigada de Infantaria Paraquedista.

Por fim, o artigo “Hermenêutica e historiografia” e “Perspectivas em História da Ciência: A Revolução Científica e sua relação com o cristianismo” desenvolvem-se ao redor dos temas: história, ciência e modernidade. Portanto, perpassam questões como a escrita e a teoria da história.

Ao longo do processo de recepção e tratamento dos artigos que compõe esse número, felizmente, contamos com a participação de pesquisadores vinculados ou formados por importantes instituições, como: Universidade Federal de Santa Maria, Universidad Nacional de General Sarmiento, Museo Nacional de Odontología, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Instituto Federal de Minas Gerais, Universidade Federal do Pará, Universidade Estadual do Centro-Oeste, Faculdades Integradas da Vitória de Santo Antão, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade de Santo Amaro, Universidade Estadual Paulista, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Universidade Federal de São João del Rei, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Universidade de São Paulo, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade do Estado de Santa Catarina, Universidade Federal do Ceará, Universidade Federal do Cariri, Universidade Federal de Pelotas, Universidade Federal de Santa Catarina, Instituto Meira Mattos e Universidade Estadual de Campinas.

Michele de Oliveira Casali (Editora-Chefe)

Thaís Olegário Fleck (Editora-Gerente)


CASALI, Michele de Oliveira; FLECK, Thaís Olegário. Apresentação. Aedos, Porto Alegre, v. 9, n. 20, Ago, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Política na América Latina Contemporânea / Aedos / 2017

As múltiplas abordagens e interfaces com o presente propiciadas pelo estudo da História contemporânea movimentam muitos debates entre os profissionais das Ciências Humanas. O interesse por esta temática no Brasil também é reflexo da conjuntura política e econômica da atualidade. Estudos tem se debruçado em buscar, oferecer e reforçar a aplicabilidade de modelos explicativos que ofereçam contribuições para se compreender a gênese de problemas como as desigualdades sociais e o aumento substancial da violência e da repressão no cenário político. Estes esforços científicos permitem, por exemplo, ampliar a análise das consequências que medidas repressivas de alta intensidade, como o decreto de intervenção militar no estado do Rio de Janeiro neste ano de 2018, aportam à degeneração das relações democráticas e ao distanciamento em relação a políticas de direitos humanos.

Na história do século XX brasileiro, podemos encontrar duas ditaduras: a do Estado Novo, entre 1937 e 1945, e a Ditadura Civil-Militar, que persistiu entre os anos de 1964 e 1985. Os períodos intermitentes não guardam menos complexidade, sendo objeto de inúmeras abordagens acadêmicas. Na América Latina como um todo, em que pesem as diferenças, processos análogos reforçam a potencialidade de estudos comparativos e demonstram a validade histórica e política dos objetos de análise. Neste sentido, o dossiê Política na América Latina Contemporânea, trazido neste número, conta com oito artigos com temas variados que podem ser enquadrados nas seguintes categorias: pensamento autoritário e práticas repressivas, relações internacionais e ditadura civil-militar brasileira (1964-1985).

O primeiro artigo apresentado é Leis que atuam no tempo e no espaço: um diálogo entre o pensamento de Oliveira Vianna, Azevedo Amaral e família (1937-1945), no qual o autor, Fábio Wilke, analisa as construções teóricas de Oliveira Vianna e de Azevedo de Amaral e sua relevância para a sustentação política e econômica do Estado Novo.

Já os artigos Reformas Neoliberais na América Latina: um balanço geral, A Ingerência estadunidense na Venezuela chavista e Um estudo das relações entre a Argentina e Paraguai em torno do impasse sobre a navegação do Rio Paraná por meio de documentos diplomáticos brasileiros e as negociações para construção de Yacyretá (1965-1973), inserem-se na linha temática das relações internacionais, tanto entre países latino-americanos e os Estados Unidos da América (EUA), quanto entre países componentes da América Latina. O primeiro texto, de Rafael Brandão, aborda as políticas econômicas neoliberais aplicadas na América Latina por meio das diretrizes do Consenso de Washington. Brandão cede destaque ao Chile, mas analisa também os casos boliviano, mexicano, venezuelano, peruano e argentino.

Tiago Salgado, por sua vez, trata do caso da Venezuela e das relações de interferência realizadas pelos EUA neste país. A abordagem é ainda mais significativa em um momento em que se discute amplamente a situação venezuelana na mídia e no qual se demanda o aprofundamento das análises sobre as relações de dominação e dependência existentes na América Latina, bem como sobre seus impactos políticos.

No texto de Luiz Barros, o leitor encontrará uma investigação acerca das disputas relativas ao aproveitamento dos rios internacionais componentes da Bacia do Rio da Prata por intermédio da observação das relações diplomáticas entre a Argentina e o Paraguai.

Na linha temática da ditadura brasileira, Jocyane Barretta, em seu artigo A importância da materialidade dos Centros Clandestinos de Detenção e Tortura para contar histórias da Ditadura no Brasil, explora as discussões sobre a dinâmica repressiva e a materialidade dos espaços. A autora realiza um levantamento dos Centros Clandestinos de Detenção e Tortura (CCDT) em todo o país e se detém na análise de um desses centros, o Dopinha, de Porto AlegreRS. A linha temática abrange também o artigo Lágrimas que vertem do solo: lutos e supressões nas disputas da memória em torno de mais uma vala sul-americana (Bairro de Perus, São Paulo, 1990 – 1993), de Roger Barrero Junior. O autor aborda questões relacionadas às disputas de memória sobre o período ditatorial brasileiro, explorando questões como a ausência de uma discussão mais profunda a respeito das violações de direitos humanos e do desaparecimento de pessoas.

Em Carreiras políticas de sucesso: o apoio ao Golpe Civil-Militar de 1964 e o recrutamento da elite política gaúcha, Guilherme Catto qualifica os parlamentares da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul por meio de uma análise prosopográfica, dividindo-os em duas categorias de análise: aqueles que aderiram ao golpe de 1964 e os que se opuseram.

O último artigo a compor o dossiê é Liberais e a Intervenção Estatal: Controvérsias Econômicas em “Quem é quem na Economia” de Fernando Coelho, que a partir da dimensão econômica discute os embates ideológicos sobre os projetos liberal e desenvolvimentista, concebidos pelo empresariado para o Brasil durante a ditadura.

Ainda nessa edição trazemos ao leitor dezesseis artigos livres de temas e recortes variados. A reflexão sobre o ensino foi o assunto que perpassou os artigos Movimento Negro, educação e os princípios da Lei 10.639 / 03; Combater as desigualdades sociais pelo ritmo escolar? O caso do Brasil e da França; Leitura e literatura: o letramento literário como processo de intelectualização e O ofício do historiador como pesquisador dos videogames: teorias e métodos. Nestes artigos, são abordadas as relações étnico-raciais e a Cultura Afro Brasileira e Africana no ensino brasileiro; as profundas desigualdades sociais e seu reflexo na educação de crianças e jovens brasileiras; e o repertório teórico e metodológico que permite ao historiador analisar os jogos como fontes.

O artigo Dentre fronteiras: a coca, o crime e a História na Bolívia traz importantes considerações sobre a representação da coca e seu lugar no cenário político e cultural atual. A análise historiográfica de práticas de crime e justiça também está presente nos artigos “Praça de exemplar comportamento e estimado por seus superiores”: Notas de pesquisa sobre o cotidiano policial através de um processo crime (Porto Alegre / fins do século XIX) e O aipim e a espingarda: juventude, criminalidade e pensamento criminológico no século XIX a partir de um caso concreto. Nestes textos, os focos de abordagem são o cotidiano dos indivíduos e o envolvimento e impacto das autoridades policiais em suas vidas. Relevante destacar a correspondência entre a pobreza e o crime, as motivações particulares e como essas práticas afetam o funcionamento da ordem pública.

A violência e suas imbricações sociais e culturais foi tema dos artigos Violência e Imprensa no Oeste Paulista: um estudo de caso e Cultura e violência na República Velha Rio-Grandense: os processos-crime de homicídio e lesão corporal da Comarca de Soledade. Enquanto o primeiro analisa um caso de assassinato e sua repercussão em dois periódicos do período também relata as omissões e os discursos abordados por tais jornais. O segundo discute as muitas transformações ocorridas no período da República Velha e a análise dos processos-crimes revelam a violência como alternativa constante para a resolução de litígios cotidianos.

As possibilidades de aplicação de fontes não-escritas são respaldadas pelo texto Fotografias Judiciárias, História e Processos criminais: notas de pesquisa (Irati-PR; 1948 e 1951), que enfatiza a potencialidade metodológica desse tipo de registro para a reconstituição de um delito. Por outro lado, o artigo Experiências do tempo e laços identitários nos periódicos mineiros Abelha do Itaculumy e O Universal (1824-1827), o trabalho busca compreender nas fontes escritas a concepção de tempo e as relações entre escrita da história e temporalidade no Império Brasileiro diante da independência e a nova configuração jurídica.

O artigo O ideal nobiliárquico e a busca por distinção Social no Antigo Regime Português: em Busca de uma definição para o conceito de Nobreza da Terra destoa dos artigos que apresentamos até aqui. Circunscrito ao período da Colônia, o texto propõe uma revisão historiográfica que dê conta das origens e do percurso do conceito de “Nobreza da Terra” e do seu entendimento para a designação de um grupo específico desse tempo.

André Leme, em A biografia de Júlio Cesar e os riscos do poder absoluto: Suetônio e a política romana em tempos de Adriano (século II d.C.), analisa a obra escrita por Suetônio e lançada no século II d.C., abordando especialmente a biografia escrita pelo autor sobre Júlio César.

Em relação à análise da historiografia brasileira apresenta-se Histórias gerais, histórias particulares: Pedro Calmon e a prática historiográfica na década de 1960, de Nayara do Vale. No artigo, a autora aborda as discussões entre a história enquanto produção institucionalizada e história extra acadêmica. Para tanto, utiliza conferências de Pedro Calmon e discute os projetos em disputa na década de 1960.

Por fim, inseridos na temática de gênero e relações de poder estão: Mujeres libres e a emancipação feminina: apontamentos sobre anarquismo, revolução e feminismo libertário na Espanha dos anos trinta e Sangue menstrual e magia amatória: concepções e práticas históricas, de Talita Sobrinho e Andressa Ferreira, respectivamente. Mujeres libres explora uma organização de mulheres trabalhadoras anarquistas na Espanha durante a Guerra Civil e Revolução espanholas, e tem como enfoque “o feminino dentro da Revolução”. O artigo de Andressa Ferreira compõe um panorama sobre como ao longo do tempo o sangue menstrual foi concebido, analisando as diversas interpretações e representações desse fluido e discutindo permanências e imaginários entre a mágica e a medicina moderna.

Michele de Oliveira Casali (Editora-Chefe)

Thaís Fleck Olegário (Editora- Gerente)

Fernanda Feltes (Editora de seção)


CASALI, Michele de Oliveira; OLEGÁRIO, Thaís Fleck; FELTES, Fernanda. Apresentação. Aedos, Porto Alegre, v. 9, n. 21, Dez, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Gênero, Raça e Classe / Aedos / 2016

Gostaríamos de abrir esta publicação com uma imagem que consideramos muito significativa: uma foto da autora Carolina Maria de Jesus, em 1960, no lançamento de “Quarto de Despejo”, livro que a tornaria reconhecida como uma das escritoras mais importantes do Brasil. Mulher, negra e pobre, moradora da favela do Canindé, em São Paulo, Carolina de Jesus trabalhava como catadora de lixo e registrava seu cotidiano através da escrita, em diários posteriormente publicados, nos quais podemos ler sobre suas vivências e que nos revelam suas lutas, inspirações e maneiras de ver o mundo. Neste momento em que lembramos os 40 anos do seu falecimento, ocorrido no ano de 1977, os seus escritos, além de oportunizarem o contato com a habilidade e sensibilidade da autora, nos sugerem a possibilidade de perceber as maneiras multifacetadas e complexas pelas quais os sujeitos se compõem e existem no mundo, e colocam a importância de valorizar estas trajetórias e vivências.

Carolina de Jesus nos inspira, portanto, na apresentação do Dossiê Temático Gênero, Raça e Classe, com o qual a Aedos tem a intenção de abordar a complexidade das relações de poder entre as diferentes dimensões que compõem o social e tem implicação na composição de sistemas de opressão e de identidades, e também nas trajetórias dos sujeitos e suas maneiras de vivenciar a realidade, de se colocar nela e também de lutar e resistir às violências que a permeiam. Com essa publicação procuramos contribuir para a análise e compreensão de elementos e fenômenos que concernem à configuração e a interdependência das relações de poder e de formas de elaboração dos sujeitos e das relações sociais. Além disso, pretendemos enfatizar as dimensões políticas desta perspectiva e a posição que ela demarca, relacionadas à valorização das experiências e trajetórias de sujeitos marginalizados socialmente e frequentemente invisibilizados nas análises historiográficas. Compartilhamos da visão de que o conhecimento histórico pode constituir-se, ao mesmo tempo, em espaço e instrumento de luta política, visto que a introdução destes debates e problematizações pode contribuir para o questionamento de saberes supostamente neutros.

É fundamental mencionar que a presença ativa destes sujeitos na proposição destas discussões, na medida em que, com a sua atuação na academia – e também fora dela –, passam a produzir conhecimento a partir das próprias vivências e a problematizar as próprias realidades e opressões, pautando assim debates acadêmicos, historiográficos e políticos mais amplos. Nesse número temos a contribuição de pesquisadores que se identificaram como integrantes de grupos de pesquisa e instituições voltadas para sujeitos marginalizados socialmente, como: Carlos Henrique Lucas Lima que integra o Grupo de Pesquisa Corpus Possíveis, Grupo de Pesquisa em Cultura e Sexualidade (CuS) e é co-criador e editor-adjunto da primeira revista brasileira dedicada exclusivamente aos Estudos Queer, a Periódicus; Marcio Rodrigo Vale Caetano integrante do Nós do Sul – Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Identidades, Currículos e Culturas; e Néstor Anibal Rodriguez integrante da Cooperativa Mujer Ahora e do Colectivo Ovejas Negras do Uruguai.

Da mesma forma, para essa publicação a integrante da equipe editorial Ana Júlia Pacheco entrevistou Cristiane Mare da Silva. Cristiane é doutoranda em História Social pela PUC / SP, pesquisadora Associada ao Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UDESC (NEAB / UDESC) e do Centro de Estudos Culturais Africanos e da Diáspora CECAFRO da PUC / SP, é também fundadoras do “Coletivo Pretas em Desterro” oriundo das articulações do “Comitê impulsor da Marcha de Mulheres Negras de Santa Catarina” onde foi uma das coordenadoras que organizou a presença das mulheres negras catarinenses na nacional “Marcha das Mulheres Negras 2015”. Antes disso, atuou como Secretaria de Mulheres da União de Negros Pela Igualdade (UNEGRO / SC). Como escritora, crítica e poeta, ela mantém em seu blog “Literatura Afrolatina e Diásporas do Atlântico”.

“Instantáneas acerca de la construcción del sujeto del feminismo” de Néstor Anibal Rodriguez, abre o dossiê com uma provocação: qual tem sido o sujeito do feminismo? Essa questão surge quando alguns coletivos de mulheres não se sentem representadas pela tendência feminista hegemônica que é branca, burguesa e heterossexual. Apresenta, a partir dessa questão, a articulação entre raça, classe, gênero e orientação sexual e distingue o sujeito social do político e do epistemológico. Continuamos com o artigo de Carlos Henrique Lucas Lima e Marcio Rodrigo Vale Caetano, que entendem ser um gesto político necessário defender uma historiografia literária “fora do armário”. Os autores afirmam que a homossexualidade foi recluída nos discursos sobre a Nação, mas relegada ao espaço do privado e do “gueto” e, assim, através de comentários de escritos de críticos / as literários / as vinculados / as aos estudos sobre sexualidades e gêneros, buscam problematizar o lugar desta população no ideário da Nação.

Ronaldo Manoel Silva pesquisa o pecado nefando, que atualmente corresponde à conduta homossexual, na primeira visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Brasil (1591-1595). Suas fontes são processos inquisitoriais de homens sentenciados por crime de sodomia e que atestam que apesar da repressão, o sexo entre iguais foi praticado no primeiro século da colonização brasileira. O artigo de Renato Drummond Tapioca Neto e Marcello Moreira analisa a dinâmica social da concessão de dotes e dos casamentos no Brasil entre os anos de 1850 a 1870, a partir do romance “Senhora” (1875) de José de Alencar. Os autores interpretam o matrimonio dos personagens do romance como uma construção de uma analogia da relação estabelecida entre senhor e cativo no regime escravocrata, ferindo a concepção religiosa de sacralidade do casamento.

Três pesquisas sobre “pensamento raciológico”, “racismo científico” e “teorias racialistas” compõem o dossiê, com abordagens, períodos e espaços diversos. Joice Anne Carvalho e Renata Baldin Maciel expõem um panorama geral do pensamento raciológico do século XIX e início do XX trazendo como exemplo as concepções de Manoel Bomfim, intelectual que refutou as teorias raciais de sua época e de alguns eugenistas, em especial Renato Kehl, que reforçou tais percepções, além de problematizar as questões relativas ao gênero nessas teorias. O objeto do estudo de Denis Henrique Fiuza, por sua vez, é justamente Renato Kehl e a implantação do racismo científico no Brasil a partir da obra “Lições de Eugenia”, obra que seria o resultado de mudanças de Kehl em direção a uma eugenia ainda mais radical, informada pelo racismo europeu e pelo determinismo biológico.

“Das teorias racialistas ao genocídio da juventude negra no Brasil contemporâneo: algumas reflexões sobre um país nada cordial” é o provocante título do artigo de Juliana de Almeida Goiz, no qual defende que a população negra foi deixada às margens da sociedade, como consequência do processo de escravização e também do racismo institucional e que tem provocado o genocídio da juventude negra, o qual problematiza. O tempo presente também é o recorte da jornalista Samara Araújo da Silva, que se debruça sobre a série “Sexo e as negas” (Rede Globo), na qual percebe narrativas estereotipadas e sexistas na representação das mulheres negras. Para Samara a mulher negra se mantém vista e apresentada como no período escravocrata a mercê dos desejos sexuais de seus patrões dentro de um hipersexualismo constante.

Nesse número também contamos com seis artigos “livres”. Gabriel José Pochapski e José Adilçon Campigoto são os autores de um desses artigos, no qual articulam igreja, casa e cemitério para analisar a morte entre os descentes ucranianos de uma cidade do Paraná, entre os anos de 1923 e 2012, utilizando como fontes a fotografia e a história oral. Já Patricia da Costa Machado pretende compreender o surgimento e a trajetória da luta por justiça no Uruguai após o fim da ditadura civil militar, principalmente o impacto da Ley de Caducidad, que impediu a realização de julgamentos dos crimes da ditadura. Recuando no tempo e rompendo com o recorte da América Latina, Maicon da Silva Camargo debate a peculiar situação da União Ibérica (1580-1640) através da filosofia política da primeira Idade Moderna e do discurso de Manuel Severim de Faria (1583 – 1655). Por sua vez, uma equipe de historiadores, composta por Nathany Belmaia, Henrique Bresciani, Luiz Manini, Érika Myiamoto, Hilton Oliveira e Thaís Silva, se debruçou sobre a capa do álbum intitulado Powerslave, da banda Iron Maiden, para analisar a produção, o consumo e a apropriação de elementos da cultura do Antigo Egito pela indústria cultural da década de 1980.

O anticomunismo e o antifascismo são os temas dos últimos artigos desse número. Luiz Otavio Monteiro Junior analisa a origem da ideologia anticomunista no seio do Exército Brasileiro durante a Era Vargas, observando a produção intelectual para percorrer a historicidade da ideologia anticomunista dentro do pensamento militar. E Bruno Corrêa de Sá Benevides estuda o antifascismo internacional entre 1919 e 1922 através da propagação e circulação de textos antifascistas, de tendência anarquista, nos jornais militantes e operários brasileiros e a compreensão acerca do conceito de fascismo através da ótica dos militantes anarquistas. Por fim, ainda há a resenha do livro A Polônia e seus emigrados na América Latina (até 1939) de Jerzy Mazurek, publicada pela editora Espaço Acadêmica.

Esperamos que todos e todas aproveitem a leitura!

Micaele Irene Scheer (Editora Chefe)

Marina Gris da Silva (Editora Gerente)


SCHEER, Micaele Irene; SILVA, Marina Gris da. Apresentação. Aedos, Porto Alegre, v. 8, n. 19, Dez, 2016. Acessar publicação original [DR]

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História do Trabalho / Aedos / 2015

Como explicitado no edital, o objetivo deste dossiê é reunir artigos que se voltam para a História do Trabalho. O conjunto diversificado de artigos aqui reunidos nos apresenta uma grande variedade de espaços, fontes, períodos e abordagens, demonstrando as possibilidades dos estudos sobre o tema para a compreensão histórica de diversas sociedades, especialmente a brasileira.

Dezenove artigos, de nove instituições de ensino, compõem o dossiê. A maioria dos artigos é de pós-graduandos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Universidade Federal de Pelotas – ambas as instituições são destaque no desenvolvimento de pesquisas sobre a temática, principalmente devido à atuação de docentes como Silvia Petersen e Beatriz Loner.

Oito artigos são desenvolvidos em programas de outros estados, o que colaborou para uma diversificação dos espaços de estudo apresentados nesse número: os estados do Amazonas e São Paulo, cidades de Sobral e Jaguaruana (Ceará), Recife (Pernambuco), e nas capitais do Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul, além de Pelotas (Rio Grande do Sul) foram os focos principais dos artigos. Há também estudos com abordagens nacionais, como trabalhadores na construção de ferrovias na Bahia, São Paulo e Mato Grosso, e transnacionais, que tratam da circulação de um artista militante e sua obra entre Brasil, Argentina e Espanha.

Assim como os espaços, os períodos estudados são diversos. A Primeira República e o Estado Novo são os mais frequentes nesse dossiê, mas os períodos da Colônia e do Império, assim como o a segunda metade do Século XX e Tempo Presente, também estão contemplados. Para tanto são usadas principalmente fontes jornalísticas, seguida das fontes judiciais e administrativas. A história oral é a fonte em dois artigos. O dossiê ainda conta um artigo que apresenta a potencialidade de diferentes fontes e seus possíveis cruzamentos.

Ao analisarmos as diversas temáticas do dossiê e os sujeitos estudados, podemos notar como cada vez mais as “barreiras” entre trabalho livre e escravo estão borradas, e como, já há algum tempo, os estudos dos mundos do trabalho não são habitados apenas por homens brancos urbanos no universo fabril. Há artigos sobre profissionais negros em Pelotas, escravos trabalhando em ferrovias em São Paulo, movimento camponês no interior do mesmo estado, trabalhadores libertos e trabalho doméstico em Porto Alegre e até a ainda pouco estudada mão de obra indígena feminina no período colonial, evidenciando um alargamento não só de fontes, temas e períodos, mas da própria forma de conceber e interpretar o que é trabalho.

É com muita satisfação, portanto, que a Revista Aedos apresenta o Dossiê História do Trabalho, que traz ainda alguns trabalhos apresentados durante as VIII Jornadas Mundos do Trabalho, intituladas “Histórias do trabalho escravo, liberto e livre” e realizadas pelo GT Mundos do Trabalho ANPUH / RS. Estes artigos, selecionados pelos membros do GT, estão identificados com uma nota de rodapé nos respectivos títulos. O número também contém sete artigos de temática livre, uma resenha e uma entrevista.

Boa leitura!

Micaele Irene Scheer – Doutoranda UFRGS

Guilherme Machado Nunes – Mestrando UFRGS

Membros da equipe editorial da Revista Aedos e do GT Mundos do Trabalho ANPUH / RS


SCHEER, Micaele Irene; NUNES, Guilherme Machado. Apresentação. Aedos, Porto Alegre, v. 7, n. 17, Dez, 2015. Acessar publicação original [DR]

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Memória e história: diálogos, narrativas e ensino / Aedos / 2014

Embora relativamente recente (em termos de história da historiografia), a questão da memória e sua relação com a narrativa histórica carrega consigo certa urgência. No século XX, frequentemente a questão da memória foi associada ao Holocausto, e o que se seguiu disso foi uma espécie de sensação de estranheza, incompreensão ou perplexidade por conta dos historiadores. Isso se deveu em parte à natureza dos eventos sucedidos – em virtude de suas particularidades –, em parte à mentalidade de uma historiografia tradicional que percebia a memória como avessa ao caráter “científico” da narrativa historiográfica. No Brasil, o ano de 2014 foi marcado pelo cinquentenário do golpe militar que instaurou um período de ditadura civil-militar no país, onde a memória – ou a ausência dela – também faz deste evento um desafio em termos não só teóricos, mas também metodológicos para a possibilidade de representação desse período. Desse modo, convidamos os pesquisadores a debaterem neste número a – essencial – relação entre memória e história, as implicações dessa relação para a narrativa historiográfica, pensadas como fator de possibilidade e / ou de limite para a representação histórica.

O título de nosso dossiê é composto por duas partes que devem direcionar os trabalhos que prtendemos incentivar nesta edição. O termo central é “memória”. Formulada e debatida a partir dos limites da representação histórica, sobretudo quando envolvendo eventos traumáticos, esta questão já teve muitas formas de interpretação. Por vezes, foi vista como indigna ou incompatível – espécie de subjetivismo indesejado. Em outras interpretações, como condição de possibilidade ou mesmo base fundamental para a formulação de qualquer narrativa histórica.

Dentre os tópicos que sugerimos estão: a relação teórica entre a história e a memória; os imperativos da memória para a narrativa historiográfica e sua relação com a imaginação e a retórica; as implicações da memória para o diálogo entre historiadores e / ou público; os desafios para incluir e tratar a questão da memória no ensino de história.


Conselho Editorial. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v.6, n.14, julho, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Tempo presente: usos na produção e no ensino de história / Aedos / 2014

A História do Tempo Presente tem sido centro de debates na produção historiográfica do século XX. Inicialmente, no momento da construção da História enquanto disciplina científica no século XIX, os acontecimentos recentes foram marginalizados como objeto de uma produção que restringia-se a análise e a narração dos fatos em períodos distantes, a partir de uma documentação escrita oficial, sem riscos de sofrerem influências de testemunhos vivos, que não viesse a ferir o objetivismo pretendido pelos historiadores daquela época.

Os Annales, nos anos 30 do século XX, no interior de uma série de outras modificações, alteraram o estatuto das fontes primárias ampliaram as possibilidades de pesquisa e instituíam a história-problema; no entanto, ainda manteve-se o receio quanto ao presente. Era temeroso enfrentar a fronteira entre a história e a memória, entre o estudo de um passado afastado e silencioso e um presente vivo e ativo.

Os fatos pós-II Guerra Mundial e a intensidade daquilo que Nora (1979) chamou de “produção do acontecimento” proporcionada pelos meios de comunicação de massas levaram a necessidade de rever a questão do presente como objeto entre os historiadores. Ainda que enfrente algumas resistências e não haja consenso quanto a uma definição conceitual, a produção historiográfica que contempla a análise dos fatos recentes e a utilização de testemunhos vivos como método para o estudo da história tem crescido e se legitimado perante os profissionais da história.

Desta forma, convidamos os pesquisadores a estabelecerem neste número um profícuo debate sobre os usos do tempo presente nos trabalhos históricos como objeto e como método de análise histórica, bem como dialogar sobre as possibilidades e limitações da mesma para o ensino de história na educação básica. Portanto, o Tempo Presente – suas questões, suas interpretações e seus usos – é o foco deste dossiê.

Sugerimos como tópicos para este número: o debate historiográfico com relação as possibilidades do tempo presente; usos do tempo presente como método e objeto de pesquisa; história do tempo presente e ensino de história: os desafios e as potencialidades em sala de aula.


Conselho Editorial. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v.6, n.15, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Historiadores, Passado e Presente: espaços de atuação / Aedos / 2013

Na décima segunda edição da revista Aedos decidimos por tratar como dossiê temático a questão do ofício e áreas de atuação do historiador. O dossiê temático intitulado “Historiadores, Passado e Presente: espaços de atuação” foi inspirado pela candente discussão em meio a nossa área sobre como nos posicionarmos frente a sociedade enquanto classe. Mais do que a definição política frente a nossos concidadãos o tema sugere uma revisão sobre nossas interações com aqueles considerados “fora do meio”. Este tema propicia discussões de legitimidade do passado e o envolvimento do historiador no processo de tal legitimação; acerca do estatuto cientifico, ou se poderia ser assim definido; relações entre historiadores e outros profissionais; inserções profissionais e formas de atuação.

Apesar das diversas possibilidades e do calor das discussões em âmbito nacional sobre a profissionalização da profissão de historiador acreditávamos serem poucos os pesquisadores brasileiros dedicando tempo a tais questões de maneira mais específica. Ficamos muito felizes em encontrarmo-nos enganados. Temos nesta edição cinco artigos para o dossiê. Todos os temas supra mencionados sendo abordados pelos trabalhos de Caroline Silveira Bauer em seu artigo “O papel dos historiadores nas garantias dos direitos à memória, à verdade e à justiça”, de Julierme Morais e Rodrigo Francisco Dias com “Reflexões em torno do “ofício do historiador” e sua legitimidade epistemológica: o que Veyne, White, Certeau, Gay e Chartier têm a nos dizer?”, Daniel Marcilio no artigo intitulado “O Historiador e o Jornalista: A História imediata entre o ofício historiográfico e a atividade jornalística”, Lucas Giehl Molina em seu relato de experiência em meio digital através de “Jogos digitais como espaço de atuação do historiador: o caso Avant-Garde”, e Eduardo Roberto Jordão Knack com seu artigo “História, ensino e pesquisa em museus: uma experiência no Museu Histórico Regional (MHR)”.

Em nossa seção de entrevista um de nossos editores, Rafael Bassi, entrevistou o historiador norte-americano James Green. Tratando não só sobre seu mais recente livro “Apesar de Vocês: a Oposição à Ditadura Militar brasileira nos EUA”, mas também sobre sua perspectiva em relação às políticas brasileiras atuais que tratam, ou deixam de tratar apropriadamente, sobre memórias e pesquisas da ditadura. Em uma entrevista que mistura questões sobre a ditadura civil-militar no Brasil e a atuação do historiador Rafael Bassi e James Green inserem-se perfeitamente entre o tema do dossiê deste número e o tema do dossiê do número seguinte, que está em processo editorial e traz o tema da ditadura incluído no tema “Democracias Ameaçadas”.

Na seção de artigos sobre assuntos diversos temos autores tratando de questões gerais acerca da história do Brasil; Fagner dos Santos e suas “Histórias possíveis ou possibilidades da História: derivando Koselleck, Skinner e Tilly para uma análise do pensamento político no Brasil do início do século XX”; Alessandro Batistella com “O Trabalhismo Getulista-Reformista do Antigo PTB e o ‘Novo Trabalhismo’ do PDT: Continuidades e Descontinuidades”; Bárbara Virgínia Groff da Silva tratando de “Políticas de Saúde no Brasil: elaboração, institucionalização e implantação do Sistema Único de Saúde entre as décadas de 1980 e 1990”; Mateus Filippa Meireles em seu artigo “Entre o subdesenvolvimento e o ‘Milagre’: considerações sobre o capitalismo brasileiro em Ruy Mauro Marini e Francisco de Oliveira”; e Luiz Felipe Cezar Mundim versando sobre a “ESG e campo cultural no Brasil – Apontamentos para o estudo da relação entre os Militares e o Estado Brasileiro (1930-1964)”.

Ainda tratando de questões da história brasileira outros autores presentes nesta edição tratam de maneira mais específica, seja de temas ou de regiões brasileiras, para abordar os temas que lhes instigaram à pesquisa, tais como Ana Claudia Martins dos Santos em “Os constantes receios de uma invasão: ameaça e estratégia de defesa da província de Mato Grosso (1850-1864)”; Diego Speggiorin Devincenzi com “Entre a ciência e a política: o caso da Faculdade de Medicina de Porto Alegre (1898-1932)”; Anderson Marcelo Schmitt que escreve sobre “O Despacho Para o Uruguai de Bens Legalistas Durante a Guerra Civil Rio-Grandense (1835-1845)”; e Fabiano Quadros Ruckert em suas “Leituras da História do Saneamento na cidade de São Leopoldo, RS”.

Cabe destacar a presença de um artigo que versa sobre questões que caberiam bem no dossiê de nosso número seguinte mas que por bem tornou-se presente já nesta edição; Larissa Silva Nascimento aponta como tratar com fontes incomuns aos historiadores, mas que demonstram importante reflexão e demandam atenção de pesquisadores, em “A Detalhista Resistência em Maus, de Art Spiegelman, e Persépolis, de Marjane Satrapi”. Por fim temos nesta edição também um artigo versando sobre a presença de uma das mais famosas imagens femininas da história nas obras de um dos mais polêmicos tragediógrafos no que tange o tratamento de mulheres, Larissa de Oliveira Soares aponta as visões euridipianas (chamadas de misógenas mas também de feministas) sobre Helena, a mais bela das mulheres em seu artigo “Rostos de Helena na literatura Euripidiana”.

Por fim dispomos de duas resenhas neste número. Mateus Dagios, “Redescobrindo o Teatro de Dionísio: novas possibilidades para o teatro antigo”

Avalia o livro editado por Peter Wilson (ed.), “The Greek Theatre and Festivals. Documentary Studies. Oxford Studies in Ancient Documents. Oxford: Oxford University Press, 2007”; e Carolina Corbellini Rovaris em “Outros olhares acerca da Revolução Francesa” apresenta sua resenha de “HUNT, Lynn. Política, cultura e classe na Revolução Francesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2007”.

Neste número temos também o prazer de apresentar uma revista recém reavaliada pelo CAPES-QUALIS e digna de portar uma qualificação B2. Para tanto foi preciso o trabalho árduo de diversas gestões de alunos da Pós-Graduação de História da UFRGS compondo o conselho editorial. Temos ainda de notar o apoio inestimável de nosso conselho consultivo que certamente nos ajudou a manter não só uma boa qualificação perante o QUALIS mas uma boa qualidade a ser apresentada a nossos leitores.

Até o próximo número.

Conselho editorial

Gestão 2012-2013


Conselho Editorial. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v.5, n.12, jan / jul, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Democracias Ameaçadas: ditadura, gênero, e ensino de história / Aedos / 2013

Neste décimo terceiro número da revista AEDOS três peculiaridades merecem atenção desde o início deste editorial; 1- Não apresentamos uma entrevista, algo que ocorreu em todos os números que não centraram-se em apresentação dos anais de eventos; 2- No entanto a falta de entrevista decorre da promoção do primeiro evento organizado pelos editores da revista em consonância com o tema do dossiê temático deste número; 3- Recebemos mais de setenta artigos e resenhas para apreciação dos avaliadores, um recorde nestes treze número de nossa revista.

Nossa felicidade em sermos prestigiados com tantos pesquisadores interessados em publicar na AEDOS nos deixou com um desafio. Decidimos que manteríamos parte destes textos para o número atual e os textos não avaliados então seriam avaliados para o décimo quarto número, que virá no início de 2014.

O dossiê temático intitulado “Democracias Ameaçadas”, inspirado na proximidade dos 50 anos do golpe militar que levou à Ditadura Civil-Militar no Brasil, tinha o intuito de permitir o debate abrangente sobre qualquer situação de exceção em que a democracia se encontrasse ameaçada. Os temas dos diversos artigos submetidos a esta seção estavam centrados nos diversos aspectos de memória e resistência nas ditaduras do Cone Sul. Janaina Vedoin Lopes e Glaucia Vieira Ramos Konrad abrem o dossiê com seu artigo “Arquivos da Repressão e Leis de Acesso à Informação: Os Casos Brasileiro e Argentino na Construção do Direito a Memória e a Verdade”; Carolina Sinhorelli apresenta em seu artigo “Situação crítica: proposições de Frederico Morais nos anos 1960 e 1970“ um debate sobre a arte, a crítica de arte e seus meandros com a Ditadura Civil-Militar brasileira; Patricia da Costa Machado enfatiza o tema da justiça em seu artigo “Transições pactuadas e transições por ruptura: a manutenção do legado autoritário no Brasil e sua influência no processo de justiça transicional”; Mauro Eustáquio Costa Teixeira em seu artigo “A democracia fardada: imaginário político e negação do dissenso durante a transição brasileira (1979-1988)” trata do papel das Forças Armadas na transição à democracia desde a revogação dos Atos Institucionais, e ainda debate a anistia relacionada às violências perpetradas no período; Tiago Francisco Monteiro de certo modo aprofunda o mesmo debate tratando das divisões políticas no cerne das Forças Armadas em “As propostas de defesa da democracia apresentadas pelas facções castrenses do Exército na Nova República do Brasil (1985-89)”; Dayane Guarnieri centra seu trabalho na análise do Jornal do Brasil e as interpretações dadas ao regime de exceção em suas páginas com seu artigo “Ideias políticas em torno das finalidades democráticas do regime de exceção entre (1964-1968) no Jornal do Brasil”; fechando esta ampla seção de dossiê temático Cristina Scheibe Wolff apresenta o tema de gênero e ditadura militar em “Eu só queria embalar meu filho. Gênero e maternidade no discurso dos movimentos de resistência contra as ditaduras no Cone Sul, América do Sul”.

Com estes temas presentes o conselho editorial da AEDOS organizou o evento “Ditadura, Gênero e Ensino de História”. Este é o motivo do título desta edição que traz o tema do dossiê e em seu subtítulo o tema do evento inspirado pelos artigos enviados para o dossiê. O evento ocorreu entre os dias 18, 19 e 20 de Novembro de 2013 contando com mesas compostas de apresentações de artigos e de depoimentos com membros da Comissão da Verdade do estado de São Paulo Rubens Paiva e da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. O lançamento do livro “Da Guerrilha à imprensa feminista: a construção do feminismo pós luta armada no Brasil (1975-1980)” abriu tal evento e o pré-lançamento deste número da revista AEDOS, com a divulgação dos artigos aceitos para compor o dossiê temático, e o lançamento do livro “Cone Sul em tempos de Ditadura: Reflexões e debates sobre a História recente” fecharam os debates do evento.

Os artigos para a seção de artigos livres apresentam temas sobre justiça medieval, leituras historiográficas e cinematográficas sobre a Idade Média, imagética assíria, o fórum romano de Augusto, historiografia acerca dos estudos dos movimentos sociais no início do século XX no Rio de Janeiro, estudos sobre reis espartanos embasados em Focault, gênero e História da Arte, História da educação no Brasil, Comunistas Brasileiros e o dia de ação de graças nos EUA. Isto apresenta não apenas a diversidade de temas mas de pesquisadores advindos de diversas partes do país para se encontrarem em um debate acadêmico nas páginas digitais da AEDOS. Esta diversidade de temas dentro da História em nossas páginas exige um contato amplo com doutores de inúmeras instituições para a possibilidade de uma avaliação adequada de cada um destes temas. A Revista AEDOS só tem a agradecer por esta variedade pois seus editores crescem com o contato com os autores e avaliadores e a revista cresce com a qualificação e amplitude de pesquisadores envolvidos nos trabalhos do processo editorial que permitem a publicação deste periódico.

Com este número encerra-se a participação de nossa gestão. Como de praxe um novo concelho editorial se forma dentre os alunos do PPG-Hist da UFRGS para administrar a editoração deste periódico. Desejamos uma ótima gestão para os editores vindouros e para os autores a serem agraciados com a relação avaliador-editor-autor que o processo editorial proporciona.

Conselho editorial

Gestão 2012-2013


Conselho Editorial. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v.5, n.13, ago / dez, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Conhecimento histórico e internet / Aedos / 2011

É com grande satisfação que apresentamos a edição n° 8 da Revista Aedos, tratando de um assunto cada vez mais presente na atividade de pesquisa histórica: a Internet. O meio digital, ao qual essa mesma revista deve sua existência e circulação, permite ao historiador trocar e produzir dados que elevam o conhecimento a um novo patamar, seja pela digitalização de documentos e acervos, seja através de projetos institucionais de recuperação de fontes, ou ainda a elaboração estatística de dados informatizados. Revolucionando as comunicações e formas de armazenamento e indexação de informações, que tipo de consequências esse processo gera no campo da História? Como a pesquisa vem sendo transformada por esse acesso antes impensado à informação?

A proposta do dossiê é refletir sobre a utilização desse instrumento, uma vez que, através dele, o acesso ao conhecimento histórico foi massificado, revolucionando também o ensino e as práticas escolares, sobretudo pela riqueza de material audiovisual ao alcance de poucos cliques. A notável defasagem entre o uso da Internet na produção e reprodução do saber historiográfico e a pouca problematização feita sobre o assunto torna-se interessante campo de debates e é nesse sentido que os artigos que compõem o dossiê são apresentados. Abrindo a discussão proposta, Fábio Chang de Almeida, em “O historiador e as fontes digitais: uma visão acerca da internet como fonte primária para pesquisas históricas”, aborda a utilização desse tipo de fonte no ofício do historiador, especialmente daqueles voltados para o estudo do Tempo Presente que, com o advento da Internet, passaram a contar com inesgotável aporte de fontes. Em “Reflexões sobre a modernidade, a tecnologia e a educação: o legado iluminista na Era da Wikipédia”, Israel Aquino analisa o impacto das novas tecnologias sobre a produção e disseminação do conhecimento, sobretudo através da popular experiência da Wikipédia, a enciclopédia virtual e colaborativa da Internet, trazendo relato de experiências desenvolvidas sobre a temática. Uma aplicação do tema à pesquisa histórica pode ser observada em “Akira: porque o pesadelo já começou”, no qual Vitor Batalhone Junior estabelece uma descrição iconográfica e um estudo iconológico do animê Akira a partir de fontes virtuais, disponíveis na Internet.

A seção de artigos diversos conta com publicações das mais variadas temáticas e debates historiográficos. Rosemere Olimpio Santana, em “Pérfida ou ingênua – a visibilidade da mulher paraibana através dos jornais e de casos de rapto – 1880-1910”, apresenta a construção de um discurso que deu visibilidade às práticas amorosas e a identidade feminina no período, sobretudo através da análise dos casos de raptos consentidos. Em “Gandhi e a verdade: reflexões entre autobiografia e história”, Sinuê Neckel Miguel tece relações entre a produção histórica acadêmica e a vida de Gandhi, procurando entender a importância do método de luta política não-violenta. A partir do estudo de um amplo conjunto documental, Veronica de Jesus Gomes, analisa e traça o perfil socioeconômico e intelectual de padres que teriam praticado abusos sexuais na Bahia durante os séculos XVI e XVII em “Nas malhas da Inquisição de Lisboa: um perfil dos sodomitas da Igreja e de seus amantes”.

Abordando a escrita da História da Política Externa Independente do governo João Goulart e o contexto da Guerra Fria, Charles Sidarta Machado Domingos, em “As relações internacionais do Brasil no governo João Goulart (1961-1964): leituras sobre a Política Externa Independente”, realiza uma análise historiográfica de trabalhos que privilegiaram as relações internacionais do Brasil durante esse período. Fabiano Farias de Souza, em “Operação Condor: Terrorismo de Estado no Cone Sul das Américas” analisa a literatura baseada no Arquivo del Horror, descoberto no Paraguai no início da década de 90 e que confirmou ações promovidas por governos militares baseadas em constantes violações dos Direitos Humanos. O artigo “O 15 de Novembro na Imprensa Carioca”, de Camila de Freitas Silva, mostra como a Proclamação da República repercutiu em jornais de grande circulação no Rio de Janeiro em 1889, mostrando a construção de discursos acerca do processo de mudança de governo.

Na seção Mesa Redonda desta edição, apresentamos o comentário crítico de Ana Paula Squinelo ao texto de André Átila Fertig e Tassiana Maria Parcianello Saccol, “A Guerra do Paraguai nos livros didáticos de História do Brasil”, publicado no nº6 da revista. Muito embora tenha havido impossibilidade dos autores responderem às críticas colocadas, Aedos coloca-se a disposição para dar prosseguimento ao debate.

Na seção das resenhas, dentre outros, George Zeidan Araújo trata da obra de Salvador Neves e Alejandro Pérez Coutubre, “Pólvora y tinta: Andanzas de bandoleros anarquistas”, trazendo ao conhecimento do público brasileiro uma obra da pouco estudada produção historiográfica uruguaia. Bruno Silva de Souza traz apontamentos sobre o livro de Reinhart Koselleck, “Futuro Passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos”, cada vez mais presente nas discussões históricas. Abordando a utilização do cinema nas Ciências Humanas e Sociais, Bianca Melyna Filgueira trata da obra de Nildo Viana, “A concepção materialista da História do Cinema”. George Wilson dos Santos Sturaro traz uma visão das Relações Internacionais com a obra de José Luís Fiori, “O Poder Global e a Nova Geopolítica das Nações”. Evandro dos Santos apresenta “A questão dos livros: presente, passado e futuro”, de Robert Darnton e Mateus Dagios traz a discussão sobre o silêncio e suas diferentes práticas como modo discursivo no mundo grego na obra de Silvia Montiglio, “Silence in the Land of Logos”.

Nas resenhas de clássicos, Luiz Alberto de Souza discute questões teóricas sobre a historiografia contidas na obra de Dean Warren, “A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.”

Finalizando nossa edição, apresentamos a entrevista com o historiador italiano Carlo Ginzburg, que esteve em Porto Alegre para realizar uma conferência no seminário internacional Fronteiras do Pensamento. Célebre por seu trabalho com crenças populares europeias do século XVI, a conferência realizada teve como tema História na Era Google. Em uma conversa com Dênis Renan Corrêa e Marcos Schulz, Ginzburg falou sobre suas percepções sobre o impacto da revolução tecnológica na História e a forma como ele próprio se apropria desses recursos, não deixando de falar da importância dos livros para o conhecimento. Uma conversa que, de certa forma, retoma o tema de nosso dossiê, deixando claro que História e Internet ainda deverão render muitas discussões e reflexões.

Por fim, agradecemos a todos aqueles que contribuíram para o nosso trabalho: autores, pareceristas, funcionários e professores do PPG, equipe da Propesq / UFRGS e todos aqueles que, de alguma forma, colaboram para manutenção desse espaço como local sério e qualificado para a discussão historiográfica.

Boa Leitura a todos!

Conselho Editorial

Gestão 2010-2011


Conselho Editorial. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v.3, n.8, janeiro-junho, 2011. Acessar publicação original [DR]

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Lugares do fazer: instituições de pesquisa e / ou ensino de história / Aedos / 2010

É com imensa satisfação que apresentamos a edição n° 6 da Revista Aedos. Este número ganha um significado especial para esta revista e para a presente gestão, já que é a última edição apresentada pela gestão 2009-2010, marcando a passagem para o terceiro grupo de discentes. Este modelo de trabalho, adotado até o momento, mostrou-se capaz de manter a qualidade da revista ao mesmo tempo em que propicia aos jovens pesquisadores um campo de atuação, tanto na divulgação de suas pesquisas como no trabalho administrativo de editoração da revista eletrônica. Alegra-nos sobremaneira esse momento, mantendo assim o caráter de trabalho em equipe e atuação dos discentes deste PPG.

No nosso dossiê “Lugares do fazer: instituições de pesquisa e / ou ensino de história”, apresentamos dois artigos que versam sobre instituições de ensino e memória histórica. No primeiro deles intitulado “O papel dos cursos de graduação em História – uma discussão sobre a formação dos profissionais de História”, Aryana Lima Costa retoma, através de um trajeto que percorre os 70 anos do ensino de História em nível superior, uma discussão atual sobre a formação do historiador, por vezes compartimentada entre as tarefas de ensinar ou pesquisar. Em nosso segundo artigo, “Memória e história do ensino superior comunitário no Rio Grande do Sul – o Centro Universitário Feevale”, de autoria de Claudia Schemes, Cristina Ennes da Silva e Cleber Cristiano Prodanov, identificamos a preocupação com a reconstrução da memória de uma entidade comunitária de ensino superior. Nele, convergem o uso de diferentes vestígios do passado, como a história oral, a documentação da instituição e a memória dos agentes ligados à trajetória do estabelecimento de ensino, elementos caros ao debate histórico contemporâneo. Lamentamos somente que a temática proposta no nosso edital não tenha recebido nenhuma contribuição, a saber, os 90 anos do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRS).

A seção de artigos diversos conta com sete publicações, das mais variadas temáticas e debates historiográficos. Daniel Oliveira, em seu texto “Entre Prazeres e Doenças: enfermos venéreos na sociedade porto-alegrense de fins do século XIX”, apresenta parte dos resultados de uma pesquisa que buscou identificar o perfil dos enfermos acometidos por doenças venéreas que receberam assistência médica na Santa Casa de Misericórdia e no Hospital da Sociedade de Beneficência Portuguesa, ambos de Porto Alegre, durante os anos de 1881 a 1892. O artigo “Sobre os trilhos do progresso: Porto Alegre despede-se dos bondes (1970)”, de Renata Andreoni, contribui para a discussão de um tema ainda pouco discutido em termos de historiografia, a história do transporte e sua relação com a cidade. Através da análise dos textos presentes no jornal Correio do Povo, a autora se propõe a demonstrar algumas das representações do bonde presentes na memória dos porto-alegrenses. Hugo Duarte, através de seu artigo “Em busca da Revolução Brasileira: um debate crítico sobre as teses históricas e a linha política do PCB” procura realizar uma leitura crítica das matrizes teóricas fundamentais para a construção do Partido Comunista no Brasil. Esta análise ocorre por meio da interpretação da linha teórica do partido, assim como da Declaração de Março de 1958, elementos fundamentais que embasariam, posteriormente, as ações dos militantes do partido.

Rafael Kasper, em seu estudo “Conquistando corações e mentes: um estudo da repercussão do „Dia de Anchieta‟ na mídia impressa (1965-1968)” busca analisar a repercussão que o “Dia de Anchieta”, instituído em 1965, teve na grande imprensa brasileira dos anos de 1965 a 1968, percebendo em tal celebração a busca dos católicos por apoio dos militares no poder. O artigo “Construção e afirmação da identidade nacional palestina: da consciência de nação à luta pelo Estado”, de Luiz Salgado Neto, analisa, no quadro das transformações pelas quais passou o Oriente Médio durante o século XX, a construção da identidade nacional palestina, como reação ao movimento sionista e como processo de diferenciação da comunidade palestina em relação ao mundo árabe. Leno José Barata Souza, em “A “Cidade Flutuante” de Manaus: rediscutindo conceitos”, busca repensar alguns conceitos sobre o tema “cidade”, focando sua análise na experiência cultural, urbana e econômica da “cidade flutuante” de Manaus. O último texto dessa seção, apresentado por André Fertig e Tassiana Saccol, ”A Guerra do Paraguai nos livros didáticos de história do Brasil: uma análise de obras publicadas entre 1900-1960”, elabora uma relação pertinente entre a abordagem de livros didáticos e as posições historiográficas sobre a Guerra do Paraguai. Para a próxima edição são aguardados comentários críticos sobre o artigo de André Fertig e Tassiana Saccol, com o objetivo de estimular o debate acadêmico, visando à discussão sobre as contribuições trazidas pelo mesmo.

Na seção Mesa Redonda desta edição, apresentamos o debate travado em torno do texto de Vicente Neves da Silva Ribeiro, Mestre em História pela UFRGS e professor da UFFS, “Populismo radical e processo bolivariano: o conceito de populismo de Ernesto Laclau e as análises da Venezuela contemporânea”. O artigo retoma a discussão acerca do conceito de populismo, pensando a sua aplicação no caso da Venezuela contemporânea. Participaram como comentadores o Prof. Dr. Dagmar Manieri, da UFT, o Prof. Dr. Rafael Rossotto Ioris, da University Of Denver, e a Prof. Drª Lívia Cotrim, do Centro Universitário Fundação Santo André. Por fim, Vicente apresenta sua resposta aos apontamentos produzidos pelos especialistas convidados.

Na seção das resenhas, José Knust trata da obra de Aldo Schiavone, “Uma História Rompida: Roma Antiga e Ocidente Moderno”, que é inserida nas discussões sobre o declínio do Império Romano, voltando-se fundamentalmente para as análises de viés econômico e social. Já nas resenhas de clássicos, Carlos Eduardo da Costa Campos, à luz da análise de Certeau da História enquanto prática social, discute questões teóricas e implicações institucionais sobre a historiografia contidas no capítulo “Operação Historiográfica”, que compõe a obra “A Escrita da História”

Finalizando nossa edição, apresentamos a entrevista com a historiadora Mônica Pimenta Velloso, pesquisadora da área de História Cultural que realiza estágio de pós-doutorado na EHESS, sob a direção de Jacques Lenhardt. A autora dedica-se à temática dos modernismos no final do século XIX e início do século XX, pesquisando as percepções do moderno entre 1890-1914, a partir da ligação entre intelectuais franceses e brasileiros. Em uma conversa com Igor Salomão Teixeira (membro da primeira gestão da Revista Aedos), Mônica falou sobre suas percepções de Paris, suas pesquisas, a relação com a professora Sandra Pesavento, bem como sua trajetória e até mesmo sobre a regulamentação da profissão do historiador.

Por fim, estendemos nossos agradecimentos a todos aqueles que contribuíram com nossos trabalhos ao longo deste ano: autores, pareceristas, funcionários e professores do PPG, equipe da Propesq / UFRGS e todos aqueles que colaboraram de alguma forma com nossas atividades. Este período, de trabalho intenso, porém gratificante, nos estimula a desejar o melhor à nova gestão, e que os colegas possam fazer deste espaço um lugar cada vez mais qualificado para a discussão historiográfica.

Boa Leitura a todos!

Conselho Editorial

Gestão 2009-2010


Conselho Editorial. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v.3, n.6, janeiro-junho, 2010. Acessar publicação original [DR]

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Nações, Regiões, Identidades: possibilidades históricas e historiográficas / Aedos / 2009

Em sua terceira edição, Aedos apresenta o dossiê Nações, Regiões, Identidades: possibilidades históricas e historiográficas. Três artigos concentram-se em um dos temas mais polêmicos em discussão nos últimos anos, qual seja, o sentimento de pertencimento à nação e à região e a grande diversidade de interpretações desse fenômeno histórico. Mariana Thompson Flores, em “Visões da Cisplatina: a criação do Estado Oriental – por Lavalleja e Anônimo”, analisa dois relatos da Guerra da Cisplatina, discutindo memória e identidade e evidenciando duas abordagens sobre a emancipação política do Uruguai. Já Carolina Fernandes Calixto, no trabalho “O Brasil regional de Freyre e Amado: elos entre identidade nacional, história e literatura”, centra seu estudo nas obras literárias de dois intelectuais brasileiros, debatendo os ideários de nação e regionalismo, bem como sua proximidade às diretrizes políticas governamentais. Alexandre Piana Lemos encerra essa seção especial, percorrendo as obras de Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Jr. e Fernando Henrique Cardoso no artigo “A formação histórica brasileira: perspectivas marxistas” para analisar como a teoria social brasileira de inspiração marxista concebeu a formação social e o desenvolvimento da nação.

Entre os artigos que versam sobre assuntos variados, o leitor encontrará oito trabalhos. O artigo “Do Arquipélago ao Continente: estratégias de sobrevivência e ascensão social na inserção açoriana nos Campos de Viamão (séc. XVIII)”, de Adriano Comissoli, analisa as formas de inserção social dos açorianos imigrados para o sul do Brasil, destacando o funcionamento do mercado de terras e as estratégias de ascensão social baseadas no grupo familiar. O texto “Natureza, Ciência e Progresso: a natureza brasileira no debate letrado do IHGB (1839-1845)”, de Luiz Fernando Barbato, por sua vez, trata dos usos que os letrados oitocentistas do IHGB fizeram dos elementos das Ciências Naturais em seus discursos para, por exemplo, incentivar o desenvolvimento econômico e o povoamento do interior do Brasil, com o intuito de inseri-lo no rol dos países europeus considerados por eles como civilizados. Ao analisar a trajetória e relações de um dos líderes da Revolução Farroupilha no artigo “Tramados, Penas e Farrapos: mecanismos de articulação política através da trajetória de Domingos José de Almeida. (Rio Grande São Pedro, Século XIX)”, Carla Menegat pretende evidenciar as formas de organização e de participação política no momento do pós-independência no Brasil. Já Francivaldo Alves Nunes oferece-nos “Colonização agrícola e núcleos coloniais nas terras de florestas da Amazônia Oriental (Pará, século XIX)”, um texto no qual enfatiza as preocupações e os discursos do Império Brasileiro no estabelecimento de núcleos agrícolas nas áreas de floresta do estado do Pará. O trabalho do autor Juan Zeballos, “Racismo en Córdoba entre 1900 y 1915. La Continuidad.”, analisa práticas discursivas proferidas pela elite cordobesa na virada do século XIX para o XX. O objetivo de tal análise é perceber a racialização, a biologização e a inferiorização de minorias étnicas (indígenas e africanos) presentes em uma nação pretensamente branca. Através das manifestações racistas, Zeballos percebe a reivindicação empreendida por essa elite intelectual e política por uma sociedade organizada em castas característica do período colonial, em um importante contexto social e político de debates sobre cidadania. Thiago Mourelle nos apresenta o artigo “Pedro Ernesto Baptista: um projeto político inovador”, em que problematiza a historiografia sobre o populismo e o trabalhismo, investigando a trajetória do interventor e, depois, prefeito do Rio de Janeiro Pedro Ernesto Baptista durante a década de 1930, analisando os embates do referido governante com a política do início do governo Getúlio Vargas. Em seu artigo, “O crepúsculo da escravidão e a formação do mercado de trabalho livre no Brasil: as interpretações de Caio Prado Jr. e de Celso Furtado”, Ivan Colangelo Salomão realiza um breve estudo comparativo entre as teses de Celso Furtado e Caio Prado Junior com o objetivo de perceber as diferenças e semelhanças presentes nas obras de ambos os autores em relação ao duplo processo da abolição da escravidão e da formação do mercado de trabalho assalariado no contexto da história contemporânea do Brasil. Mergulhado na contemporaneidade, Róber Ávila fecha a seção com o trabalho “Fragilidade Hegemônica”, em que aborda o poder estadunidense e a noção de crise hegemônica. Segundo o autor há sinais de incompatibilidade entre o poder estadunidense e as circunstâncias contextuais verificadas.

Na seção Mesa Redonda, temos a satisfação de oferecer ao público o debate travado em torno do texto do norte-americano Joseph Younger, “Corredores de comércio e salas de justiça: lei, coerção e lealdade nas fronteiras do Rio da Prata” – publicado na primeira edição de Aedos – por três especialistas brasileiros: Fabrício Prado, Luiz Augusto Farinatti e Mariana Thompson Flores. Em seu comentário, Prado enfatiza os modos pelos quais, na transição entre a colônia e o estado-nação, a própria lei deve ser vista como um determinado tipo de coerção. Da mesma maneira, Flores e Farinatti chamam a atenção para os diversos debates historiográficos sobre o processo de asseguramento das lealdades nacionais no Prata no período imediatamente posterior às independências. A réplica de Younger, disponibilizada em português e em inglês, realiza um balanço das principais críticas feitas pelos comentadores, concordando com muitas das sugestões por eles realizadas, sem deixar, contudo, de expor algumas divergências.

Para dar continuidade ao propósito da seção, apresentamos o artigo de Keila Auxiliadora Carvalho, doutoranda da Universidade Federal Fluminense, “Tempo de Lembrar: as memórias dos portadores de lepra sobre o isolamento compulsório”, acerca do qual o público interessado poderá enviar comentários críticos para serem publicados na próxima edição de Aedos. Ao tomar como objeto de estudo pessoas com ranceníase isoladas na Colônia Santa Izabel, em Minas Gerais, o referido texto não apenas coloca em questão a visão da História Oral como procedimento técnico, mas problematiza conceitos como “memória” e “identidade”. Para além de divulgar o trabalho de Carvalho, o propósito de disponibilizá-lo na seção Mesa Redonda é o de proporcionar uma discussão franca e pública sobre as contribuições que ele traz para a historiografia.

Na seção de resenhas, Aedos proporciona a seus leitores a possibilidade de conhecer os minuciosos trabalhos de Ana Paula Pruner de Siqueira e Alejandra Noemí Ferreyra. Siqueira nos apresenta o livro Gerações de Cativeiro, de Ira Berlin, que, em sua síntese sobre a experiência escravista dos Estados Unidos, escrita a partir da leitura de recentes pesquisas historiográficas, foca o olhar na ação dos diversos sujeitos envolvidos no processo. Já Ferreyra resenha o livro Inmigración española, familia y movilidad social en la Argentina moderna, de Maria Liliana da Orden, que aborda a problemática da integração de imigrantes espanhóis na cidade de Mar Del Plata no início do século XX através da análise das redes sociais primárias.

Encerra o presente número a entrevista realizada com Sabina Loriga. A historiadora italiana da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) é entrevistada por Viviane Trindade Borges, respondendo a questões mais amplas sobre a “experiência institucional” através do exército piemontês do Antigo Regime.

Com o presente número, a Gestão 2008 / 2009 do Conselho Editorial de Aedos despede-se dos membros do Conselho Consultivo e dos leitores, agradecendo-lhes pelo sucesso das três primeiras edições da revista e desejando ao corpo de avaliadores e aos novos colegas que passam a integrar o Conselho Editorial que a continuação desse trabalho seja tão enriquecedora e prazerosa como foi para nós.

Conselho Editorial

Gestão 2008 / 2009


Conselho Editorial. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v.2, n.3, 2009. Acessar publicação original [DR]

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Aedos | UFRGS | 2008

Aedos4 2

Aedos (Porto Alegre, 2008-) é a revista eletrônica discente de circulação semestral do Programa de Pós-Graduação em História da Universidaade Federal do Rio Grande do Sul (PPGH-UFRGS). Seu principal objetivo é proporcionar um espaço de divulgação e debate de trabalhos acadêmicos inéditos na área de História no formato de artigos, resenhas de livros e entrevistas.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 1984 5634

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Outros tempos, outros lugares: a história sob o olhar dos viajantes / Aedos / 2008

Criar um periódico científico era um antigo anseio dos alunos do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em 2007, um grupo de estudantes dedicou-se à tarefa, planejando dar origem a uma publicação impressa, meta que esbarrou principalmente em obstáculos financeiros. Com o ingresso das turmas de Mestrado e Doutorado de 2008, as discussões relacionadas à revista avançaram no sentido de publicá-la eletronicamente. Para além das questões burocráticas, pensar o perfil da publicação foi sem dúvida o maior desafio, enfrentado em inúmeras e exaustivas reuniões. Alguns colegas que participaram dessa importante etapa não continuaram no grupo que deu seguimento ao trabalho. Mas muitas de suas ideias, de uma maneira ou outra, contribuíram para efetivarmos o projeto. Somos gratos a eles, bem como à Coordenação do PPG em História da UFRGS, que, na pessoa do Professor Dr. José Rivair Macedo, não poupou forças para que todo o empenho para criar a revista discente não esmorecesse. Desde a criação oficial de Aedos, em 2 de julho de 2008, numa assembléia aberta a professores e alunos do Programa e que contou com a participação de muitos colegas, viemos constituindo extenso, diversificado e qualificado corpo de avaliadores, a quem agradecemos imensamente por aceitarem integrar nosso Conselho Consultivo.

Aos poucos e tanto quanto possível, buscamos conquistar espaço acadêmico. O sítio eletrônico da Revista, no ar desde 3 de setembro de 2008, já conta com mais de 1.500 acessos no país e no exterior. A expectativa de tentar aproximar o debate historiográfico de um público mais amplo, por sua vez, foi atendida com a divulgação da chamada de artigos para o segundo número no jornal Correio do Povo (edição de 26 de janeiro de 2009). E acreditamos que um dos desdobramentos de tal preocupação com publicidade é a diversidade institucional dos autores presentes neste primeiro número, quase todos estudantes de programas de pós-graduação, detalhe revelador do sucesso obtido por Aedos em um de seus principais objetivos: aproximar mestrandos e doutorandos e lhes propiciar um espaço para discussão.

Neste número inaugural, Aedos apresenta o dossiê temático Outros tempos, outros lugares: a história sob o olhar dos viajantes. A ideia do tema apresenta-se interessante para o debate sobre os relatos de viagem como indícios de realidades históricas distintas, bem como para uma análise da produção historiográfica derivada dos mesmos. A grande diversidade de realidades e períodos históricos, bem como a potencialidade das discussões que caracterizam o tema, fica bastante evidente nos cinco artigos que integram o Dossiê. Esses textos apresentam a grande relevância dos relatos de viajantes como fonte para a pesquisa histórica, desde que considerados a posição do narrador, o público para quem produz e todo o complexo de percepções que norteia as suas descrições. Os textos abarcam um período histórico de mais de cinco séculos, evidenciando importantes aspectos da história / História do continente africano e de três países da América do Sul – Brasil, Argentina e Uruguai.

Os três primeiros artigos inserem-se num período de produção de um grande volume de informações, por parte das metrópoles europeias, acerca de suas colônias. Nesse “descobrimento” do “novo mundo”, o Império Português voltava sua atenção para o território africano e brasileiro. O primeiro artigo, intitulado “Evidências de História nos Relatos de Viajantes sobre a África Pré-Colonial”, esclarece algumas questões epistemológicas relativas aos relatos de viagem enquanto fonte para o estudo da História da África pré-colonial. Já o texto “Todas as Letras são oriundas do Rei: Inter Universitas Et Collegium” aborda os diferentes contextos de produção intelectual sobre o Brasil e evidencia os interesses políticos da monarquia portuguesa no incentivo à essa produção. E, com o objetivo de entender a imagem que se queria projetar da capital colonial do Brasil, em “O Rio sob Schematas: as representações de Thomas Ender”, suas obras são analisadas a fim de refletir sobre suas representações, esquematas e registros históricos.

Os dois últimos textos do Dossiê referenciam a importância dos relatos de viajantes na produção historiográfica da Argentina e do Uruguai. Em “Relatos de Viajeros e Historiografía: paisage rural y sociedad urbana en el Buenos Aires de la primera mitad del siglo XIX”, analisa-se como as imagens dos viajantes europeus que percorrem o espaço da campanha na primeira metade do séc. XIX são tomadas como ponto de partida indiscutível na construção de um estereótipo historiográfico que contrapõe a cidade e o campo. E o artigo “Tradición y modernidad en América Latina. Carlos Real de Azúa y sus análisis de relatos de viajes por Uruguay”, examina como o intelectual uruguaio Carlos Real de Azúa (1916-1977) utiliza e interpreta os relatos de viagem sobre o Uruguai, considerando o contexto de produção desse autor e o seu posicionamento crítico num ponto central da sua obra: as vinculações complexas entre “tradición-modernidad”.

O trabalho “Antióquia e a Fome: dois imperadores romanos entre a sanguinolência e a sátira”, é o primeiro da seção de artigos variados. Ele trata da relação entre dois imperadores romanos – Galo e Juliano – com os cidadãos e a política da cidade de Antióquia. A partir das escolhas religiosas de cada um dos dois irmãos que ascenderam ao cargo, este artigo desenha os desejos populares da cidade no século IV d.C. Já “Um Mundo às Avessas: relações de poder e dominação entre os operários gaúchos na Primeira República (1917-1919)” examina as relações de dominação e de poder entre os operários gaúchos na Primeira República (1917-1919), problematizando a relação entre grevistas e trabalhadores não engajados. “Será o populismo um conceito operacional? Notas para o debate”, por sua vez, faz uma reflexão teórica acerca do potencial analítico do conceito de “populismo” para o período de 1945-1964 da história brasileira, realizando um balanço de textos clássicos e contemporâneos em historiografia e teoria social, historicizando, assim, os diversos significados e usos do conceito.

“Economia, discurso e poder: os bastidores políticos do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND)”, busca levantar hipóteses sobre a estratégia de crescimento no período do governo Geisel, analisa o ambiente político, a retórica e o cenário internacional. Já “Acordo Nuclear Brasil-Alemanha Federal de 1975: o desafio brasileiro na estratégia de soberania internacional” investiga, a partir do acordo, as questões de tecnologia nuclear correlacionadas à política externa brasileira no período da Ditadura Militar. As relações entre memória, história e antropologia são abordadas no artigo “Nos porões da Glória: uma reflexão sobre arquivos pessoais, Teixeirinha e alguns cruzamentos entre História e Antropologia” a partir do acervo desse cantor gaúcho. E “Escravidão contemporânea no Brasil: a trajetória histórica de um debate teórico-metodológica e político (1985-2003)” nos brinda com uma análise dos diferentes aspectos da discussão sobre a existência de modalidades de trabalho escravo no Brasil contemporâneo, incluindo as discussões políticas que permeiam o debate e as interferências na legislação federal sobre o tema.

Além dessas seções, já tradicionais, a edição aqui apresentada oferece uma outra, mais dinâmica, chamada Mesa Redonda, na qual projetamos expectativas de franco envolvimento dos leitores. Compõe-na o artigo do doutorando da Universidade de Princeton (Estados Unidos) Joseph Younger intitulado “Corredores de Comércio e Salas de Justiça: Lei, Coerção e Lealdade nas fronteiras do Rio da Prata”. O texto discute os usos, e abusos, da lei pelos fronteiriços da região do Prata, enfatizando as definições cambiantes de “lei” e “coerção” nestes espaços e a necessidade dos Estados centrais de se adaptarem a estes usos, sob o risco de perderem a lealdade de seus cidadãos. Mais do que divulgar as problematizações suscitadas pela pesquisa deste historiador norte-americano, o objetivo de apresentar seu trabalho na seção Mesa Redonda é convidar o público leitor a debater de maneira mais aberta sobre as novidades que sua investigação traz para a historiografia.

Na seção de entrevistas, apresentamos a conversa com o Professor Titular do Departamento de História da UNICAMP Sidney Chalhoub, realizada em maio de 2008 nas dependências da UFRGS. Nela, Chalhoub nos fala de seu trabalho, de uma forma geral, e sobre o objeto atual de seus estudos: Machado de Assis.

Por fim, contamos em nosso primeiro número com uma resenha de texto clássico, seção destinada a atender a demanda por resumos críticos de obras não necessariamente atuais que marcaram o debate historiográfico. O artigo de Michel Foucault sobre a questão da governamentalidade, publicado na Microfísica do Poder, é comentado pormenorizadamente, desvelando a leitura que ele faz tanto da obra de Maquiavel quanto da literatura antimaquiavélica para mostrar como a atual noção de governo se constrói a partir da conjugação dos dois modelos de governamentalidade propostos, a saber, o da “teoria da soberania” e o da “arte de governar”, articulando, a partir do século XVII, governo, população e economia.

E, assim, a revista eletrônica do Corpo Discente do PPG em História da UFRGS torna público seu primeiro número, esperando, verdadeiramente, proporcionar um espaço dinâmico e útil para historiadores e demais profissionais que, à semelhança desses que vos escrevem, têm compromisso com a construção e a divulgação do conhecimento histórico.

Conselho Editorial

Gestão 2008 / 2009


Conselho Editorial. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v.1, n.1, 2008. Acessar publicação original [DR]

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Coletivos Indígenas na América: Mestiçagem e Etnogênese / Aedos / 2012

A revista Aedos, em sua edição nº 10, tem o prazer de apresentar o Dossiê Temático “Coletivos Indígenas na América: Mestiçagem e Etnogênese”, e provocar o debate sobre a questão indígena fazendo coro a um número expressivo de estudos que tiveram início na década de 90 no Brasil. Na leitura do passado a partir do presente situa-se o historiador comprometido com seu lugar social e subjetividades, atento aos movimentos sociais (especificamente aqui os indígenas) que ensejam e dão forma à nossa discussão. Ao historiador cabe a construção da trama, o enredo, inferindo na maior parte das vezes devido às lacunas documentais ou vazios, adentrando espaços marcados pelo silêncio.

Os artigos apresentados no Dossiê atestam a vitalidade dos grupos indígenas, demonstrando sua capacidade de intervir e amenizar o impacto proveniente das relações interétnicas que de alguma forma interferem / iram no cotidiano ameríndio. Os autores tratam de desconstruir algumas categorias que durante um longo período sustentaram o debate historiográfico em relação aos povos indígenas, como aculturação, assimilação e resistência (no sentido de peremptoriamente negar o “outro”), e problematizar outras como invisibilidade, territorialidade, mestiçagem, etnogênese e etnificação.

Teorias sobre aculturamento e assimilacionismo das sociedades ameríndias ao Estado-nação fracassaram diante da interlocução ativa destes grupos. Intelectuais como Roberto Cardoso de Oliveira e Darcy Ribeiro viram-se obrigados a fazer um “mea culpa” admitindo sua singularidade e protagonismo enquanto sujeitos históricos, e a capacidade de marcar através de discursos uma distintividade étnica e cultural.

Cremos ser este o desafio dos “novos” tempos. Estávamos acomodados em certezas que garantiam um rumo “tranquilo” para o Estado-nação brasileiro. Políticas homogeneizadoras abriam caminho para um futuro em que as diferenças continuariam sendo “varridas para baixo do tapete” e a noção de coesão de uma raça, a brasileira (mestiça, a branca sobrepujando as demais) estaria em perfeita sintonia (de civilidade) com as nações desenvolvidas. O Cacique Kaingang Danilo Braga, mestrando em História pela UFRGS deixa claro, em entrevista feita por André Anzolin, a urgência do investimento pelos próprios indígenas em “dar a sua versão” e em contrapor a “essência da política brasileira” de que não haveriam mais índios no século XXI: “A ideia é escrever a nossa versão e colocar mais elementos nossos, em cima desses estudos já existentes, aprofundá-los com a nossa visão. A ideia principal, também, é escrever na língua (Kaingang).” Vê-se uma maneira de questionar verdades naturalizadas de que os indígenas se acomodariam no passado seguro do mito fundante da nação; estariam, pois, todos mortos. Seriam invocados apenas em discursos inflamados pelos nossos políticos a fim de legitimar uma identidade única na construção e consolidação da brasilidade.

Nosso olhar para o passado é míope e viciado; um doble bind de acordo com Alcida Ramos1 em relação aos indígenas. Compromete assim a maneira como enxergamos o presente e o vivenciamos. Nesse instante, grupos de indígenas se organizam para cobrar do Estado “menos retórica” e mais ações afirmativas. Exigem uma efetiva política pluriétnica e cultural, pois, “Embora a Constituição de 1988 garanta aos indígenas o direito de permanecerem índios em termos culturais, sociais e territoriais, em nenhum momento ela explicitamente declara ser o país uma nação pluriétnica.”2 Isto é, não há garantias de que novas terras serão demarcadas ou diminuirão os embates com determinados setores da sociedade. Segundo o nosso entrevistado, Danilo Braga, ainda há muita “teoria” e pouca vontade política: “Em muitas palestras, mesmo procuradores, juízes, ao apresentarem a legislação dizem que ‘está muito bonito’; o Brasil, inclusive, ganha prêmios porque tem uma legislação para os indígenas muito avançada, no papel. Mas, se não houver movimentação, se não for feita uma articulação, pressão, as leis não são cumpridas.”

Mesmo admitindo a capacidade de intervir e forjar estratégias e táticas pelos indígenas no enfrentamento de uma “ordem” constituída, não se pode menosprezar as relações de poder assimétricas, muito menos a violência “real” conduzida contra essas populações ao longo dos tempos. Sintonizados a estes movimentos sociais, que destacam interlocutores engajados e dinâmicos com o objetivo de “dar visibilidade” às suas demandas, situam-se os artigos a seguir. Sai o índio passivo e submisso, entra em ação o índio articulado nas suas reivindicações, assumindo a condição de sujeito histórico e apresentando respostas criativas na administração das tensões com outras alteridades.

Em “1863: o ano em que um decreto – que nunca existiu – extinguiu uma população indígena que nunca deixou de existir”, a historiadora Ticiana de Oliveira Antunes analisa o processo de invisibilização dos Payacú no Ceará e a contrapartida indígena, instaurada vinte e sete anos após o decreto oficial que “extinguiu-os”, “comprovando” sua identificação com a terra herdada pelo rei, ainda no século XVII.

A autora maneja bem o diálogo entre presente e passado. Sua abordagem centra-se no pleito indígena insurgindo-se contra o Relatório Provincial de 1863 que tratava de dá-los como extintos. Parte do ano de 2012 e habilmente nos mostra os Payacú historicizados por eles mesmos, questionando o peso da “pena de um gestor público” que os “apagou”, e requerendo o reconhecimento de que os mesmos “foram sujeitos atuantes na dinâmica social.”

No artigo seguinte, “Diz o índio…”: Políticas indígenas no final do XVIII”, o historiador Rafael Rogério Nascimento Santos trata de apresentar estratégias e ações desenvolvidas “pelos indígenas do Grão-Pará em busca de seus próprios interesses frente os limites que o contexto da segunda metade do século XVIII lhes impôs.” O artigo problematiza a condição de vítimas ou algozes dos índios e destaca que os mesmos engendraram maneiras engenhosas de se reapropriarem e ressignificarem os códigos culturais europeus. Souberam, no caso específico de Grão-Pará, utilizar dispositivos legais para moverem-se nos meandros do cotidiano da sociedade a fim de integrarem-se, uma ação política calculada segundo seus interesses e perspectivas. Vale dizer, “sobreviver o melhor possível no mundo colonial”.

O historiador Adriano Toledo Paiva, em “A Povoação de Qualidade Índica: uma abordagem da identidade no aldeamento dos índios Cropós e Croatos em Minas Gerais” aborda o processo de “resgate” da “historicidade dos ‘povos conquistados’ em meio às representações e ações dos empreendimentos de conquista.” Investigando a configuração do espaço em que os índios se articulam numa ação política de reconhecimento, por uma “qualidade índica”, o autor estabelece uma conexão entre territorialidade e identidade indígena, revelando, a partir dos embates suscitados, a complexidade “das redes de poder na comunidade paroquial”.

Portanto, os artigos aqui propostos representam uma aproximação entre a academia e os movimentos indígenas, e apontam caminhos de reflexão muito além de pensarmos os indígenas enquanto vitimas ou dizimados, mas aptos a negociar sua inserção e participação efetiva na construção da sociedade a qual pertencem. É isso o que almejam quando se utilizam da escriturária “ocidental”, ou mesmo ao respeitar os trâmites burocráticos, ou reconhecer nas instituições dos “brancos” a forma de legitimar suas demandas. Não é isso o que o kaingang Danilo Braga espera? Ou o que os índios das fontes querem nos dizer?

Além dos artigos do Dossiê Temático e da entrevista já citada, esta edição inclui cinco artigos, que demonstram a diversidade de temas sempre almejada pela Revista AEDOS. Thiago Ribeiro Dantas analisa a participação da Igreja Católica de Pernambuco na Guerra dos Mascates (1710-1711); Vinicius Pereira de Oliveira examina as formas pelas quais os indivíduos tornavam-se marinheiros da Armada Imperial brasileira no século XIX; Ticiano Duarte Pedroso discorre sobre os processos que envolvem a criação da primeira empresa de transportes urbanos da cidade de Rio Grande no século XIX; Mayquel Eleuthério faz uma análise da representação de Joana d’Arc no poema La Pucelle d’Orléans, de Voltaire, e em outros escritos de sua autoria; e Lauro Manzoni Bidinoto busca analisar de que forma as duas principais biografias de Dámaso Antonio Larrañaga (1771-1848) foram influenciadas pela tese equivocada de que a “nação uruguaia” estaria prefigurada desde os primeiros movimentos revolucionários, ou até mesmo antes deles.

Em seguida, esta edição apresenta três resenhas: A Tela Global: mídias culturais e cinema na era hipermoderna de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, resenhada por Walter Luiz Andrade Neves; Uma arqueologia da intencionalidade debretiana, resenha da obra de J.-B. Debret, historiador e pintor: a viagem pitoresca e histórica ao Brasil (1816-1839), resenhada por Eduardo Wright Cardoso; O deboche caipira nas telas do cinema em “Caipira sim, trouxa não”, resenhada por Catarina Cerqueira. Há também uma resenha na seção “Resenha de Clássico”: Os Gostos e a Dinâmica da Distinção Social, de Pierre Bourdieu, resenhada por Marisângela Terezinha Antunes Martins.

Por fim, aproveitamos para agradecer aos colaboradores da revista. O auxílio e disponibilidade de autores e avaliadores são fundamentais para a consolidação da Aedos como um espaço frutífero para o debate acadêmico no campo da História.

Notas

1. RAMOS, Alcida Rita. O pluralismo brasileiro na berlinda. Etnográfica, Lisboa, v. VIII, n.2, p.165-83, 2004.

2. Idem, p.172-3.

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Conselho Editorial. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v.4, n.10, jan / jul, 2012. Acessar publicação original [DR]

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