História Social do Trabalho / Crítica Histórica / 2012

Fechamos a edição da Revista Crítica Histórica nº 5 – Dossiê História Social do Trabalho no Brasil certos de que o debate intelectual é parte central na construção do conhecimento. Elaborado a partir de convites a pesquisadores, em especial do Nordeste brasileiro, o presente Dossiê marca a dimensão em que essa área temática e as suas diferentes abordagens se encontram e as possibilidades se apresentam de forma expressiva. Os seis artigos que o compõem, estabelecem o diálogo conceitual e empírico de longa tradição entre os historiadores e cientistas sociais.

Os artigos abrangem um recorte temporal que extrapolou os marcos do período republicano da pesquisa precedente e se estendem tematicamente nas experiências dos trabalhadores brasileiros. No interior destas histórias, os temas são variados e enfatizam desde os paradigmas interpretativos e o debate historiográfico a respeito das relações entre Estado e trabalhadores, passando pelas experiências e processos da relação dos trabalhadores (urbanos e rurais) com instituições de Estado e com organizações sindicais, pelos conflitos trabalhistas e o movimento operário, o trabalho e os trabalhadores no mundo contemporâneo.

O artigo “Rodando a baiana e interrogando um princípio básico do comunismo e da história social: o sentido marxista tradicional de classe operária”, de Antonio L. Negro, abre o debate provocando a reflexão acerca dos limites do sentido marxista tradicional de classe operária para entender a formação da classe trabalhadora no Brasil. Chama a atenção para as especificidades dessa conceituação tradicional que, centrada na formação da classe trabalhadora inglesa, carrega uma distinção entre o fenômeno histórico e o conceito.

Partindo da sistematização da produção historiográfica no Brasil das últimas décadas, o segundo artigo que compõe o Dossiê, “Pela Reforma, Contra a Revolução: notas sobre o reformismo e colaboracionismo na história do movimento operário brasileiro da Primeira República”, de Tiago Bernardon de Oliveira, pontua com pertinência a centralidade que algumas temáticas ocuparam no interior da História Social do Trabalho. Ao constatar que correntes do movimento operário da Primeira República, muitas vezes consideradas como reformistas, estiveram marginalizadas da produção historiográfica mais recente, o artigo busca no sindicalismo reformista elementos formadores de uma cultura política dos trabalhadores.

De forma geral, os quatro artigos seguintes que compõem o Dossiê apresentam resultados de pesquisas que confluem para aspectos de um debate estabelecido entre a História e a Antropologia e, mais especificamente, podemos dizer, entre história social, história regional e recortes mais específicos, por vezes dialogando com o olhar da micro-história. Os sentidos e as linhagens que daí resultam são extensos e dispersos. Por isso, longe de querer classificar tais artigos, buscamos entendê-los e apresentá-los naquilo que há de mais enriquecedor: a formação das classes trabalhadoras como fenômeno singular. Os artigos, assim, visitam quatro estados do Nordeste brasileiro, várias categorias de trabalhadores, em eventos e períodos específicos.

“Da aldeia da preguiça à ativa colmeia operária: o processo de constituição da cidade-fábrica Rio Tinto – Parahyba do Norte (1917-1924)”, de Eltern Campina Vale, procura entender o processo de instalação da tecelagem Rio Tinto nas primeiras décadas do século XX, em Mamanguape – microrregião do litoral norte paraibano, área de produção de sacarose no século XIX. Neste processo, deixa clara a articulação existente entre as oligarquias e os empreendimentos da indústria têxtil, com isenções de impostos, incentivos de diversas naturezas, assunção de serviços públicos por parte da fábrica. Outra estratégia utilizada gira em torno do esbulho de territórios indígenas, da ocupação de terras devolutas. Da instalação da unidade fabril, com o seu ideário de modernização, chegam os migrantes que vão formar a classe operária e, com ela, a Vila Operária.

Conceitos como coronelismo e paternalismo ganham vida no artigo “Trabalhadores, organizações e disputas políticas na última década da Primeira República”, de Philipe Murillo Santana de Carvalho. Recuperando estratégias de negociação de organizações de trabalhadores do Sul da Bahia, especificamente, Itabuna e Ilhéus, em disputas e conflitos, o artigo articula a dimensão dos “de baixo” e a dominação no funcionamento da política institucional local.

A dupla de autores, Airton de Souza Melo e Anderson Vieira Moura, nos apresenta artigo sobre a greve dos operários da Fábrica Carmem, em 1956, “Uma greve espontânea em Fernão Velho: Comissão Operária, Justiça do Trabalho e repressão patronal”. Sendo a primeira e, durante muitos anos, a mais importante indústria têxtil do estado de Alagoas, foi cenário do movimento paredista que reivindicava o pagamento do “novo” salário mínimo aos operários. Os proprietários da fábrica mobilizaram rapidamente a estrutura da Justiça do Trabalho e, assim que o delegado regional chegou, a greve foi encerrada com a “promessa” de mediação do conflito e sem prejuízos legais para os trabalhadores. A promessa não foi cumprida e vários trabalhadores foram punidos e, dentre eles, cinco responderam juridicamente na Justiça do Trabalho de Alagoas.

E para encerrar o Dossiê História Social do Trabalho no Brasil, o artigo de José Marcelo Marques Ferreira Filho, “Conflitos trabalhistas nas ‘terras do açúcar: Zona da Mata Pernambucana (anos 1960)”, analisa o momento de promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural (assim como a formação das Juntas de Conciliação e Julgamento) e sua aplicação na região de plantação de cana-de-açúcar, buscando, para além dos ganhos e perdas dos trabalhadores, entender as suas ações, os limites e o alcance de suas estratégias. Através do olhar do jovem pesquisador, além de um levantamento que revela o movimento de acionar a justiça pelos trabalhadores, encontramos uma pertinente e aguçada leitura dos silêncios da documentação serial utilizada, fornecendo-nos sugestivas pistas para perscrutar alguns dados que não visto com facilidade através da quantificação.

Abrindo a Seção Artigos (de fluxo contínuo), “Entre emoções e leis naturais: reflexões sobre o conceito de ‘motim’ na obra do Barão de Guajará”, de Luciano Demotrius Barbosa Lima, debate como a ideia de motim articula os conflitos sócio-econômicos no Pará do século XIX. Partindo da obra do historiador, Domingos Antonio Raiol (Barão de Guajará), faz escrutínio do conceito e o analisa no debate sobre romantismo e cientificismo do período.

Já no final do século XIX, vamos para a formação da capital de Minas Gerais, na qual as elites se afinam com um projeto de “modernização” claramente identificado com as ideias de civilização e racionalidade que se chocam com a realidade da classe trabalhadora presente no centro urbano de Belo Horizonte. Assim, o artigo “O sonho da metrópole fin de siècle em vias de definição: ordem social, moral pública e mundo do trabalho em Minas Gerais (1897-1920)” de Fabio Luiz Rigueira Simão, apresenta-nos um cenário de conflitos e descontinuidades que se vai desenhando nos métodos e discursos do poder público, construídos através de uma lógica do trabalho que visa romper as resistências da população pobre e assimila-las ao projeto das elites mineiras.

Abrindo o que poderíamos chamar de segundo bloco dessa seção, o artigo “O custo de uma devoção: horas de trabalho e itens de um ritual do candomblé no início do século XX”, de Flávio Gonçalves dos Santos, entende as atividades no e do candomblé a partir da cultura material, trazendo à tona a dimensão dos custos dos objetos ali utilizados e das horas de trabalho dispendidas. Inserindo os rituais de candomblé em um contexto pouco explorado, análogo a um mercado consumidor, o artigo articula o culto aos orixás à solução de aflições das pessoas em suas experiências do cotidiano.

“Homi Bhabha leitor de Frantz Fanon: acerca da prerrogativa pós-colonial”, de Muryatan Santana Barbosa, refaz os passos da leitura de Fanon realizada décadas depois pelo indiano Bhabha e recupera conceitos do primeiro relegados pelo segundo, inserindo-os no debate contemporâneo sobre o pós-colonialismo.

Em seguida, o artigo “Jornalismo e imprensa: relações com o civilizado, o histórico e o político”, de Mauro Luiz Barbosa Marques, debate o papel e as funções do jornalismo e da imprensa a partir de autores como Pierre Bourdieu e Norbert Elias. Atribuindo-lhes um lugar na sociedade contemporânea, que se organiza conceitualmente através de ideias como civilização, história e política, o autor enfatiza sua produção como fonte para a historiografia e reconhece suas possibilidades e limites.

E, para encerrar essa edição, a resenha de divulgação (de David Vital Acioli e Dionísio Josino de Oliveira Filho) do livro Tudo pelo trabalho livre: trabalhadores e conflitos no pós-abolição (Bahia, 1892-1909), de Robério Santos Souza, não poderia vir em melhor momento. Obra publicada no ano passado, a partir da dissertação de mestrado defendida pelo autor junto ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Campinas, em co-edição EDUFBA e FAPESP, acaba de obter o segundo lugar na categoria “Obra Publicada” no Prêmio Kátia Mattoso de História da Bahia, promovido pela Fundação Pedro Calmon / Secretaria de Cultura / Governo do Estado da Bahia. História cheia de coragem e inovação, mostra-nos como a construção da estrada de ferro que liga a Bahia ao São Francisco, no fim do século XIX e início do XX, gera a formação de uma classe trabalhadora singular, pois originária de ex-escravos, marcados pelas experiências contra a exploração de sua força de trabalho e pela dignidade.

Em meio a tantas histórias dos trabalhadores, de suas organizações, de suas estratégias de ação e luta, não poderíamos deixar de mencionar que essa edição surge durante a maior greve dos docentes das IFES no país, sem contar as inúmeras categorias diretamente ligadas ao governo federal que também se encontram em greve e outras que pipocam suas reivindicações no mapa nacional. Assim, na vida real, com homens e mulheres de carne e osso, se faz a luta por melhores salários, condições de trabalho, por direitos e cidadania. Esperamos que a leitura desses artigos contribua para a reflexão e para o estímulo a pesquisas futuras.

Ana Paula Palamartchuk – Professora Doutora. Editora Chefe / Coordenadora do Dossiê

Osvaldo Maciel – Professor Doutor. Coordenador do Dossiê


PALAMARTCHUK, Ana Paula; MACIEL, Osvaldo. Apresentação. Crítica Histórica, Maceió, v. 3, n. 5, julho, 2012. Acessar publicação original [DR]

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