Justiças e Impérios Ibéricos de Antigo Regime / Locus – Revista de História / 2018

É com muita satisfação que apresentamos ao leitor o Dossiê Justiças e Impérios Ibéricos de Antigo Regime. Nossa principal intenção foi criar um espaço para a apresentação, divulgação e debate de resultados de pesquisas que versem a respeito da administração das justiças nos impérios ibéricos durante o Antigo Regime.

Já se vão algumas décadas desde que Stuart Schwartz publicou, em 1973 (traduzida para o português em 1979), Burocracia e sociedade no Brasil colonial. O autor pretendeu esmiuçar as instâncias da administração da justiça no Brasil colonial a partir do estudo do Tribunal da Relação da Bahia e de suas relações quânticas com as representações do poder local. A obra é hoje referência pioneira para o estudo da magistratura portuguesa de Antigo Regime.[1]

Em 1996 foi publicado O desembargo do Paço (1750-1833), de José Manuel Subtil. Aqui encontramos mais uma referência importante para os estudos sobre a administração da justiça no Império Português. A obra é fruto de sua dissertação de mestrado, defendida em 1994 na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e realiza um estudo minucioso sobre as estruturas do tribunal português responsável pela gestão da justiça no reino e por todo império, o Desembargo do Paço. O período estudado também se apresenta revelador, pois José Subtil se debruça sobre o ministério pombalino e o liberalismo vintista das primeiras três décadas do século XIX português.[2]

Mais de quarenta anos se passaram, desde a publicação dessas obras. No entanto, foi somente na última década que o tema adquiriu relevância acadêmica na área de História Moderna e vem substanciando cada vez mais investigações nos programas de pós-graduação. No Brasil, as discussões acerca do tema estão sendo ampliadas. Pesquisadores vêm estabelecendo relações entre a administração das justiças e suas imbricações com a prática dos governos à distância, em todas as suas dimensões e possibilidades, nos âmbitos civil e eclesiástico das monarquias ibéricas de Antigo Regime. Nesse contexto, o Grupo de Pesquisa Justiças e Impérios Ibéricos foi criado em 2016. Reunindo pesquisadores brasileiros e portugueses, o GP busca matizar os interesses em torno do tema e contribuir para o alargamento dos debates e das possibilidades de pesquisa. Esse dossiê é parte dessa empreitada.

Em “Os conflitos de jurisdição entre os cargos do poder local ou a difícil tarefa de levar justiça aos domínios d’El-Rey”, Thiago Enes propõe um estudo sobre os conflitos de jurisdição que demarcavam a atuação dos ofícios municipais da justiça pelo império português. O autor estabelece relações entre o reino e o ultramar, ressaltando as instabilidades resultantes do estabelecimento do direito positivo e a permanência da tradição consuetudinária.

A seguir, Mônica Ribeiro nos apresenta uma análise da administração da justiça a partir da racionalização administrativa e da prática de uma razão de Estado no setecentos em “Manutenção da justiça e racionalidade política no Império luso, século XVIII: a gestão de Gomes Freire de Andrada, Rio de Janeiro e centro-sul da América portuguesa”. O estudo aborda a época da governação de Gomes Freire de Andrade no centro sul da América portuguesa, conforme indica o título.

O terceiro artigo, intitulado “De Portugal para os sertões do Siará Grande: caminhos de um português em meados do século XVIII”, de Adson Rodrigo Silva Pinheiro trata do trânsito nos sertões do Siará Grande nos idos setecentistas a partir da trajetória de Antônio Mendes da Cunha e suas implicações no Tribunal do Santo Ofício. O autor faz uso de fontes judiciais, além das inquisitoriais, para apresentar o estudo de caso em questão.

José Inaldo Chaves Júnior é autor do quarto artigo, “Reforma dos territórios e das jurisdições nas capitanias do Norte do Estado do Brasil: as atuações do capitão-general Luís Diogo Lobo da Silva e do juiz de fora Miguel Carlos de Pina Castelo Branco na aplicação do Diretório dos Índios (1757-1764)”. A aplicação do Diretório dos Índios nas capitanias do norte do Estado do Brasil é o tema central desse estudo que contempla um dos períodos mais conturbados para a administração da justiça durante o Império português, a época pombalina. O estudo nos revela as complexas relações entre os diversos agentes da governança frente à política de restrição das autonomias locais e de extensão das jurisdições régias sobre a região.

Marcello José Gomes Loureiro encerra nosso dossiê discutindo o poder de arbítrio e justiça representado pelo Conselho Ultramarino, durante os primeiros anos da Restauração. Em “Como poderemos restaurar depois de perdido, senão fazendo Justiça?” O Conselho Ultramarino e o diálogo com as conquistas em tempos de incerteza (1640-1656) nos será possível analisar, junto com o autor, as estratégias buscadas pelo tribunal para mediar a justiça e garantir a harmonia em um período de instabilidade política e administrativa para os domínios ultramarinos.

Por fim, nos resta desejar boa leitura. Esperamos também que o dossiê “Justiças e Impérios Ibéricos de Antigo Regime” possa contribuir de forma significativa para os avanços dos estudos sobre a administração da justiça durante o Antigo Regime.

Claudia C. Azeredo Atallah

José Subtil

Organizadores do dossiê

Notas

1. SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

2. SUBTIL, José Manuel Louzada Lopes. O desembargo do Paço (1750-1833). Lisboa: Editora da Universidade Nova de Lisboa, 1996. José Subtil possui uma vasta obra sobre o governo da justiça em Portugal e em seus domínios de Antigo Regime. Sobre as reformas pombalinas e suas conexões com o vintismo ver SUBTIL, José. O terremoto político (1755-1759). Memória e poder. Universidade Autónoma de Lisboa: Lisboa, s / d; SUBTIL, José. Portugal y la Guerra Peninsular. El maldito año 1808. In: Cuadernos de Historia Moderna; Anejo VII: Crisis política y deslegitimación de monarquias, 2008 e SUBTIL, José. Pombal e o Rei: valimento ou governamentalização? In: Ler História, n. 60, 2011.

Claudia C. Azeredo Atallah

José Subtil

Organizadores do dossiê


ATALLAH, Claudia C. Azeredo; SUBTIL, José. Apresentação. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.24, n.1, 2018. Acessar publicação original [DR]

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