Política e sociedade no Brasil oitocentista: história e historiografia (II) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2021

Filosofia e Historia da Biologia 28 Política e sociedade no Brasil
Rancho na região da serra do Caraça, MG, Spix e Von Martius, 1817-1820 | Imagem: JLLO |

É com satisfação que publicamos a segunda parte do dossiê Política e sociedade no Brasil oitocentista: história e historiografia. Os artigos selecionados tratam das interfaces entre o poder, as culturas políticas e a sociedade, a partir de perspectivas teórico-metodológicas que focalizem as rupturas, as permanências, os antagonismos e as ambivalências historicamente tecidas nas múltiplas formas de relações sociais entre as elites e as camadas populares no Brasil durante o século XIX, nas mais diversas dimensões do poder e seus reflexos na sociedade e na economia. Atualizações e ressignificações do local e do regional diante das injunções produzidas pela dinâmica do global, assim com os processos e as tramas que singularizam as histórias do local e regional, em suas demissões social, econômica e de poder são também contempladas.

O primeiro artigo que abre o Dossiê, de Francivaldo Alves Nunes, intitulado na gigantesca floresta de metais: O Engenho Central São Pedro do Pindaré e os debates sobre a lavoura maranhense no século XIX, nos remete a implantação dos engenhos centrais como solução para o processo de modernização da atividade açucareira em fins do século XIX, tendo como palco a província do Maranhão. Em diálogo com a historiografia, o autor demonstra o quanto o otimismo presente na imprensa e nos relatórios dos presidentes de província em relação a essa inovação produtiva contrastava com as dificuldades e os obstáculos encontrados para sua realização, tais como a falta do concurso do capital externo para atender aos seus vultosos custos, o conflito de interesses entre produtores de cana e o Engenho central e a ausência de inovação na atividade agrícola.

Já o artigo Ofícios mecânicos e a câmara: regulamentação e controle na Vila Real de Sabará (1735-1829), de Ludmila Machado Pereira de Oliveira Torres, analisa a ação de reguladora exercida pela Câmara municipal de Sabará no território sub sua jurisdição e na ausência de corporações com essas funções em Minas Gerais, em fins do período colonial e início do Imperial. Nessa direção, a autora procede à verificação da eficiência deste poder público em regulamentar o trabalho mecânico por meio da realização de exames dos candidatos aos ofícios, proceder às eleições de juízes de ofício, tabelar preços e conceder licenças à categoria. Por outro lado, o texto ainda se detém no universo dos ofícios mecânicos na região, na maior ou menor presença de escravizados no seu meio e na relação desses trabalhadores com a instituição que os fiscalizava e regulava.

No texto de Jeffrey Aislan de Souza Silva, “Nunca pode, um sequer, ser preso pela ativa guarda”: a Guarda Cívica do Recife e as críticas ao policiamento urbano no século XIX (1876-1889), temos a abordagem de um aparato policial criado na capital de Pernambuco com a dupla função de combater a criminalidade e disciplinar a população. Nele é investigada a lei que criou essa força pública em seus diversos aspectos, como também a sua estrutura hierárquica, funções e os requisitos para o ingresso na corporação Além disso, o autor discute a eficácia e comportamento desse aparato de segurança, que mereceu uma avaliação nada lisonjeira dos seus contemporâneos na imprensa.

Com o título Gênero, raça e classe no Oitocentos: os casos da Assembleia do Bello Sexo e do Congresso Feminino, Laura Junqueira de Mello Reis pesquisa dois jornais na Corte, A Marmota na Corte e O Periódico dos Pobres, que possuíam seções especificamente dedicas às mulheres, e que tinham como seus principais colaboradores homens. Ao longo do artigo discutem-se os assuntos e as abordagens constantes nesses impressos do interesse de suas leitoras, como matrimônio, adultério, maternidade e emancipação feminina, entre outros. A perspectiva teórico-metodológica da autora busca realçar a questão de gênero sempre levando em conta a condição racial e de classe das mulheres a que os dois periódicos almejavam cativar e orientar, no caso as mulheres brancas, alfabetizadas e da elite.

O trabalho Arranjos eleitorais no processo de eleições em Minas Gerais na década de 1860, de Michel Saldanha, versa sobre importante temática política que cada vez mais vem merecendo a atenção da historiografia: as eleições. Embora as eleições sejam um assunto sempre referido nos trabalhos sobre a histórica política do Império, só recentemente vimos surgir inúmeras pesquisas que têm como seu objetivo particular o processo e a dinâmica eleitoral em diversos momentos e espaços do Brasil oitocentista. A autora se debruça sobre as eleições em Minas Gerais, na década de 1860, com um intuito de discutir as estratégias informais e formais utilizadas pelos candidatos e partidos para obtenção de sucesso nas urnas. Neste sentido, a difícil feitura da chapa de candidatos, a busca de aproximação dos dirigentes políticos com o seu eleitorado e a qualificação dos votantes estão entre as práticas eleitorais analisadas.

Educação e trabalho: a função “regeneradora” das escolas nas cadeias da Parahyba Norte é o título do artigo Suênya do Nascimento Costa. Nas suas páginas, são abordadas as práticas pedagógicas no Brasil do século XIX direcionadas à população carcerária, em sua maioria constituída de pessoas de origem humilde, no intuito não só de discipliná-las, mas também instruí-las sobre os valores dominantes que deveriam reabilitar os indivíduos criminosos para o convívio social, especialmente através do trabalho, em conformidade as ideias em voga no século XIX.

O artigo de Paulo de Oliveira Nascimento, intitulado Até onde mandam os delegados: limites e possibilidades do poder dos presidentes de província no Grão-Pará e Amazonas (1849 – 1856), versa sobre o executivo provincial cujos titulares, na qualidade de representantes do governo central, buscavam impor a orientação dos gabinetes às diversas partes do Império nem sempre com sucesso. No território do Amazonas o autor explora as dificuldades enfrentadas pelos presidentes para administrar um conflito antigo em particular, o que envolvia o religioso e diretor da Missão de Andiras e as autoridades locais pelo controle dos indígenas.

O estudo sobre a instância de poder provincial é também o assunto do artigo Instituições entre disputas de poder e a remoção dos párocos em Minas Gerais, de Júlia Lopes Viana lazzarine, que aborda a interferência dos presidentes de província no Padroado Régio, tida como supostamente prevista no Ato Adicional. Como aconteceu frequentemente por todo o país à época da Regência, a extrapolação das atribuições de poder na esfera províncias, prevista naquela lei descentralizadora, terminou por conflitar diversas instâncias político-administrativas. Em Minas Gerais não foi diferente. No caso discutido, ocorreu o embate, de um lado, entre o governo provincial e a Igreja; e de outro, entre a Assembleia Provincial e a Câmara dos deputados.

O artigo de Rafhaela Ferreira Gonçalves, Contornos políticos em torno dos processos cíveis de liberdade na zona da mata pernambucana: a denúncia de Florinda Maria e o caso dos pardos Antônio Gonçalves e Bellarmino José (1860-1870), discuti como base documental os processos cíveis, que constam na atualidade como fontes valiosas para a compreensão da luta dos escravizados pela liberdade. Por meio da análise de um deles, a autora consegue muito bem desvendar as estratégias encontradas pelos escravizados para se valerem do sistema normativo dominante a seu favor nos tribunais. A ação de liberdade escolhida pela autora para apreciação não poderia ser melhor. Trata-se do caso de uma liberta que engravidou de seu antigo senhor e depois viu seus filhos, nascidos do ventre livre, serem vendidos pelo pai como se fossem cativos.

Manoel Nunes Cavalcanti Junior, em A Revolta dos Matutos: entre o medo da escravização e a ameaça dos “republiqueiros” (Pernambuco-1838), investiga uma revolta da população livre e pobre do interior, na região da Zona da Mata e Agreste, que teve como estopim um decreto do governo interpretado pelos populares como uma medida visando escravizá-los. Na sua abordagem o autor investiga o levante em dupla perspectiva. Primeiro, no contexto do conflito intra-elite no período regencial , quando a boataria sobre o cativeiro da população foi atribuída pelas autoridades aos inimigos do governo, os chamados Exaltados, os quais procuraram aliciar para o seu lado os habitantes do interior tidos à época como “ignorantes” e de fácil sedução. Segundo, procurando compreender a revolta a partir das motivações próprias da gente livre e pobre do campo, que era a que mais penava com o recrutamento militar e tinha razões de sobra para desconfiar de tudo que vinha das elites e do Estado.

O trabalho O julgamento do patacho Nova Granada: embates diplomáticos entre Brasil e Inglaterra no auge do tráfico atlântico de escravizados nos anos de 1840, de Aline Emanuelle De Biase Albuquerque, nos remete à questão da repressão ao comércio negreiro e dos envolvidos nesse negócio ilícito, arriscado e lucrativo. Por meio de um processo crime que durou anos e que não condenou ninguém, a autora desvenda o conluio entre o governo brasileiro e os traficantes, os desacordos entre as autoridades britânicas e brasileiras no caso, assim como quem eram os integrantes dessa atividade mercantil proibida desde 1831. Na sua apreciação, aspectos interessantes da logística e da organização do tráfico são também revelados, como o tipo de equipamento encontrado nas naus que seguiam para África ou de lá retornavam, e que era considerado prova da atividade negreira, independe da presença de cativos na embarcação.

A imprensa no período de emancipação do Brasil de Portugal, no momento de definição dos rumos da nação que se pretendia construir, consta como temática do artigo O Reverbero Constitucional Fluminense e as interpretações do tempo no contexto da Independência (1821-1822), de João Carlos Escosteguy Filho. Nesse sentido, o autor expõe e problematiza a compreensão do tempo e da trajetória histórica do Brasil e das Américas presentes nas páginas da folha em tela, cujos propósitos eram o de influenciar o debate público e os rumos políticos do país.

Amanda Chiamenti Both, em seu trabalho Imediatos auxiliares da administração: o papel da secretaria de governo na administração da província do Rio Grande do Sul, estuda a secretaria de governo provincial, de grande importância para as presidências, mas ainda pouco explorada pela historiografia. Em meio à substituição frequente de presidentes, o artigo demonstra a relativa permanência dos indivíduos indicados para o posto de secretário da presidência no Rio Grande do Sul, além de explorar quem eram seus titulares, como se dava sua escolha e quais as suas atribuições. Suas conclusões apontam para a posição estratégica desse funcionário para o desejado entrosamento entre os presidentes e a sociedade local.

O texto de Ivan Soares dos Santos encerra o dossiê, intitulado Uma trama de fios discretos: alianças interprovinciais das sociedades públicas de Pernambuco (1831-1832). Ele retoma os estudos de duas importantes associações federais por um viés diferenciado daquele geralmente presente na historiografia sobre o período regencial. Neste sentido, o autor procura explorar e realçar as estratégias políticas construídas pelos liberais federalistas de Pernambuco para além das fronteiras da sua província, no intuito de fortalecê-los como grupo em luta pelo o poder.

Em vista dessas considerações, convidamos todos os interessados na produção histórica recente, inédita e de qualidade à leitura deste dossiê dedicado ao Brasil oitocentista.

Cristiano Luis Cristillino

Suzana Cavani Rosas

Maria Sarita Cristina Mota


CRISTILINO, Cristiano Luís; ROSAS, Suzana Cavani; MOTA, Maria Sarita Cristina. Apresentação. CLIO: Revista de Pesquisa Histórica. Recife, v.39, p.1-6, jan./jun. 2021. Acessar publicação original [IF].

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Política e sociedade no Brasil oitocentista: história e historiografia (I) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2020

A Revista Clio abre este número com a primeira parte do Dossiê Política e sociedade no Brasil oitocentista: história e historiografia, que traz artigos voltados às interfaces entre o poder, as culturas políticas e a sociedade, a partir de perspectivas teórico-metodológicas que focalizem as rupturas, as permanências, os antagonismos e as ambivalências historicamente tecidas nas múltiplas formas de relações sociais entre as elites e as camadas populares no Brasil durante o século XIX, nas mais diversas dimensões de envolvimentos do poder e seus reflexos na sociedade e na economia. A inserção da esfera micro na dimensão macro, as atualizações e ressignificações do local e do regional diante das injunções produzidas pela dinâmica do global, como também apreender os processos e as tramas que singularizam as histórias do local e regional, e o espaço de negociação estabelecido pelos seus atores sociais instituídos nacionalmente. As práticas políticas, a cultura do clientelismo, a organização social e econômica, bem como a inserção e participação das famílias livres e pobres em meio ao universo escravista. As relações e articulações políticas, e econômicas, bem como o perfil dos movimentos sociais, entre os diversos atores, são fundamentais para entender a participação e o protagonismo político de diversos grupos de elite e das camadas populares no “longo século XIX”.

Os cinco primeiros artigos tratam do mundo rural no XIX, a partir do debate sobre o trabalho e as políticas de colonização. Abre esse bloco o artigo de Júlia Leite Gregory, Esquecidos, desclassificados e sem razão de ser? Revisitando a historiografia para localizar o pobre no mundo rural, que traz uma importante análise historiográfica sobre o universo das famílias de trabalhadores livres no meio rural nos séculos XVIII e XIX. Gregory focou sua investigação nos trabalhos que discutem as trajetórias e experiências dos lavradores na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, e mostra os avanços da historiografia em torno deste vasto grupo, que numericamente era maior do que o universo de trabalhadores escravos, mas que ainda apresenta várias lacunas em torno de temas importantes para a compreensão de um grupo complexo e heterogêneo, e que ainda constituem um campo “em aberto” às investigações dos historiadores.

Ainda sobre o universo das famílias livres e pobres do mundo rural no oitocentos, temo o segundo artigo de autoria de Leandro Neves Diniz, intitulado A política de mão de obra no Império brasileiro: da conturbada unificação à precarização do trabalho livre, que discute a precarização do trabalho livre na Paraíba após o fim do tráfico internacional de escravos na década de 1850. Diniz parte da análise do impacto das revoltas regenciais sobre o universo do trabalho livre, especialmente nas relações estabelecidas entre os pequenos lavradores e os grandes proprietários. A desarticulação do tráfico internacional tem destaque na análise de Leandro Diniz, que mostra que o fim da alternativa de renovação das senzalas, mesmo que pela obtenção ilegal de escravizados, criou uma série de ameaças aos libertos, além do direcionamento das políticas de estado para a solução da “crise de braços” para a contratação de imigrantes europeus, relegando-se a um segundo plano os lavradores livres e pobres nacionais. Um cenário que contribuiu para a precarização do trabalho livre no Brasil da segunda metade do século XIX.

As dinâmicas do mundo do trabalho e a superexploração de trabalhadores rurais são o tema do terceiro artigo do dossiê, de autoria de Christine Paulette Yves Rufino Dabat, intitulado Ópio e açúcar: o capitalismo e suas drogas na superexploração dos trabalhadores rurais (Índia e Brasil, séculos XVIII-XIX). Dabat realiza uma investigação comparativa entre o Brasil e Índia no “longo século XIX”, permitindo ao leitor uma boa experiência metodológica da história conectada, tão em voga em Portugal na atualidade. Nesse artigo são analisadas as cadeias produtivas do açúcar e do ópio e o impacto desses produtos no universo do trabalho. Esses dois produtos distintos em suas propriedades e efeitos foram utilizados na expansão na expansão industrial e colonial da Grã-Bretanha: o ópio para enfraquecer os trabalhadores chineses frente às imposições coloniais inglesas, o açúcar como fonte de energia para os trabalhadores na indústria.

Ainda em torno do debate sobre a questão da mão de obra e a colonização no Brasil oitocentista, temos em seguida o artigo de Marcos Antônio Witt, intitulado Projetos de desenvolvimento para o Brasil: imigração, colonização e políticas públicas, que analisa os projetos de imigração no Império do Brasil articulados com as mesmas políticas em curso nos países vizinhos, especialmente a Argentina, o Chile e o Uruguai. Witt discute esses projetos de colonização mostrando as suas várias faces: da questão da mão de obra às teses do “branqueamento”. Além disso, Witt inova o debate ao analisar os limites desses projetos no Brasil oitocentista, especialmente no caso da imigração alemã no sul do Brasil. As políticas imperiais em torno da imigração encontraram barreiras de origens diversas, que frearam os projetos do Império em torno da colonização europeia.

No processo de colonização o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas teve, a partir de 1860, um papel central. No quinto artigo dessa coletânea, Pedro Parga em seu trabalho intitulado O funcionamento da Diretoria de Agricultura e as solicitações de adiamento de prazo para medição entre 1873 e 1889, discute as políticas e o papel do órgão na promoção da colonização. Parga discute a atuação desta repartição nas solicitações de adiamento do prazo de medição e demarcação de terras e também na aplicação das leis agrárias oitocentistas. A investigação desses mecanismos permitiu uma análise dos interesses de grupos específicos articulados em tonos do Estado Imperial.

Em seguida temos um bloco de trabalhos voltados à História Política do Brasil Império. No sexto capítulo temos o artigo de Kelly Eleutério Machado Oliveira intitulado O tempo da província”: revisão bibliográfica crítica da política imperial no Brasil oitocentista, no qual analisa a abordagem historiográfica das províncias e das assembleias provinciais no debate sobre a construção do Estado nacional. Oliveira parte da discussão da obra de Francisco Iglésias sobre a Província de Minas Gerais que, para a autora, criou um divisor de águas na historiografia ao privilegiar a esfera da província na investigação. A partir da obra “Política econômica do governo provincial mineiro (1835-1889)” Kelly Oliveira percorre as obras herdeiras do legado de Francisco Iglésias, debatendo as correntes historiográficas formadas a partir das pesquisas em torno das administrações provinciais.

Em seguida temos o sétimo artigo, intitulado Rupturas e Continuidades na Assembleia Constituinte de 1823: a autoridade do monarca e o lugar do poder local, de autoria de Glauber Miranda Florindo, no qual analisa a estruturação do Estado brasileiro a partir da primeira constituinte do Brasil. Florindo parte da discussão da Constituinte de 1823 no que diz respeito ao debate em torno das administrações dos municípios e províncias. O autor mostra os caminhos percorridos em torno das reformulações das esferas municipais e provinciais, e como elas se apresentavam no debate em torno do pretendido equilíbrio dos poderes no arranjo monárquico-constitucional brasileiro. Glauber Miranda Florindo destaca em seu trabalho uma continuidade discursiva e prática, de alguns elementos oriundos do estado português antes da Constituição de 1822, a base da formação do Estado brasileiro. Florindo mostra as continuidades dos elementos basilares da velha ordem colonial na Constituinte do Brasil de 1823.

Sérgio Armando Diniz Guerra Filho, é o autor do nosso oitavo artigo, intitulado As Câmaras e o Povo: a crise antilusitana de 1831 no interior da província da Bahia, no qual analisa os acontecimentos políticos ocorridos no interior da província da Bahia que tiveram como pano de fundo a crise antilusitana de 1831. Guerra Filho centrou a sua análise na atuação das câmaras municipais, especialmente àquelas do recôncavo baiano, região de grande importância econômica e política para a Bahia. O autor trata das tensões e conflitos políticos ocorridos nestas localidades, demonstrando o impacto dos acontecimentos protagonizados pelos de setores populares nas deliberações das câmaras. Ainda discute a atuação política do povo em geral nesse processo, além dos posicionamentos das autoridades frente aos movimentos rebeldes de 1831 na Bahia.

Seguindo no debate sobre a política no Estado Imperial, o nono artigo cognominado O Visconde da Parnaíba e a construção da ordem imperial na Província do Piauí de autoria de Pedro Vilarinho Castelo Branco, no qual analisa a trajetória de Manuel de Sousa Martins, o Visconde da Parnaíba, um dos personagens centrais da História do Piauí Oitocentista. Castelo Branco investigou a trajetória de vida do visconde, da sua construção a partir dos seus horizontes de expectativas no final do século XVIII, no Piauí. O autor mostra que, apesar das adversidades e das barreiras iniciais impostas pelos limites das suas redes de relações sociais, Manuel de Sousa Martins teve a oportunidade de utilizar as ferramentas de ascensão social presentes nas sociedades colonial e imperial, para si e sua parentela: poder, honra, prestígio social e patrimônio. Pedro Vilarinho Castelo Branco discute ainda a longevidade do visconde frente ao Governo Provincial do Piauí (1823-1843), mostrando várias faces da história política do Império na trajetória do Visconde da Parnaíba.

Amanda Barlavento Gomes é a autora do décimo artigo do dossiê, cognominado Negócios de família: políticos, traficantes de escravizados e empresários pernambucanos no século XIX. Gomes analisa a trajetória do comerciante pernambucano de grosso trato Francisco Antonio de Oliveira e seu filho Augusto Frederico de Oliveira, negociantes que aturam em diversos ramos do comércio e também no tráfico atlântico de escravizados. A autora mostra que em função da proximidade da Lei Antitráfico de 1831, eles diversificaram as suas atividades a partir de investimentos modernos de capitais e na fundação de empresas, contando com articulações políticas importantes dentro e fora do Império do Brasil. Amanda Barlavento Gomes analisou a atuação política desses personagens, que ocuparam os cargos de vereador e deputado geral, mostrando os mecanismos através dos quais eles defenderam os seus interesses familiares, especialmente a partir de suas redes de relações sociais com políticos e comerciantes, o elemento central para o sucesso financeiro da família.

Encerra esse bloco de trabalhos voltados à História Política o artigo de André Átila Fertig e Guilherme Gründling, intitulado Dos campos de batalha à Corte imperial: a relação entre os militares Visconde de Pelotas e Marquês do Herval através de suas correspondências (1869-1879). Fertig e Gründling abordam a trajetória política dos militares sul-rio-grandenses José Antônio Correa da Câmara (Visconde de Pelotas) e Manoel Luís Osório (Marquês do Herval) na segunda metade do século XIX, especialmente as suas articulações após a Guerra do Paraguai. Os autores investigaram as correspondências trocadas entre eles, tecendo uma interessante análise do fenômeno histórico do ingresso de militares no sistema político nas últimas décadas do Império do Brasil.

O décimo segundo artigo do dossiê é de autoria de Carlos Alberto Cunha Miranda, intitulado Médicos e engenheiros no Recife oitocentista: higienismo, implantação de projetos arquitetônicos e de serviços urbanos. Carlos Miranda analisa alguns aspectos dos saberes médicos na cidade do Recife, na perspectiva de implantação de um urbanismo higiênico no século XIX. Neste trabalho foi mostrado que o alto índice de epidemias e de insalubridade dos lugares públicos passou a preocupar os médicos, engenheiros e autoridades governamentais que, a partir daí, procuraram intervir no espaço urbano, nos novos prédios públicos, nos serviços de abastecimento de água e no saneamento, com o objetivo de modernizar a cidade e diminuir o perigo das epidemias que assolavam a Província de Pernambuco, especialmente a cidade do Recife no século XIX. Miranda discute a influência dos médicos e engenheiros nas construções de novas edificações e na implementação de serviços urbanos.

Encerra o Dossiê Política e sociedade no Brasil oitocentista: história e historiografia o artigo de Vandelir Camilo, intitulado Homem de cor: as performatividades de um “mulato” frente ao racismo Doutor José Mauricio Nunes Garcia Junior (1808-1884). Camilo analisa a trajetória de vida de José Mauricio Nunes Gracia Junior, um homem de cor que, apesar das adversidades do racismo no XIX e ciente das suas estratégias de sobrevivência naquele meio, logrou a formação na Academia Médico Cirúrgica em 1831, e ainda alcançou a docência Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e na Academia de Belas Artes. Vandelir Camilo traz uma perspicaz análise de temas como a liberdade e cidadania no Brasil Império a partir deste estudo de caso.

Cristiano Luís Christilino – Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente é professor adjunto na Universidade Estadual da Paraíba. E-mail: [email protected] ORCID: https: / / orcid.org / 0000-0002-9683-2885

Suzana Cavani Rosas – Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente é professora associada na Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected] ORCID: https: / / orcid.org / 0000-0001-5528-0909

Maria Sarita Cristina Mota – Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Atualmente é Investigadora Integrada do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia. E-mail: [email protected] ORCID: https: / / orcid.org / 0000-0002-1705-3999


CHRISTILINO, Cristiano Luís; ROSAS, Suzana Cavani; MOTA, Maria Sarita Cristina. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.38, n.2, jul / dez, 2020. Acessar publicação original [DR]

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