Interpreting Schelling: Critical Essays – OSTARIC (RFMC)

OSTARIC, Lara (Editor). Interpreting Schelling: Critical Essays. Cambridge University Press,2014. Resenha de: PACHECO, Marília Cota. Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.6, p. 197-202, n.2, dez. 2018.

Interpretando Schelling: Ensaios Críticos é uma coletânea de onze ensaios, organizados por Lara Ostaric2 . Esses ensaios traçam sistematicamente o desenvolvimento histórico do pensamento de Friedrich Wilhelm Joseph Schelling desde a Filosofia Transcendental e Filosofia da Natureza (1794-1800), passando pela sua Filosofia da Identidade (1801-1809), Escritos sobre a Liberdade, Idades do Mundo (1809-1827), chegando até sua Filosofia Positiva / Negativa e à crítica de Hegel (1827-1854). Como bem ressalta a organizadora, o volume oferece uma compreensão mais sutil do idealismo alemão do que a oferecida por uma narrativa super simplificada “de Kant a Hegel,”3 que retrata esse movimento filosófico como uma progressão teleológica que começa com Kant, é avançada por Fichte e Schelling e culmina no sistema de Hegel que sintetiza todas as visões anteriores.

É claro que o assim chamado idealismo objetivo de Schelling, com um princípio incondicionado que transcende tanto o sujeito quanto o objeto, marca um afastamento do idealismo subjetivo de Fichte e abre caminho para o sistema de Hegel. No entanto, prestando mais atenção à constelação das ideias que motivaram o pensamento de Schelling, é possível apreciálo mais como um pensador original, um pensador cujo impacto ultrapassou o estágio inicial do idealismo alemão e cujas ideias são importantes para nós hoje.4

A coletânea nos mostra muito mais continuidade no pensamento de Schelling do que é geralmente reconhecido; ressalta os diferentes estágios no desenvolvimento de seu sistema filosófico não como um sinal de imaturidade intelectual, nem como o resultado inevitável da influência de muitas e diferentes posturas filosóficas. O conjunto desses ensaios críticos indica que talvez as reformulações de Schelling em seu próprio sistema filosófico sejam “uma indicação de sua modéstia e seu reconhecimento de que, embora rigorosa e sistemática, a reflexão filosófica não seja onipotente diante da complexidade da condição humana,” como bem ressalta Ostaric.

Em “The Early Schelling on the Unconditioned,” Eric Watkins5 faz uma análise das passagens centrais de dois ensaios do jovem Schelling: Über die Möglichkeit einer Form der Philosophie überhaupt – 1794 (Sobre a possibilidade de uma forma absoluta de filosofia) e Vom Ich als Prinzip der Philosophie oder über das Unbedingte im menschlichen Wissen – 1795 (Do eu como o princípio da filosofia, ou Sobre o Incondicionado no Conhecimento Humano). Watkins esclarece como o primeiro Schelling chega a empregar a noção de “incondicionado” no centro de seu projeto filosófico; sem negar a influência de outras figuras no pensamento inicial de Schelling, como Fichte ou Reinhold, Watkins argumenta que são as visões específicas de Kant sobre o incondicionado que desempenham um papel crucial no desenvolvimento de uma série de características fundamentais do pensamento inicial de Schelling.

Michael N. Forster6, em seu ensaio “Schelling and Skepticism”, contesta as acusações de Hegel em sua Introdução à Fenomenologia do Espírito sobre a filosofia de Schelling entendida como dogmática e vulnerável ao ceticismo. Segundo Forster, tais acusações não são totalmente justificadas; não se aplicam à carreira de Schelling como um todo, pois as reflexões de Schelling sobre o ceticismo e sua relação com a filosofia passaram por três fases diferentes. A primeira é uma posição inspirada, durante o período de 1794-1800; a segunda, uma posição inspirada em Hegel, que ele adotou brevemente em 1802-1803 e a terceira, uma posição inspirada no romantismo que ele adotou por volta de 1821. No final de seu ensaio, Forster considera uma quarta fase da tentativa de Schelling de lidar com o ceticismo: a sua filosofia positiva como uma modificação da sua posição inspirada no Romantismo.

Em “The Concept of Life in Early Schelling,” Lara Ostaric mostra como nos estágios iniciais de sua Naturphilosophie Schelling é motivado pela questão da correspondência necessária entre o eu e a natureza e, portanto, tenta demonstrar que a natureza não é um objeto inanimado desprovido de autoconsciência, mas algo que é ao mesmo tempo um sujeito e seu próprio objeto. A natureza não deve ser concebida como um mecanismo morto, mas como uma organização viva e como um “análogo da razão” e liberdade, porque ser o próprio sujeito e objeto é ser autodeterminado. É isso que Schelling considera a característica essencial da vida. Nisso, Ostaric mostra que os primeiros escritos de Schelling fazem parte de um desenvolvimento progressivo e contínuo de seu sistema filosófico. Paul Guyer7, em seu ensaio “Knowledge and Pleasure in the Aesthetics of Schelling” (Conhecimento e Prazer na Estética de Schelling), analisa passagens centrais do Sistema de Idealismo Transcendental de 1800, e das palestras sobre A Filosofia da Arte 1802-1803 (Philosophie der Kunst), para mostrar como Schelling adotou e transformou a concepção estética de Kant. Guyer alega que Kant criou uma síntese da nova estética desenvolvida em meados do século XVIII na Escócia e na Alemanha, com a teoria clássica de que a experiência estética é uma forma distinta de apreensão da verdade. A estética de Schelling favorece uma abordagem puramente cognitiva e a compreensão de que a experiência estética é prazerosa apenas porque nos libera da dor de uma contradição inescapável da condição humana. Em “Exhibiting the Particular in the Universal’: Philosophical Construction and Intuition in Schelling’s Philosophy of Identity (1801-1804)”(Exibindo o Particular no Universal: Construção Filosófica e Intuição na Filosofia da Identidade de Schelling), Daniel Breazeale8 discute o método de construção filosófica de Schelling em sua Filosofia da Identidade. Inuenciado pelo texto de Kant Princípios Metafísicos… (onde “construir” um conceito é “exibir [darstellen] a priori a intuição correspondente a ele”) e pelo desenvolvimento posterior que Fichte dá a esse método filosófico, Schelling desenvolve sua própria concepção de construção filosófica. Breazeale concentra-se em oito das características mais importantes do método de construção de Schelling: (1) seu ponto de vista “absoluto”, (2) seu princípio (a lei da identidade racional), (3) seu órgão (intuição intelectual), (4) seu método atual (exposição do particular no universal), (5) seus elementos (ideias da razão), (6) seu produto (o Sistema de Identidade), (7) sua verdade e realidade, e (8) a capacidade inata e intocável de intuição intelectual (gênio filosófico). Em sua conclusão, ele oferece um exame e uma crítica à concepção de construção filosófica de Schelling.

Em seu ensaio”IdentityofIdentity and Non-Identity: Schelling’s Path to the Absolute System of Identity,” (Identidade de identidade e não-identidade: o caminho de Schelling para o Sistema Absoluto de Identidade), Manfred Frank9 foca no pensamento central do Sistema Absoluto de Identidade de Schelling, que diz respeito a uma forma de identidade que não é simples, mas concebida de tal modo que duas coisas diferentes pertencem inteiramente a um e mesmo todo. Frank descreve os problemas do início da filosofia moderna, para os quais a noção de identidade de Schelling tenta fornecer uma solução. Discute as figuras da história da filosofia que influenciaram a Filosofia da Identidade madura de Schelling e mostra a relevância da noção de identidade de Schelling para as teorias contemporâneas sobre mente-corpo. NapartefinalFrank aborda a diferença entre a noção de identidade de Schelling e Hegel.

Em “Idealism and Freedom in Schelling’s Freiheitsschrift” (Idealismo e Liberdade no Freiheitsschrift de Schelling), Michelle Kosch10 faz uma distinção entre uma concepção “formal”de liberdade, isto é, uma caracterização do livre-arbítrio que permite uma distinção entre comportamento imputável / não-imputável e uma concepção do livre-arbítrio como fonte de imperativos morais.

No seu ensaio “Beauty Reconsidered: Freedom and Virtue in Schelling’s Aesthetics” (Beleza reconsiderada: liberdade e virtude na estética de Schelling), Jennifer Dobe considera que Freiheitsschrift (1809) de Schelling, contrariando a visão predominante, oferece recursos para identificar a nova e inovadora abordagem de Schelling à estética. Concentra-se nas principais passagens do discurso de Schelling de 1807 para a Akademie der Wissenschaften em Munique (Über das Verhältnis der bildenden Künste zu der Natur) e nos fragmentos de Weltalter de 1811-1515. Dobe mostra como Schelling começa a ampliar sua estética com base na nova concepção de liberdade alcançada em Freiheitsschrift.

Em “Nature and Freedom in Schelling and Adorno” (Natureza e Liberdade em Schelling e Adorno), Andrew Bowie11 mostra como a tensão dialética entre existência e seu fundamento, razão autodeterminada e seu outro, no Freiheitsschrift de Schelling, abre espaço para uma compreensão não-dogmática da Natureza, isto é, uma compreensão da Natureza como algo que precisa ser legitimado e não algo usado como legitimação, mostrando sua relação com o sujeito e, portanto, com a liberdade.

O ensaio de Günter Zöller, “Church and State: Schelling’s Political Philosophy of Religion” (Igreja e Estado: Filosofia Política da Religião de Schelling), enfoca a relação entre Igreja e Estado no Curso de Palestras Privadas de Stuttgart de 1810 e em suas Investigações Filosóficas sobre a Essência da Liberdade Humana de 1809. Num primeiro momento Zöller apresenta o pano de fundo histórico da filosofia política da religião de Schelling; em seguida, o desenvolvimento de uma concepção liberal e legal do Estado para uma concepção absolutista e ética na filosofia política de Schelling. Por fim Zöller discute a teoria filosófico-teológica de Schelling sobre o estado.

A coletânea finaliza com o ensaio de Fred Rush12 “Schelling’s Critique of Hegel” (A Crítica de Schelling a Hegel), cujo foco central são as preleções de Berlim, apresentadas nas décadas de 1840 e início de 1850, quando Schelling faz uma ampla distinção entre duas abordagens da filosofia: “negativa”e “positiva.”O ensaio de Rush levanta a questão de até que ponto a crítica de Schelling a Hegel é válida. Sua principal alegação é que as críticas de Schelling retêm em grande parte sua força, embora algumas delas mostrem que o Schelling tardio está mais próximo de Hegel em alguns pontos do que a polêmica filosófica inicialmente sugeriria.

Notas

2 Lara Ostaric é Professora Assistente de Filosofia na Temple University. Publicou artigos sobre Kant e Schelling e está trabalhando num livro sobre a terceira Crítica de Kant e sua influência na filosofia alemã pós Kant.

3 Von Kant bis Hegel é o título do importante estudo sobre o idealismo alemão de Richard Kroner.

4 Ostaric, Lara. Interpreting Schelling: Critical Essays. Edited By Lara Ostaric, Cambridge University Press, 2014, Introduction, p. 03. A tradução é minha.

5 Eric Watkins é professor de Filosofia na Universidade da Califórnia em San Diego. Ele é o autor de Kant and the Metaphysics of Causality (Cambridge, 2005), o editor de Kant and the Sciences (2001), o editor e tradutor de Kant’s Critique of Pure Reason: Background Source Materials (Cambridge, 2009).

6 Michael n. Forster é Professor na Alexander von Humboldt, titular da cadeira de Filosofia Teórica e co-diretor do Centro Internacional de Filosofia da Universidade de Bonn. Ele é o autor de German Philosophy of Language: From Schlegel to Hegel and Beyond (2011), After Herder: Philosophy of Language in the German Tradition (2010), Kant and Skepticism (2008), Wittgenstein on the Arbitrariness of Grammar (2004), Hegel’s Idea of a Phenomenology of Spirit (1998), and Hegel and Skepticism(1989).

7 Paul Guyer é Professor na Brown University. Ele é o autor de nove livros sobre Kant, incluindo Kant and the Claims of Taste (Cambridge, 1997, 2nd edn.), Kant and the Claims of Knowledge (Cambridge, 1987), Kant and the Experience of Freedom (Cambridge, 1993), e Kant on Freedom, Law, and Happiness (Cambridge, 2000). O professor Guyer é um dos coeditores gerais da Cambridge Editionde Kant. Seu trabalho de três volumes, A History of Modern Aesthetics, foi publicado pela Cambridge em 2014

8 Daniel Breazeale é professor de Filosofia na Universidade de Kentucky. Ele é o autor de Fichte and the Project of Transcendental Philosophy e numerosos artigos de revistas, capítulos de livros, traduções e edições de / sobre filosofia alemã de Kant a Nietzsche, com um foco de pesquisa sobre a filosofia de J.G. Fichte.

9 Manfred Frank é Professor Emérito de Filosofia na Eberhard Karls University, Tübingen. Ele é autor de inúmeros artigos, edições e monografias, que foram traduzidos para mais de vinte idiomas. Seus livros incluem Der unendliche Mangel an Sein. Schellings Hegelkritik und die Anfänge der Marxschen Dialektik (1975/1992), Selbstbewutsein und Selbsterkenntnis. Essays zur analytischen Philosophie der Subjektivität (1991) e ‘Unendliche Annäherung.’ Die Anfänge der philosophischen Frühromantik (1997).

10 Michelle Kosch é Professora Associada de Filosofiana Cornell University. Ela é autora de Freedom and Reasonin Kant, Schelling, and Kierkegaard (2006) e vários artigos sobre Kierkegaard, Fichte e a filosofia continental do século XIX.

11 Andrew Bowie é professor de Filosofia e Alemão na Royal Holloway, Universidade de Londres. Ele é o autor de Adorno and the Ends of Philosophy (2013), German Philosophy: A Very Short Introduction (2010), Music, Philosophy, and Modernity (Cambridge, 2007), Introduction to German Philosophy from Kant to Habermas (2003), From Romanticism to Critical Theory: The Philosophy of German Literary Theory (1997), Schelling and Modern European Philosophy: An Introduction (1993), e Aesthetics and Subjectivity from Kant to Nietzsche (1990).

12 Fred Rush é Professor Associado de Filosofia na Universidade de Notre Dame. Ele é o autor de Irony and Idealism (2014), On Architecture (2009) e o editor do Cambridge Companion to Critical Theory (Cambridge, 2004).

Marília Cota Pacheco – Professora substituta do Departamento de Filosofia da Universidade de Brasília.

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