História Social do Trabalho / Revista Trilhas da História / 2018

Em seu mais recente livro, “O Privilégio da Servidão: o novo proletariado de serviços na era digital” (lançado pela Boitempo em 2018), o sociólogo do trabalho Ricardo Antunes faz a genuína pergunta a respeito de quem seja a classe trabalhadora hoje, enfrentando o que considera dois mitos. Ele discorda, inicialmente, de que a classe trabalhadora seja a mesma daquela que emergiu no bojo da Revolução Industrial e se desenvolveu no século XX. Na sequência, Antunes invalida a ideia propagada de que tais mudanças do operariado, embora muito significativas, sejam sinônimos da perda da centralidade e da sua potência transformadora. Para ele, o trabalho se mantém como força propulsora do ser social e a classe trabalhadora “não se restringe somente aos trabalhadores manuais diretos, mas incorpora a totalidade do trabalho social, a totalidade do trabalho coletivo que vende a sua força de trabalho como mercadoria” (2018, p. 88). Na sua 14ª edição, a Revista Trilhas da História, com o dossiê História Social do Trabalho, assevera essa concepção, porque apresenta o trabalho como fio condutor da história, ao passo que evidencia a diversidade com que ele se expressa na contemporaneidade.

Não se trata de um debate importante e exclusivo ao campo intelectual. Na recente greve dos caminhoneiros, em maio de 2018, colocamos à prova a fluidez das concepções e a fragilidade das perspectivas pós-modernas ao experimentarmos o caos econômico gerado pela paralisação de um setor da produção material, a distribuição de mercadorias, com consequências sociais e políticas imediatas que, ao mesmo tempo, perturbaram as idiossincrasias de classe, pelo caráter policlassista do movimento e dos seus apoiadores, fazendo-nos perguntar o mesmo que Ricardo Antunes. Afinal, quem é a classe trabalhadora hoje e quais suas potencialidades históricas? Em plena organização do dossiê, naquele momento, em meio ao recebimento de um número considerável de textos, comemoramos a latência e atualidade do debate e vislumbramos seu largo alcance, entendendo que a contribuição historiográfica seja primordial para o seu fortalecimento, ainda que, sendo portadores de poucas repostas, lançamos luz às novas perguntas. Manter a centralidade do trabalho se revela, aqui, como essência inovadora para os questionamentos e para reinvenções que atendam a já velha necessidade de superação da exploração do trabalho, e do próprio capital.

Adotando uma ordem cronológica às temporalidades dos objetos presentes nos artigos, o dossiê possui seis textos e tem início com o trabalho de Camila Menegardo Mendes Jogas, “Mutualismo e fronteira racial: Sociedades de trabalhadores negros e Conselho de Estado no Rio de Janeiro do século XIX”. O referido texto inaugura esta edição com o exemplar da ampliação das abordagens dos estudiosos do trabalho, uma vez que apresenta as interfaces dos critérios raciais no tocante aos processos de legalização das sociedades mutualistas de trabalhadores no século XIX.

Em seguida, compõe o dossiê um ensaio de graduação intitulado “Pela educação e pelo trabalho: anarquistas e o ensino racionalista na Primeira República brasileira” de Israel de Silva Miranda, trazendo ao debate a educação anarquista e o uso de opúsculos como meios de comunicação utilizados pelos militantes no contexto das duas primeiras décadas do século XX. Não obstante o apresentarmos nesta sequência, o texto está situado na sessão dos ensaios de graduação.

O texto “A ‘campanha contra o desperdício’ nas páginas da Revista do Serviço Público: trabalhadores e administração pública no Estado Novo (1937- 1945)”, de Fernanda Lima Rabelo, apresenta o processo de disciplinarização de trabalhadores do serviço público na política varguista, operada no bojo do discurso de modernidade e de eficiência, tendo como fonte a Revista do Serviço Público.

Outro ensaio de graduação presente no dossiê é de Michele Pires Lima, intitulado “Mulheres de Trottoir: Trabalhadoras do sexo nos jornais de Manaus (1967-1970)” que nos revela, a partir da análise do jornal “A Crítica”, a articulação do discurso moralista e higienizador que acompanhou os novos arranjos de ocupação urbana na Manaus do final dos anos 1960. Assim como o texto de Israel Miranda, este ensaio se enquadrou no dossiê, mas está localizado na sessão de ensaios de graduação.

No quinto texto a compor o dossiê, “Trabalho como fundamento de cidadania e aprendizado político: O operariado português no propulsar da Revolução dos Cravos (1968-1974)”, Pamela Peres Cabreira revela a dinamicidade do operariado português no contexto do Estado Novo e anterior à revolução dos Cravos, lançando mão de reflexões thompsonianas e das ocorrências de greves e paralisações no período para contrapor-se à ideia de que a classe trabalhadora portuguesa esteve passiva durante o regime autoritário.

Maria Celma Borges e Vitor Wagner Neto de Oliveira encerram a sessão do Dossiê História Social do Trabalho com o artigo “E.P. Thompson e a História Social: contribuições para o estudo da questão agrária no Pontal do Paranapanema -SP”, propondo um diálogo entre os conceitos teóricos discutidos pelo historiador britânico, como “consciência de classe” e ”experiência”, com as lutas de trabalhadores sem-terra já no início do presente século, utilizando-se de entrevistas orais.

A sessão de artigos livres é composta por cinco textos. O primeiro, de Bruna Morrana, “‘Costumes em Comum’, de Edward Thompson: perspectivas de abordagem”, dialoga com o dossiê, embora não trate especificamente de conceitos relativos ao trabalho e trabalhadores. A autora aponta os debates teóricos que compõem esta obra de Thompson e destaca a contribuição do historiador. Em seguida, o artigo de Daniel Caires, “A respeito de maneiras de falar e ver o Maranhão: paradigmas em disputa e seus reflexos na historiografia” apresenta as disputas de narrativas e identidades regionais, bem como os embates paradigmáticos sobre a prática historiográfica maranhense. Em “Chiquinha Gonzaga e o teatro musical brasileiro no século XIX”, Mona Bento analisa aspectos importantes das obras produzidas pela musicista, relacionando seu projeto de constituição da música popular brasileira ao contexto oitocentista, por meio da análise da opereta A corte na roça. Na sequência, o artigo de Cledivaldo Donzelli e Alessandra Nadai, “Local de memória e ensino superior: as possibilidades educacionais” demonstra a necessária a aproximação acadêmica com os espaços de memória a partir da análise de resultados de oficinas pedagógicas em um museu da cidade de Penápolis / SP, bem como de narrativas resultantes das experiências de estágios dos alunos do Curso de Pedagogia, tocantes aos temas e espaços de memória. A sessão de artigos livres se encerra com o texto “Possibilidades para o Professor de História quando atua no Ensino Religioso”. Nele, Marcelo Pires apresenta o cenário da educação pública brasileira destacando a situação do professor de História que atua no Ensino Religioso e a partir da experiência do estado do Rio Grande do Sul. Para isso, lança mão de documentos oficiais do estado, bem como de decisões jurídicas do STF que expressam as disputas ideológicas presentes nas decisões que permitiram a disciplina de forma confessional.

Na sessão de ensaios de graduação, apresentamos mais quatro textos. Em “Miguel Hidalgo: um homem e seus significados” Rebeca Capozzi analisa dois murais pintados por artistas mexicanos que retratam a figura de Miguel Hidalgo: Mural Independencia (1937) de Jose Clemente Orozco, e o Retábulo de la Independência (1960-1961) de Juan O’Gorman. No segundo ensaio, “O sonho por uma República: considerações acerca do movimento separatista da Província da Bahia”, Luan Silveira aponta aspectos da Sabinada, movimento separatista ocorrido em Salvador entre 1837 e 1838. Em sequência, no texto “Um olhar peculiar para a natureza: os Guarani e suas crenças”, Renata Silva aborda algumas concepções do povo Guarani em relação à natureza, por meio do documentário “Flor Brilhante e as cicatrizes da pedra” (2010), de Jade Rainho. A sessão de ensaios de graduação ainda possui o texto de Matheus Silva, “Do início da República até os anos 30: como traçar o perfil do ensino de História?”, em que apresenta um comparativo de narrativas da história ensinada, no período entre 1889 e 1930.

Esta edição da Revista Trilhas da História conta ainda com a resenha de Carlile Lanzieri e Francieli Marinato, da obra de Gilberto Crispino, “Disputa de un cristiano con un gentil sobre la fe cristiana”. Buenos Aires: Centro de Investigaciones Filosóficas, 2017, 50p (Prólogo, tradução e notas por Natalia Jakubecki)

Desejamos, a todos e todas, uma boa leitura.

Mariana Esteves de Oliveira – UFMS / CPTL

Paulo Pinheiro Machado – UFSC


OLIVEIRA, Mariana Esteves de; MACHADO, Paulo Pinheiro. Apresentação. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.7, n.14, jan. / jun., 2018. Acessar publicação original [DR]

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História Social do Trabalho na Amazônia / Manduarisawa / 2017

História Social do Trabalho na Amazônia / Manduarisawa / 2017

A Manduarisawa – Revista Discente do Curso de História da Universidade Federal do Amazonas tem por objetivo ser um periódico anual, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Federal do Amazonas (PPGH / UFAM), que conta com a participação, no seu corpo editorial, dos alunos da graduação do Curso de Licenciatura Plena em História (UFAM) e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Amazonas (PPGH / UFAM).

A Manduarisawa nasceu da inquietação de jovens acadêmicos que almejavam contribuir e incentivar a produção do conhecimento científico na Amazônia. Dessa forma, desejamos que a Revista Discente seja um canal de divulgação das pesquisas acadêmicas e um meio no qual possibilita a troca de experiências e saberes. Esperamos que o periódico possa também colaborar de forma significativa para o desenvolvimento intelectual de cada autor (a), parecerista e leitor (a). E por fim, que esse seja um espaço de debate, crítica e reflexão sobre a nossa pratica de pesquisa e escrita no campo da História.

Nesse seu primeiro volume, o corpo editorial decidiu estimular o debate sobre a História Social do Trabalho na Amazônia, por isso, lança-se com onze artigos, dividindo-se entre: Dossiê temático, Artigos Livres, Resenhas e Pesquisa em Experiência em Docência.

Considerando a constante necessidade de discutir as experiências e práticas sociais que englobam as categorias do trabalho na região amazônica, este dossiê visa fomentar o debate do campo da História do Trabalho que tem articulado discussões bastante amplas e diversificadas, como os estudos de gênero, etnicidade, relações e interações entre trabalho livre e escravo, pós-abolição, identidade e migrações. Revisita também temas clássicos, como as múltiplas relações que se estabelecem entre os trabalhadores e suas organizações representativas; entre eles e o patronato, assim também como com o Estado. No interior destes Mundos do Trabalho, para usar a feliz e rica expressão consagrada por Eric Hobsbawm, os temas são os mais variados, indo desde a discussão de paradigmas interpretativos e debate historiográfico em torno da temática, até a análise das relações entre categorias distintas de trabalhadores, passando pelo tenso diálogo estabelecido pelas associações operárias com as mais diversas organizações da sociedade e instituições do Estado; pelos conflitos trabalhistas; as relações e distinções entre campo e cidade e entre trabalhadores urbanos e rurais, os mecanismos de controle e resistência, o trabalho feminino e infantil, etc.

Iniciamos o Dossiê “História Social do Trabalho na Amazônia” com o artigo “Novas incursões da Pesquisa Histórica: o uso do processo judicial trabalhista como fonte”, de Francisca Deusa Costa, que discute o uso do processo judicial trabalhista como fonte histórica na Amazônia, apresentando um estudo de caso com base numa reclamatória em Itacoatiara no ano de 1974. A autora também apresenta quadro atual do acervo do Centro de Memória da Justiça do Trabalho da 11ª Região – CEMEJ11, disponível para consulta e pesquisa.

Em “Imigração, propaganda e legislação: a marginalização do trabalhador nacional nos programas de colonização no Pará (1880 – 1900)”, os autores Francisnaldo Sousa dos Santos e Francivaldo Alves Nunes abordam sobre a imigração ao analisar a todo o favorecimento dado pelas iniciativas estatais no Pará aos trabalhadores estrangeiros em detrimento dos trabalhadores nacionais quanto aos programas de colonização onde esses agentes públicos buscavam por meio da criação de núcleos coloniais e o consequente povoamento desses espaços agrícolas fomentar a produção agrícola nas áreas próximas à capital Belém.

No artigo “Operariado feminino: uma conjuntura plural em uma capital da Amazônia (Belém, 1930–1935)”, de José Ivanilson Rodrigues e Lais Luane Veras, discute-se as questões de gênero, operariado feminino e associativismo na capital paraense. Os autores se empenharam em demonstrar os espaços diversos de atuação das operárias: fabricas, serviços autônomos, oficinas, companheiras de labuta, entre outros, além de aspectos cotidianos, como: os salários auferidos, a aflição do desemprego, o compartilhamento do oficio entre operários e operárias no trabalho autônomo, a busca por recolocação mercado de trabalho, inclusive suscitando a migração entre ofícios.

Luciano Everton Teles em “Acerca do Jornal Confederação do Trabalho: Mundos do Trabalho, Elite Extrativista / Comercial e “Bloco de interesses do Trabalho” – Amazonas 1909 / 1910” analisa o movimento operário e os interesses de segmentos da elite local em produzir uma fala direcionada ao operariado cujo conteúdo continha uma proposta política de formação de um “bloco de interesses do trabalho”, explicitando o contexto social e político que contribuíram para esse processo.

“Entre restos: memórias e história de mulheres garis em Manaus (1985-2015)”, de Ramily Frota Panjota, busca investigar, através de fontes orais, as histórias e memórias das mulheres que trabalham como garis na cidade de Manaus, refletindo acerca da constituição das relações sociais na cidade através das questões de gênero e trabalho no interstício de 1985 a 2015.

Fechando o Dossiê Temático, Richard Kennedy Candido em “Primeiro de maio em tempos de repressão: o “Grande Dia” do operariado mundial na ditadura civil-militar brasileira através do Jornal do Comércio do Amazonas (1964-1968)” expõe como as celebrações do Primeiro de Maio foram realizadas em Manaus nos anos de 1964-1968 dentro do período da ditadura civil-militar brasileira. Utiliza como fonte o Jornal do Comércio para mostrar toda a amplitude da maior data do operariado mundial na cidade.

Os autores Daniel Rodrigues Palheta e Alexandre da S. Santos abrem a sessão Artigos Livres com o trabalho “As motivações econômicas do Estado Português que levaram à diáspora de populações africanas para Amazônia, nos séculos XVII e XVIII” e realizam uma discussão histórica e historiográfica sobre a escravidão de negros na Amazônia Colonial.

No artigo “A metáfora da fronteira no Poema Uiara, de Octávio Sarmento”, Alexandre da Silva Santos discute sobre a alteridade constituinte na identidade do imigrante nordestino, por meio do personagem Militão, no período áureo da borracha na Amazônia, através do poema “Uiara”, de Octávio Sarmento, poeta amazonense recém descoberto pela crítica local.

Apresentam-se nesse volume duas resenhas: “Informação, repressão e memória: a construção do estado de exceção no Brasil na perspectiva do DOPS-PE (1964-1985)” de Rafael Leite Ferreira e “Representações utópicas no Ensino de História” de Michele Pires Lima.

Na sessão Pesquisa em Experiência em Docência, o trabalho de Nadinny Alves de Souza, “Entre o real e o ideal: Reflexões sobre o saber histórico a partir da experiência do PIBID” apresenta os problemas presentes na relação estabelecida entre o debate acadêmico e atuação docente dos profissionais de História e busca constituir uma discussão o mais próximo possível da realidade encontrada nas salas de aula do ensino básico.

Enaltecemos a contribuição dos autores com seus respectivos trabalhos, a colaboração generosa e qualificada dos pesquisadores (as) e professores (as) que avaliam os trabalhos enviados à revista, aos nossos incentivadores e apoiadores nessa jornada. Fazemos menção à colaboração da equipe fundadora da Revista que promoveram a criação do periódico, ao Departamento de História e Programa de Pós-graduação em História da UFAM, nosso agradecimento.

Com isso, a Manduarisawa espera continuar cumprindo a sua missão de origem que é estimular, por meio do debate e divulgação, os trabalhos de pesquisa na área da História, Ciências Humanas e Sociais.

Kívia Mirrana Pereira

Davi Monteiro Abreu

Evelyn Ramos

Isabela Albuquerque

Raoni Lopes

Rômulo de Sousa

Thaieny Gama

Equipe Editorial


PEREIRA, Kívia Mirrana et. al. Apresentação. Manduarisawa, Manaus, v.1, n.1, 2017. Acessar publicação original. [DR].

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História Social do Trabalho na Amazônia | Mundos do Trabalho | 2017

Até́ o início dos anos 1970, a teḿtica do trabalho ocupou, de modo geral, uma posição ambígua nas análises sobre história da Amazônia.1 Embora considerado um aspecto fundamental no processo de conquista socioeconômica e cultural da região, sua importância esteve frequentemente reduzida a um mero instrumento das ações políticas e alegados interesses civilizatórios dos colonizadores.2 Tal como em outras narrativas semelhantes, índios, negros e a maioria da população pobre livre e liberta figuravam como coadjuvantes de uma história que parecia ocorrer alheia às suas presenças, não obstante os constantes esforços para torná-los mão de obra disponível a quem pudesse reivindicá-la.

Desde entã̃o, muito se avançou nos estudos sobre história e historiograia da Amazônia, cujo escopo se ampliou significativamente, rumo aos mais diferentes temas. Num primeiro momento, entre o fim da dé́cada de 1960 e meados dos anos 1980, algumas pesquisas realizaram densas análises sobre as estruturas e relações econômicas da região, enfatizando os principais projetos políticos e atividades produtivas ali realizadas, desde a Colônia at́é o início da fase republicana.3 Já naquele mesmo período, surgiram estudos preocupados em interpretar as diferentes formas de exploração de trabalhadores indígenas, migrantes (principalmente cearenses) e os chamados “caboclos”, em recortes temporais que abrangiam desde o sé́culo XVIII at́é o final do XIX.4 Leia Mais

História Social do Trabalho / Crítica Histórica / 2012

Fechamos a edição da Revista Crítica Histórica nº 5 – Dossiê História Social do Trabalho no Brasil certos de que o debate intelectual é parte central na construção do conhecimento. Elaborado a partir de convites a pesquisadores, em especial do Nordeste brasileiro, o presente Dossiê marca a dimensão em que essa área temática e as suas diferentes abordagens se encontram e as possibilidades se apresentam de forma expressiva. Os seis artigos que o compõem, estabelecem o diálogo conceitual e empírico de longa tradição entre os historiadores e cientistas sociais.

Os artigos abrangem um recorte temporal que extrapolou os marcos do período republicano da pesquisa precedente e se estendem tematicamente nas experiências dos trabalhadores brasileiros. No interior destas histórias, os temas são variados e enfatizam desde os paradigmas interpretativos e o debate historiográfico a respeito das relações entre Estado e trabalhadores, passando pelas experiências e processos da relação dos trabalhadores (urbanos e rurais) com instituições de Estado e com organizações sindicais, pelos conflitos trabalhistas e o movimento operário, o trabalho e os trabalhadores no mundo contemporâneo.

O artigo “Rodando a baiana e interrogando um princípio básico do comunismo e da história social: o sentido marxista tradicional de classe operária”, de Antonio L. Negro, abre o debate provocando a reflexão acerca dos limites do sentido marxista tradicional de classe operária para entender a formação da classe trabalhadora no Brasil. Chama a atenção para as especificidades dessa conceituação tradicional que, centrada na formação da classe trabalhadora inglesa, carrega uma distinção entre o fenômeno histórico e o conceito.

Partindo da sistematização da produção historiográfica no Brasil das últimas décadas, o segundo artigo que compõe o Dossiê, “Pela Reforma, Contra a Revolução: notas sobre o reformismo e colaboracionismo na história do movimento operário brasileiro da Primeira República”, de Tiago Bernardon de Oliveira, pontua com pertinência a centralidade que algumas temáticas ocuparam no interior da História Social do Trabalho. Ao constatar que correntes do movimento operário da Primeira República, muitas vezes consideradas como reformistas, estiveram marginalizadas da produção historiográfica mais recente, o artigo busca no sindicalismo reformista elementos formadores de uma cultura política dos trabalhadores.

De forma geral, os quatro artigos seguintes que compõem o Dossiê apresentam resultados de pesquisas que confluem para aspectos de um debate estabelecido entre a História e a Antropologia e, mais especificamente, podemos dizer, entre história social, história regional e recortes mais específicos, por vezes dialogando com o olhar da micro-história. Os sentidos e as linhagens que daí resultam são extensos e dispersos. Por isso, longe de querer classificar tais artigos, buscamos entendê-los e apresentá-los naquilo que há de mais enriquecedor: a formação das classes trabalhadoras como fenômeno singular. Os artigos, assim, visitam quatro estados do Nordeste brasileiro, várias categorias de trabalhadores, em eventos e períodos específicos.

“Da aldeia da preguiça à ativa colmeia operária: o processo de constituição da cidade-fábrica Rio Tinto – Parahyba do Norte (1917-1924)”, de Eltern Campina Vale, procura entender o processo de instalação da tecelagem Rio Tinto nas primeiras décadas do século XX, em Mamanguape – microrregião do litoral norte paraibano, área de produção de sacarose no século XIX. Neste processo, deixa clara a articulação existente entre as oligarquias e os empreendimentos da indústria têxtil, com isenções de impostos, incentivos de diversas naturezas, assunção de serviços públicos por parte da fábrica. Outra estratégia utilizada gira em torno do esbulho de territórios indígenas, da ocupação de terras devolutas. Da instalação da unidade fabril, com o seu ideário de modernização, chegam os migrantes que vão formar a classe operária e, com ela, a Vila Operária.

Conceitos como coronelismo e paternalismo ganham vida no artigo “Trabalhadores, organizações e disputas políticas na última década da Primeira República”, de Philipe Murillo Santana de Carvalho. Recuperando estratégias de negociação de organizações de trabalhadores do Sul da Bahia, especificamente, Itabuna e Ilhéus, em disputas e conflitos, o artigo articula a dimensão dos “de baixo” e a dominação no funcionamento da política institucional local.

A dupla de autores, Airton de Souza Melo e Anderson Vieira Moura, nos apresenta artigo sobre a greve dos operários da Fábrica Carmem, em 1956, “Uma greve espontânea em Fernão Velho: Comissão Operária, Justiça do Trabalho e repressão patronal”. Sendo a primeira e, durante muitos anos, a mais importante indústria têxtil do estado de Alagoas, foi cenário do movimento paredista que reivindicava o pagamento do “novo” salário mínimo aos operários. Os proprietários da fábrica mobilizaram rapidamente a estrutura da Justiça do Trabalho e, assim que o delegado regional chegou, a greve foi encerrada com a “promessa” de mediação do conflito e sem prejuízos legais para os trabalhadores. A promessa não foi cumprida e vários trabalhadores foram punidos e, dentre eles, cinco responderam juridicamente na Justiça do Trabalho de Alagoas.

E para encerrar o Dossiê História Social do Trabalho no Brasil, o artigo de José Marcelo Marques Ferreira Filho, “Conflitos trabalhistas nas ‘terras do açúcar: Zona da Mata Pernambucana (anos 1960)”, analisa o momento de promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural (assim como a formação das Juntas de Conciliação e Julgamento) e sua aplicação na região de plantação de cana-de-açúcar, buscando, para além dos ganhos e perdas dos trabalhadores, entender as suas ações, os limites e o alcance de suas estratégias. Através do olhar do jovem pesquisador, além de um levantamento que revela o movimento de acionar a justiça pelos trabalhadores, encontramos uma pertinente e aguçada leitura dos silêncios da documentação serial utilizada, fornecendo-nos sugestivas pistas para perscrutar alguns dados que não visto com facilidade através da quantificação.

Abrindo a Seção Artigos (de fluxo contínuo), “Entre emoções e leis naturais: reflexões sobre o conceito de ‘motim’ na obra do Barão de Guajará”, de Luciano Demotrius Barbosa Lima, debate como a ideia de motim articula os conflitos sócio-econômicos no Pará do século XIX. Partindo da obra do historiador, Domingos Antonio Raiol (Barão de Guajará), faz escrutínio do conceito e o analisa no debate sobre romantismo e cientificismo do período.

Já no final do século XIX, vamos para a formação da capital de Minas Gerais, na qual as elites se afinam com um projeto de “modernização” claramente identificado com as ideias de civilização e racionalidade que se chocam com a realidade da classe trabalhadora presente no centro urbano de Belo Horizonte. Assim, o artigo “O sonho da metrópole fin de siècle em vias de definição: ordem social, moral pública e mundo do trabalho em Minas Gerais (1897-1920)” de Fabio Luiz Rigueira Simão, apresenta-nos um cenário de conflitos e descontinuidades que se vai desenhando nos métodos e discursos do poder público, construídos através de uma lógica do trabalho que visa romper as resistências da população pobre e assimila-las ao projeto das elites mineiras.

Abrindo o que poderíamos chamar de segundo bloco dessa seção, o artigo “O custo de uma devoção: horas de trabalho e itens de um ritual do candomblé no início do século XX”, de Flávio Gonçalves dos Santos, entende as atividades no e do candomblé a partir da cultura material, trazendo à tona a dimensão dos custos dos objetos ali utilizados e das horas de trabalho dispendidas. Inserindo os rituais de candomblé em um contexto pouco explorado, análogo a um mercado consumidor, o artigo articula o culto aos orixás à solução de aflições das pessoas em suas experiências do cotidiano.

“Homi Bhabha leitor de Frantz Fanon: acerca da prerrogativa pós-colonial”, de Muryatan Santana Barbosa, refaz os passos da leitura de Fanon realizada décadas depois pelo indiano Bhabha e recupera conceitos do primeiro relegados pelo segundo, inserindo-os no debate contemporâneo sobre o pós-colonialismo.

Em seguida, o artigo “Jornalismo e imprensa: relações com o civilizado, o histórico e o político”, de Mauro Luiz Barbosa Marques, debate o papel e as funções do jornalismo e da imprensa a partir de autores como Pierre Bourdieu e Norbert Elias. Atribuindo-lhes um lugar na sociedade contemporânea, que se organiza conceitualmente através de ideias como civilização, história e política, o autor enfatiza sua produção como fonte para a historiografia e reconhece suas possibilidades e limites.

E, para encerrar essa edição, a resenha de divulgação (de David Vital Acioli e Dionísio Josino de Oliveira Filho) do livro Tudo pelo trabalho livre: trabalhadores e conflitos no pós-abolição (Bahia, 1892-1909), de Robério Santos Souza, não poderia vir em melhor momento. Obra publicada no ano passado, a partir da dissertação de mestrado defendida pelo autor junto ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Campinas, em co-edição EDUFBA e FAPESP, acaba de obter o segundo lugar na categoria “Obra Publicada” no Prêmio Kátia Mattoso de História da Bahia, promovido pela Fundação Pedro Calmon / Secretaria de Cultura / Governo do Estado da Bahia. História cheia de coragem e inovação, mostra-nos como a construção da estrada de ferro que liga a Bahia ao São Francisco, no fim do século XIX e início do XX, gera a formação de uma classe trabalhadora singular, pois originária de ex-escravos, marcados pelas experiências contra a exploração de sua força de trabalho e pela dignidade.

Em meio a tantas histórias dos trabalhadores, de suas organizações, de suas estratégias de ação e luta, não poderíamos deixar de mencionar que essa edição surge durante a maior greve dos docentes das IFES no país, sem contar as inúmeras categorias diretamente ligadas ao governo federal que também se encontram em greve e outras que pipocam suas reivindicações no mapa nacional. Assim, na vida real, com homens e mulheres de carne e osso, se faz a luta por melhores salários, condições de trabalho, por direitos e cidadania. Esperamos que a leitura desses artigos contribua para a reflexão e para o estímulo a pesquisas futuras.

Ana Paula Palamartchuk – Professora Doutora. Editora Chefe / Coordenadora do Dossiê

Osvaldo Maciel – Professor Doutor. Coordenador do Dossiê


PALAMARTCHUK, Ana Paula; MACIEL, Osvaldo. Apresentação. Crítica Histórica, Maceió, v. 3, n. 5, julho, 2012. Acessar publicação original [DR]

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