Filologia e História / Politeia: História e Sociedade / 2015

Este número de Politeia reúne um conjunto de estudos filológicos, cujo denominador comum é não apenas problematizar a relação entre prática letrada e realidade social, mas sobretudo privilegiar a materialidade da comunicação, examinando os códigos retóricos e bibliográficos, na perspectiva da história do livro e das edições.

Em seu belo ensaio, Gumbrecht discute a penetração do paradigma filológico germânico em França, ao historiar a formação acadêmica de Gaston Paris, na Alemanha, demonstrando que é com este filólogo francês que principia o que se pode chamar de filologia metódica no campo românico. É sabido que a edição crítica do Vie de Saint Alexis, publicada pela primeira vez em 1872, inaugura a crítica de textos no campo românico baseada em princípios críticos lachmannianos. Hans Ulrich Gumbrecht discute a oposição que houve entre a filologia parisiana e aquela outra, anterior a ela, praticada pelo filólogo Paulin Paris, pai de Gaston, e a quem ele sucedeu no Collège de France.

O estudo de Bernard Cerquiglini, de certo modo, complementa o de Hans Ulrich Gumbrecht, também traduzido por Marcia Arruda Franco. Esse artigo de Cerquiglini, traduzido por Marcia Arruda Franco e Cristina Nagle, “Elogio da Variante”, é um dos textos seminais da Nova Filologia, que empreende uma vigorosa crítica das matrizes filológicas que visam à recuperação do texto dito “genuíno”, sobretudo do lachmannismo em suas muitas vertentes, em que a obsessão pelo Ur foi elevada à condição de possibilidade de se fazer filologia.

Já Marcello Moreira, em seu estudo sobre carta em que José de Anchieta descreve elementos da fauna e da flora brasílicas, discute os preceitos retóricos e poéticos que regravam a descripitio, demonstrando como coisas nunca vistas eram descritas analogicamente a partir do que então se conhecia e cujos loci eram largamente partilhados pelos letrados. Demonstra, assim, que o que se declarava sobre o leão, por exemplo, desde tratados como o de Plínio, o Velho, não dependia de uma suposta empiria, da observação positiva do que seria um leão, mas sim da força dóxica da tradição.

Justamente a palavra regrada, independentemente do gênero literário, ao se reproduzir como ato sociolinguístico, cuja função é sublinhar o poder monárquico, impõe-se como documento próprio ao estudo das ideias e das mentalidades no estudo de Marcia Arruda Franco. Este persegue o lugar do letrado e do poeta na rede clientelista da monarquia portuguesa, por meio da leitura de El perfecto principe christiano, de Francisco de Monzón, de 1544, e de poemas, epístolas dedicatórias, e outros documentos quinhentistas, a fim de mostrar que a educação dos príncipes ibéricos, pais de D. Sebastião, os vocacionou ao mecenato.

Pedro Serra, enfocando o século XX, exerce a crítica literária como filologia e nos ensina um modo crítico de ler a relação política entre discurso poético e mentalidade, ao examinar, na transição espanhola, e na outra transição, por assim dizer, filológica, Así se fundó Carnaby Street, de Leopoldo María Panero.

O texto de Maria Ana Ramos, ao examinar o código bibliográfico e iconográfico de um códice incompleto como o do Cancioneiro da Ajuda mostra como o foco na materialidade da comunicação pode revolucionar um campo de estudos, na medida em que a sua análise faz emergir sentidos próprios do Medievo, como a circulação em performance das cantigas galego-portuguesas.

Por fim, Márcio Muniz, em estudo sobre o gênero dramático no Portugal quinhentista, relaciona preceptivas e textos teatrais, ao tempo em que também, ao explorar elementos paratextuais de vária natureza, como títulos, didascálias, rubricas etc., demonstra que eles explicitam uma poética teatral ao mesmo tempo em que orientam, sobretudo, a encenação, sendo excelente fonte de pesquisa para a compreensão do horizonte de expectativa do público primeiro e dos que estavam envolvidos com a criação teatral.

Marcello Moreira – Professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) Doutor em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP) E-mail: [email protected]

Marcia Arruda Franco – Professora da Universidade de São Paulo (USP) Doutora em Letras Vernáculas / Literatura Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) E-mail: [email protected]


MOREIRA, Marcello; FRANCO, Marcia Arruda. Apresentação. Politeia: História e Sociedade. Vitória da Conquista, v. 15, n. 1, 2015. Acessar publicação original [DR]

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Este número de Politeia reúne um conjunto de estudos filológicos, cujo denominador comum é não apenas problematizar a relação entre prática letrada e realidade social, mas sobretudo privilegiar a materialidade da comunicação, examinando os códigos retóricos e bibliográficos, na perspectiva da história do livro e das edições.

Em seu belo ensaio, Gumbrecht discute a penetração do paradigma filológico germânico em França, ao historiar a formação acadêmica de Gaston Paris, na Alemanha, demonstrando que é com este filólogo francês que principia o que se pode chamar de filologia metódica no campo românico. É sabido que a edição crítica do Vie de Saint Alexis, publicada pela primeira vez em 1872, inaugura a crítica de textos no campo românico baseada em princípios críticos lachmannianos. Hans Ulrich Gumbrecht discute a oposição que houve entre a filologia parisiana e aquela outra, anterior a ela, praticada pelo filólogo Paulin Paris, pai de Gaston, e a quem ele sucedeu no Collège de France. Leia Mais